Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA BARBOSA LIMA SOBRINHO.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO JORNALISTA BARBOSA LIMA SOBRINHO.
Aparteantes
Amir Lando, Lúcio Alcântara, Maguito Vilela, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2000 - Página 16465
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, BARBOSA LIMA SOBRINHO, JORNALISTA, INTELECTUAL, ADVOGADO, POLITICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), EMPENHO, VIDA PUBLICA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB – AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, nobres Colegas, assomo à tribuna para fazer uma justa homenagem. Muito já se disse, e muito se dirá sobre Barbosa Lima Sobrinho, recentemente falecido, mas tudo será pouco para descrever o homem público e o intelectual que viveu seus bem vividos 103 anos dentro de uma linha de coerência e integridade, raramente encontradas no ser humano. Deus reconheceu-lhe os méritos e chamou-o para sua companhia no dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de sua querida cidade natal, Recife.  

Nascido em Pernambuco, Estado que amou, sua alma era de carioca, e, no Rio de Janeiro, onde praticamente viveu 70 anos, encontrou campo profícuo para o desenvolvimento de seu ideal nacionalista, bandeira que empunhou desde jovem e que nunca abandonou. Felizes os que tiveram a honra de participar de suas caminhadas em prol da liberdade. Emocionados ficaram os que ouviram, recentemente, sob um calor de 30 graus, sentado na calçada em frente à Associação Brasileira de Imprensa - ABI - que presidiu por 30 anos - comandando a campanha contra a privatização da Vale do Rio Doce.  

Jornalista militante, eleito Presidente da ABI pela primeira vez em 1926, foi responsável pela unificação da classe jornalística, até então dividida em três entidades. Reformulou seus estatutos e liderou movimentos em prol da liberdade de imprensa e da democracia. Conseguiu assinar a escritura definitiva do terreno doado à ABI, na Esplanada do Castelo, em 1932, depois de muita luta. Reeleito presidente da ABI, em 1978, Barbosa Lima Sobrinho deu apoio incondicional à Comissão de Defesa de Liberdade da Imprensa, criada por Herbert Moses e presidida pelo Desembargador Elmano Cruz, e franqueou as salas da instituição para conferências, debates e seminários, onde se discutiam livremente temas políticos, inclusive de interesse de anistiados. Foi o mais jovem e o mais velho presidente da entidade.  

Sempre fiel à linha nacionalista, foi - como advogado da Prefeitura do Rio de Janeiro - vigoroso adversário da empresa canadense Light, responsável pelo fornecimento de eletricidade daquela cidade. Defendeu, na ocasião, os bens reversíveis da União, indo até o Supremo, em prol de uma causa brasileira.  

Em 1976, contestou o primeiro contrato de risco para exploração do petróleo brasileiro, firmado pelo Governo Geisel com a British Petroleum . E manteve essa postura até a morte, atacando o atual Governo por sua posição entreguista em relação ao nosso petróleo. Fundador do Movimento em Defesa da Economia Nacional – Modecon, presidiu a entidade desde a sua fundação, em 1989. Nela lutou, com garra e afinco, contra as privatizações indiscriminadas, contra as mudanças constitucionais que atingiram as conquistas sociais e poderiam quebrar os princípios da ordem econômica.  

Também à frente do Modecon, Barbosa Lima organizou a Marcha pela Ética, em Copacabana, no Rio de Janeiro, com a finalidade de protestar contra a compra de votos no Congresso Nacional para aprovar a emenda da reeleição. Considerando o projeto um desrespeito às Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988, destacou: "O Brasil legítimo sempre repeliu a tese da reeleição do Presidente da República e considero esta atitude a marca da vontade do povo. O Congresso Nacional tem o dever de estar solidário com as Constituintes e a vontade do povo brasileiro".  

Discordou da globalização, com o aporte de capitais estrangeiros de qualquer tipo que pudessem vir a ferir os interesses nacionais. Considerava a globalização a "doutrina das grandes nações, a doutrina que serve sobretudo aos Estados Unidos hoje. Mas não é uma doutrina para uma nação que precisa se formar com capitais próprios fazendo ela própria o seu capital e não pedindo emprestado".  

