Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.963-17, QUE LEGALIZA A COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS. PREMENCIA NA REGULAMENTAÇÃO DA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.963-17, QUE LEGALIZA A COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS. PREMENCIA NA REGULAMENTAÇÃO DA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2000 - Página 6912
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, AGILIZAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REPUDIO, CONDUTA, CAMARA DOS DEPUTADOS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), ATRASO, TRAMITAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, INCOERENCIA, GOVERNO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS, OPERAÇÃO FINANCEIRA, PREJUIZO, INTERESSE, CONSUMIDOR, PAIS.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, CONVOCAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ESCLARECIMENTOS, RESPONSAVEL, AUTORIZAÇÃO, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS, ATENDIMENTO, LOBBY, BANQUEIRO.
  • CRITICA, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, SALARIO MINIMO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo tecer críticas e comentar a respeito de uma nova medida provisória do Governo que já é reeditada pela décima sétima vez. Essa medida é a de nº 1.963 e trata dos recursos de caixa do Tesouro Nacional.  

Mas é interessante observar, Sr. Presidente, que, no seu art. 5º, essa medida provisória traz uma inovação em relação a todas as outras edições. Nessa 17ª edição, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro Pedro Malan admitem a cobrança de juros capitalizados, ou seja, a cobrança de juros sobre juros. E isso é feito por meio de medida provisória.  

Antes de tecer mais comentários a respeito do que considero absurdo e injusto, gostaria de lembrar que o Congresso Nacional não pode mais atrasar a regulamentação da edição de medidas provisórias pelo Presidente da República.  

Em 1988, quando elaboramos a Constituição brasileira – está aqui o eminente Relator, na época, e hoje Senador da República Bernardo Cabral –, admitimos a criação de medidas provisórias. O Partido Socialista Brasileiro, naquela época, votou a favor da criação das medidas provisórias, mas a medida provisória vem bem clara na Constituição Brasileira, no seu art. 62:  

 

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.  

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir da sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.  

 

Cometemos um erro àquela altura, Senador Bernardo Cabral. E o nosso erro foi não ter colocado: é proibida a reedição de medida provisória. E, de lá para cá, primeiramente o Presidente José Sarney, depois o Presidente Fernando Collor de Mello, depois o Presidente Itamar Franco, e agora, lamentavelmente, por duas vezes, o Presidente Fernando Henrique Cardoso vem usando desse instituto para legislar no lugar do Congresso Nacional, utilizando-se da reedição. Há medidas provisórias que foram reeditadas 40, 50 e até 60 vezes, o que significa que uma lei tramitou por cinco anos, seguidamente, no Congresso Nacional, sem que o Congresso Nacional tivesse assumido a sua responsabilidade de aprovar ou rejeitar determinada medida provisória.  

Houve uma iniciativa do Senado da República, iniciativa, aliás, do hoje Governador de Santa Catarina, Esperidião Amin, e que foi aprovada neste Senado até pela insistência do próprio Senador Antonio Carlos Magalhães, Presidente desta Casa, depois foi à Câmara dos Deputados, que propôs modificações, voltou ao Senado da República, e por duas vezes foi aprovada, e agora está praticamente paralisada na Câmara dos Deputados.  

Estamos prestes a atingir a época das eleições municipais, e todo mundo sabe de antemão que o Congresso praticamente diminui as suas atividades, para não dizer, efetivamente, que paralisa as suas atividades. No segundo semestre deste ano, o Congresso Nacional, como tem ocorrido ao longo de outros anos em que há eleição, praticamente não se reunirá com quorum suficiente para aprovar uma emenda constitucional como, neste caso, faz-se tão necessário.  

Portanto, quero lançar aqui o meu repúdio à atitude da Câmara dos Deputados. Nesse caso, parece-me que o partido mais responsável pelo atraso da decisão do Congresso Nacional a respeito da matéria é o PMDB, porque a Câmara é presidida pelo Sr. Michel Temer e lá essa emenda não anda. Já houve várias questões de ordens levantadas por parlamentares. Na Câmara dos Deputados, o Deputado do PC do B, Sérgio Miranda, e aqui, o Senador do Espírito Santo, levantaram questões de ordem pedindo ao Presidente Antonio Carlos Magalhães que, em função da morosidade do Congresso Nacional com respeito a essa decisão, tomasse a decisão de aprovar pelo menos as partes coincidentes que foram aprovadas nas duas Casas do Congresso Nacional.  

O Presidente Antonio Carlos Magalhães disse que era possível fazer isso, mas esperava que um determinado acordo e um determinado entendimento fossem cumpridos para que essa emenda constitucional pudesse ser aprovada pela Câmara e, se necessário, mais uma vez passar pelo Senado, ou seja, passaria pela terceira vez no Senado, em duas votações com quorum especial de 3/5 do Senado da República. Parece-me, no entanto, que estão enganando o Senador Antonio Carlos Magalhães, que deseja, ao que eu entendo e ao que percebo, que essa regulamentação seja aprovada pelo Congresso Nacional, para que o Presidente da República deixe de ter esse poder absoluto que tem de legislar em lugar do Congresso Nacional.  

