Discurso durante a 155ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

SATISFAÇÃO A SEUS ELEITORES SOBRE RUMORES RELATIVOS A SUA SAUDE. RELATO DO POEMA DO EX-MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SERGIO MOTTA, DIRIGIDO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTITULADO: "NÃO TE APEQUENES, FERNANDO".

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • SATISFAÇÃO A SEUS ELEITORES SOBRE RUMORES RELATIVOS A SUA SAUDE. RELATO DO POEMA DO EX-MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SERGIO MOTTA, DIRIGIDO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTITULADO: "NÃO TE APEQUENES, FERNANDO".
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/1999 - Página 30138
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, ELEITOR, DISTRITO FEDERAL (DF), SITUAÇÃO, SAUDE, ORADOR, POSTERIORIDADE, INTERNAMENTO, HOSPITAL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, ETICA, DESCUMPRIMENTO, RECOMENDAÇÃO, SERGIO MOTTA, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC).
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, POLITICA SALARIAL, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), REITERAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • DENUNCIA, AUTORITARISMO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE, LEGISLATIVO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de iniciar este meu pronunciamento dando uma explicação àqueles que confiaram seu voto soberano, voto algum vendido, voto dado pela consciência de cada um, porque hoje, decorridos quase cinco anos da minha eleição e posse, posso repetir o que falei durante a minha campanha. O voto para mim é como um beijo: se comprado, se prostitui; se arrebatado pela força ou pela violência, o voto estupra a consciência. De modo que quem falou, quem escreveu isso, não poderia jamais se valer destes mecanismos: ou dinheiro, ou a violência, para exercer o seu mandato e para tentar ir até o fim do compromisso assumido.

Costumo dizer que, da pena a que me condenaram, de oito anos, já cumpri quase cinco anos. Realmente, considero que estou penando o meu mandato. Gostaria muito de poder estar em outro lugar, onde passei grande parte da minha vida.

Outro dia, eu me referi aqui a um fato interessante. Depois de ter pronunciado 179 discursos, eu disse que não tinha começado a falar. E não comecei a falar. E vou terminar meu mandato sem ter começado a falar, a falar daquilo que acho importante, daquilo que me consumiu milhares de horas de trabalho e de estudo, aquilo pelo que tentaram me calar e me ameaçaram de morte.

Não fui cassado, não tive essa honra. Fugi. Ameaçado de morte, fugi. Tive um medo danado, a pressão foi a 20, muito medo, fugi. Fui para a Inglaterra, passei lá uns tempos e voltei. Voltei para continuar nas mesmas aulas, nas mesmas críticas, na mesma posição que anteriormente eu havia assumido.

Sr. Presidente, estou dando uma satisfação a todos. Passei alguns dias no Incor. Também nunca escondi dos meus eleitores - falei em televisão pelo menos duas vezes - a minha situação coronariana. Nunca escondi minha doença de ninguém. E, para aqueles que votaram em mim e pensam que meu comportamento, que meu mandato não está sendo exercido a contento, não quero me valer desse escapismo de que a minha saúde não me permite. Não! Minha saúde é aquela mesma que eu disse uma vez na televisão de Brasília aos meus possíveis eleitores: que eu tinha dado um profundo mergulho no rio da morte. Nunca escondi o infarto que tive, as safenas que tenho. Nunca escondi isso. De modo que não seria agora que eu iria fazê-lo. Fui ao Incor, fiz todos os exames, cateterismo e outros mais, porque eu estava realmente numa situação de dúvida. Depois de dez anos, as minhas safenas iam até soprar velinhas, e eu comecei a recear que pudesse estar precisando de uma segunda intervenção. Então fui lá e, felizmente, a minha situação hoje - dizem lá os médicos -, é muito parecida com a de dez anos atrás. E, dez anos atrás, ela não era boa, não! E hoje continua pelo menos sem se agravar.

Era isso o que eu queria dizer, com toda a franqueza, sem esconder a doença, como todos os políticos que conheço fazem. Eu, não! Nunca fiz. E, até onde for possível, continuarei a cumprir minha penitência.

