Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREJUIZOS A INDUSTRIA TEXTIL NACIONAL, CAUSADOS PELAS RESTRIÇÕES ALFANDEGARIAS IMPOSTAS PELOS ESTADOS UNIDOS. MANIFESTAÇÃO DE APREENSÃO EM RELAÇÃO A COMPETITIVIDADE DO SETOR, CONFORME CARTA ENCAMINHADA A S.EXA. PELO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDUSTRIA TEXTIL.

Autor
José Alencar (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: José Alencar Gomes da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • PREJUIZOS A INDUSTRIA TEXTIL NACIONAL, CAUSADOS PELAS RESTRIÇÕES ALFANDEGARIAS IMPOSTAS PELOS ESTADOS UNIDOS. MANIFESTAÇÃO DE APREENSÃO EM RELAÇÃO A COMPETITIVIDADE DO SETOR, CONFORME CARTA ENCAMINHADA A S.EXA. PELO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDUSTRIA TEXTIL.
Aparteantes
Arlindo Porto, Ney Suassuna, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2000 - Página 3333
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, INDUSTRIA NACIONAL, INDUSTRIA TEXTIL, BRASIL, INEXISTENCIA, PROTEÇÃO, NEUTRALIDADE, RESTRIÇÃO, ALFANDEGA, IMPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • LEITURA, CARTA, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÕES, INDUSTRIA TEXTIL, DEMONSTRAÇÃO, CRESCIMENTO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, INDUSTRIA NACIONAL.
  • DEFESA, IGUALDADE, TRATAMENTO, EMPRESA NACIONAL, VIABILIDADE, CONCORRENCIA, EMPRESA ESTRANGEIRA.

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna no dia de hoje a fim de discorrer a respeito do que chamamos de problemas das atividades fora da lei e, ao mesmo tempo, trazer notícias do setor têxtil nacional, tendo em vista o aspecto ligado à globalização da economia.

Hoje tive a oportunidade de ouvir com atenção o pronunciamento do eminente Senador José Roberto Arruda, em que S Exª abordava o fato de que o Brasil abre suas fronteiras porque pensa que tal abertura atende ao interesse nacional. Enquanto isso, os Estados Unidos da América, que pregam a abertura, impõem tarifas aduaneiras de proteção à sua economia, que, essa sim, não atende ao interesse nacional brasileiro. Por exemplo, eles pregam que devemos conviver com a abertura da economia, mas cobram US$454 por tonelada de suco de laranja que ingressa no seu mercado.

            Recentemente, estivemos também a braços com a luta das tarifas impostas pelo mercado americano ao aço produzido no Brasil. Há pouco, acabamos de ouvir o eminente Senador Ney Suassuna, que falou sobre a importação de algodão e de coco. Nós conhecemos bem isso. A abertura do mercado à importação de algodão do mercado internacional trouxe problemas terríveis para a cotonicultura brasileira. É que enquanto houver fronteiras políticas haverá tratamento diferenciado em cada país. Cada país tem sua política econômica, sua política de juros, sua política trabalhista, sua política previdenciária, enfim, cada país tem seus custos. Então é preciso que na globalização nós adotemos medidas capazes de neutralizar as diferenças que nos prejudicam. Por exemplo, nos debates com os representantes do governo americano, quando se discutia a taxação que era cobrada para a entrada do suco de laranja no seu mercado, a resposta foi sucinta e no sentido de que cobravam as taxas para proteger os laranjais da Flórida. Não estamos protegendo nossos laranjais nem mesmo em relação ao contrabando, que é uma atividade fora da lei. E fora da lei não há salvação!

Há pouco tempo, visitando a cidade de Natal, fui almoçar com alguns companheiros em um restaurante novo e maravilhoso. Nesse havia uma mesa de frios. Era domingo e pedimos um chope. Disseram-nos que poderíamos nos servir dos queijos e da mesa de frios. Gosto muito do queijo de coalho, um produto artesanal famoso do Rio Grande do Norte. Fui até à mesa com a intenção de servir-me desse queijo, mas lá encontrei uma grande variedade de queijos. Questionei um garçom que me disse que eram todos queijos argentinos. Voltei à minha mesa, tomei meu chope e segui em direção a outro restaurante em que pudesse comer o tradicional queijo de coalho. Chegamos a importar água mineral!

