Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

IMPORTANCIA DA UNIFORMIZAÇÃO ESTATISTICA PARA OS PAISES INTEGRANTES DO MERCOSUL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • IMPORTANCIA DA UNIFORMIZAÇÃO ESTATISTICA PARA OS PAISES INTEGRANTES DO MERCOSUL.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2000 - Página 12354
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, REPRESENTANTE, ESTADOS MEMBROS, OBJETIVO, RETOMADA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DISCUSSÃO, ACORDO, TENTATIVA, PADRONIZAÇÃO, REGRA TECNICA, ESTATISTICA, FACILITAÇÃO, COMPARAÇÃO, DADOS, ECONOMIA.
  • IMPORTANCIA, ACORDO, UNIFORMIZAÇÃO, DIREÇÃO, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA, ESTADOS MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), SEMELHANÇA, UNIÃO EUROPEIA.
  • COMENTARIO, DIVERGENCIA, POLITICA CAMBIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB – RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta manhã, eu gostaria de trazer a esta Casa uma informação, acompanhada também de uma reflexão. Embora tenha passado despercebido este fato político e econômico na maioria dos jornais publicados no dia de hoje, embora o noticiário da imprensa seja muito escasso a respeito deste assunto, hoje, dia 9 de junho, é um dia marcante, um dia importante para o destino do Mercosul.  

Como os Srs. Senadores sabem, exerço a vice-Presidência da Comissão Mista do Mercosul no Congresso Nacional.  

Todos sabem que há uma Comissão Mista, de caráter permanente, integrada por Deputados e Senadores, que constitui o Parlamento do Mercosul ou que, pelo menos, representa o Congresso brasileiro junto ao Parlamento do Mercosul. O nosso Presidente é o Deputado Júlio Redecker e eu tenho a honra de exercer a vice-Presidência.  

A notícia que trago é que hoje, na cidade de Buenos Aires, estão reunidos representantes do Brasil, da Argentina e dos países que integram o Mercosul, principalmente através da sua vanguarda técnica, para fazer um estudo, uma avaliação, uma análise e adiantar decisões a respeito de um processo de relançamento, de retomada do Mercosul.  

Hoje, em Buenos Aires, o que se está discutindo, basicamente, é um acordo de uniformização estatística, um acordo que tenta estabelecer regras, mais ou menos comuns, aos quatro países do Mercosul e também ao Chile, que é um país que vem manifestando o desejo de integrar-se de forma mais concreta e mais consistente nesse Mercado. Esse acordo pretende, num futuro imediato, pelo menos até setembro deste ano, estabelecer formas de cálculo sobre alguns elementos da economia que sejam comparáveis entre os diversos países. Muitas vezes, a estatística esconde o fundamental quando não obedece a fundamentos comuns e a regras uniformes, quando a metodologia de cálculo não é aquela, de certa maneira, seguida por todos os países. Se cada país tem a sua metodologia, os números acabam não sendo comparáveis. Calcular o Produto Interno Bruto de cada país, evidentemente, depende muito do valor que se atribui à moeda e dos cálculos adotados.  

De modo que, Sr. Presidente, a uniformização de alguns conceitos, de alguns elementos estatísticos, para tornar os dados desses países comparáveis entre si, é um passo altamente decisivo, um passo estratégico e fundamental para que os países do Mercosul andem no rumo da constituição de uma política monetária comum e, conseqüentemente, da instituição de uma moeda única.  

A idéia é que, a partir da reunião em Buenos Aires, já em setembro deste ano, os dados, os números, as estatísticas dos diversos países do Mercosul possam ser comparáveis e mensuráveis entre si, em diversos campos da economia: no cálculo do Produto Interno Bruto, no cálculo da inflação desses países, no cálculo e no conceito de déficit público e também naquilo que diz respeito à dívida pública.  

É importante, portanto, ressaltar que esses elementos hoje são dificilmente comparáveis. É quase impossível aferir e estabelecer um cotejo justo, correto e adequado entre dados estatísticos publicados por órgãos de imprensa argentinos e dados estatísticos publicados por órgãos de imprensa brasileiros, porque os elementos empregados na metodologia de cálculo são distintos e provocam conseqüências e resultados diferentes. Portanto, comparar esses dados hoje é realmente muito difícil, e não há inteira segurança de se estarem comparando elementos passíveis de uma medida uniforme. Pode-se estar comparando alhos com bugalhos, e isso geralmente não leva a uma análise correta do comportamento econômico dos diversos países.  

Assim sendo, esse regramento, essa uniformização de metodologia e de estatística entre os quatro países do Mercosul mais o Chile é um passo adiante, um grande avanço. Trata-se, sem dúvida, da qualificação dessas relações, porque, no momento em que houver uniformidade de conceitos, pode-se partir para o segundo patamar, que é a harmonização de políticas macroeconômicas, ou seja, buscar certa estabilidade, um nível de segurança institucional e econômica entre esses diversos países, o que só pode ser assegurado mediante certa estabilidade das suas moedas e das suas economias. E não há estabilidade da moeda ou da economia se não houver controle real consistente das finanças públicas.  

