Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE OS ACONTECIMENTOS ENVOLVENDO O EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, FRANCISCO LOPES, E SUGESTÕES DE APERFEIÇOAMENTO DO BANCO CENTRAL.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • COMENTARIOS SOBRE OS ACONTECIMENTOS ENVOLVENDO O EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, FRANCISCO LOPES, E SUGESTÕES DE APERFEIÇOAMENTO DO BANCO CENTRAL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1999 - Página 9154
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, CONDUTA, FRANCISCO LOPES, EX PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), RECUSA, DEPOIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, PREJUIZO, ESCLARECIMENTOS, FATO, PERIODO, GESTÃO, PRESIDENCIA, BANCO OFICIAL, REFERENCIA, TRAFICO, INFORMAÇÕES, DOAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, BANCOS, SITUAÇÃO, FALENCIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SISTEMA, APERFEIÇOAMENTO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sendo os recentes acontecimentos relativos à CPI do Sistema Financeiro o grande tema do momento, polarizando as atenções da opinião pública do País, não poderia me furtar de abordá-lo.  

Gostaria, no entanto, de fazê-lo não apenas para comentar e avaliar seus aspectos mais bombásticos, ligados à prisão do ex-Presidente do Banco Central, Francisco Lopes, mas, antes, procurando situar este episódio numa perspectiva mais analítica que emocional, numa agenda de mudanças e reformas de nossas instituições e costumes políticos e administrativos, ou, parafraseando o Presidente Antonio Carlos Magalhães, movido pela intenção de inaugurar, a partir do Congresso Nacional, uma agenda positiva para o País.  

Anteontem, o Brasil inteiro aguardava o depoimento do Sr. Francisco Lopes, na esperança de que pudesse apresentar sua versão dos graves fatos veiculados pela mídia, concernentes à conduta do Banco Central e de alguns agentes financeiros privados durante a crise cambial do início do ano.  

Para surpresa geral, ao invés de lançar alguma luz sobre a questão e, ao menos, tentar desfazer os rumores de cometimento de ilícitos e de conduta incompatível com a moralidade pública, o Sr. Francisco Lopes, orientado por seus advogados, fugiu ao mérito do problema, negando-se a depor, agarrado a argumentos meramente processuais e de obstrução das apurações.  

Preferiu, assim, assumir o papel de vítima da CPI e da mídia, adotando uma linha estritamente jurídica de defesa, sem levar em conta as implicações de natureza essencialmente política e moral de sua recusa em depor.  

Pode até ter razão, se examinada a sua situação do ângulo estritamente técnico-jurídico, ao alegar que, figurando como indiciado e suspeito de ilicitudes em inquérito policial desencadeado pelo Ministério Público Federal, não podia apresentar-se à CPI na condição de testemunha, e sim na qualidade de indiciado, portanto, titular do privilégio de depor sem prestação de compromisso de veracidade, para não ser forçado à auto-incriminação.  

Com isso, deixou passar em branco uma oportunidade única de falar à Nação, apresentando provas cabais de seu não envolvimento nas ações reprováveis que lhe são atribuídas.  

Ao meu ver, seria melhor não só para o esclarecimento dos fatos, mas até mesmo para a própria defesa do Sr. Francisco Lopes, a dispensa destas salvaguardas formais inúteis e até prejudiciais, para quem, atingido em sua honra por imputações injustas, tivesse interesse em revelar, com toda exatidão, a plena realidade dos acontecimentos de que foi partícipe em sua gestão no Banco Central.  

Ao invés, a recusa em depor sob compromisso deixa mal Francisco Lopes, por colocá-lo numa posição meramente defensiva, ao vestir a carapuça de indiciado, embaraçando, com isso, as investigações, em prejuízo do esclarecimento dos fatos, tenha ou não sido esta a sua intenção.  

Por outro lado, a CPI não deve desviar-se do seu objetivo (expresso nos fatos determinados elencados no requerimento de sua convocação) de natureza muito mais ampla, apontando para uma reforma estrutural do sistema financeiro, sem estreitar o alvo de suas averiguações, arriscando-se, neste caso, a tornar-se a CPI do Francisco Lopes ou dos Bancos Marka e FonteCindam.  