O coco, do qual falou o Senador Ney Suassuna, é da Malásia, que está em um paralelo muito semelhante ao do Nordeste. Esse côco pode ser vendido para as indústrias que consomem em grande escala a matéria-prima no Brasil com taxas de juros de 6% ao ano, enquanto a rede bancária comercial brasileira cobra a mesma taxa ao mês. Então é óbvio que não podemos competir nessa desigualdade de condições.

No caso do setor têxtil, aconteceu que durante muito tempo se desestimularam empresas importantíssimas e tradicionais. Em Minas Gerais, temos empresas de mais de 100 anos que foram remodeladas. Santa Catarina é outro pólo têxtil da maior importância, assim como o Ceará, o Rio Grande do Norte, Campina Grande e João Pessoa na Paraíba e Pernambuco, pólos que têm equipamentos modernos e altamente competitivos.

Não podemos fazer como os americanos? Não é muito difícil. Vamos fazer como os japoneses ensinam: é melhor copiar bem que inventar mal. Temos assistido no Brasil até contrabando do cigarro que produzimos, que vai para o Paraguai e volta como contrabando.

Nesta Casa tramita um projeto de lei que proíbe armas de fogo. Não precisamos de uma nova lei para desarmar os bandidos e colocá-los na cadeia. Corremos o risco de desarmar os cidadãos de bem que têm, às vezes, uma arma de fogo em sua casa ou fazenda, e, com isso, iremos encorajar a atividade dos bandidos.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite V. Exª um aparte, Senador José Alencar?

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Ouço V. Exª, eminente Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - É sempre uma satisfação muito grande ver V. Exª ocupar a tribuna, pelo jeito simples com que V. Exª expõe, mas também pela sua sinceridade e experiência. Quando V. Exª fala em área de importação e em concorrência desleal, o faz como catedrático, porque sei o valor que têm homens como V. Exª para este País. A minha cidade, Campina Grande, recebeu por intermédio de V. Exª um investimento de mais de 260 milhões de dólares, e hoje temos lá uma indústria têxtil de primeiro mundo - mas V. Exª tem feito isso em Minas Gerais, Rio Grande do Norte e em inúmeros outros Estados. V. Exª sabe o quanto sofre o empresário brasileiro com a concorrência desleal, seja na indústria, seja através dos subsídios que os americanos bem sabem conceder, como é o caso da soja, que, praticamente, só se vende depois que eles venderem em todo o mundo, porque praticam 20% a menos que o preço mundial que eles conseguem através de subsídios. É preciso, portanto, que o Governo brasileiro se sensibilize. Se não se fizer exatamente o que V. Exª mencionou, ou seja, copiar os mecanismos e incentivar, só teremos vez para as sobras de mercado que eles não conseguirem preencher. E, muitas vezes, nossas indústrias quebram pelo movimento econômico desleal promovido não só pelos americanos, como pelos chineses e povos de outras nacionalidades. Temos de estar atentos aos acontecimentos, não reinventar a roda e fazer exatamente o que V. Exª aconselha, com sua gigantesca experiência: não adianta querermos criar um mundo novo; devemos copiar o que existe de bom neste mundo. Entendo ser esse o conselho de V. Exª, que, além disso, faz um alerta sobre os fatos terríveis que têm acontecido no mundo econômico. Parabéns! É sempre uma satisfação ouvi-lo. Com sua maneira simples de expor as idéias, V. Exª faz com que qualquer um que o esteja ouvindo o entenda. Fico muito feliz! Obrigado.

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Muito obrigado, eminente Senador Ney Suassuna. O aparte de V. Exª vem engrandecer minha participação hoje.

            Ressalto que não condeno a ação dos Estados Unidos da América quando protegem os laranjais da Flórida, a sua indústria siderúrgica, a sua indústria de calçados das exportações brasileiras. É isso o que deveríamos aprender a fazer aqui. A ingenuidade com que tratamos nossa economia e a ausência de cultura negocial brasileira nos têm levado a esta situação de dificuldade crônica, de subserviência, de endividamento, num País tão rico como o que possuímos.