Depois de uma vida coroada de êxitos, vivida irmanadamente, os dois se encontram na alvura asséptica de uma UTI, na vizinhança do definitivo, no silêncio de onde se ausentam os conciliábulos, as mentiras, os conchavos e aconchegos, de onde as vaidades se afastam, ali onde a seriedade autêntica reina tranqüila, o amigo dileto se despede de sua grande obra, do Presidente que ele construiu com esmero e orgulho. Para isso, fora obrigado a desconstruir-se, doando os materiais do seu vir a ser, alienando o melhor de sua essência, de sua consciência para a “entificação” de sua obra magna, que era, ao mesmo tempo, seu chefe, seu senhor, seu presidente e a origem e fonte de suas alegrias e tormentos.

Os umbrais da eternidade não permitem a “falta de assepsia” a que eles foram levados a recorrer em nome da realização de seus ideais, muitos deles perdidos ao longo do caminho, pela estrada da luta, em que acreditavam travar batalhas pela democracia.

Essa cena se passa no dia em que, sozinho, esvaziada a UTI, Fernando Henrique Cardoso encontra-se com o seu dileto amigo, Sérgio Motta, para despedir-se dele.

Qual seria a palavra-selo, a fala-lágrima, o dito-marca de gado, indelével como ferro incandescente, penetrado até a alma, o verbo-conselho-amigo que ficaria em seu lugar depois de sua partida, como uma voz-presença forte, necessária como socorro seguro para uma consciência que ele sabia ser fraca, titubeante, humana, demasiado humana, daquele ser volátil, vaidoso, que é Fernando Henrique Cardoso, oscilante como as pesquisas de opinião que movem seu humor?

No caminho, lado a lado, tantas vezes caíram quantas alevantaram do chão. Na estrada eles cresceram, no sofrimento eles aprenderam o possível, na luta contra a ditadura calejaram sua sensibilidade, amadureceram, “sem perder a ternura”; mas quantas outras coisas se perderam...

Agora que se sentia realizado, pronto e acabado para amparar seu amigo Fernando, Sérgio Motta era obrigado a abandoná-lo. Ali, no desengano da UTI, sua morte lhe parecia quase uma traição ao amigo abandonado no pódio de uma glória fugidia, cercada de perigos tantos, com lobos uivando de dentro da noite ameaçadora.

Que dizer numa hora assim? Hora densa, que não admite perda de tempo, nem desperdício de palavras?

“Não te apequenes, Fernando”. Eis tudo: prédica, conselho e sermão em quatro palavras. “Não te apequenes, Fernando”.

As estradas estão distantes, as portas de fábrica foram esquecidas, as ruas e avenidas ocupadas pelas massas compactas de cidadãos que uniam suas esperanças nas Diretas Já, grito uníssono, palavra de ordem e vagido que anunciava o nascimento de uma nova cidadania. “Não te apequenes, Fernando”, não troques tua participação na marcha do povo, dos humildes, dos desempregados, dos que têm fome e sede de trabalho, dos que têm fome e sede de vida, de sobrevida, dos marginalizados, da esperança, não os troque pelo tremor dos déspotas solitários, dos que confundem, lamentavelmente, protesto, afirmação, reconquista de direitos rotos, esmolambados como as roupas de seus filhos esquálidos, dos que confundem a reafirmação de uma ordem humana e justa com o caos, com a desordem e com a subserviência.

“Não te apequenes, Fernando.” Não digas hoje que é golpe tudo aquilo por que lutávamos juntos ontem! “Não te apequenes, Fernando”. A voz do amigo Sérgio Motta, rouca como a voz das ruas, ecoa do fundo de sua consciência apequenada, pede e espera que a pulsão niilificadora do Presidente não se afirme.

O Presidente FHC tem dado muito, cada dia mais trabalho a seu amigo Sérgio Motta. Ao condecorar, no Peru, o neoliberal sanguinário, indiciado como mau exemplo até pela secretária Madeleine Albright, devido ao seu comportamento ditatorial, suas reeleições, suas agressões aos direitos humanos, sua participação em vários crimes, inclusive no homicídio de um Ministro da Suprema Corte, ao condecorar “el Chino”, certamente Fernando, o Presidente, esqueceu-se do conselho do amigo Sérgio, apequenou-se, baixou à estatura do condecorado, nivelou-se com o ditador do Peru. Como representante dos brasileiros, o Presidente homenageou o monstro em nosso nome, envergonhando os cidadãos conscientes.

