Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.

Autor
Freitas Neto (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Antonio de Almendra Freitas Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2000 - Página 13041
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS CASTELLO BRANCO, JORNALISTA, ESTADO DO PIAUI (PI), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, INFLUENCIA, JORNALISMO, PAIS.

O SR. FREITAS NETO (PFL – PI. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães; Srªs e Srs. Senadores, Ministra Elvia Castello Branco, em nome de quem saúdo todos os familiares do nosso homenageado, jornalista Carlos Castello Branco; Dr. Nascimento Brito, em nome de quem saúdo todos os amigos e admiradores, jornalistas aqui presentes, costuma-se atribuir aos grandes jornalistas, assim como aos economistas e às vezes até aos políticos, certos poderes mágicos, em especial de prever o futuro. Carlos Castello Branco, que completaria 80 anos no próximo dia 25, costumava divertir-se com essa imagem, particularmente quando o chamavam de "bruxo", o que ocorria com freqüência. Dizia até que, caso fizesse mesmo profecias, dificilmente continuariam a considerá-lo feiticeiro.  

Se, porém, formos reler hoje suas colunas políticas - em especial as publicadas sob o título Coluna do Castello , marco da imprensa brasileira -, teremos uma sensação curiosa. As análises e avaliações nelas contidas trazem um surpreendente toque de atualidade, como se os fatos a que se referem não estivessem apenas no passado.  

Essa característica quase única se deve ao profundo conhecimento da realidade nacional, à criteriosa seleção das fontes, à avaliação precisa, à frase direta e à palavra exata. Mas deve-se principalmente a algo que é muito próprio de Carlos Castello Branco: a argúcia de sua observação. Essa condição permitia-lhe identificar, dissecar e expor os elementos essenciais à compreensão do quadro político de forma a garantir-lhes perenidade, talvez até involuntariamente.  

É pena que apenas parte dos trabalhos jornalísticos de Carlos Castello Branco tenha sido editada sob a forma de livros – os dois volumes de Introdução à Revolução de 64 e os três de Os Militares no Poder , além do post mortem Retratos e Fatos da História Recente – de forma a facilitar manuseio e acesso, inclusive pelas novas gerações. O papel de Castello, porém, vai muito além da Coluna. Por várias outras razões ele influenciou o jornalismo brasileiro.  

Sua carreira jornalística é uma das mais completas registradas no Brasil. Iniciou-se quando Castello mal completara vinte anos. Filho de Cristino Castello Branco e de Dulcila Santana Castello Branco, ele nasceu a 25 de junho de 1920 e passou a infância e juventude em Teresina. Estudo no Grupo Escolar Teodoro Pacheco e, depois, no Liceu Piauiense. Atendendo a decisão paterna, transferiu-se para Belo Horizonte, onde ingressaria, em março de 1939, na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Foi nesse período que começou a trabalhar no Estado de Minas , pertencente à cadeia de jornais e emissoras de Assis Chateaubriand, os Associados.  

Sua porta de entrada foi a de muitos e muitos jornalistas brasileiros: a reportagem policial. Reclamo para o Piauí, porém, a iniciação jornalística de Carlos Castello Branco: foi no Liceu Piauiense que participou da criação do periódico estudantil A Mocidade . Registre-se, a propósito, que ele conservou sempre o vínculo com a terra natal. Embora não tornasse a residir no Piauí, onde viveram e faleceram os seus pais, visitava o Estado com freqüência e mantinha-se inteirado do que lá acontecia, preservando laços familiares e sociais.  

Ao formar-se em Direito, chegou a abrir um escritório de advocacia. Já estava, entretanto, irresistivelmente atraído pelo jornalismo e dava passos importantes para o crescimento profissional. Tornou-se subsecretário e depois secretário de Redação do Estado de Minas , funções em que lhe competia gerir o dia-a-dia editorial. Foi também secretário da Agência Meridional de Notícias , vinculada aos Associados.  

Conheceu então Carlos Lacerda, que dirigia a Meridional e que lhe fez um convite que mudaria a sua vida. Ao deixar a agência, Lacerda lhe propôs trabalhar no Diário Carioca, um dos mais influentes veículos da capital, o Rio de Janeiro. Castello aceitou, mudou-se para o Rio. Ao chegar, porém, teve uma surpresa. De uma forma muito típica, Lacerda abandonara pouco antes o Diário, e o convite não valia mais. Castello retornou aos Associados, mas em O Jornal, considerado por Chateaubriand o matutino líder de sua cadeia.  