E, de fato, somos um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais e humanos. O brasileiro é bom, pacato, trabalhador, ordeiro, inteligente, versátil e possui este País maravilhoso, com 8,5 milhões de km², com 200 milhas de mar territorial, com uma extensão de quase 8 mil km de costa, o que eleva o nosso território a mais de 11 milhões de km². Temos terras férteis ainda não aproveitadas; temos um subsolo riquíssimo. Os geólogos, às vezes, afirmam: temos 3,5 milhões de km² de bacias sedimentares onde há petróleo, em terra, isso sem falarmos na plataforma marítima - e é de se dizer que mesmo esse potencial em terra sequer começamos a prospectar.

O Brasil é, pois, indubitavelmente, um país rico, e não podemos, de forma alguma, deixar que este País rico viva cronicamente esse estado de subserviência apenas pela ingenuidade e pelos maus negócios que pratica - e são negócios! Por exemplo, o nosso Ministério das Relações Exteriores defende os princípios - consagrados e absolutamente inatacáveis - da não-intervenção e da autodeterminação dos povos. O Itamaraty deve manter essa posição, mas precisa também acolher um princípio, adotado por países como a Inglaterra, os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha, a Itália, enfim, os países membros do G-7 - Bloco dos países do Primeiro Mundo -, qual seja o de que nada valem as boas relações diplomáticas que não redundem em boas relações comerciais para o País, uma vez que, por meio dessas relações, é que vamos fortalecer a nossa economia, as empresas, que são frações dessa economia, que precisa ser próspera, forte, independente. Só assim poderemos alcançar os objetivos sociais de que tanto falamos nesta Casa.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador José Alencar?

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Vou ler-lhes uma carta breve, do Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil. Antes, porém, ouço, com muita satisfação, o aparte de V. Exª, Senador Arlindo Porto, parlamentar pelo meu Estado.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senador José Alencar, nós, que o conhecemos de perto, como nosso coestaduano, amigo pessoal e liderança empresarial respeitada, ouvimos atentamente o seu pronunciamento nesta tarde. Na condição de empresário mineiro de excelência, sabe valorizar a pessoa e o trabalhador, administrar o capital e, perfeitamente, concorrer nesse mercado globalizado; como líder classista e ex-presidente da nossa Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, ocupa a tribuna com muita competência e com muita autoridade, autoridade de alguém que começa sua vida no interior do Estado, galga os mais altos postos da atividade empresarial mineira e, agora, vem representar nosso Estado no Senado Federal. Gostaríamos de cumprimentá-lo pela oportunidade dos vários temas que V. Exª aborda; contudo, desejamos fazer um rápido comentário sobre a concorrência internacional. O Brasil tem mostrado dispor de condições de competitividade; porém, a concorrência desleal inibe nosso crescimento econômico, inibe nossa presença no mercado internacional. Temos um dos maiores mercados consumidores do mundo, com 160 milhões de brasileiros; todavia, devemos ousar mais e buscar o mercado internacional. V. Exª citou o exemplo clássico do algodão, atividade a que V. Exª está ligado. Ano passado, no mês de outubro, discursávamos desta tribuna para fazer um apelo e quase uma advertência ao Senado da Republica com relação ao que estávamos assistindo por ocasião da rodada de negociações da OMC em Seattle. Advertimos nossas autoridades sobre a situação de desigualdade em que o Brasil se encontra frente a esse mercado e pudemos, ao final, acompanhar o resultado daquela reunião desastrosa, que não acresceu nada, não apenas para o Brasil, mas para os demais países em desenvolvimento. A reação foi enorme. Recentemente veio aqui o Secretário de Comércio norte-americano e, aqui, dentro da nossa casa, dentro do nosso País, fez defesa dos procedimentos restritivos que adotam em nossas relações comerciais. É, sem dúvida, o país que mais privilegia seus empresários, que mais assiste aos seus agricultores e que busca, de todas as formas, legais ou não, institucionais ou não, valorizar aquilo que tem de importante: o seu potencial econômico, o seu crescimento econômico. A prova disso aí está: é o País com o menor índice de desemprego do mundo, com um dos índices de inflação mais baixos do mundo, assegurando, com isso, o crescimento pujante de sua economia e o aumento da qualidade de vida da sua população. Ficamos tristes quando, fazendo uma reflexão dessa natureza, verificamos que nosso produtor não tem a mesma oportunidade, não tem a mesma chance, não tem o mesmo poder de troca; e, aí sim, mais uma vez, chamamos a atenção do Governo brasileiro, especialmente do Itamaraty, na pessoa do competente Ministro Luiz Felipe Lampreia, no sentido de que busque levar não apenas a sua voz ao mundo, mas também a importância do País. O nosso Senador José Roberto Arruda conclamava a que todos fizéssemos restrições àquilo que de melhor os americanos têm e de que tanto se orgulham, seguramente objeto de consumo de todo o mundo, os seus filmes, a sua produção cinematográfica - e esse é apenas um componente. Temos que ter uma relação de troca; temos que ter a coragem de enfrentar esse mercado, porque, em condições de igualdade, o Brasil é, sem dúvida, um País que sabe, que consegue ter supremacia. Os meus cumprimentos pelos temas que V. Exª está levantando e a nossa homenagem a sua atuação como Senador de Minas Gerais, que vem destacando aqui, nesta Casa, temas realmente relevantes. Parabéns!

