Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS AO DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NO BNDES. CONSTERNAÇÃO DIANTE DOS EPISODIOS DE VIOLENCIA OCORRIDOS ONTEM EM COPACABANA. (COMO LIDER)

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • COMENTARIOS AO DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NO BNDES. CONSTERNAÇÃO DIANTE DOS EPISODIOS DE VIOLENCIA OCORRIDOS ONTEM EM COPACABANA. (COMO LIDER)
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2000 - Página 10008
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPOSSIBILIDADE, SOLUÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, NECESSIDADE, POLITICA NACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, AMBITO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO, PREVENÇÃO, ADESÃO, JUVENTUDE, CRIME ORGANIZADO.
  • CRITICA, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • CONTRADIÇÃO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), AUSENCIA, SOLUÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • CRITICA, GOVERNO, EXCESSO, OBEDIENCIA, MERCADO FINANCEIRO, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, AUSENCIA, NEGOCIAÇÃO, REDUÇÃO, JUROS.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Para uma comunicação de Liderança. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, no Rio de Janeiro, enquanto o Presidente da República, diante de um auditório de elite, dizia que o Brasil vai de mal a menos mal, Copacabana, um dos bairros de elite da cidade do Rio de Janeiro, um dos bairros mais tradicionais, de fama internacional, vivia mais um dia de horror: tiroteio, cinco mortos, quatro feridos, protesto, indignação, comércio fechado, quebra-quebra, pânico e medo, Sr. Presidente. Medo! É de se perguntar: quando isso vai acabar e aonde isso vai chegar?  

Não venham culpar o Governador. O Brasil inteiro reconhece e acompanha com interesse o esforço do Governador Garotinho para enfrentar esse problema, que vem de alguns anos. Houve crises na Secretaria de Segurança. S. Exª se esforçou e contornou essas crises. Mas a verdade é que os fatos vão demonstrando que essa guerra contra a violência, por parte da polícia, não se vai resolver sem uma providência de âmbito nacional, que trace uma política para o setor de segurança pública.  

Não se pode culpar todos os governadores do Brasil, não apenas de hoje, mas também de algum tempo para cá, à medida que a explosão da violência cresce em espiral em praticamente todas as regiões do País. Quando isso vai acabar? Quando o Governo tiver uma política, e não um Ministério.  

Cogitou-se também – a matéria foi noticiário da imprensa hoje – a criação de um ministério específico para a segurança pública. Essa iniciativa foi abortada pelo Ministro José Gregori. Reação muito adequada, uma vez que não é a criação de um ministério que vai enfrentar com eficácia o problema, mas a decisão, o traçado e a implementação de uma verdadeira política de segurança, que compreenda não apenas a destinação de recursos mais substanciais para enfrentar a questão, mas também a abordagem mais efetiva e mais eficaz de uma política de desenvolvimento social do País. Uma política de redução das desigualdades, de redução do desemprego, de redução, enfim, do sentimento de injustiça e da incapacidade que a política atual revela de absorver os jovens que, aos milhões, demandam mercado de trabalho e não têm outra alternativa senão o desemprego, a vivência de rua ou a aceitação de uma oferta muito acima das remunerações possíveis nessas ocupações alternativas feitas pelo tráfico, pelo crime organizado no País.  

A política atual é de negação da questão social, de alienação em relação à questão social e de contenção de recursos, a todo custo, para obter resultado primário e mostrar o bom comportamento ao mercado financeiro internacional. A persistir essa orientação sem que haja alteração substancial, essa guerra não será vencida, Sr. Presidente, e episódios como o de ontem, em Copacabana, repetir-se-ão com gravidade e freqüência cada vez maiores em todas as nossas grandes cidades.  

Sr. Presidente, no mesmo seminário em que o Presidente da República assegurou que "o Brasil vai de mal a menos mal", o Ministro Pedro Malan, segundo interpretação da imprensa, num pronunciamento em que já se coloca como candidato à sucessão de Fernando Henrique, apelou à consciência das elites brasileiras para que ataquem com eficácia a questão social.  