Então, a busca da harmonização macroeconômica depende dessa uniformização estatística que, hoje, em Buenos Aires, está sendo decidida. É um fato da maior importância. Lamento apenas que a imprensa brasileira não tenha dado a isso o devido destaque.  

Para que se tenha uma idéia da importância dessa uniformização estatística, é importante chamar a atenção para o fato de que o conceito de déficit público no Brasil e na Argentina são distintos. Modernamente, o Brasil já avançou numa direção bastante interessante, considerando o déficit público a partir de todos os níveis e de todos os entes estatais. Ou seja: o cálculo para o déficit público anual no Brasil, leva em consideração os Municípios, os Estados e o Distrito Federal e também os gastos da União. Portanto, quando se fala que no Brasil houve um déficit público de 3% ou de 1% do PIB, ou como infelizmente chegou a ocorrer em 98, da ordem de 7% do PIB, estava embutida nesse cálculo a metodologia que leva em consideração o déficit dos Municípios e o dos Estados, e não apenas o déficit da União.  

Desse modo, incorre em erro quem faz uma avaliação do déficit com base apenas no desempenho orçamentário da União e dardeja críticas contra o Governo Federal. Não. Hoje, os agentes do déficit público estão unidos, entrelaçados e associados, são indissociáveis entre si. Ao analisarmos o desempenho do déficit público, estamos analisando verdadeiramente o desempenho nacional. Não é só o Governo Fernando Henrique Cardoso. Leva-se em conta o desempenho do Governo Mão Santa, no Piauí; leva-se em conta o desempenho do Governo Olívio Dutra no Rio Grande do Sul. Para o controle do déficit, leva-se em conta desde o Município mais longínquo da fronteira do Rio Grande do Sul, desde o Chuí, até o Município localizado no extremo norte do Brasil, lá no Oiapoque. Portanto, nada foge ao conceito abrangente de déficit público montado pelo Ministério da Fazenda no Brasil.  

Na Argentina, já não é assim, pois o conceito de déficit público baseia-se apenas nos dados e números do Governo Federal, não levando em conta as províncias. Daí por que o primeiro passo para dar solidez aos passos seguintes é uniformizar, comunizar as metodologias empregadas. O segundo passo que virá a seguir, para o ano 2001, aí sim, será a busca da harmonização macroeconômica.  

Que modelo podemos utilizar para a busca dessa harmonização macroeconômica - ou seja, para uma certa uniformidade, um certo padrão de comportamento, um certo padrão de ajuste fiscal, um certo padrão de estabilidade monetária entre os diversos países do Mercosul?  

O único modelo que a humanidade conhece, até agora o único de fato realizado e o único que deu certo, origina-se da Comunidade Européia e do Tratado de Maastrich, do início da década de 90.  

Os países da Europa que integravam o Mercado Comum reuniram-se e deram esse passo, tomaram essa decisão, efetivaram esse grande avanço econômico, financeiro e institucional de projetar, no futuro, uma moeda única; e para chegar lá, montaram um estratagema, uma seqüência de ações públicas, uma seqüência de ações governamentais, uma seqüência de compromissos dos diversos países para estabelecer essa base harmônica, essa base comum nas suas políticas internas, na sua política fiscal interna, na política fiscal interna de cada um desses países.  

E o que dizia, o que exigia desses países o Tratado de Maastricht, o tratado assinado nessa pequena cidade holandesa que fica na fronteira com a Alemanha? Esse documento importante dizia o seguinte: só poderão integrar a serpente monetária da Europa, que vai constituir a moeda única do euro, os países que atenderem a três requisitos básicos fundamentais e indispensáveis. Primeiro, esses países não podem ultrapassar 3% do seu PIB no conceito de déficit público. Segundo, esses países não poderão ter uma dívida pública nacional, uma dívida interna que seja maior do que 60% do seu Produto Interno Bruto. E a terceira exigência: nenhum país pode ter uma inflação maior ou que ultrapasse 1,5% além da média de outros cinco países que integram o Bloco Europeu. Ou seja, a inflação de nenhum país pode oscilar 1,5% acima da média geral de inflação da Comunidade Européia. E o Tratado de Maastricht, então, permitiu a constituição, hoje vitoriosa, da chamada União Européia, que ostenta e que sustenta uma moeda única comum a todos os países, que é o euro.  