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Fico muito agradecido, eminente Senador Arlindo Porto, pelas palavras de V. Exª, um companheiro do meu Estado que me dá razões para descer desta tribuna desvanecido, pois as palavras, quando ditas por V. Exª, têm mais valor pelo que V. Exª sempre demonstrou na sua ação na vida pública.

De fato, a minha tese com relação ao problema abordado é muito simples, mas tem sido relegada ao longo da história do Brasil. Temos sido realmente incompetentes para administrar a coisa pública brasileira. Essa incompetência advém da ausência absoluta de vocação e cultura negocial na administração pública. Quando falo em cultura negocial, não me refiro à negociata. É que todos os países que hoje exercem posição hegemônica no campo econômico, político e social são aqueles que não se permitem fazer maus negócios.

Por exemplo, temos no Brasil dois portos, o de Paranaguá e o de Santos, em relação aos quais há um tratado do Brasil com o Paraguai - que me parece ter sido assinado no Estado Novo por Getúlio Vargas. Isto se atribui à reparação de guerra. É a abertura para o Atlântico oferecida pelo Brasil ao Paraguai. Tudo bem. Agora, consta que há contêineres e mais contêineres que ingressam no nosso País e que deveriam se destinar ao Paraguai, carregados de mercadorias as mais variadas possíveis. Há também armas pesadas e sofisticadas e munições que nem chegam ao Paraguai, são despejadas aqui mesmo no Brasil. Além dessas armas, toda sorte de mercadorias às quais não temos nem acesso. A fiscalização da Receita Federal não tem acesso a esses contêineres porque quando eles chegam ao porto, estão num corner ? de bandeira paraguaia. Isso não podemos permitir. Nenhum país que se preza permite coisa desse tipo.