O receio de Sérgio Motta sempre foi o de que FHC escorregasse numa de suas próprias fraquezas e levasse um tombo irrecuperável, como aquele de que o salvou Mário Covas, impedindo-o de aceitar o convite feito por Collor de Mello para ser Ministro das Relações Exteriores daquele governo decomposto.

Para vencer as eleições, quantas coisas inconfessáveis ele, Sérgio Motta, fizera para poupar a verticalidade da imagem do candidato? O tesoureiro de campanha eleitoral, numa sociedade viciada como a brasileira, sabe e cala os favores que foram prometidos em troca das contribuições espontâneas e corruptas que tecem o sorvedouro dos gastos eleitorais e as gordas sobras de campanha. Hoje não podem pairar dúvidas de que a morte do outro tesoureiro, Paulo César Farias, decorreu das dificuldades em administrar as imensas “sobras” nas sombras marginais de depósitos em paraísos fiscais ou até mesmo em associações com a mafiosa n’drangheta e com a poderosa Camorra, a partir das quais os homicídios em série passaram a ocorrer, fulminando o próprio tesoureiro da campanha anterior.

O povo sem trabalho, sem aposentadoria, sem terra, sem teto, aparentemente “sem rumo” segue a bússola da fome, que quase sempre foi má conselheira. Estômago vazio não tem ideologia; um dia, certamente, ela será apenas pulsão, impulso, instinto no comando da grande caminhada, da grande virada.

“Não te apequenes, Fernando”, não digas que os vagabundos, os caipiras, os neobobos, os desprezados cidadãos que não são graduados nem pós-graduados e que se encontram sob tua Presidência, estão “sem rumo”. Alguns deles poderão responder-te que antes perdido do que alinhado, do que orientado pelo FMI, centro e articulação da globalização da miséria e da neo-exploração praticada pelo imperialismo senil.

Talvez alguns dos cem mil que marcharam sobre Brasília cometam a injustiça de cobrar de ti a promessa feita por Fernando Collor de que, ao término do mandato presidencial, deixaria o salário mínimo no patamar de US$300 ao mês. Salário salafrário que, no dia 14 de janeiro de 1999, caiu para US$78. Em sua primeira campanha, FHC prometeu que, ao final de quatro anos, o salário mínimo teria alcançado US$250/mês, longínquos R$490,00.

Ao tornar-se neoliberal ferrenho, autêntico, FHC resolve destruir o que denominou de “legado da Era Vargas” (Discurso de despedida do Senado, 15.12.94, in “Grandes Momentos do Senado”, II, p. 204), “o seu modelo de desenvolvimento autárquico e seu Estado intervencionista”. Isso prometia o Presidente FHC destruir. Acreditando no capitalismo de mercado, iluminista e mecanicista, a era FHC inicia-se adotando o credo do consenso de Washington e do liberalismo de exportação do FMI e do Banco Mundial, repudiados agora pelos corifeus arrependidos que mandam flores às viúvas de suas vítimas, aos remanescentes do desastre anunciado.

O Senador Fernando Henrique Cardoso recorda com orgulho o momento em que lutava contra o arrocho salarial que passaria a presidir. “Como o Senado derrotou” - diz o Senador Fernando Henrique Cardoso -, “pela primeira vez no Governo autoritário, uma decisão do governo que congelava salários e a que nós nos opusemos?”

Depois da posse, o Presidente FHC esqueceu-se de tudo, inclusive de permitir a reposição de salários e vencimentos, após cinco anos de preços livres, período em que a inflação acumulou mais de 60% sem qualquer reajuste salarial.

Naquele episódio a que o Presidente Fernando Henrique Cardoso se refere, em que foi derrotado o governo militar, a proposta enviada ao Congresso foi de que houvesse um reajuste de salários correspondente a 80% da inflação anterior. Agora, as perdas impostas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso somam mais de 60%.

