Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA CARLOS CASTELLO BRANCO.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2000 - Página 13049
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CARLOS CASTELLO BRANCO, JORNALISTA, ESTADO DO PIAUI (PI), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, RELEVANCIA, ATUAÇÃO, JORNALISMO, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães; Srª Élvia Castello Branco; Sr. Nascimento Brito; Sr. Ronaldo Costa Couto; Srªs e Srs. Senadores, a Coluna do Castello bem interagia com o Senador Francelino Pereira.  

Entre os textos que escolhi, ali estava, em 20 de fevereiro de 1992, o seguinte:  

 

Francelino Pereira, que passou alguns anos na vice-presidência do Banco do Brasil, voltou à plena atividade política e encara a possibilidade de pleitear mandato parlamentar em 1994. Ele pensa no Senado, mas, se for adotado o parlamentarismo, não hesitaria em disputar uma cadeira na Câmara. Do bom resultado do pleito deste ano dependerá o que seria uma espécie de ressurreição do seu Partido em Minas Gerais.  

 

Ao referir-se a Carlos Castello Branco, quando do seu falecimento, o Presidente da OAB, Barbosa Lima Sobrinho, destacou a maneira como ele escrevia:  

 

E que antes de valer como privilégio, transformou-se numa verdadeira consagração, pelo estilo, pela qualidade da informação, por tudo o que revelava no seu autor de acuidade e de perspicácia, de equilíbrio e sensatez. Não inventava nada. Limitava-se a descrever os acontecimentos e todos os dias, com um senso de realidade que era novo, no Brasil, no escrúpulo com que fugia das paixões do momento.  

 

No livro que hoje nos vem às mãos, em edição especial do Senado, A Renúncia de Jânio , há passagens de grande interesse e curiosidade, narradas no estilo de Carlos Castello Branco, como, por exemplo, o episódio da condecoração de Che Guevara pelo Presidente Jânio Quadros, tão significativo na História.  

Vou ler um pequeno trecho, para todos nós saborearmos o estilo interessante de Castelinho:  

 

O General Pedro Geraldo percebeu, desde o primeiro momento, as dificuldades que a condecoração de Guevara criaria. Certa manhã, ao chegar ao Palácio, encontrei recado do presidente, para que comparecesse com urgência ao seu gabinete. Fui lá, mas já não era preciso. Queria a divulgação imediata e por todos os meios de uma pequena nota, que entregara pouco antes a um oficial de gabinete. A nota dizia que o presidente da República decidira condecorar com a Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul o Ministro Ernesto Che Guevara, de Cuba, no sábado seguinte, quando passaria ele por Brasília, de volta da Conferência de Punta del Leste.  

Encontrei o general Pedro Geraldo e dei-lhe a notícia.  

-- Não é possível, você não vai publicar isto, disse.  

-- Já está nas estações de rádio, respondi.  

O general preocupou-se:  

-- Vai dar encrenca.  

Pouco depois, Quintanilha me chamava para reclamar da divulgação. Em casos como aquele, a Secretaria de Imprensa deveria retardar suas providências até ouvir a Chefia do Gabinete Civil.  

O major Câmara Sena e outros membros da Casa Militar não compareceram ao ato de condecoração, na manhã de sábado, no salão que então se abria no final da ala direita do Palácio do Planalto, ao lado do gabinete do presidente. Jânio saudou rapidamente o ministro revolucionário de Cuba, que, em uniforme simples, cansado e sonolento – viajara de avião a noite inteira – parecia não estar à vontade na cerimônia. O presidente passou-lhe o colar pelo pescoço e entregou-lhe a caixa com diploma e medalha. Guevara agradeceu em poucas palavras. Depois, houve um silêncio constrangido. Jânio convidou o ministro a entrar no gabinete e já se moviam, quando o presidente, percebendo o sem-jeito do agraciado, voltou-se para o chefe do Cerimonial, Macedo Soares, e disse-lhe:  

- Ministro, tire isso do Guevara.  

O colar foi retirado e posto na caixa. Presidente e visitante entraram. Jânio entregou a Guevara uma carta a Fidel Castro na qual pedia ao governo de Cuba urgência em permitir a saída de asilados que se acumulavam na embaixada brasileira em Havana.  

Pouco depois, Jânio embarcava para São Paulo. Já nesse dia começaram, vindos da Casa Militar, os rumores, que se confirmariam depois, de que numerosos militares tramavam a devolução de condecorações ao governo como protesto contra o agraciamento de Guevara.  

Depois da renúncia, poucos oficiais do Gabinete Militar ficariam com Jânio, entre eles o major Amarante, única escolha pessoal do presidente, e, depois de algumas hesitações, o major Brito, irrequieto oficial de comunicações. Dos demais, não há notícia.  

Entre os oficiais do Gabinete Civil, ficou daqueles dias, senão a certeza, pelo menos a intranqüilizadora intuição de que, se fosse aberta uma luta no país, naquele instante, o presidente poderia perfeitamente ter sido preso por sua Casa Militar.  