É muito comum que a própria mídia nacional não tenha informações sobre o avanço da indústria têxtil nacional. Por isso quero ler essa carta do ilustre Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, para mostrar a V. Exªs a importância do setor no concerto da economia brasileira, não só pelos empregos que gera como também pelos impostos que arrecada e, além disso, pelo fato de ser um setor que não importa mais o know-how - nós já o possuímos desde o século passado, quando as primeiras indústrias se instalaram no Brasil. Dessa forma, não precisamos pagar nada para operar as nossas empresas. Importamos as máquinas mais modernas como todos os países importam, sem nenhum problema. A nossa empresa é competitiva. Refiro-me à empresa têxtil nacional, não apenas às minhas empresas. Falo sobre a economia nacional.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB - RJ) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Ouço V. Exª com muita satisfação.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB - RJ) - Nobre Senador José Alencar, escutando o pronunciamento riquíssimo e brilhante de V. Exª, em acréscimo ao que escutei dos pronunciamentos do Senador Ney Suassuna e do Senador José Roberto Arruda, tive a impressão de que as coisas começam a mudar neste País. Brasileiros da maior responsabilidade e representação política começam a alertar o Governo brasileiro para o que seria uma ingenuidade, numa postura de que falta capacidade de negociação, como V. Exª bem aponta. No entanto, nobre Senador, receio que não seja simplesmente uma ingenuidade, nem mesmo falta de capacidade de negociação. O Itamaraty já foi uma das agências de negociação internacional mais competentes. O Brasil, no seu setor econômico, também organizou a sua economia com base em negociações importantes que surgiram da construção da usina de Volta Redonda, da siderúrgica nacional, ajustada politicamente pelo Presidente Getúlio Vargas. O Brasil já foi capaz disso. Receio que essa seja uma questão política do Governo e não um problema de ingenuidade. O Governo sabe perfeitamente que outros países realizam essa proteção. Os europeus protegem a sua agricultura. Há quem tenha ido à Seattle e voltado decepcionado. Como isso é possível? Eles foram francos quando disseram: vamos abrir a nossa agricultura; sabemos que os senhores têm condições de produzir alimentos mais baratos do que nós, mas não faremos isso, porque desestruturaremos a sociedade francesa ou a alemã, que dependem, para o seu equilíbrio, do emprego gerado no setor rural - razão pela qual os protegeremos. Os Estados Unidos dão proteção à sua indústria siderúrgica e aos seus laranjais da Flórida, porque sabem que isso é importante. O Brasil mergulhou ingenuamente nessa globalização. V. Exª disse muito bem: temos competência. Todavia, quantas empresas do setor têxtil foram à falência nesses últimos tempos, porque não resistiram a uma vaga gigantesca de importações a preços vis, até mesmo em virtude da prática do dumping? Estou convencido de que essa é uma questão política essencial e que os pronunciamentos de V. Ex.ª e do Senador Ney Suassuna acabam esbarrando num paredão formado pelos compromissos que o Governo assumiu com o mercado financeiro internacional e dos quais não pode abrir mão. Isso gerou um tal estado de vulnerabilidade, que se o Governo começar a tomar medidas de proteção de sua economia, os capitais voam daqui e ficamos em situação de insolvência, tendo que apelar para a moratória, aquele desastre. “O Governo foi longe demais nessa ingenuidade” - entre aspas, porque para mim não é ingenuidade, mas um compromisso político assumido, na expectativa de que esses capitais iriam produzir um boom, um grande período de investimento e desenvolvimento. Ora, o investimento na verdade foi muito pequeno, veio para adquirir empreendimentos já realizados por brasileiros e não para construir novos empreendimentos, gerando um passivo gigantesco que não sei como vamos enfrentar no futuro, bem como essa situação de desemprego terrível. De qualquer forma, admiro e aprecio os pronunciamentos de V. Ex.ª. Eles têm uma densidade que poucos aqui têm, porque V. Ex.ª tem a vivência concreta e real das coisas, sabe, enxerga, tem a visão do estadista. O seu pronunciamento me estimula, me anima muito. Não obstante, devo também confessar a minha descrença, porque penso que tudo deriva de compromissos que o Governo brasileiro assumiu, numa subserviência total, inadmissível em relação ao mercado financeiro internacional e agora é difícil de recompor. De qualquer forma, de coração de brasileiro, parabéns pelo discurso de V. Exª nesta tarde.

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Agradeço muito ao Senador Roberto Saturnino pelas palavras que são um estímulo ao meu trabalho no Senado, especialmente porque aqui todos aprendemos a respeitar e admirar o eminente Senador do Rio de Janeiro por sua sensibilidade social e antes por seu sentimento nacional que traz à flor da pele em toda a sua carreira pública brilhante.

Digo que é ingenuidade. Pode ser até eufemismo, mas penso que é ingenuidade. Por exemplo, tivemos, em era não muito remota, uma medida que considero absolutamente equivocada. Foi quando o Governo incoerentemente deu 70% de proteção aduaneira para as montadoras de automóvel e deu 2% concomitantemente para a indústria de autopeças que era a verdadeira indústria automobilística nacional. Resultado: ela foi dizimada. Empresas como a Metal Leve, ultracompetitiva, considerada de excelência em qualquer parte do mundo. Da mesma forma, a Freios Varga e a Cofap, que conheci suas fábricas maravilhosas. Não obstante, elas foram simplesmente desnacionalizadas, tendo em vista aquela política, no meu ponto de vista, absolutamente equivocada.

            E mais: as montadoras não são administradas por nós, tupiniquins, mas pelos grandes mestres do Primeiro Mundo, porque elas são americanas, alemãs, japonesas, italianas, etc. As de autopeças, não, elas são administradas, em muitos casos, por pequenos empresários brasileiros que iniciaram a atividade na produção de autopeças.