Ora, o ataque da questão social está nas mãos do Sr. Ministro e de sua equipe, composta pelo Presidente do Banco Central e por todas as autoridades econômicas, mediante a redução da taxa de juros, pela negociação mais efetiva do Brasil perante o mercado financeiro internacional. Em vez da subserviência que as autoridades têm para com este, elas devem utilizar de todo o potencial da economia brasileira para endurecer a negociação e reduzir os juros pagos internamente - na questão da dívida mobiliária do Governo Federal - e externamente, em relação aos credores internacionais.  

Ainda hoje, na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, o nobre Senador José Alencar levantou a questão da falta de negociação mais eficaz por parte do Governo brasileiro nos tratados e nos contratos internacionais. O Brasil paga juros que não deveria pagar, se houvesse por parte do Governo uma atitude mais afirmativa dos interesses e da soberania nacional, e não simplesmente subserviência, no pressuposto de que o bom comportamento significa a porta aberta ao ingresso de recursos internacionais de bilhões e bilhões de dólares.  

O que acontece é que continuamos perdendo bilhões e bilhões de dólares, pois, numa dívida de US$200 bilhões, qualquer 0,5% de variação de taxas significa US$1 bilhão de gastos a mais. E o Brasil vem perdendo esses bilhões por falta de atitude mais firme perante o mercado financeiro internacional, fundamentado na força da economia nacional, em suas potencialidades e nas demonstrações de que essa economia, não obstante fatores negativos de âmbito internacional, vem sabendo responder a cada momento com aumento de produtividade, com força inesperada por analistas internacionais, esses mesmos que fixam o risco do Brasil sempre em patamar elevado, para poder cobrar juros que o Brasil não pagaria se tivesse, por parte do Governo, atitude mais firme na negociação.  

No tocante à dívida interna, o argumento é o mesmo: se não há necessidade de fixação desses juros elevados, qualquer redução de 1% na dívida, que hoje já é de R$500 bilhões, significa R$5bilhões de gastos a menos, os quais poderiam ser aplicados no desenvolvimento social, no combate à pobreza, na geração de empregos e, evidentemente, na destinação de recursos para a melhoria das condições de segurança em todas as cidades do nosso País, a começar pelos grandes centros do Rio de Janeiro e de São Paulo.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT – SE) – Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Roberto Saturnino?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB – RJ) – Ouço o aparte do Senador José Eduardo Dutra.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT – SE) – Senador Roberto Saturnino, gostaria de aplaudi-lo pelo pronunciamento e fazer alguns rápidos registros. O Ministro Pedro Malan, todas as vezes que comparece ao Congresso e em eventos como o de ontem, reafirma o acerto da condução da sua política econômica. Agora S. Exª está sendo mordido pela mosca azul, pois parece que está pensando em ser candidato e começa a falar em gastos sociais; contudo, de modo geral, principalmente nesta Casa, ele sempre reafirma o acerto da condução de sua política econômica e desqualifica todos os críticos, dizendo constantemente que estes são os que perderam as eleições e fizeram previsões catastróficas sobre a economia. E o Ministro fica apresentando a situação mais ou menos estável da economia brasileira – e todos nós sabemos à custa de que esse ajuste foi conseguido; V. Exª mesmo, no início de seu pronunciamento, deu um retrato rápido do efeitos dele. O Ministro se esquece de alguns aspectos fundamentais, e agora, quando fazem um balanço sobre a condução da economia, dizem: "apesar da mudança do câmbio...". Esquecem-se de dizer que, durante pelo menos dois anos, ou quase três anos, analistas econômicos das mais diversas colorações ideológicas disseram que era um suicídio continuar com aquela política do câmbio sobrevalorizado. O que aconteceu? O Governo acabou sendo forçado pelo mercado a desvalorizar o real. E todos nós vimos o efeito da desvalorização: perdemos US$40 bilhões de reservas, tivemos que recorrer ao FMI, etc. Todas as vezes em que se fala em baixar juros, a resposta do Governo, da equipe econômica é: "Os juros representam um valor que não pode ser baixado por decreto’. No entanto, quando é para aumentar suas taxas, eles aumentam por decreto. Na época da crise de setembro eles aumentaram os juros para 42%, e não se impediu a fuga de capitais, porque, mesmo com os juros de 42%, perdemos aquele volume de divisas. E agora continua essa mesma cantilena. Estamos vendo a possibilidade do anúncio de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, porque a economia está muito aquecida, de 6% para 6,5%; e no Brasil, durante dois anos, a taxa de juros variou entre 40% e 20%, mantendo-se agora em 19%, com os efeitos que estamos vendo. E agora dizem que a economia está em paz. Pelo tipo de paz que percebemos, talvez eles queiram a paz dos cemitérios, quando não houver mais população, nem trabalhador para incomodar, nem sem-terra para se mobilizar, nem Oposição para reclamar. Talvez esse tipo de paz seja aquela dos sonhos do Ministro Pedro Malan. Muito obrigado a V. Exª.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) – Senador José Eduardo Dutra, agradeço muito a V. Exª pelo aparte.  