 

Em 25 de junho de 1920, há oitenta anos, nascia em Teresina, no Estado do Piauí, cujos Senadores aqui homenagearam Carlos Castello Branco, aquele que viria a ser "o fundador do jornalismo de análise no Brasil", conforme expressou o ex-Presidente e Senador José Sarney. Filho do desembargador e escritor Cristino Castello Branco, desde pequeno sonhava ser escritor como o pai.  

Ao concluir o seu curso ginasial, foi mandado para Belo Horizonte para estudar Direito. Graças à mão do destino, sua mesada de estudante foi cortada, obrigando-o a procurar trabalho. Isso fez com que Castellinho, como era chamado, entrasse para a redação do jornal Estado de Minas , onde passou a fazer as reportagens de polícia. Ainda em Belo Horizonte, deu seus primeiros passos na literatura.  

Em 1945, mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no O Jornal . Cinco anos depois, era jornalista político do Diário Carioca . Em 1953, tornou-se chefe de redação da Tribuna da Imprensa . Escreveu em diversos jornais, até que, em 1962, começou a publicar a Coluna do Castello , primeiro na Tribuna da Imprensa e, a partir de 1963, no Jornal do Brasil , uma coluna que todos nós líamos diariamente.  

Quando morreu, em 1º de junho de 1993, seus escritos constituíam uma referência diária para o mundo político brasileiro e para todos que queriam se informar sobre o Brasil. Sua influência e autoridade eram enormes. Em Brasília, nos últimos anos, muitos foram aqueles, conforme mencionaram os Senadores Hugo Napoleão, Francelino Pereira e Freitas Neto, que lhe telefonavam para informar-se, justificar-se, pedir um desmentido, transmitir algo importante.  

O que Carlos Castello Branco estaria escrevendo hoje?  

Sr. Presidente, Castello Branco nada inventava, mas eu tive a ousadia de imaginar o que, hoje, estaria escrevendo na sua coluna. Ele tinha o costume, muitas vezes, de iniciar sua coluna com uma frase do personagem principal. Cito, como exemplo, em 1º de novembro de 1992, quando ele falava:  

"Nós temos a mesma origem", disse o presidente Itamar Franco ao Senador Pedro Simon ao se entenderem sobre os termos em que o senador exercerá a liderança do governo no Senado. A origem comum é Alberto Pasqualini, geralmente definido como o teórico do trabalhismo brasileiro. E assim concordaram Itamar e Simon em que o governo não se deixará envolver pela política fisiológica. "De loteamento de cargos eu não participo", tinha sido a advertência inicial do novo líder.  

Eu imaginei um parágrafo do que, possivelmente, diante do noticiário de hoje, estaria escrevendo Carlos Castello Branco. Talvez não agrade a muitos, mas percebo que, com a sua acuidade, ele poderia escrever algo como o seguinte:  

"Se alguém tirou proveito disso, certamente não fui eu." A frase produzida pelo Presidente da República sintetiza a preocupação que paira sobre o Governo, depois que a imprensa retomou o noticiário sobre a compra de votos para aprovar a reeleição do primeiro mandatário do País. O Governo tenta demonstrar uma aparente tranqüilidade diante de um dos mais graves e concretos fatos políticos envolvendo a figura do Presidente com o esquema de benesses, tão condenado por ele próprio quando era Senador. A preocupação tem um endereço: o Superior Tribunal de Justiça. Passados quase três anos, a Justiça finalmente determinou a quebra do sigilo dos quatro ex-Deputados e da Deputada acusados de venderem seus votos. No caso de uma confirmação da denúncia, terá início um processo de apuração da verdade, sem precedentes nos seis anos de Governo de Fernando Henrique Cardoso. Se não foi o Presidente o maior beneficiado, quem terá sido?  