Até às vésperas de sua morte, por mais de 50 anos, publicou, aos domingos, a coluna Coisas da Política , no Jornal do Brasil , onde, com audácia e coragem, que lhe eram características, examinava e criticava a situação política, econômica e social brasileira. Seu último artigo, publicado no dia de sua morte, A exclusão da classe média , tratava da venda das estatais brasileiras e, conseqüentemente, da defesa do nacionalismo.  

Como político exerceu o mandato de Deputado Federal, pelo Partido Social Democrático – PSD, de 1934 a 1937. Nessa ocasião, foi líder da bancada pernambucana, cargo a que renunciou ao apoiar a política trabalhista de Agamenon Magalhães, em seu Estado, contra o posicionamento do então Governador Carlos de Lima Cavalcanti.  

Sua formação nacionalista ajudou-o na condução dos trabalhos do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, que presidiu de 1938 a 1945. Fez as primeiras experiências com álcool como combustível para motores de explosão e tentou beneficiar, por intermédio do Estatuto da Lavoura Canavieira, os trabalhadores rurais, garantindo-lhes, após um ano de serviços prestados, uma gleba de terra próxima a sua moradia, na qual pudessem plantar para prover usa subsistência. "Uma reforma agrária setorial", como gostaria de dizer.  

O Sr. Amir Lando (PMDB – RO) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB – AP) – Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Amir Lando (PMDB – RO) – Nobre Senador Gilvam Borges, V. Exª aborda um tema que todos nós temos que saudar: esta grande figura a qual o Brasil deve muito em termos de civismo, de amor à Pátria, porque Barbosa Lima Sobrinho vai certamente, por longo tempo, ser a referência de um homem que dedicou a vida a favor do Brasil, despojado, sem nenhum interesse pessoal, mas sobretudo por supremos interesses da Nação. O amor pela liberdade, pela democracia, que praticou durante toda a vida, constitui para nós um exemplo perene e que temos que reverenciar. V. Exª mostra as ações desse grande homem, o jornalista, o homem público, no desempenho de funções, onde sempre deixou esta marca: o Brasil acima de tudo; a Nação acima de qualquer interesse de grupos, de pessoas e - nem se falar - de interesses pessoais. Por isso, ao parabenizar V. Exª, devo dizer que ainda estive prestando uma última homenagem, por momento do seu passamento, e lá também senti a dor do povo e da intelectualidade brasileira por essa grande cabeça iluminada, um homem de letras, que sobretudo trabalhou com as idéias em profundidade, a favor da Nação e do povo brasileiro. Mereci, da lavra do ilustre jornalista, do ilustre homem brasileiro, "homem-Brasil", poderíamos assim chamar, três artigos: como Relator da CPI do PC Farias, como Relator da CPI das Privatizações e como um soldado contrário às privatizações, comentando todo o programa de privatizações, onde me inseria em um dos seus artigos, por generosidade exclusivamente, e piedade deste Senador, de um lugar tão distante, como dizia ele, que veio prestar um serviço ao Brasil, serviço que prestava todos os dias. Portanto, ao parabenizar mais uma vez V. Exª pela homenagem que presta a Barbosa Lima Sobrinho, quero fazê-la minha neste aparte e tenho certeza de que o Senado há de fazer o mesmo como representante de todos os Estados brasileiros. Parabéns mais uma vez a V. Exª.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) – Agradeço a V. Exª pelo aparte, que incorporo ao meu pronunciamento.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – Eu gostaria de pedir a V. Exª um aparte também, Senador Gilvam Borges.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) – Em seguida, Senador Sebastião Rocha. Antes, eu concederia aparte ao Senador Lúcio Alcântara, que já o havia solicitado anteriormente.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) – Se V. Exª desejar falar um pouco mais para não ter que interromper o seu pronunciamento, eu aguardo para que V. Exª me conceda o aparte.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) – Senador Sebastião Rocha, se V. Exª desejar fazer neste momento o seu aparte, ouço V. Exª.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – Senador Gilvam Borges, quero me associar à justa homenagem que V. Exª presta ao grande brasileiro que foi Barbosa Lima Sobrinho. Não tive ainda oportunidade de me pronunciar na Casa a respeito do assunto. Por isso, aproveito o belo discurso que V. Exª faz nesta tarde para dizer em poucas palavras que Barbosa Lima Sobrinho foi um homem memorável, um homem que, no apogeu da cultura nacional, soube olhar com os olhos da simplicidade para o povo humilde do País e abraçar as lutas e causas sociais. Acima de tudo, no entanto, Barbosa Lima Sobrinho representou a luta pela liberdade de imprensa e pela nossa democracia. Senador Gilvam Borges, V. Exª está de parabéns por trazer esta homenagem à Casa. Para não me prolongar, concluo dizendo que o Brasil, de fato, perdeu uma grande personalidade. Barbosa Lima Sobrinho, ao assumir a vanguarda de tantas lutas neste País, deixa para nós uma missão, que é a missão de nos espelharmos neste modelo de pessoa humana que ele foi. Parabéns e obrigado, Senador Gilvam Borges.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) – Agradeço a V. Exª pelo aparte passo a ouvir o Senador Lúcio Alcântara.  