Teve seu talento reconhecido pelo próprio Assis Chateaubriand, que o escolheu para diversas missões fora do Rio de Janeiro. Foi enviado, por exemplo, a Belém, para reestruturar A Província do Pará, que a partir daí retomou o seu lugar entre os principais jornais paraenses. Ao retornar ao Rio, foi designado secretário de Redação do Diário da Noite , outro prestigioso veículo dos Associados.  

Foi nesse momento que passou a se dedicar à cobertura e à crônica política. Outra vez em O Jornal , deixou a secretaria para tornar-se analista político, posição que deixaria para assumir uma função nova nos jornais brasileiros, a de editor político, agora no Diário Carioca . Nesse momento, o futuro Senador Pompeu de Sousa promovia uma ampla reestruturação do Diário, que permaneceu por quase uma década como um parâmetro para a cobertura nacional no Rio de Janeiro. Nos anos que se seguiram, Castello passou a desempenhar, cumulativamente, outras funções, como as de correspondente da Folha de S. Paulo , colaborador de O Estado de S. Paulo , editorialista de O Mundo e, uma vez mais com Carlos Lacerda, editor da Tribuna da Imprensa. Essa experiência valeu-lhe, entre os colegas da imprensa, a fama, que o acompanharia por toda a vida, de saber tudo de jornal e saber tudo de política.  

Também nesse período, Castello passou a organizar e dirigir a seção política de O Cruzeiro. Pertencente também aos Associados, era então a revista de maior circulação no Brasil, com penetração em todos os Estados. Já respeitado como um dos principais repórteres e analistas políticos da capital, o nome de Carlos Castello Branco passou a ser nacionalmente reconhecido. Foi como enviado de O Cruzeiro que cobriu a campanha presidencial de 1960, tendo acompanhado em diversas oportunidades um dos candidatos, Jânio Quadros.  

Sua vida pessoal tomaria então novo rumo. Jânio convidou-o para ser seu secretário de Imprensa. Resistiu, mas o presidente eleito telefonou para O Cruzeiro e solicitou à direção que o liberasse, "por empréstimo", Castello mudou-se para Brasília, onde residiria por mais de trinta anos. A aventura lhe valeria também um livro, A Renúncia de Jânio , que por determinação do próprio autor, foi publicado apenas após a morte dele e do presidente.  

Com a saída de Jânio Quadros, em agosto de 1961, retornou a O Cruzeiro , mas permaneceu em Brasília. Dois meses depois, recebeu de Nascimento Brito, que havia comprado de Lacerda a Tribuna da Imprensa , convite para assumir uma coluna política no jornal. Nasceu assim a Coluna do Castello, que se tornou rapidamente a principal referência do jornalismo político brasileiro.  

A primeira Coluna do Castello foi publicada na Tribuna a 2 de janeiro de 1962. Em março, com nova venda da combativa Tribuna da Imprensa , a coluna transferiu-se para o Jornal do Brasil , igualmente a convite de Nascimento Brito. Adquiriu então o formato que conservaria mesmo após a sua morte. A apresentação visual, em uma demonstração da força que pode assumir uma marca, mesmo que pessoal, sobrevive até hoje. A principal coluna do Jornal do Brasil permanece na segunda página do primeiro caderno, rebatizada de Coisas da Política e tendo como titular a competente profissional que é Dora Kramer.  

O próprio Castello definiria o conteúdo da coluna como "densamente informativo e ostensivamente formativo". Como se dizia, ela "não brigava com o noticiário", ou seja, evitava cuidadosamente repetir ou contraditar informações publicadas em outras áreas do jornal. Ao contrário, valorizava dados exclusivos e, preferencialmente, fornecia uma visão tão ampla quanto profunda do contexto político. Nas palavras de um eminente companheiro de profissão e de jornal, Wilson Figueiredo, a coluna seria "o monólogo impessoal a serviço de uma reflexão coletiva".  

Castello passou então a dedicar-se prioritariamente à coluna, assim como à direção da sucursal do Jornal do Brasil na nova capital, deixando as demais funções jornalísticas. Seria o diretor da sucursal até 1969, quando deixou o cargo em função de pressões governamentais.  