Os passos dos sem-terra, sem-tudo, sem-nada, parecem estar guiados por “um olho cego procurando por um... Um olho cego vagueia...”. Vieram cobrar esquecidas e descumpridas promessas? Quais, tantas e traideiras falas, tantas e frustrantes repromessas a que se seguiram novos perjúrios.

“Não te apequenes, Fernando”, sejas humilde, para que não venhas a ser humilhado.

A substituição do Chefe do Governo, a destituição do Primeiro Ministro, no regime parlamentarista, é acontecimento normal e recorrente, conseqüência de um voto de desconfiança do Parlamento. Por que fazer tanta celeuma e alarde diante de uma proposta de impedimento que, se chegar a ser apresentada, deverá ser aprovada pelo Congresso, passar pelas comissões especiais e, talvez, caso se verifique crime de responsabilidade, pelo julgamento do Senado, em sessão dirigida pelo Presidente do Supremo? Será que isso é golpe ou será Sua Majestade portador de uma personalidade inflada, narcísica, que se considera acima de qualquer julgamento?

“Não te apequenes, Fernando”, reconhece que a reeleição foi um golpe, pelo menos contra a tradição política e o direito constitucional brasileiro.

O Proer improvisado num sábado de noite para socorrer o Banco Nacional, que falsificara moeda escritural, em cuja direção se encontrava tua nora, Ana Lúcia Magalhães Pinto, acabou dilapidando mais de 13 bilhões de nossos escassos reais. É incrível como um banco que falsifica moeda escritural, num país em que parece que os economistas, os financistas e os banqueiros, principalmente os do Banco Central, não sabem o que é moeda escritural e como ela foi falsificada no Banco Nacional impune e silenciosamente, silêncio este que dura até hoje.

O Projeto Sivam - os caipiras têm boa memória - recebeu um empréstimo do Eximbank de US$1,3 bilhão, que só poderiam ser usados para comprar equipamentos produzidos pela Raytheon, dos Estados Unidos, onde se criaram “20 mil novos empregos”, de acordo com telefonema que tu deste ao Presidente Clinton.

Se fosse aplicada no Brasil, aquela soma teria criado 60 mil novos empregos at home. “Não te apequenes, Fernando”, não optes pelos interesses do grande povo do Norte. Não desempregues caipiras aqui para criar empregos para os cowboys e yankees de lá.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Faz soar a campainha.)

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Infelizmente, do meu ponto de vista, do ponto de vista da minha leitura, o meu tempo já se encontra esgotado, e eu não consegui alcançar ainda nem a quarta parte deste meu escrito. Não vou pedir para que seja dado como lido, vou continuar um pouco mais, porque há um ponto que considero bastante importante.

Cheguei à conclusão de que existe no Brasil, há muitas décadas, um dualismo, uma divisão de trabalho, uma ditadura compactuada entre o Presidente da República e o Presidente do Legislativo. Nenhum deles é ditador. Cada um é apenas 50% ditador. E essa divisão do trabalho, muito inteligente, eficiente, eficaz, parece que passou despercebida durante tantos anos, desde o seu início, na década de 50, quando se fez uma divisão no Brasil entre desenvolvimentistas -desenvolvimentistas cepalinos, estruturalistas desenvolvimentistas -, os monetaristas e adeptos do FMI. Essa mesma divisão do trabalho, que obscureceu os anos 50, impediu que a dicotomia real, a divisão real, não essa entre monetaristas e estruturalistas, mas entre capitalismo e socialismo, sequer fosse discutida profundamente no Brasil. Não houve espaço para ela e agora se repete entre estruturalistas e monetaristas - falta de imaginação para ocupar o espaço do discurso e impedir que os problemas reais sejam discutidos neste País.

Isso também ocorreu em outros momentos da nossa História, como, por exemplo, na divisão entre a linha dura e a linha mole no tempo da ditadura, dura e indivisível. Conseguiram fazer essa divisão. Se vocês não consentirem em aprovar essa lei e fazer isso ou aquilo, a linha dura vem aí e então veremos o que é. Essa é a mesma dicotomia que encontramos aqui hoje, a mesma divisão de uma ditadura compartilhada. Sofremos os resultados desse sistema que consideramos democrático (Risos) e sequer enxergamos essa divisão anti-social, desumana, antidemocrática do poder.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/1999 - Página 30138