Interrompo aqui, porque já foi muita ousadia minha imaginar o que ele estaria escrevendo.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB – RS) – Acredito que V. Exª merece, em nome de nós todos, fazer a homenagem mais sentida a um dos homens mais extraordinários do nosso País. É impressionante como um homem que foi apenas um jornalista tenha tido tanto prestígio, autoridade, credibilidade e seriedade, na História deste País, como Castello Branco. Não me lembro, nem antes nem depois, de outra oportunidade em que, a começar pelo Presidente da República, as pessoas importantes do País não saíam de casa sem antes ler a coluna de Castello Branco. É impressionante como, indiscutivelmente, o assunto sempre mais importante, mais sério, de maior conteúdo e profundidade era a coluna do Castello Branco. É impressionante como tinha grandeza, um homem como ele, que bebia uísque e dava-se bem com Deus e todo mundo. Ele conhecia, tinha respeito e amizade, mas, na hora de escrever, era duro, acre, dizia as coisas como achava que devia e colocava a verdade acima do bem e do mal. Lembro-me de uma vez em que senti que ele não foi justo comigo em um artigo, com relação à minha interpretação como Líder do Governo. Não tive coragem de lhe falar sobre isso. Tempos depois, fui-me dar conta de que ele estava certo, as informações que ele tinha eram corretas e o que ele tinha dito correspondia absolutamente à verdade. Era uma figura mística, diferente, a de Castelinho. Ele era amigo, brincalhão, alegre, disposto, ouvia e ficava até de madrugada bebendo e conversando e, em algumas vezes dramáticas, sua voz era difícil de ser ouvida. Não me esqueço de uma noite em que ficamos no Tarantela, juntamente com o Arraes, e eu tinha dificuldade de entendê-los; um deles falava, o outro também, e me pediam que repetisse o que o outro estava dizendo. Mas a grande verdade é que é uma honra termos tido uma pessoa como Carlos Castello Branco. Ele era um jornalista na acepção do termo. Nunca se preocupou com o dono do jornal, nunca se preocupou em fazer favor, nunca se preocupou em fazer vantagens. Ele nunca se preocupou em ocupar uma posição – e ele a tinha -, com o seu prestígio – e ele o tinha -, com a sua credibilidade - e ele a tinha. Acho que nunca ninguém teve a coragem de chegar perto do Castellinho e dizer: "Olha, fala para o fulano de tal para me receber numa audiência", porque ele era uma pessoa que desempenhava a sua missão. E foram momentos dramáticos e difíceis aqueles que nós vivemos! E houve momentos – é importante salientar – em que o importante não era fazermos, mas sabermos o que fazer. Houve épocas, naquela "tarantela de confusões", que a pergunta que fazíamos não era o medo de cumprir, de executar, mas de como fazer. "Dr. Brizola tem que renunciar, tem que fechar o Partido. Mas será que a saída é a renúncia coletiva?" "Tem que haver a renúncia dos mandatos, todo o mundo tem que renunciar. Mas será que é por aí: a renúncia coletiva dos mandatos?" E ele, na sua coluna, ditava, dizia, explicava, orientava, esclarecia sobre todos os assuntos, os mais variados e os mais inimagináveis possíveis. Com toda a sinceridade, não houve período na história do Brasil – e acho muito difícil que tenha havido período na história de um povo - onde um jornalista tenha tido influência tão intensa e tão imensa quanto a que ele teve no seu período na história do nosso País. E se formos nos debruçar na luta pela democracia, na luta pela resistência, na luta pela retomada, vamos ver na "Coluna do Castello" um dos grandes responsáveis por seguirmos esse caminho. Primeiro, porque ele não era do radicalismo, não apontava para o impossível, apontava o bom senso, o equilíbrio; às vezes, ele era enérgico, duro, mas, normalmente, ele apontava para o que era viável, possível, o caminho que deveríamos trilhar para chegar lá. Por isso, acho que nós, Congresso Nacional, devemos ter na memória a imagem daquele que foi indiscutivelmente o maior jornalista da história deste País. Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. (Palmas)

 

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP) – Muito obrigado Senador Pedro Simon. V. Exª retrata muito bem o quanto Carlos Castello Branco constituía um farol, sendo ainda um extraordinário exemplo para todos os jornalistas brasileiros, todos os que desejam um caminho de como proceder, sobretudo com senso de ética.  

Fiquei curioso para saber se Carlos Castello Branco havia registrado, em seu livro Os Militares no Poder, uma história que qualificaria como saborosa, da qual tomei conhecimento ontem, ao dialogar com o Embaixador - que representará o Brasil no México – Luís Felipe Macedo Soares Guimarães. Percebi que Carlos Castello Branco não havia relatado esse fato dos tempos em que era Presidente o General Costa e Silva. No entanto, penso que ele gostaria de ter relatado que, quando Macedo Soares Guimarães era responsável, no Itamaraty, pelas relações do Brasil com o Paraguai e a Bolívia, precisou organizar um almoço, em Uberaba, onde o prefeito receberia o General Stroessner e o Presidente Costa e Silva. E o nosso José Fernandes, que cuida do nosso restaurante, então cuidava dos almoços, e seguiu, cedo, para o Rio de Janeiro, onde comprou os alimentos para o preparo do almoço. E, durante o almoço, o Presidente apenas dialogava com a outra pessoa que sentava ao seu lado, dando, todo o tempo, as costas ao General Stroessner. E eis que o Chefe do Cerimonial, ao chamar a atenção do Presidente, passados mais de 40 minutos, disse: "Presidente, o Senhor está de costas para o Presidente do Paraguai". E o Presidente Costa e Silva, de pronto, disse: "Eu não converso com ditador!" E prosseguiu seu diálogo. Eu achei essa história muito interessante.  

Carlos Castello Branco contava efetivamente todos os fatos tais como ocorriam. Cada página de seus livros, de suas colunas é uma exemplo de ética, de colocação e um farol para todos os brasileiros.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2000 - Página 13049