Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto pela vinculação da Rádio MEC à Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Protesto pela vinculação da Rádio MEC à Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2000 - Página 17435
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ACERVO, MUSICA BRASILEIRA, MUSICA ERUDITA, TECNOLOGIA, GRAVAÇÃO, TRANSMISSÃO, ORQUESTRA, EMISSORA, RADIO, SETOR PUBLICO, ELOGIO, PROGRAMA CULTURAL, CRITICA, FALTA, ASSISTENCIA, GOVERNO.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, AUTORIA, ROQUETE PINTO, FUNDADOR, DOAÇÃO, RADIO, GOVERNO, EXIGENCIA, AUSENCIA, UTILIZAÇÃO, PROPAGANDA, SETOR PUBLICO.
  • CRITICA, VINCULAÇÃO, RADIO, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA (SECOM), DESRESPEITO, DOCUMENTO, DOAÇÃO, RISCOS, EXTINÇÃO, TRABALHO, AREA, EDUCAÇÃO, CULTURA, PROIBIÇÃO, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, CUSTEIO, DENUNCIA, AUTORITARISMO, DECISÃO, GOVERNO.
  • SOLICITAÇÃO, PAULO RENATO, FRANCISCO WEFFORT, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MINISTERIO DA CULTURA (MINC), REIVINDICAÇÃO, VINCULAÇÃO, RADIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, existe no Rio de Janeiro, numa das margens da portentosa e histórica Praça da República, antigo Campo de Santana, palco de tantos acontecimentos da História do nosso País, um prédio modesto, situado entre dois outros magníficos, tombados pelo seu valor histórico e arquitetônico; de um lado, o antigo Senado Federal; de outro lado, a antiga Casa da Moeda.

Pois, nesse prédio modesto, está instalada uma emissora de rádio, a prestigiosa Rádio MEC, fundada nos anos 30, pelo grande brasileiro que foi Roquette Pinto. Pelos estúdios dessa emissora, passaram, Sr. Presidente, os melhores compositores e músicos brasileiros do século que finda, executando e gravando suas peças e músicas, razão pela qual essa emissora possui o mais abundante e precioso acervo ligado à música brasileira, de valor inestimável.

Srªs. e Srs. Senadores, ali também se encontra o maior e melhor estúdio sinfônico do País, onde podem ser feitas transmissões e gravações da melhor qualidade, da qualidade mais elevada em termos tecnológicos conhecidos nos dias de hoje. Esse estúdio, infelizmente, quase não foi utilizado; foi utilizado em pouquíssimas ocasiões, uma jóia em termos de possibilidades de gravação e execução sem a conveniente utilização.

Ali, naquela emissora, produziram-se e ainda se produzem os melhores programas radiofônicos de natureza educativa e cultural. São os programas da Rádio MEC, que contam com centenas de milhares de aficionados pelo País inteiro, dada a potência de que a emissora dispõe para a transmissão dos seus programas.

Ali funciona a Rádio MEC, Sr. Presidente, uma rádio de grande prestígio, exatamente pela qualidade daquilo que já fez, ainda faz, e pode fazer ainda melhor, desde que suficientemente atendida nas suas necessidades fundamentais, nas suas necessidades mais corriqueiras. É uma emissora de grande prestígio nos meios culturais, dentro e fora do Brasil, atingindo também prestígio internacional. Sobrevive, entretanto, na condição do mais absoluto desprestígio por parte do Governo Federal, ao qual pertence. Foi doada pelo seu fundador, o eminente brasileiro Roquette Pinto, ao Governo Federal, sob muitas condições. É importante resgatar esse documento de doação para verificar-se precisamente as condições em que aquela doação foi feita por volta dos anos 30. Uma das condições da doação, entre várias outras, entretanto, foi aquela de não se vincular a emissora, de maneira alguma, à propaganda do Governo, para garantir que não houvesse desvirtuamento das missões educativas e culturais para as quais ela foi fundada e pelas quais Roquette Pinto tanto lutou.