Realmente, está-se esperando uma decisão do Banco Central americano, o Federal Reserve Bank , sobre o provável aumento da taxa de juros, algo em torno de 0,5%. A verdade é que as autoridades brasileiras tremem ante a possibilidade de que esse aumento venha a ocorrer.  

Não obstante o Ministro Pedro Malan, o Presidente da República, todas as autoridades e seus porta-vozes no Congresso Nacional dizerem, repetirem e insistirem que a situação do Brasil está estável e sob controle, que o Brasil conquistou a confiança do mercado financeiro internacional com seu bom comportamento, a verdade é que a vulnerabilidade continua tão grande quanto anteriormente, antes da grande crise do ano passado. A qualquer momento, pode-se repetir essa crise. Os analistas internacionais não manifestam a confiança alardeada pelo Governo, na medida em que a situação do Brasil, na classificação de risco, continua sendo muito elevada e, por conseguinte, os spreads que pagamos são muito elevados - como hoje pela manhã ficou patenteado na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos –, em decorrência da desconfiança do mercado financeiro internacional, não obstante toda a subserviência do Governo brasileiro.  

Está mais do que provado que essa política do bom comportamento não traz benefícios para o País. O que se requer é uma política de afirmação e de negociação mais dura, por parte das nossas autoridades no sentido de impor interesses que são legítimos e que têm fundamento na grandeza e na solidez da economia nacional. A estabilidade também é precária na medida em que qualquer alteração da taxa de juros do Federal Reserve pode desencadear novas pressões sobre a economia brasileira de maneira a descontrolar todo esse quadro que o Governo, o Sr. Pedro Malan e o Presidente da República insistem em apresentar-nos, a nós e a toda a Nação, como sendo uma situação sob controle e de prosperidade em perspectiva. Então fala-se sobre a perspectiva de prosperidade e de crescimento da economia brasileira.

 