V. Exª citou Volta Redonda. De fato foi uma decisão do eminente Presidente Getúlio Vargas, com recursos até mesmo de sacrifício do Brasil na sua participação na Segunda Guerra Mundial. Mas foi o início da industrialização brasileira. Quando falo em ingenuidade negocial, me refiro a quando não se protege a atividade empresarial brasileira, como se isso fosse um pecado. Temos que compreender que a empresa não é o empresário. Às vezes as pessoas se referem ao empresário, mas não é o empresário. Refiro-me à empresa. A empresa é importante, seja estatal ou privada, seja pequena, média, grande, micro, gigantesca, ela é importante porque todas elas são frações da economia como um todo, e economia não é fim, mas meio para que se alcancem os objetivos sociais. É por isso que precisamos proteger a economia brasileira, e sem prejuízo de lançá-la à competitividade, pois é importante que ela seja competitiva, assim como é importante que o consumidor brasileiro tenha oportunidade de acesso a bens de consumo produzidos noutras plagas, noutros países. É bom que o consumidor brasileiro tenha esse acesso. Mas não para matar a empresa brasileira em face do tratamento desigual a que ela é submetida, tendo em vista, por exemplo, os custos de capital no Brasil, o cipoal burocrático em que se transformou o sistema tributário nacional, tendo em vista o abandono das estradas, das rodovias que são base no transporte das mercadorias brasileiras. E é esse abandono, obviamente, que encarece o frete das mercadorias.

Da mesma forma, conhecemos também a incapacidade competitiva dos nossos portos. E vai por aí. Temos uma infinidade de providências que precisam ser tomadas e que fazem parte disso, que chamo de necessidade de cultura negocial, porque isso faz parte de um negócio como um todo. Porque é assim!

Sabemos que isso não é novo. Na segunda metade do Século XVIII, veio a Revolução Industrial na Inglaterra, com a máquina a vapor e o tear mecânico, e a Inglaterra hegemônica, do ponto de vista de indústria têxtil, com tear mecânico. No Brasil, havia nas fazendas as rocas e os teares de madeira que eram operados manualmente. Pois bem, D. Maria I, Rainha de Portugal, mandou que se buscassem essa rocas e os teares de madeira para que fossem todos queimados, porque os ingleses não queriam competição, ainda que artesanal, à hegemonia industrial trazida pela Revolução Industrial do Século XVIII. Assim, é antiga a situação. E a indústria têxtil, apesar disso, comprou outras máquinas. Algumas eram construídas lá mesmo nas fazendas. As senhoras que colhiam o algodão fiavam nas rocas, manualmente, e teciam. Em Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha, ainda há algumas fazendas que possuem essas rocas, que passam de avó para mãe, de mãe para filha. As mulheres exercem aquela atividade artesanal e confeccionam mantas maravilhosas. Mas no Século XVIII foi proibido.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, se V. Exªs me permitem, passo a ler o seguinte:

      “A Associação Brasileira da Indústria Têxtil é a entidade representativa que engloba todos os segmentos industriais da cadeia têxtil brasileira. Desde a matéria-prima, utilizando tanto as fibras naturais (algodão, rami, linho, lã, juta), como as fibras artificiais (fibras celulósicas artificiais, acetato, viscose, raiom e outras), e também as fibras sintéticas (poliéster, náilon, etc.), passando pelas fiações, as tecelagens e as confecções. Essa é a Associação Brasileira da Indústria Têxtil.

      Nesta virada de milênio, o setor têxtil - pioneiro da industrialização no Brasil - vive momentos de renovação e de franco crescimento, graças à adoção de um agressivo programa que já acumula mais de US$6 bilhões de investimentos em projetos de modernização, treinamento e capacitação de recursos humanos e de aumento de produtividade - fatores fundamentais para a sobrevivência industrial num mercado aberto cada vez mais globalizado e competitivo. Outros US$10 bilhões estão previstos para investimentos nos próximos 8 anos.

      A importância crescente do setor na economia nacional pode ser compreendida a partir dos seus números mais recentes. Congrega mais de 20 mil empresas no Brasil, gerando 1,4 milhão de empregos diretos para todos os brasileiros, de norte a sul, volume de negócios superior a US$21 bilhões e exportações de apenas US$1,2 bilhão. Em 1999, fomos o Setor Empregador do Ano, ao gerarmos novos 40 mil empregos. Para 2000, nossa meta é gerar mais 100 mil empregos.