Alguns países mudaram profundamente a sua vida a partir da constituição do euro. A Irlanda é um exemplo, Sr. Presidente. A existência de uma moeda única européia fez com que a Irlanda – e aí falo da Irlanda república; poderíamos chamá-la, um tanto quanto inadequadamente, mas do ponto de vista geográfico isso é correto, de Irlanda do Sul –, com que a República da Irlanda, cuja capital é Dublin, desse um passo gigantesco, porque os irlandeses submeteram a adesão ao Tratado de Maastricht a um plebiscito e responderam "sim" a ele. Aceitaram auto-impor-se as exigências do Tratado de Maastricht: o déficit público não pode passar de 3% do PIB; a dívida pública interna não pode passar de 60% do PIB; e a inflação não pode ir 1,5% além da média de cinco outros países que integram a Comunidade Européia.  

No momento em que a Irlanda, através dos diversos partidos políticos, mas principalmente pela vontade soberana, maiusculamente soberana do seu povo, aderiu ao conceito de moeda única e a essa harmonização macroeconômica, a esse autocontrole interno, a essa rigidez fiscal, a essa padronização monetária, começou a encontrar mercado na Europa e no mundo – mas principalmente na Europa – como nunca havia encontrado antes em, possivelmente, 500 ou 600 anos de história, Sr. Presidente. São de fato algo marcante, espetacularmente retumbante, as mudanças que ocorreram na Irlanda.

 

O país, é verdade, tem uma mão-de-obra altamente qualificada, é um país que tem uma grande tradição universitária, tem trabalhadores de alto nível, de grande sofisticação tecnológica na sua mão-de-obra, mas é importante ressaltar que foi a sua estabilidade interna que deu acesso aos mercados e condições de preço para concorrer em um mundo tão competitivo como é o mundo, por exemplo, da indústria do software. E a Irlanda hoje é a número um em venda de softwares. Não apenas na fabricação do software, mas também na programação, na elaboração, na invenção do software. A Irlanda mudou a sua vida a partir da adesão não apenas da cúpula, do governo, mas da adesão maciça da população ao conceito de moeda única.  

E não deixo, Sr. Presidente, de tentar traçar um paralelo e de fazer uma comparação. Os países do Mercosul estão padecendo duramente da insegurança institucional, econômica, fiscal e da insegurança monetária. O Brasil concebeu uma política cambial totalmente oposta à da Argentina. A Argentina usa o currency board , usa um sistema de indexação fixa da sua moeda ao dólar, a vinculação fixa ao dólar, 1 por 1. E isso está fixado em lei, portanto, o governo argentino não pode mudar essa indexação. E o Brasil adotou, a partir de 14 de janeiro de 1999, uma política de flexibilização, de flutuação cambial. São dois países com distintas visões, com distintos conceitos, eu diria até com conceitos antagônicos no tratamento da sua moeda.  

Dar esse passo agora, tomar essa decisão que está sendo tomada hoje, dia 9 de junho, em Buenos Aires, acredito que signifique o início de um processo de convergência e de amadurecimento institucional do Mercosul. Significa a consolidação de um projeto que precisa amadurecer e ganhar consistência, o que não ocorrerá se não houver um projeto de harmonização macroeconômica, com uma visão de futuro que nos conduza à idéia da moeda única.  

Não quero que o Brasil ou a Argentina sejam a Irlanda, não quero que o meu Rio Grande do Sul tenha o papel da Irlanda – embora o deseje –, mas quero dizer que, sem dúvida nenhuma, abrem-se condições para que se possa caminhar em uma direção mais segura, mais sólida e seguramente mais promissora de futuro.  

Recentemente, a Argentina tomou medida drástica e teve que impor aos seus assalariados medida dura, extremamente rigorosa e praticamente desconhecida na história argentina: reduzir salários. Um governo de esquerda, eleito com apoio dos partidos socialistas, o Governo da União Cívica Radical, do Presidente Fernando de La Rúa, tomou uma medida, na semana passada, que é realmente impactante: reduzir salários para deflacionar preços. E o objetivo dos assessores do Ministro da Fazenda é provocar queda de preços pela queda do poder aquisitivo; pela redução de demanda, provocar queda de preços, para que se possa ter, então, uma competitividade maior em relação aos preços brasileiros.  

Entendem eles que se a Argentina voltar a vender mais para o Brasil, para o Mercosul e para o mundo, em contrapartida, os salários de todos irão melhorar. Mas é um sacrifício amargo, é um momento duro. Eu diria que é o supra-sumo de uma política contencionista e com custos sociais e políticos, sem dúvida alguma. A base de apoio político do Governo argentino deve ter-se reduzido drasticamente. Ninguém quer passar por isso. E eu não recomendaria que o Brasil adotasse as medidas que a Argentina tomou.  

Quero apenas dizer que, neste momento em que se vê os trabalhadores argentinos sofrendo tanto, nada disso seria necessário se as políticas macroeconômicas já tivessem caminhado para uma harmonização, se já tivéssemos caminhado na direção de uma metodologia comum e, possivelmente, de uma moeda única, no futuro do Mercosul.  

Obrigado, Sr. Presidente.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2000 - Página 12354