Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

QUESTIONAMENTO AO AUXILIO MORADIA CONCEDIDO LIMINARMENTE AOS MAGISTRADOS, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CRITICAS A INDEFINIÇÃO DO TETO SALARIAL PARA OS TRES PODERES.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. POLITICA SALARIAL.:
  • QUESTIONAMENTO AO AUXILIO MORADIA CONCEDIDO LIMINARMENTE AOS MAGISTRADOS, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CRITICAS A INDEFINIÇÃO DO TETO SALARIAL PARA OS TRES PODERES.
Publicação
Publicação no DSF de 29/02/2000 - Página 3687
Assunto
Outros > JUDICIARIO. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONCESSÃO, LIMINAR, GARANTIA, AUXILIO-MORADIA, MAGISTRADO.
  • CRITICA, DEMORA, DEFINIÇÃO, LIMITAÇÃO, VALOR, SALARIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, certa vez, um político brasileiro, hoje Senador e Membro desta Casa, ao ouvir uma pergunta absurda que lhe fizeram a respeito do não-cumprimento de um compromisso solenemente assumido, virou-se para o repórter e exclamou perplexo: "Que País é este?" A exclamação desse meu Colega Senador eu a repito hoje.  

No Brasil acontecem coisas que às vezes beiram o surrealismo. Acabou aparentemente bem a enunciada greve dos magistrados, felizmente abortada; mas todo esse processo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, foi extremamente danoso às instituições brasileiras. Impossível negar que o pleito dos magistrados tem toda a procedência - os juízes, principalmente os de primeira entrância no Brasil, ganham muito mal, de tal maneira que a carreira já não atrai os melhores. Daí o risco de a qualidade da magistratura brasileira se reduzir cada vez mais se esse quadro não for revertido.  

Eu seria o último a não reconhecer isso, porque sou membro de uma família de magistrados. Meu avô foi juiz, meu pai foi juiz, sou casado com uma juíza, fui funcionário do Tribunal de Justiça do Amazonas. Acompanhei, criança ainda, as dificuldades de meu pai, que serviu durante 11 longos anos em comarcas do interior do Amazonas, numa época em que não havia avião nem telefone; por duas vezes ele se deslocou para Manaus, muito doente, em viagens de barco, Solimões abaixo, que duravam três ou quatro dias. A reivindicação dos juízes, portanto, é justa.  

Mas não posso conceber uma greve de magistrados, muito menos por tempo indeterminado. O que aconteceria a este País se o Poder Judiciário fosse paralisado durante semanas ou meses? Que prejuízos incalculáveis sofreria a Nação? A greve foi abortada, mas já houve o prejuízo. Como é que hoje os Tribunais do Trabalho podem julgar a legalidade, ou não, de uma greve? Fica muito difícil o Tribunal do Trabalho decretar a ilegalidade de uma greve, uma vez que a greve dos juízes seria flagrantemente ilegal, mas iriam fazê-lo.  

Se o Congresso Nacional resolver decretar greve, sabido que os Parlamentares também se queixam de que ganham muito pouco; se as Polícias Militares e Civis declararem greve amanhã; se os praças das Forças Armadas declararem greve, quem é que vai decidir pela ilegalidade dessas greves?  

Sr. Presidente, tenho enorme respeito pelo Poder Judiciário, pelos juízes, mas não é possível calar diante do que aconteceu. Pior do que isso foi a solução encontrada, a qual deixa mal o Supremo Tribunal Federal perante os olhos desta Nação. Se os juízes ganham pouco e merecem ter seus vencimentos reajustados, mesmo que os demais segmentos do serviço público não sejam contemplados com esse reajuste, eu gostaria que o fato fosse encarado de frente. Por que o Supremo Tribunal Federal não encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de abono e preferiu a saída casuística que prejudica muito – repito - a mais alta Corte de Justiça do País?  

O mandado de segurança impetrado pela Associação dos Juízes Federais estava no Supremo desde setembro sem ser julgado. Diante da ameaça de greve e da recusa daquela Corte, que tinha a solução à mão – repito -, que seria o abono proposto por ele, o Supremo resolveu, num domingo, de repente, conceder uma liminar para dar auxílio moradia aos magistrados. Por quê? Porque os parlamentares recebem tal auxílio.  

Ora, em primeiro lugar, sejamos francos: o auxílio moradia concedido aos parlamentares está mais do que justificado. Nosso domicílio é em nosso Estado de origem, o qual representamos. Teríamos de alugar, forçosamente, apartamento aqui por quatro ou oito anos. Nós temos duas residências: uma em Brasília e outra na cidade onde somos domiciliados. Por que auxílio moradia para um membro de um tribunal superior que reside aqui, é domiciliado aqui, vai ficar aqui até se aposentar, ao completar tempo de serviço ou a ser atingido pela aposentadoria compulsória? O auxílio moradia para um juiz no interior do Amazonas ou de qualquer outro Estado, é mais do que justo, porque é uma residência provisória. Às vezes esse magistrado reside também na capital, divide despesas com duas casas. Mas auxílio moradia para todos os magistrados, indiscriminadamente, não é possível!  