Assim, não obstante seja compreensível toda a indignação provocada nos Membros da CPI pelo comportamento evasivo do ex-Presidente do Banco Central, talvez tivesse sido mais eficaz, no interesse das investigações, não dar a ele a chance de figurar como vítima de um alegado excesso de autoridade e ter sido tomado o seu depoimento, ainda que na qualidade de indiciado, como prevê o Regimento Interno da Casa e a Lei nº 4.595/64.  

De todo modo, perdeu-se uma boa ocasião de esclarecer fatos relacionados a práticas pouco ortodoxas de funcionamento do sistema financeiro e à promiscuidade reinante entre as autoridades monetárias e fiscalizadoras das instituições bancárias e os agentes privados desse setor da economia.  

Por outro lado, a omissão de Francisco Lopes deixa patente a necessidade urgente de uma profunda devassa de todo esse sistema, com vista a um saneamento e reforma radicais que evitem a continuidade dessas situações escandalosas e de desperdícios de recursos públicos hoje vigentes.  

Felizmente, o Presidente da República parece participar dessa visão crítica sobre a atitude de seu ex-colaborador ao manifestar em nota oficial sua surpresa e decepção pelo fato de Francisco Lopes ter deixado de cumprir sua obrigação funcional de contribuir com as apurações da CPI. Fernando Henrique diz que as CPIs devem ser encaradas com naturalidade, sem sobressaltos, porque o Governo nada tem a esconder. Em seguida, a atual Direção do Banco Central declara também sua naturalidade e pela mesma razão.  

De toda maneira, o ocorrido deixa mal o Governo, não obstante a ênfase oficial favorável à intensificação das investigações por permanecerem sem resposta as suspeitas de tráfico de informações envolvendo o Banco Central e a doação suspeita de dinheiro público a bancos quebrados.  

Na verdade, todo o campo de investigação da CPI dos Bancos, delimitado no requerimento de sua criação, carece ainda de ser elucidado com rigor, ou seja:  

a) a responsabilidade das instituições financeiras que se colocaram a salvo da desvalorização cambial, obtendo em muitos casos imensos lucros;  

b) os lucros exorbitantes registrados por bancos estrangeiros em decorrência da aquisição de títulos públicos;  

c) a remessa irregular de recursos para o exterior;  

d) as razões pelas quais persiste a fragilidade do Sistema Financeiro Nacional após a maciça injeção de recursos por meio do Proer.  

Em todo caso, a hora é de dar toda a conseqüência prática possível à palavra de ordem presidencial de prosseguir com firmeza nas sindicâncias da CPI.  

É preciso, porém, ir além das apurações e da identificação das responsabilidades: o enfrentamento radical dos problemas da ordem financeira nacional exige, por parte não só da CPI como do Congresso Nacional, suficiente iniciativa e coragem para passar a limpo o Sistema Financeiro, no sentido de dar-lhe mais confiabilidade e transparência.  

Assim, para a CPI bem cumprir os seus objetivos, a investigação e formação de culpa dos responsáveis por eventuais ilícitos não pode ser um fim em si mesma, mas estar a serviço de mudanças instituicionais capazes de corrigir estruturas e mecanismos lacunosos e ineficientes, substituindo-os por outros mais consentâneos com o ideal democrático e republicano de controle dos Poderes estatais em todos os níveis e escalões.  

As CPIs, embora não seja essa sua destinação constitucional, vêm-se firmando, com todas as críticas a alguns excessos de exibicionismo e publicidade fácil que possam ensejar uma instância importante de prestação de contas, de controle de poder político e de transparência dos Poderes públicos.  

Assim, as CPIs, em nossa história recente, além de valioso instrumento de investigação conjuntural e de proposição de alternativas estruturais aos desmandos sob seu crivo, têm suprido um importante defeito institucional da democracia brasileira, seu verdadeiro calcanhar de Aquiles político: a falta de transparência na tomada de decisões e a tendência à excessiva concentração de poderes de seus principais órgãos e agentes.  

Na falta de regras permanentes inibidoras desses vícios nacionais, de modo rotineiro, as CPIs, de modo bissexto, vêm ocupando esse vazio, cumprindo, no mínimo, o papel de dar a publicidade e visibilidade a setores da máquina estatal, onde imperam a obscuridade de onde não incide a luz do controle social.  