E se a emissora tem essa função educativa e cultural, pergunta-se: o que faz a Rádio MEC vinculada à Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que é um órgão de comunicação e de propaganda, sim, das atividades do Governo e do relacionamento do Governo com a sociedade brasileira? Trata-se de uma função necessária, sim. Todo Governo precisa de um canal de comunicação, para exatamente informar à população as suas razões e realizações. Entretanto, é uma secretaria, um órgão com o qual não se coaduna uma emissora de caráter educativo e educacional. Por que não a vinculação ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Cultura? A rádio já pertenceu ao Ministério, ao tempo em que era Ministério de Educação e Cultura. Daí o seu nome: Rádio Ministério de Educação e Cultura. O Ministério dividiu-se - Educação e Cultura, separadamente -, ela deixou de vincular-se ao Ministério de Educação, mas manteve a sua denominação, que, hoje, até parece esdrúxula diante do fato de ter passado a ser uma emissora da cadeia de comunicação do Governo Federal, do próprio Presidente da República.

Cumpre lembrar que quando Roquette Pinto fez a doação ao Governo Federal, o então Ministro de Educação, Gustavo Capanema, propôs que a rádio se vinculasse ao então Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Vargas, o famoso DIP. Roquete Pinto recusou frontalmente, recusou liminarmente e impôs como condição que a emissora se vinculasse ao Ministério da Educação, conduzido então pelo grande brasileiro que foi Gustavo Capanema.

É de se perguntar por que o desrespeito - em primeiro lugar, o desrespeito à vontade de seu fundador e de seu doador, desrespeito à própria natureza da missão daquela emissora, que é uma missão eminentemente educativa e cultural. Por que essa vinculação? A emissora era vinculada à Fundação Roquete Pinto, que era uma fundação de natureza educacional. Extinguiu-se a fundação e criou-se uma organização social com o nome de Acerp - Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto -, nos moldes de organizações governamentais que até então não existiam e cujas características são ainda bastante desconhecidas do público em geral, da sociedade em geral, e mesmo de nós outros, Senadores. Eu mesmo não sei exatamente o que representa uma organização social com essa denominação nova; essa forma nova de organização governamental não tem diretrizes bem conhecidas.

Não vou me pronunciar contra essa nova forma de organização da Rádio MEC. A nossa objeção é quanto à sua vinculação à Secretaria de Comunicação. Pode-se criar uma organização social com essa denominação de Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto, porém ela deve estar vinculada ou ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Cultura, com a atenção necessária ao bom desempenho de suas missões, com a atenção de um ministério ou a de uma das grandes repartições governamentais destinadas à missão precípua da emissora, que é a educação e a cultura.

A impressão que se tem diante dessa vinculação oblíqua e estranha é a de que, no fundo, manifestou-se a vontade de extinção da emissora, como se ela fosse coisa do passado - aquela velha história de ser órgão, de ser uma criação da Era Vargas, Era Vargas já superada pela história, Era Vargas que precisa ser até sepultada e extinta sob todas as suas formas e uma das quais era a Rádio MEC. Daí a vontade, o desejo e a intenção de extinguir a Rádio MEC.

Faltando coragem para o enfrentamento das reações da opinião pública, que certamente seriam muito fortes, dada a tradição, dada a qualidade, dado o prestígio dessa emissora nacional e internacional, para evitar esse choque com a opinião pública, decidiu-se colocá-la num ambiente impróprio à sua vida. É uma forma de encaminhar a extinção sem decretá-la abruptamente, deixar que a rádio, a própria emissora vá se extinguindo, os seus funcionários se aposentando - aqueles idealistas que produziram por tanto tempo a programação da rádio e carregavam o facho do ideal de Roquete Pinto, o ideal de educação e de cultura, de transmissão ao povo da educação e da cultura por um canal de fácil acesso, como é uma emissora de rádio. A vontade é deixar que ela se extinga com a extinção dos funcionários, dos próprios programas, dos processos de feitura desses programas, deixá-la à míngua de verbas e de dotações.

Além disso, querem proibir que outras formas de captação possam ser utilizadas para o custeio da programação da rádio, enfim, querem deixar que a extinção venha com o próprio tempo e não de uma forma abrupta, via decreto.