      Nem de longe, porém, o setor atingiu sua plenitude. Existem enormes espaços a serem conquistados no mercado interno, um dos maiores do mundo, com 160 milhões de consumidores. Nossos esforços visam atingir os níveis mundiais de consumo.

      No cenário externo, nossa meta é recuperar 1% de participação no mercado mundial. Em números absolutos, isso representa elevar nossas exportações para US$4 bilhões/ano até 2002, aproximadamente.

      Essas metas ambiciosas, porém factíveis, são desafios que acreditamos superar com muito trabalho, criatividade e investimentos em novas tecnologias; em suma, com a mesma maturidade empresarial com que superamos as inúmeras crises do passado e que já se tornou característica dos nossos empresários.

      Nesse contexto, é fundamental para o setor somar esforços, multiplicar convergências e conhecimentos. Nós da ABIT abraçamos a missão e nos dedicamos com total força ao cumprimento dessas metas.

      Quero destacar com grande satisfação o reconhecimento que os profissionais do design brasileiro vêm obtendo em todo o mundo, inclusive nas mais famosas maisons européias. Hoje, sem exageros, podemos dizer que o Brasil ocupa parcela significativa do mercado da moda mundial.

      O ABIT Fashion Brasil vem coroar os esforços dos profissionais e das empresas da indústria da moda e mostrar que estamos no caminho certo valorizando os produtos made in Brasil em todo o mundo” - é tão brasileiro que escreveu Brasil com a letra “esse”.

            Assina o documento Paulo Antonio Skaf, presidente da associação.

É meu dever - e o faço com muito prazer - trazer ao Senado, órgão a que pertenço, a informação e, ao mesmo tempo, prestar contas do esforço que tem sido realizado pelo setor têxtil brasileiro, apesar de todos os percalços por que tem passado nos últimos tempos.

Nossa participação no setor nos engrandece, porque trata-se de um setor em que não há possibilidade de cartel ou oligopólio. Pano é como impressão digital. Se for copiado, o mesmo fio, o mesmo pano feito em fábrica diferente não tem a mesma apresentação, o mesmo toque e o mesmo valor comercial. Então, não há cartel ou oligopólio. Há uma diversificação fantástica. Trata-se de um ramo altamente competitivo e posso afirmar que, a exemplo de outros setores, o setor têxtil tanto é competitivo aqui como o é no mundo.

Temos vocação para alcançar patamar superior ao atual pois, além do conhecimento do setor desde o século passado, possuímos área, clima, luminosidade, condições propícias para o desenvolvimento do algodão, matéria-prima básica.

Existem várias escolas, mas o Senai no Rio de Janeiro, em especial, forma profissionais de nível médio e de engenharia têxtil. Tudo começou com um convênio entre a escola do Senai (Centro Tecnológico da Indústria Química e Têxtil) com a Universidade do Rio de Janeiro e hoje é uma escola de engenharia mundialmente reconhecida como uma das cinco mais bem dotadas escolas têxteis do mundo.

Temos, além disso, posição geográfica para os mercados do Norte - Europa e Estados Unidos - melhor do que a dos países da Ásia com quem competimos, quais sejam, Indonésia, Malásia, Filipinas, fortes no setor, para não falar na Coréia, China continental, Taiwan e Hong Kong.

Conhecemos todos esses mercados. Fizemos lá pesquisa de custo e podemos dizer que o Brasil é competitivo. Precisamos apenas de tratamento igualitário, e esse tratamento advirá quando o Brasil adotar instrumentos que nos permitam neutralizar as diferenças que nos prejudicam. E temos de fazer isso, porque é assim mesmo. Há fronteiras políticas, por enquanto. Há moedas diferentes e há custos diferentes.

Precisamos dar tratamento igualitário à empresa nacional, para colocá-la no ringue para disputar o mercado com o mesmo peso. Foi bom que eu tivesse me lembrado do “ringue”. O nosso pugilista Eder Jofre* tecnicamente era o mais competitivo do mundo, mas, obviamente ele não poderia ser colocado no ringue com o Cassius Clay* - não tão técnico como ele - porque eram de pesos diferentes.

Assim, há um peso diferente que prejudica a indústria nacional e que precisa ser corrigido com instrumentos que não signifiquem nenhuma proteção. Não precisamos de proteção; precisamos, sim, de tratamento igualitário.

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2000 - Página 3333