Aloysio Biondi, articulista respeitado da Folha de S.Paulo , dá um singelo exemplo desta vocação para a opacidade decisória no Brasil: "Em 1994, uma simples resolução (nº 266) do Conselho Monetário Nacional proibiu a divulgação de determinadas decisões do próprio CMN e do Banco Central. Só os Ministros da Fazenda e do Planejamento, mais o Banco Central, podem conhecê-las."  

De nada adianta, assim, o discurso pretensamente liberal e formalista que, a qualquer pretexto, procura desqualificar a oportunidade e a necessidade das CPIs, lançando-lhes a pecha de instrumento de populismo da demagogia.  

Se existe alguma hipertrofia na ação das CPIs não há como eliminá-la a golpes de uma interpretação restrita de seu cabimento em cada caso.  

Só o aperfeiçoamento de nosso ambiente institucional, com o arejamento democrático e a maior eficácia dos órgão públicos poderá reduzir a demanda crescente por ampla ação investigativa do Congresso Nacional. através das CPIs.  

É preciso que a CPI do sistema financeiro, além de estabelecer a autoria de possíveis ilícitos, possibilitando a ação do Ministério Público, sirva também para propor mecanismos impeditivos da perpetração de futuros desvios da moralidade pública no âmbito do sistema financeiro nacional.  

Medidas tendentes a coibir a promiscuidade atual entre agentes públicos e privados da esfera financeira, como a exigência de quarentena de entrada e de saída para os dirigentes do Banco Central, são imperiosas e inadiáveis.  

Eu mesmo tive ocasião de apresentar o Projeto de Lei Complementar nº 194, de 1997, dispondo sobre requisitos para a nomeação e impedimentos dos membros da diretoria do Banco Central, regulamentando, assim, o art. 192 da Constituição Federal. O projeto foi arquivado por decurso de legislatura, mas já requeri seu desarquivamento dada a sua atualidade.  

Como se sabe, a Constituinte de 98 reservou à lei complementar a atribuição de regular o sistema financeiro nacional, dedicando especial atenção à escolha da diretoria do Banco Central, aos requisitos para sua designação e aos impedimentos posteriores ao exercício do cargo. Nada mais correto, se o objetivo é evitar a indesejável promiscuidade entre a cúpula do Banco Central e a iniciativa privada do setor financeiro que vem se verificando hoje em dia no País com a erupção constante de escândalos e suspeitas de clientelismo e dupla militância de nossas altas autoridades monetárias.

 

É preciso ter presente o perigo que representa para a credibilidade da autoridade monetária e para a estabilidade da moeda a situação vigente de absoluta intercomunicação entre a cúpula do Banco Central e o sistema financeiro privado, em que um diretor da instituição, no dia seguinte à sua exoneração, é cooptado para administrar um banco ou financeira particular, levando consigo, a serviço do interesse privado, informações privilegiadas obtidas no exercício do seu cargo público.  

Em face dessa relação incestuosa entre interesse público e privado na área financeira, propomos dois tipos de quarentena para os ocupantes da direção do principal organismo da política monetária do País. Uma delas, a chamada quarentena de entrada, em que o candidato ao cargo de diretor do Banco Central não poderá, nos quatro anos anteriores à sua nomeação, ter exercido no sistema financeiro privado posições como a de diretor, administrador, proprietário ou acionista controlador de qualquer empresa do ramo. Outra é a dita quarentena de saída, em que o ex-diretor não poderá ter vínculos com o sistema financeiro privado nos quatro anos seguintes à sua exoneração, sob as penas do artigo 321 do Código Penal.  

São garantias que só homenageiam a moralidade e a eficiência administrativas, já que se combinam com outro dispositivo deste projeto, estabelecendo que um mínimo de três diretores do Banco Central provirão sempre de seu próprio quadro funcional.  

Poderá, assim, o corpo de diretores da instituição contar com funcionários de carreira, que têm em sua bagagem a experiência e a tradição da máquina administrativa.  

Ademais, a escolha presidencial para tais cargos poderá recair também em acadêmicos e professores universitários que aportarão, por certo, seus conhecimentos de teoria econômica, sendo, desse modo, perfeitamente dispensáveis os executivos financeiros egressos da iniciativa privada, e se evitará, com isso, um eventual e ruinoso conflito de interesses entre o público e o privado.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) (Faz soar a campainha)  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Concluirei em breve, Sr. Presidente.  

