Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DA EXIBIÇÃO DO DOCUMENTARIO " MEMORIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR " , DE JOÃO MOREIRA SALLES, DURANTE, A QUINTA CONFERENCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, ONTEM, NA CAMARA DOS DEPUTADOS. (COMO LIDER)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • REGISTRO DA EXIBIÇÃO DO DOCUMENTARIO " MEMORIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR " , DE JOÃO MOREIRA SALLES, DURANTE, A QUINTA CONFERENCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, ONTEM, NA CAMARA DOS DEPUTADOS. (COMO LIDER)
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2000 - Página 10901
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, FILME DOCUMENTARIO, ABERTURA, CONFERENCIA NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, AUTORIA, JOÃO MOREIRA SALLES, DIRETOR, REFERENCIA, VIOLENCIA, TRAFICO, DROGA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ANALISE, PROBLEMA, VIOLENCIA, PAIS, EFEITO, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente Thelma Siqueira Campos, Srª Senadora, Srs. Senadores, na abertura da 5ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, presidida pelo Deputado Marcos Rolim - Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados -, na noite de ontem, houve a apresentação do filme Memórias de uma Guerra Particular , de João Moreira Salles. Recomendo-o a todos os Senadores, à população brasileira, a todos aqueles que gostam de cinema, mas sobretudo aos que têm interesse em conhecer a realidade trágica daquilo que se passa na guerra do narcotráfico, principalmente com a população que vive nos morros, nas favelas, nos bairros mais humildes do Rio de Janeiro porque esse documentário, Srª Presidente, é de uma força, em função da verdade revelada, simplesmente fantástica. Ali estão os depoimentos, as imagens da Polícia Militar, do oficial, do Batalhão Bope, que está encarregado de ir às favelas todos os dias e de realizar operações que, na expressão dele, são "de guerra".  

A filmagem de sua preparação seria quase como um filme no qual, digamos, o ator Arnold Shwarzenegger, que faz esses filmes de enfrentamento com todos, começa a se armar de todos os tipos de armas, em todos os bolsos. Mas, no caso, é a cena real do filme, onde o oficial, comandante do Batalhão da PM, coloca inúmeras armas, uma arma, depois a outra, depois a outra, em seus diversos bolsos e no colete, e sai. Será que ele volta para casa, comandando uma operação onde há um verdadeiro tiroteio, guerras particulares, uma guerra com a população humilde?  

Há a cena também dos rapazes, dos menores de 10, de 12, de 13 e de14 anos, daqueles que fazem o trabalho do "aviãozinho". Há a cena dos menores de 13, 14 e 15 anos que já usam a máscara de pano, para sair pelas ruas, ruelas da favela carregando armas ou ajudando nas mais diversas atividades. Há mostra de solidariedade entre eles. Há a preocupação das mães, das mulheres e das namoradas quando um desses rapazes, de repente, subindo o morro, é preso pelos policiais. Chegando lá em cima, se não fosse a presença das mães, namoradas, tias, primas, etc., o que se passaria com aqueles rapazes? Provavelmente, seria a tortura, o fuzilamento ou coisa parecida, mas é graças à presença delas e, finalmente, a partir disso, a polícia desiste de levar os rapazes para uma possível sessão de maus-tratos e, então, coloca-os no camburão, não se sabendo ao certo que destino terão. Mas há também a filmagem das pessoas que são presas e que se encontram, seja no abrigo de menores - nas instituições parecidas como a Febem em são Paulo, equivalentes às do Rio de Janeiro - seja nos distritos policiais, nas delegacias, com celas superlotadas e os depoimentos dos que foram presos. Mas há os depoimentos daqueles que, em tendo sido presos inúmeras vezes, conseguiram escapar da prisão e, novamente, estão lá com as suas máscaras, dizendo das razões pelas quais não tiveram outra alternativa senão o caminho do narcotráfico, do crime, etc. Há ainda os depoimentos, como o do ex-Secretário de Segurança, Sr. Hélio Luz, mostrando as dificuldades quase insuperáveis de se enfrentar aquela guerra.  