O fato é que, no fundo, essa é uma atitude pouco recomendável sob o ponto de vista ético. Se é o caso de extinguir, vamos fazer uma consulta à nação brasileira, vamos colocar esse tema em pauta: deve-se ou não extinguir a Rádio MEC? Não podemos aceitar mais esse abuso de delegação - aliás, desse tipo de atitude a democracia no Brasil e no mundo inteiro está há muito se ressentindo. O povo elege personalidades, representantes seus para o Executivo e para o Legislativo, sem que nessa delegação estejam explícitas certas decisões que afetam profundamente o sentimento popular. Essas decisões são tomadas sem que haja nenhuma consulta popular.

A esse abuso de delegação já me referi aqui por ocasião, por exemplo, da venda das ações da Petrobras, operação para a qual não haveria nunca o assentimento popular, operação que nunca foi colocada em nenhum programa, em nenhum compromisso de campanha. Essa operação foi feita na calada da noite, na bolsa de Nova Iorque, como se fosse uma operação escusa e, de repente, estamos diante do fato consumado: as ações estão vendidas, a imprensa nem noticia ou mal noticia o assunto e está concluída uma operação fruto de uma decisão que é um abuso de delegação, pois a delegação democrática tem certos limites, limites que se situam nas fronteiras delimitadas pela vontade explícita da população em relação a certas diretrizes, a certas linhas e a certas entidades, como, por exemplo, a Rádio MEC.

Quero ver quem teria coragem de propor numa campanha eleitoral, como um dos pontos de sua plataforma, a extinção da Rádio MEC. Ninguém faria isso porque todos têm noção do sentimento popular de apoio a essa emissora. Não vamos decretar a extinção dessa emissora, não vamos tomar providências que façam com que ela vá se extinguindo com o tempo, que façam com que o prestígio dela vá se apagando e que o próprio passar dos anos cuide de transformar aquilo que seria um choque nacional em algo natural.

Sr. Presidente, é contra isso que subo a esta tribuna para protestar. E o faço após ter recebido muitas manifestações de ouvintes e de amigos da Rádio MEC - a Rádio MEC tem amigos capazes de realizar operações como, por exemplo, a aquisição do piano Bösendorf, aquisição que virou uma novela porque o piano foi retido pela Receita Federal. Tive oportunidade de fazer aqui desta tribuna pronunciamentos contra o absurdo que foi a retenção daquele piano: a Receita Federal queria cobrar imposto de importação sobre algo que passaria a fazer parte do acervo patrimonial do próprio Governo Federal! Esse é um episódio já passado, o piano acabou sendo liberado, cito-o apenas como mais um fato a demonstrar o prestígio da Rádio. O seu prestígio está nas manifestações que recebo de ouvintes da Rádio MEC indignados com o processo de enfraquecimento a que a emissora está sendo submetida em decorrência da desatenção do Governo Federal. Esse processo começou, marcou-se desde o início, no momento da decisão de sua vinculação à Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que, evidentemente, não é o local apropriado.

Quero, portanto, desta tribuna, conduzir, veicular este protesto indignado da nação brasileira, dos ouvintes da Rádio MEC e fazer um apelo ao Sr. Ministro da Educação, Sr. Paulo Renato, ao Sr. Ministro da Cultura, Francisco Weffort: que reivindiquem para os seus ministérios, ou um ou outro, a vinculação e o patrocínio da emissora. Essa é a única possibilidade de uma sobrevivência digna e capaz de continuar a produzir os grandes benefícios à educação e à cultura brasileira que a Rádio MEC traz no seu currículo, no acervo das suas realizações.

Eram essas as considerações que gostaria de fazer, Sr. Presidente. Acrescento ainda que vou pessoalmente levar esse assunto aos dois ministros, mas estou-me adiantando ao usar esta tribuna para, através dela e da sensibilidade que estou certo de encontrar entre os nobres colegas Senadores, conclamar a opinião pública a engrossar esse apelo em favor do fortalecimento da Rádio MEC e da restauração da atenção governamental para com essa emissora e com a sua vinculação a um dos ministérios afeitos e afetos às missões que ela desempenha seja na área cultural, seja na área educativa.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2000 - Página 17435