Estou preocupado porque estamos prestes a chegar ao fim do primeiro semestre e, no segundo semestre, o Congresso praticamente não funcionará ou, tenho certeza, não terá condições de votar as emendas constitucionais com o quorum necessário. Com isso, vamos passar o ano de 2000, e iniciar o ano de 2001, sem que tenhamos regulamentado esse poder do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Aliás, um poder que, no nosso entendimento, vai de um erro de interpretação, porque o que os constituintes pretenderam, na verdade, foi dizer que haveria uma possibilidade especial de se fazer uma lei, por medida provisória, ad referendum do Congresso Nacional no prazo de 30 dias. Infelizmente, erramos ao não colocar que era proibido fazer a reedição. Em função disso, o Presidente da República não só legisla, como a cada 30 dias, na medida dos seus interesses, vai colocando as modificações que entende sejam necessárias à lei. Por exemplo, a formação administrativa do Governo levou quase cinco anos tramitando no Congresso Nacional e a cada mês que o Presidente decidia criar um novo ministério, ou uma nova secretaria, ou um novo órgão qualquer, ele simplesmente modificava a reedição da medida provisória que lhe interessava.  

Nesse aspecto, Sr. Presidente, quero lançar o meu protesto, alertar o Presidente do Congresso Nacional, porque o Senador Antonio Carlos Magalhães não é só Presidente do Senado da República, mas também Presidente do Congresso Nacional, pois penso que ele está sendo enganado, está sendo ludibriado nesse processo. Nesse sentido, penso que a opinião pública e os parlamentares, de uma maneira geral, devem exercer uma pressão para que a Câmara dos Deputados aprove a regulamentação das medidas provisórias antes do dia 30 de junho. É inaceitável essa protelação proposta pelo Poder Executivo, que tem interferência direta sobre Líderes no Congresso Nacional.  

E quero criticar o pecado do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao reeditar a Medida Provisória nº 1.963. Diz o advogado João Antônio César Mota o seguinte: o artigo foi inserido na surdina por lobby dos banqueiros. Veja bem, isso é uma afirmação, está aqui na Gazeta Mercantil , dizendo que o art. 5º foi instituído na surdina para permitir que os bancos cobrassem juros sobre juros, ou seja, você faz o empréstimo, vem os juros, que são capitalizados, e se começa a cobrar juros sobre juros. O Poder Judiciário tem dado ganho de causa a todas as questões que têm sido encaminhadas por pessoas que se utilizam de empréstimos, que devem cartão de crédito, que têm financiamento habitacional. Ou seja, o Poder Judiciário tem dado ganho de causa aos consumidores de uma maneira geral, não permitindo que as instituições financeiras cobrem juros sobre juros.  

No entanto, o Presidente da República, nessa medida provisória, reeditada pela 17ª vez no dia 30 de março de 2000, coloca um artigo que quebra essa vitória que tem sido conseguida junto ao Poder Judiciário. Porque a proibição da cobrança de juros sobre juros vem do art. 4º do Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, ou seja, desde 1933 que não é permitido às instituições financeiras cobrarem juros sobre juros de empréstimo de financiamento habitacional, de cartões de crédito - que é mais recente -, enfim, de tudo. E, agora, o Governo legaliza essa cobrança. Considero esse ato, no mínimo, indecente, porque foi feito por meio de medida provisória. Se o Governo quisesse fazer isso, deveria tê-lo feito por intermédio de uma lei ordinária.  

Diz, ainda, o advogado João Antônio César Mota: "Os bancos, dificilmente, conseguiriam aprovar uma lei permitindo a capitalização de juros no Congresso, por isso teriam trabalhado na inserção do artigo 5º, na surdina, na Medida Provisória nº 1.963".  

Segundo esse mesmo advogado, em maio de 1996, ocorreu a inserção de um artigo semelhante na Medida Provisória nº 1.410, porém, devido à reação e à pressão da população, a medida foi revogada. E, agora, passados 4 anos, o Governo Fernando Henrique legaliza a cobrança de juros capitalizados, num prejuízo frontal ao interesse dos consumidores brasileiros.  

De acordo com a Gazeta Mercantil , o Senador Pedro Simon elaborou emenda supressiva desse artigo, onde afirma que o "dispositivo foi sorrateiramente incluído na Medida Provisória nº 1.963 ,que trata de outro assunto(...). Não há razão para que a legislação seja alterada, porque, como se viu anteriormente, manter a proibição é preservar a justiça". Diz ainda o texto que o fato "é reprodução da frustrada semelhante tentativa quando da Medida Provisória nº 1.410/96", a que já me referi aqui.  

