Discurso durante a 42ª Sessão Especial, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DE BRASILIA.

Autor
Luiz Estevão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Luiz Estevão de Oliveira Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DE BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2000 - Página 8014
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao completar 40 anos, Brasília prepara-se para entrar no século XXI, abrindo uma tímida janela em direção ao Primeiro Mundo, e exibindo ao mesmo tempo vergonhosas contradições sociais que se aprofundam a cada dia.  

A primeira e a mais grave dessas contradições é o tamanho de sua população que não pára de se multiplicar anualmente a taxas significativas, situadas entre as mais altas do Brasil, contrariando sempre todas as previsões, sufocando os serviços públicos e tornando o espaço urbano cada vez mais caótico, mais violento e mais miserável.  

Em seu exíguo espaço geográfico em forma retangular, com 5.814 quilômetros quadrados encravados no Estado de Goiás, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer projetaram e coordenaram a construção da nova capital que deveria chegar ao ano 2000, com cerca de 600 mil habitantes, coroando um grande sonho de grandeza, de prosperidade e de solidariedade, que povoavam as cabeças dos pioneiros no final dos gloriosos anos 50.  

No momento da inauguração, em 21 de abril de 1960, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Distrito Federal tinha cerca de 141.742 habitantes (dados referentes a 01/09/1960). Dez anos depois, já eram 546.015 habitantes, e no final da década de 1970, 1 milhão de pessoas. Nos últimos vinte anos esse número praticamente dobrou, e hoje, estima-se em quase 2 milhões os residentes no Distrito Federal.  

No que se refere à taxa de crescimento da população, apesar de ter havido uma importante redução a partir dos anos 80, a taxa atual, como dissemos anteriormente, continua preocupante e apresenta-se, ainda, como uma das mais altas do Brasil.  

Em relação a essa constatação, vale ressaltar que a preocupação continua existindo porque a consolidação de Brasília já aconteceu há já alguns anos. Por esse motivo, as taxas anuais de crescimento populacional deveriam estar melhor adaptadas ao estágio atual do seu desenvolvimento, que já é de amadurecimento e não mais de juventude.  

Para ilustrar, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), durante as décadas de 1960 e 1970, que podemos definir como o período auge da expansão urbana e da construção do Distrito Federal, a taxa de variação da população foi bastante elevada. Por exemplo, entre 1970/1980, a variação média foi de 118,97%, inegavelmente, a maior entre quase todas as unidades da Federação brasileira, com exceção apenas de Rondônia, que apresentou um elevadíssimo percentual de 342,15%.  

Dados mais recentes, observados na mesma fonte, referentes ao período 1991/1996, dentro de um contexto nacional por Grandes Regiões, atestam que a população do Distrito Federal continua a apresentar, mesmo em sua fase atual que não é mais de construção, acréscimos populacionais significativos, que já poderiam ser bem menores.  

Dessa maneira, analisando o período acima citado, e comparando-se a taxa de crescimento populacional do Distrito Federal com as taxas registradas nas cinco grandes regiões brasileiras, incluindo também a taxa do Brasil, o Distrito Federal ocupava o segundo lugar, com 14,92%, perdendo apenas para a Região Norte do País, que ocupava o primeiro lugar, com o elevado índice de 24,44%. No que se referia ao Brasil como um todo, a taxa não passava de 10,22%, portanto, 4,72% inferior à registrada no Distrito Federal.  

Os dados oficiais que acabamos de mostrar, nos colocam, hoje, diante de uma situação verdadeiramente preocupante em relação ao futuro urbano do Distrito Federal e de Brasília, que é o centro das grandes decisões políticas nacionais.  