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Aproveito esta oportunidade, antes que V. Exª prossiga com seu pronunciamento, apenas para fazer um pequeno registro. Creio que Barbosa Lima Sobrinho - mesmo que eventualmente tenhamos discordâncias quanto a posições que ele tenha tomado em algum momento de sua vida - é uma unanimidade. E qual seria a razão dessa unanimidade? Está num fato: a militância. Ele foi um homem que trabalhou, que lutou por suas idéias, que participou da vida intensamente até praticamente a hora de morrer. Já homem de idade avançada, continuou lutando por aquilo em que acreditava e por aquilo que achava que era bom e justo para o Brasil. Um homem desses só merece o nosso aplauso – como jornalista, como político, mas sobretudo como um cidadão atuante e como uma liderança que realmente galvanizou seguidores, porque era um homem muito bem intencionado e cheio daquilo que falta a muitos brasileiros: patriotismo.  

O SR. GILVAM BORGES

(PMDB - AP) – Agradeço a V. Exª pelo seu aparte, Senador Lúcio Alcântara.  

A SRª PRESIDENTE (Marluce Pinto) – Senador Gilvam Borges, interrompo-o para poder prorrogar por quinze minutos a Hora do Expediente. Dessa forma, poderemos ouvir o seu discurso até o fim e atender a três comunicações inadiáveis.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) – Dando prosseguimento ao discurso: Posteriormente, foi membro da Assembléia Nacional Constituinte, onde combateu a idéia de uma delegação de poderes ao Executivo, enquanto defendia maior intervenção do Estado na economia do País. Não era incongruência, mas a defesa serena e prudente de seus ideais de liberdade. Em 1947, como Deputado, posicionou-se contra a cassação do mandato dos deputados eleitos pela legenda do Partido Comunista Brasileiro – PCB, por achar a medida inconstitucional.  

Eleito Governador de Pernambuco, abandonou a Câmara Federal para exercer o governo daquele estado. Destacou-se pelas obras de urbanização em Recife, pela construção de casas populares, pela inauguração da Faculdade de Filosofia e da Escola Superior de Veterinária, pela abertura de rodovias no interior e pelo programa de assistência aos trabalhadores rurais. Atento e cuidadoso, visitou todos os municípios de Pernambuco, para conhecer de perto as reais necessidades de sua terra e de sua gente.  

Reeleito Deputado Federal pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, em 1958, distinguiu-se, na Comissão de Constituição e Justiça, por seus pareceres contrários às concessões ao capital estrangeiro e à remessa de lucros para o exterior. Foi incansável defensor de uma política de desenvolvimento autônomo da economia brasileira.  

Apoiou o Governo João Goulart, mas criticou a vacilação do Presidente na adoção de uma política econômica nacionalista. Manifestou-se contrário ao movimento militar de 1964. Contestou as medidas repressivas. "A liberdade de informação é um dever do jornalista e um direito do público", afirmou quando se destacou como defensor dos direitos humanos e da liberdade de expressão, durante o regime militar. Ainda na linha democrática que pautou sua longa e profícua existência, ingressou no Movimento Democrático Brasileiro – MDB, e foi o anticandidato à Vice-Presidência da República na chapa de Ulysses Guimarães, em 1974, de caráter simbólico de denúncia do regime.  