Esse é um dos escopos do presente projeto, especialmente no que concerne a medidas ditas de quarentena: estatizar o Banco Central, propiciando uma clara separação entre o público e o privado, com primado absoluto do interesse público no provimento dos cargos de sua cúpula diretora.  

Tudo isso em atenção ao princípio republicano, que tem como um dos seus elementos essenciais, ao lado da eletividade, da periodicidade dos mandatos políticos e da responsabilidade dos governantes, a necessidade de distinção nítida dos limites entre interesse público e privado, com a supremacia absoluta do último.  

Para tanto, o projeto estabelece mandatos fixos e escalonados para a diretoria do Banco Central não coincidentes o do seu presidente com o do Presidente da República, além de resguardar tais mandatos de eventuais caprichos da chefia do Executivo, que, para demiti-los, precisará da aprovação da maioria absoluta do Senado Federal, em escrutínio secreto, a exemplo do que a Constituição Federal dispõe em relação à dispensa ex officio do Procurador-Geral da República.  

Outros projetos, como o Projeto de Lei Complementar n.º 117/91, do Deputado José Fortunati, por exemplo, no esforço de dar mais transparência à gestão dos recursos financeiros e abrindo a chamada caixa preta do Banco Central, propõe a criação de uma Ouvidoria Geral do Sistema Financeiro Nacional.  

Inúmeras outras iniciativas semelhantes chegaram a ser reunidas na última Legislatura em substitutivo de autoria do Relator Saulo Queiroz, como resultado dos trabalhos de uma Comissão Especial especificamente destinada ao exame dos projetos de lei em tramitação sobre matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional e regulamentadoras do art. 192 da Constituição Federal, contendo interessantes sugestões e providências.  

Entretanto, tal Comissão precisa ser revigorada na presente Legislatura para que possa também receber contribuições dos Srs. Senadores, cujas proposições em curso ou em vias de apresentação deverão ter tramitação urgente para serem enviadas à Câmara, a fim de que haja um trabalho integrado do Congresso Nacional nesse assunto de notória relevância e premência.  

É importante revigorar aquela Comissão instalada na Câmara para tratar de matérias de iniciativa legislativa sobre o sistema tributário. Urge tomar providências e resgatar o compromisso de todas as autoridades constituídas, seja do Poder Judiciário, do nosso Poder Legislativo ou do Poder Executivo.  

A desmoralização das instituições, o descrédito generalizado são a tônica: juízes metidos em corrupção, políticos e parlamentares envolvidos em bandalheiras.  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) (Faz soar a campainha)  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Sr. Presidente, V. Exª é um dos militantes da moralização deste País, portanto, não me apresse. Precisamos tomar atitudes. É a virada do milênio, Sr. Presidente! Temos que cerrar fileira em uma agenda positiva, para termos a moral restabelecida, a cabeça erguida no cumprimento do dever.  

Sejamos bons ou ruins, honestos ou desonestos, estamos na vala comum, generalizada. Sou um homem sério e honesto. Lembro-me, uma vez, de que estava fazendo campanha política dentro do ônibus, para vir ao Senado Federal. Quando fazia uma pequena falação — eu me encontrava no meio do ônibus —, um vendedor que estava na frente disse: "São todos ladrões!". Eu respondi: "Ladrão, não. Tu vai votar agora, porque eu tenho moral e autoridade". Ele disse: "Não, Gilvam; eu voto em ti". Eu estava embuído da autoridade.  

Quantas vezes, Sr. Presidente, até V. Exª foi acusado de corrupção em seu Estado, por seus adversários. V. Exª não sabe: eles falam às suas costas.  

Portanto, precisamos resgatar, com urgência. É hora, realmente, de o Brasil marchar. Terceiro milênio! Judiciário forte, saneado, com recursos, com probidade! Por isso, o Presidente Antonio Carlos está dando a sua contribuição efetiva, como líder de pulso e de temperamento sério e correto. Não se enganem: essa contribuição está registrada nos Anais do Congresso Nacional e, especificamente, desta Casa, em um momento importante.  

É hora de apuração. É hora de levantar o moral, de ver o Congresso altivo, de ver o Judiciário forte! Fora os corruptos! Fora os irresponsáveis! Vamos ao encontro do povo no resgate da identidade nacional!  

Que Deus lhes proteja.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1999 - Página 9154