Nesses últimos dias, folheando algumas publicações que apresentavam apenas o lado bom do Distrito Federal, uma falsa realidade de sonhos dourados e lugares paradisíacos; ouvindo algumas declarações apaixonadas, paternalistas ou oportunistas; fazendo anotações sobre alguns discursos políticos desprovidos de qualquer conteúdo, cujos autores são os únicos a acreditarem que suas palavras renderão votos fáceis nas próximas eleições locais; prestando atenção a outros que tentam minimizar seus atos inescrupulosos com declarações de amor à construção da cidade; e observando algumas análises propositadamente destorcidas; constato que a ideologia de boa parte das elites locais, apesar de ter apenas quarenta anos de militância, se reproduz de maneira totalmente deformada. Ela é exatamente igual à ideologia da maioria dos poderosos brasileiros que acreditam na força da impunidade que os protege e no poder, que acham que detêm, de enganar a todos durante todo tempo.  

Para essa parte da elite, cujos filhos nem estudam mais aqui, e cuja residência principal de suas famílias nem é mais no Brasil, Brasília caminha às mil maravilhas e o seu futuro não inspira qualquer cuidado.  

Todavia, em oposição a esse posicionamento completamente irresponsável, aparecem os números oficiais da realidade, dos quais não podemos fugir, mesmo sendo os mais cruéis e os mais duros de aceitar.  

Os índices formais de desemprego no Distrito Federal são alarmantes e se situam também entre os mais altos do Brasil. Sem dúvida alguma, essa é a herança mais terrível deixada pelo seu acelerado crescimento demográfico e, mais recentemente, pelas práticas políticas populistas e pela velocidade do processo de integração da economia brasileira ao mundo globalizado, que exige cada vez mais uma maior qualificação da mão-de-obra no ato de recrutamento.  

Segundo dados apurados pela Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central (CODEPLAN), que vem realizando, desde 1991, a Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal (PED-DF), em 1998, cerca de 859 mil pessoas constituíam a População Economicamente Ativa (PEA) local, representada, de acordo com a CODEPLAN, pelas pessoas de dez anos e mais que estavam empregadas ou desempregadas. Naquele ano, a CODEPLAN registrou 167 mil desempregados em todo o Distrito Federal, ou seja, 19,4% da PEA.  

Com referência às previsões de hoje, de maneira realista, essa taxa já é de alguns pontos acima de 20%, o que deixa qualquer sociólogo e qualquer economista de cabelos em pé. Sem dúvida alguma, é dela que decorre o aumento da violência urbana; a proliferação de barracos por todas as partes; as constantes invasões de áreas públicas; a desobediência civil; o crescimento do subemprego constatado sobretudo nos estacionamentos e nos sinais de trânsito; a crueldade da prostituição infantil e o tráfico de drogas; que assustam todo o DF.  

Por outro lado, apoiado ainda nas estatísticas oficiais, é importante ressaltar uma particularidade que existe no mercado de trabalho local. Ao contrário do que ocorre nas demais regiões metropolitanas do Brasil, o Distrito Federal sofre muito mais da necessidade de criar anualmente novos postos de trabalho devido ao crescimento natural da PEA, e devido às pressões exercidas pelo fluxo migratório e pelo crescimento desordenado do Entorno, do que da extinção pura e simples dos empregos já existentes.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como podemos constatar, os gravíssimos problemas sociais que se acumularam ao longo desses 40 anos em todo o Distrito Federal, não podem mais ser subestimados e não podem mais conviver com o jogo da mentira, do paternalismo, da demagogia, da improbidade administrativa, da impunidade, das frases de efeito e da improvisação como tem sido até agora. Evidentemente, as soluções para o conjunto desses gigantescos problemas vão exigir uma grande mobilização social, seriedade dos dirigentes, vontade política e dedicação nunca antes encontrada nos governantes que tiveram até hoje a responsabilidade de coordenar a sua administração.  

Ao lado da proteção das florestas, da flora, da fauna, e da luta contra a poluição, outra grande questão ecológica que deverá despontar com intensidade no século XXI, é o problema das cidades e das metrópoles que estão em constante mutação. Nesse sentido, o debate sobre a contenção de suas perigosas contradições e sobre o controle da degradação dos seus espaços e dos seus recursos, será determinante para a sobrevivência da democracia.  