Alega o relator que não é propriamente auxílio moradia; é verba remuneratória para equiparar os vencimentos dos magistrados aos dos parlamentares. Mas, então, por que a hipocrisia? Isso é hipocrisia, é farsa, é brincar com a Nação! A mais alta Corte de Justiça do País concede auxílio moradia, sabe que é mas declara que não é auxílio moradia. É um casuísmo, um artifício. Após permanecer cinco meses sem ser julgado, o mandado de segurança foi utilizado como instrumento porque o Supremo Tribunal Federal não teve a coragem de assumir e propor um justo aumento para os magistrados. O desgaste é para todos nós, para todas as instituições, porque se desgastaram o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Por que nos desgastamos também? Em virtude da novela do teto de remuneração.  

Esse é realmente um país surrealista. A Constituição estabeleceu um teto, que seria o vencimento do Presidente da República. Ela manda, nas Disposições Constitucionais Transitórias, que seja reduzida a remuneração de quem ganha acima desse teto, a qualquer título, mas as próprias Cortes judiciárias, inclusive o Supremo, reconhecem gratificações, vantagens outras, e esse teto jamais foi obedecido.  

Depois se mudou a Constituição, em 1998, estabelecendo que o teto seria fixado de comum acordo pelos Presidentes do Executivo, do Judiciário, da Câmara e do Senado. Há dois anos se tenta, mas não se chegou a um acordo para fixar esse teto. Por quê? Não se sabe exatamente. É para não atingir a nós, parlamentares, que temos aposentadoria e ultrapassamos o teto? Se for por isso, por que não se assume e não se modifica a Constituição, para estabelecer que aqueles aposentados podem acumular? Isso seria justo, aliás. Por que não, Sr. Presidente? Quem trabalhou a vida inteira numa profissão, aposentou-se depois de 35 anos de serviço e vem exercer um mandato, por que não poderia acumular a aposentadoria com os subsídios de parlamentar? Um magistrado que trabalhou como professor 35 anos, aposentou-se e continua como magistrado, por que não pode acumular isso? Ilegal, inconstitucional, imoral é a remuneração que, pelo exercício de um cargo, ultrapasse o vencimento do Presidente da República, isso sim. Mas se não querem que acumulem a aposentadoria, se acreditam que realmente isso não deve ser feito, então fixem o teto e cortem as aposentadorias dos parlamentares, mas não fiquem durante dois anos sem cumprir a Constituição, provocando o descontentamento que levou os magistrados à greve.  

Se o teto fosse fixado, isso provocaria, por efeito cascata, aumento do salário de toda a magistratura, já que os rendimentos dos magistrados são vinculados. Durante dois anos se tentou fixar o teto e até hoje não se conseguiu. O resultado foi este: um triste desfecho, muito ruim para as instituições, principalmente num momento em que se discute o ridículo salário mínimo de R$136,00 - e a discussão é para saber se ficará em torno de R$150,00 ou R$160,00. Que vá para R$177,00, Sr. Presidente! Cento e setenta e sete reais é o que o País não pode pagar como salário mínimo, mas é o que um cidadão de classe média gasta com três pessoas em um jantar, Sr. Presidente! Isso será trombeteado por todo o País, se o salário mínimo for para R$160,00. Vitória de quem propôs isso, vitória do trabalhador brasileiro. Um país cujo salário mínimo representa 28% da renda per capita do Brasil, quando, na média, em outros países chega a 45% - como ocorre na Argentina e no Uruguai. No Brasil, representa 28%. E se for para R$177,00, ainda será muito inferior proporcionalmente aos dos nossos vizinhos da América do Sul. E se isso quebra a Previdência – talvez quebre também os municípios –, por que não se vai a fundo nessa questão? Por que não se faz a reforma da Previdência, que deve ser feita? Por que não se discute o problema de 57% da mão-de-obra brasileira estar no mercado informal, sem contribuir para a Previdência? Por que não se tenta incorporar, de alguma maneira, com mudança na legislação, essa enorme massa de trabalhadores que passaria a contribuir para o INSS? Por que não se vai a fundo na cobrança das dívidas das empresas com o INSS, que ultrapassam cem bilhões? Sei perfeitamente – não sou ingênuo – que 80% dessa dívida é incobrável, até porque algumas empresas já desapareceram, não existem mais; contudo, pelo menos uns vinte bilhões poderiam ser cobrados. Por que o INSS perde tantas ações? Alguém já disse que isso mereceria uma CPI, mas esse problema não está sendo discutido. A discussão é se o salário mínimo será de R$150,00 ou R$160,00 e uns não querem saber se isso quebraria a Previdência ou não.  

É realmente o Brasil um país surrealista. Só repetindo, como o nosso prezado Francelino Pereira: "Que País é este", Sr. Presidente? É um triste país, não por culpa do povo brasileiro, mas por culpa da sua elite dominante.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Senador Jefferson Péres, V. Exª concede-me um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Infelizmente, não posso mais conceder apartes, Senador Eduardo Suplicy. O meu tempo esgotou-se.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/02/2000 - Página 3687