Professor de história, escreveu alguns livros clássicos sobre o Brasil, entre eles "A Verdade sobre a Revolução de Outubro", "Pernambuco e o Rio São Francisco"; "O Devassamento do Piauí", "A Revolução Praieira", "A Comarca do Rio São Francisco", "A Língua Portuguesa e a Unidade do Brasil" e "Guerra dos Mascates". Durante a administração de Sá Freire Alvim, no Rio de Janeiro, lecionou Política Financeira e História Econômica na Faculdade de Ciências Econômicas Amaro Cavalcanti. Literato, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1937. Entre suas numerosas obras, talvez a mais famosa seja a "Presença de Alberto Torres", um grande nacionalista como ele.  

Srª Presidente, a multiplicidade de atividades de Barbosa Lima – Direito, Economia, Jornalismo, Política, Letras, História, ensaios – foi exercida com integridade moral e amor. Provavelmente foi o único homem, no mundo, que dedicou seus 103 anos às causas de liberdade de seu país com paixão e ardor. Emotivo, intransigente, sério, dedicou-se integralmente à defesa dos ideais de liberdade, procurando sempre, com bravura e galhardia, os melhores caminhos que dessem ao Brasil um rumo de independência. Homem de múltiplas facetas, corajoso e coerente, vai fazer falta nesta época de grande turbulência que estamos atravessando. Partícipe apaixonado de importantes episódios de nossa história, seu exemplo serve-nos de estímulo para seguirmos a trilha de engrandecimento nacional.  

Registro aqui não bem o meu pesar, mas a falta que sentimos, e estendo minha solidariedade a todos os seus familiares, que, por muitas gerações, terão motivo de orgulho de terem tido entre os seus essa figura ímpar de homem público.  

Srª Presidente, Barbosa Lima Sobrinho, uma figura extraordinária, fantástica, é um referencial da tenacidade e da chama entusiástica dos homens que têm compromisso. Cento e três anos, e sempre estava conosco. Por isso, vim a esta tribuna fazer esta homenagem a esse grande homem, pois Barbosa Lima Sobrinho deve ser o referencial para a nossa juventude. Nessa crise existencial terrível, nessa ebulição desgastante das instituições, onde o descrédito dos homens públicos e das instituições de um modo geral abate profundamente a sociedade, está aí um grande líder, um homem que serve de exemplo, que nunca se rendeu, nunca se entregou, de uma produção intelectual fabulosa. Há homens que lutam dias, semanas; há homens que lutam por anos a fio; há homens que lutam a vida toda. Esses são eternos. Está lá o Barbosa nos aguardando para os nossos futuros encontros.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB – GO) – Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Gilvam Borges?  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB – AP) – Ouço com prazer o aparte do nobre Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB – GO) – Senador Gilvam Borges, quero me solidarizar com V. Exª pela oportunidade desse grande pronunciamento que faz, homenageando o grande e imortal Barbosa Lima Sobrinho. Realmente, foi um exemplo de jornalista, de político e de advogado. É bom relembrarmos que foi o advogado dos grandes políticos e injustiçados na época da ditadura. Inclusive, fazia quase que todo o seu trabalho de graça. Ou seja: diante das injustiças que cometiam contra os políticos da época, fazia a maioria das suas defesas gratuitamente. De forma que também temos que reverenciá-lo como um grande advogado. E ele servirá como exemplo, sem dúvida nenhuma, não só para esta, mas também para as futuras gerações. Dessa forma, solidarizo-me com V. Exª, rendendo também as minhas homenagens sinceras e profundas a esse grande brasileiro, dotado de um espírito cívico inigualável. V. Exª, como sempre, brilha nesta Casa com o oportunismo dos seus pronunciamentos e mais uma vez rende uma homenagem das mais justas a um grande brasileiro. Muito obrigado.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB – AP) – Agradeço ao Senador Maguito Vilela.  

Para concluir, Barbosa Lima Sobrinho é o símbolo e o exemplo do entusiasmo, da paixão. Foi um homem que se conseguiu equilibrar na vida produzindo de forma impressionante. São raros esses homens hoje em dia. Por isso vim a esta tribuna, para fazer esta justa homenagem. Cento e três anos sem baixar a cabeça, com a convicção, com a chama do entusiasmo sempre viva, produzindo pelo País e para o País.  

Muito obrigado.  

 

« Ö


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2000 - Página 16465