Embora a coluna fosse impessoal por opção e independente por conquista, era inevitável que traduzisse a visão crítica do autor. Castello, registre-se, vinculou-se sempre a uma postura liberal - não um liberalismo ingênuo, mas um liberalismo associado à convicção da necessidade de uma evolução social distributivista. Era fatal que, com o endurecimento do regime pós-64, essa visão se traduzisse em textos contundentes.  

Quando se baixou o Ato Institucional n.º 5, Carlos Castello Branco foi um dos primeiro detidos. Ainda que naquele momento de arbítrio não se costumasse declinar as razões das prisões, o regime o acusava de ter dado cobertura ao movimento parlamentar que levara à recusa da licença para processar o então Deputado Márcio Moreira Alves. Tratava-se, na verdade, do reconhecimento do peso político que a Coluna do Castello adquirira.  

O jornalista foi libertado dois dias depois, mas impediu-se a publicação da coluna por várias semanas. Foi retomada, mas àquela época instalava-se a censura prévia. A Coluna do Castello, obviamente, constituía um de seus principais alvos. Carlos Castello Branco viu-se forçado a evitar uma série de temas, mas manteve as características básicas do seu texto. Afinal, como diz Wilson Figueiredo, ele "operava um código de sinais exclusivos, que os leitores traduziam diretamente", o que lhe permitiu "deles se valer quando assediado pela censura".  

Castello pediu demissão do Jornal do Brasil , gesto que repetiria por mais duas vezes, diante das pressões, mas sua exoneração não foi aceita. Deixou apenas a direção da sucursal, preservando a coluna. Em uma demonstração de seu prestígio, quando as pressões uma vez mais pareciam forçar-lhe a saída, expoentes do próprio regime lutaram para amenizá-las, com razoável êxito. Aos poucos essas nuvens se atenuariam e a coluna preservou o seu perfil. Essa luta valeria a Castello o prêmio de jornalismo Maria Moors Cabot, concedido pela Universidade de Colúmbia, uma das mais importantes dos Estados Unidos, aos profissionais que mais se destacam na defesa da liberdade de imprensa.

 

Já na condição de símbolo da integridade jornalística, Castello recebeu em 1977 um apelo de jovens profissionais de Brasília que pretendiam restabelecer a autenticidade do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Eleito presidente do sindicato, exerceu o cargo por três anos e cumpriu os objetivos da campanha, mas evitou os apelos para uma recondução.  

Disputaria ainda mais uma eleição, esta para a Academia Brasileira de Letras, tornando-se imortal por ampla maioria de votos, em um reconhecimento da alta qualidade de seu trabalho. Além dos cinco livros que já mencionei, todos eles de natureza jornalística, publicou Continhos Brasileiros , em 1952, e o romance de fundo político Arco do Triunfo , em 1958, além de Idos de Março , um depoimento prestado logo após o movimento de 1964. Seria também membro da Academia Piauiense de Letras, a partir de 1984.  

Carlos Castello Branco casou-se em 1948 com Hélvia Lordello Castello Branco, jurista de brilhante carreira que culminou no elevado posto de Ministra do Tribunal de Contas da União. Juntos estiveram por 44 anos, encerrados com a morte de Castello em 1993. Seus três filhos, Rodrigo, prematuramente falecido, Luciana e Pedro deram-lhe cinco netos.  

Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, autoridades e admiradores de Carlos Castello Branco, orgulho-me da amizade que Hélvia e Castellinho sempre me dedicaram. Orgulho-me também, aí como piauiense, de ter como conterrâneo um dos profissionais que mais influenciaram o jornalismo brasileiro. Carlos Castello Branco deixou na imprensa de nosso país marcas que não serão desfeitas.  

Uma delas é a incessante luta pela qualidade do trabalho jornalístico, delineando um modelo baseado no cuidado ao tratar a informação, na precisão, na isenção e, enfim, na busca de um texto fluente e criativo. Outra marca é a dignidade profissional, fundada na independência e no respeito a um rígido código de ética, seguido acima de todas as pressões, inclusive de natureza econômica.  

Por tudo isto, Carlos Castello Branco deixou mais do que um exemplo. Deixou uma práxis, uma forma de exercer a atividade profissional que, incorporada aos parâmetros seguidos pela grande maioria dos jornalistas brasileiros, enobrece a imprensa do País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2000 - Página 13041