Enquanto isso, Sr. Presidente, o desemprego aumenta e as tensões na sociedade vão chegando a um ponto insuportável a provocar episódios degradantes altamente alarmantes como esse de ontem no Rio de Janeiro, em Copacabana, e que vão se repetindo a cada semana nas nossas grandes cidades. É hora de esta instituição, o Senado da República, e o Congresso Nacional tomarem uma atitude de chamada do Governo às suas responsabilidades. À responsabilidade fiscal tem que corresponder uma responsabilidade de natureza social, de natureza cambial, para que essa vulnerabilidade seja reduzida e o Governo brasileiro possa impor à comunidade internacional uma política de mais afirmação dos seus interesses e possa haver destinação de recursos substanciais e em tempo alongado para enfrentar, com êxito, a questão social, a questão da pobreza, do desemprego e também a questão da segurança nas grandes cidades brasileiras.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB – RJ) – Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Senador Roberto Saturnino, qual seria a maneira de o Ministro Pedro Malan conseguir fazer com que as mazelas sociais incomodem mais as nossas elites? S. Exª deveria perceber que tem um papel fundamental em conseguir isso, porque normalmente dialoga com as elites. Ainda ontem, no BNDES, o seu diálogo, mais uma vez, foi com as elites e não com aqueles que interromperam o tráfego em Copacabana para protestar contra a violência aos favelados. E quando há a oportunidade de dialogar com aqueles que são afetados por uma política social inadequada, por uma política econômica que atinge índios, negros, sem-terra, marginalizados, qual a atitude do Governo Fernando Henrique Cardoso? Há poucos dias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, percebendo a importância do Ministro da Fazenda, solicitou a possibilidade de uma audiência com os Ministros Pedro Malan, Pedro Parente e até Raul Jungmann. Essa solicitação ocorreu porque os trabalhadores sem terra têm percebido que as portas ficam bastante fechadas quando se reúnem para discutir apenas com o Ministro Extraordinário de Política Fundiária, pois quem tem a chave do cofre, na verdade, é a autoridade econômica ou o Presidente da República. O Sr. Ministro Pedro Malan, orientado pelo Sr. José Gregori, Ministro da Justiça, e pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, disse que com ele, Ministro da Fazenda, o MST não dialogaria, comparecendo, em seu lugar, o Sr. Amaury Guilherme Bier, seu Secretário Executivo. Ora, será essa a maneira de o Ministro da Fazenda catalisar o entendimento? Por que ele próprio não interage mais com os trabalhadores e com os desempregados, colocando na mesma mesa, de vez em quando, a elite e os excluídos? Há outro ponto que desejo abordar, Senador Roberto Saturnino: o Sr. Ministro Pedro Malan elogiou o relatório da Comissão da Pobreza. O próprio Relator Roberto Brant – que examinou o conteúdo de gastos e assinalou que é preciso analisar se o volume de gastos públicos tem um sentido regressivo ou progressivo – reconhece que, muitas vezes, grande parte das despesas, não apenas de natureza social mas aquelas referentes ao conjunto do orçamento, tem o propósito de levar muito mais recursos para as elites. Basta verificar o que V. Exª ressaltou: na medida em que uma proporção muito maior do que 20% está hoje destinada ao pagamento de serviços da dívida interna e externa, quais são as pessoas que recebem esses recursos? Serão por acaso os sem-terra, os desempregados ou os trabalhadores? Estes não portam títulos da dívida pública. São, portanto, aqueles segmentos da população no Brasil e no Exterior que estão entre as camadas mais privilegiadas. E se o Ministro Pedro Malan reconheceu o mérito no relatório Roberto Brant, por que é que a base governamental aqui, nem mesmo na hora de votar o Fundo de Combate à Pobreza, considerou algumas das suas principais proposições, como aquela de transferir 75% diretamente para as mãos das pessoas que pouco ou nada têm neste País? Congratulo-me com V. Ex.ª. Há uma enorme distância entre as palavras do Ministro Pedro Malan, entre as suas intenções e as suas ações efetivas.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) – V. Ex.ª diz tudo. Senador Eduardo Suplicy. Eu é que me congratulo com V. Ex.ª. Realmente, diante de uma platéia de elite, o Ministro dá uma demonstração – uma falsa demonstração, essa é a verdade – de preocupação com as questões sociais, mas é incapaz de promover um diálogo. Nosso Presidente, o Senador Antonio Carlos Magalhães, disse, certa feita, daquela cadeira em que hoje se assenta muito bem nosso ilustre colega Ademir Andrade, que o Ministro Pedro Malan jamais havia visto um pobre na sua frente, porque não é de sua índole, não é de seu temperamento, não é de sua vocação. Ora, em ocasiões de crise, de conflitos sociais, o Ministro da Fazenda, na medida em que as decisões de natureza econômica que afetam profundamente esses conflitos nas suas raízes estão em jogo, tem obrigação de ouvir as duas partes, colocá-las em confronto, mediar um diálogo e buscar uma solução que seja minimamente satisfatória.  

Vou encerrar, Sr. Presidente, porque V. Exª me adverte do término de meu tempo. Mas achei que não devia deixar passar esse episódio de ontem, esse conjunto de episódios, a fala do Presidente no seminário, a fala do Ministro Malan, o episódio de Copacabana, a cogitação da criação do Ministério da Segurança. Todos esses fatores englobados refletem apenas que essa política econômica e social não vai acabar bem, e é preciso que as elites endinheiradas desse País compreendam isso. É preciso que os Senadores e Deputados representantes da base governista compreendam que precisamos ser capazes de mudar profunda e significativamente os rumos desta política destruidora da nacionalidade brasileira.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2000 - Página 10008