Diz também o artigo: "Os Ministros do Supremo Tribunal Federal - a mais alta instância do País - já se posicionaram contra a cobrança de juros sobre juros nas operações financeiras, por meio da Súmula nº 121. A súmula revela o entendimento dos Ministros nos julgamentos realizados. Nas decisões, os Ministros levaram em consideração a previsão legal do art. 4º, do Decreto-Lei nº 22.626, de 1993, que proíbe a cobrança de juros sobre juros".  

E, agora, o Governo legaliza isso.  

Ao ser indagado sobre a questão, o Banco Central, por meio de sua Assessoria de Imprensa, limitou-se a informar que, desde que em lei específica - e a lei específica para o Banco Central é a medida provisória do Presidente da República -, a cobrança dos juros sobre juros será permitida pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Lógico, o Supremo Tribunal Federal está baseado em uma lei. Se essa lei foi modificada, infelizmente por medida provisória - que tem valor de lei, enquanto não for aprovada uma lei em substituição -, ela é que está valendo. E o Supremo Tribunal Federal haverá de considerar legal essa cobrança.  

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, quero condenar a atitude do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Ministro Pedro Malan. Inclusive, hoje, na Comissão de Assuntos Econômicos, foi aprovado requerimento, salvo engano do Senador Pedro Simon, convocando o Ministro Pedro Malan para esclarecer o assunto. S. Exª terá que explicar se o artigo foi de sua autoria ou de autoria do Presidente Fernando Henrique Cardoso, se atenderam ao lobby dos banqueiros da Febraban, ou se foi sorrateiramente embutido na medida provisória por algum assessor, por alguém com má-intenção, que estivesse a serviço dos banqueiros e do sistema financeiro. É preciso esclarecer esse fato à opinião pública brasileira.  

Sr. Presidente, o Congresso Nacional não pode continuar permitindo que fatos como esse ocorram.  

Aproveitando a oportunidade da presença do Presidente e Líder do PMDB nesta Casa, faço um apelo para que S. Exª converse com o Presidente Michel Temer, para que seja acelerada a tramitação da emenda constitucional sobre a regulamentação das medidas provisórias, porque isso já virou uma novela no Congresso Nacional. Todos sabem que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não quer essa regulamentação para continuar fazendo coisas como esta: reeditar uma medida provisória pela 17ª vez e inserir, de surpresa - para não dizer outra palavra -, a permissão da cobrança de juros sobre juros pelo sistema financeiro nacional.  

Outro fato é a questão do salário mínimo. O Presidente, em total desrespeito ao Congresso Nacional, decidiu modificar a legislação de que trata o salário mínimo e baixou uma medida provisória que vencerá no dia 22 de abril. Ou seja, o Congresso Nacional teria a obrigação de se manifestar sobre ela até o dia 22 de abril. No entanto, será quase impossível que isso seja feito, porque, de um lado, a Comissão Mista que trata do assunto ainda está realizando audiências públicas e, portanto, não emitiu parecer sobre a matéria; de outro lado, a votação do Orçamento está prevista para amanhã, quarta-feira.  

Nós entendemos que juntamente com o Orçamento da União deveria ser votada a medida provisória que trata da regulamentação do salário mínimo, senão vai-se criar um fato consumado: no dia 22 de abril, o Presidente Fernando Henrique Cardoso reedita a medida provisória do salário mínimo e os trabalhadores brasileiros passam a receber o salário de R$151. E fica impossível qualquer modificação. Por quê? Porque se criou um fato consumado por meio da medida provisória. O Congresso Nacional deve combater, com muita força e muita disposição, essa possibilidade.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha.)  

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB – PA) – Estou concluindo, Sr. Presidente.  

Penso ser correta a posição do Senador Antônio Carlos Magalhães. Ao que me parece, S. Exª pretende que o Orçamento da União seja votado quando for votada a medida provisória que estabeleceu o valor do salário mínimo e que possibilitou aos Estados criarem salários mínimos diferenciados. Espero que isso de fato ocorra, e que, amanhã, possamos, independente da posição da Comissão Mista, votar a medida provisória que estabeleceu esse salário mínimo, para não criar um fato consumado e não permitir que o Presidente Fernando Henrique Cardoso continue tomando o lugar dos representantes do povo no Congresso Nacional.  

Desejo que o Presidente Michel Temer haja com rapidez, para que a regulamentação dessas medidas provisórias possa ser votada antes do final de junho, quando ainda será possível termos quorum qualificado. Se isso não ocorrer, o Presidente Fernando Henrique Cardoso conseguirá obter o seu intento, com o respaldo da sua base política - PMDB, PFL, PSDB -, de continuar legislando por meio de medidas provisórias.  

Portanto, fica aqui o nosso protesto contra esse ato do Governo e o nosso apelo ao Presidente da Câmara dos Deputados, para que providencie a rápida aprovação da emenda constitucional.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2000 - Página 6912