O importante disso tudo é que começamos a saber dos fatos, porque as pessoas vão ao Rio de Janeiro, mas nem sempre conseguem ver além da beleza natural do Corcovado, do Pão de Açúcar, das suas praias maravilhosas ou das coisas tão bonitas de Ipanema, de Copacabana. Pode ser que no morro haja também lugares bonitos, como Orestes Barbosa falava, porque, afinal de contas, é a própria casa de cada um, e é possível que cada família de lá consiga ver o chão salpicado de estrelas. Entretanto, que vida difícil, que vida dura...! Ah, precisamos saber mais disso. E quero cumprimentar João Moreira Salles pela coragem de ir a fundo e fazer esse documentário.  

Aliás, Srs. Senadores, ontem conversei com o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, que estava lá assistindo ao filme. Logo após a exibição, quando João Moreira Salles foi à mesa, pedi a palavra pela ordem ao Deputado Marcos Rolim e sugeri que seria importante tomarmos alguma atitude, diante do possível indiciamento de João Moreira Salles, por ter ele estabelecido uma relação com Marcinho VP, que depôs na Comissão do Narcotráfico e depois acabou sendo detido.  

Será que João Moreira Salles cometeu algum crime pelo fato de ter estabelecido um relacionamento com Marcinho VP? Moreira Salles deu-lhe dinheiro, realmente, mas disse isso abertamente à polícia: "Paguei R$1.200,00 a Marcinho VP para que ele, durante quatro meses, colaborasse comigo para que eu escrevesse um livro sobre um assunto que precisamos conhecer melhor. Além disso, quem sabe essa verba até possa ajudá-lo a sair do caminho da criminalidade?"  

Felizmente, Geraldo Brindeiro disse aquilo que eu esperava, Senadora Heloisa Helena. Disse o Procurador-Geral que não vislumbrava qualquer falta ou crime cometido por João Moreira Salles; ao contrário, sob o impacto do filme, considerou que ele contribuiu com a Nação brasileira para que possamos refletir melhor sobre como resolver esses problemas.  

Tenho a convicção de que grande parte da criminalidade ali retratada decorre da extraordinária desigualdade que hoje vivemos. Infelizmente, ainda caracteriza a Nação brasileira o fato de várias pessoas não terem o direito à vida, ao trabalho, à remuneração condigna. Isso está na raiz maior do problema de tanta violência.  

Senadora Heloísa Helena, Senadora Maria do Carmo, Senadora Telma Siqueira Campos, assistam também a esse filme. Espero que ele possa ser exibido mais uma vez aqui no Congresso Nacional. Recomendo-o fortemente.  

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) – Concede-me um aparte, Senador Eduardo Suplicy?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) – Com prazer, Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) – Claro que o pronunciamento de V. Exª, meu querido companheiro, Senador Eduardo Suplicy, não precisaria de nenhum aparte, até porque V. Exª é daqueles que, com solidariedade e sensibilidade, usa o máximo da sua capacidade de luta e de trabalho para que possamos um dia construir uma sociedade justa, igualitária, fraterna e solidária. E que as favelas possam ter não o chão vergonhosamente salpicado de sangue de meninos e meninas, homens e mulheres, que sem dúvida são pessoas de bem e de paz, mas acabam sendo jogados na marginalidade, como último refúgio. E é obrigação de todos nós discutirmos esses problemas. Faço apenas uma consideração: o Dr. Fernando César Mesquita, da TV Senado, informou-nos de que o cineasta João Moreira Salles, de forma extremamente generosa, cedeu o documentário à nossa TV, com exclusividade, para que na próxima semana já possa ser exibido. Com certeza, essa generosidade será muito bem aceita pelas pessoas, que também poderão assistir a essa verdadeira declaração de amor ao Brasil e de alerta ao povo brasileiro, mostrando muita dor e sofrimento que existem aqui. Infelizmente, muitas vezes o Congresso Nacional, vergonhosamente, silencia-se diante dos fatos.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) – Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senadora Heloisa Helena, que foi muito importante. Vamos pedir à TV Senado que anuncie previamente o horário em que vai passar o documentário Memória de uma Guerra Particular , de João Moreira Salles, para que o maior número possível de pessoas possam assistir ao filme.  

Gostaria também de cumprimentar o Senador Pedro Simon e a Comissão que aqui tem estudado as questões do cinema e da televisão por terem tomado, há poucos dias, o depoimento importante de João Moreira Salles.  

Obrigado, Srª Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2000 - Página 10901