Lamentavelmente, nos dias de hoje, nos espaços ocupados pelas grandes metrópoles e pelas megalópoles, as bases sociais estão em acelerado processo de desintegração. Assim, já faz algum tempo que a grande cidade deixou de ser um lugar de socialização e se transformou em uma selva violenta, onde se trava todos os dias uma sangrenta luta armada de grandes proporções e com muitas vítimas fatais.  

Assim, em plena efervescência da revolução da informação, que gera desemprego estrutural em massa e exclusão social cada vez mais crescente, o Estado está diante de um imenso desafio. Ele precisa ter forças para poder controlar o avanço tecnológico que não respeita barreiras, aniquila implacavelmente o trabalho humano, e torna insuportável e infeliz a vida dos indivíduos. Se o poder político não for capaz de cumprir essa árdua missão, nós iremos tremer em nossas casas com o avanço das constantes revoltas populares e dos arrastões que já são comuns nas periferias, e vez por outra, surpreendem as chamadas zonas nobres das grandes cidades.  

Hoje, já temendo uma invasão do quarto mundo em seus domínios, e um inevitável aprofundamento dessas desigualdades, aqui mesmo em Brasília, uma parte da elite vive enclausurada em verdadeiros bunkers informatizados, nas áreas mais caras do Plano Piloto, do Setor Nobre do Sudoeste, do Lago Sul e do Lago Norte. Presos em suas próprias fortalezas, eles temem a cada instante o ataque dos miseráveis que estão a menos de 20 quilômetros de suas formidáveis e confortáveis fortificações, ou seja, nas periferias infectas e miseráveis das cidades satélites.  

Como qualquer espaço urbano do Terceiro Mundo, o Distrito Federal está se metropolizando numa velocidade impressionante e não consegue mais absorver os milhares de desocupados que vivem em seu território ou que estão à sua volta sem qualquer perspectiva. Ao contrário de São Paulo, no auge da industrialização, que necessitava da força do subproletariado nordestino para movimentar o seu frenético ritmo de crescimento generalizado, Brasília é uma cidade terciária e necessita de uma mão-de-obra mais especializada, ou seja, que tenha no mínimo o segundo grau completo. Nem mesmo o Centro-Oeste consegue absorver esse enorme exército de párias porque o desenvolvimento regional espelha-se em uma agroindústria altamente sofisticada, com altos níveis de produtividade e baixíssima intensidade de mão-de-obra. Enfim, são as exigências da globalização, que também chega ao campo impondo suas regras excludentes. Em sua cartilha da competitividade, existem espaços intermináveis para a palavra capital, investimentos maciços em tecnologias de ponta, mecanização, rapidez, qualidade, produtividade e eficiência técnica para poder competir no mercado internacional. Em contrapartida, em relação ao trabalho, os espaços existentes não são muito generosos.

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, apesar da realidade cruel que estamos vivendo neste final de século, ainda podemos salvar Brasília e evitar que ela se transforme em um irreversível caos urbano como se transformaram São Paulo e Rio de Janeiro. Precisamos evitar por todos os meios que o sonho de Oscar Niemeyer, que imaginou uma cidade solidária, se transforme em um inferno ingovernável como virou a cidade do México, que hoje, apenas teoricamente, ostenta a condição de Distrito Federal. Não queremos ver a obra do grande Presidente Juscelino Kubitschek reduzida a um espaço de apartheid onde alguns milhares de sedentários privilegiados e alguns milhões de nômades excluídos estão em guerra permanente. Os primeiros, trancados em suas fortalezas, com os seus celulares, seus lap tops e suas televisões de alta definição, protegidos por cães ferozes e por seguranças armados até os dentes, e os segundos, os nômades, perambulando dia e noite sem rumo pelas ruas, vivendo da violência, da sobra social e da promiscuidade.  

Apesar desse drama social urbano, que se parece mais com o Inferno de Dante do que com o Paraíso do Anjo Gabriel, não podemos perder as esperanças e devemos acreditar que uma cidade ainda se faz em torno da paz, da memória, da cultura e da restauração.  

Era o que tinha a dizer!  

Muito obrigado!  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

+Ø 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2000 - Página 8014