Discurso durante a 113ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância do Encontro dos Chefes de Estado da América do Sul, recentemente ocorrido em Brasília.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Importância do Encontro dos Chefes de Estado da América do Sul, recentemente ocorrido em Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2000 - Página 17690
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA DO SUL, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), IMPORTANCIA, INICIATIVA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, INTEGRAÇÃO, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO.
  • ANALISE, ACORDO, BILL CLINTON, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INTERVENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, COMBATE, TRAFICO, DROGA, DESRESPEITO, DECISÃO, AMERICA DO SUL, APREENSÃO, CONFLITO, INVASÃO, FRONTEIRA, BRASIL.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPOSIÇÃO, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, prezadas taquígrafas, só a posteriori, acompanhando pela televisão e pelos jornais, tive a noção exata da importância e do significado da reunião dos Chefes de Estado da América do Sul em Brasília.

É interessante e me chama a atenção o fato de, nesses 500 anos, ter sido a primeira vez que se reuniram concomitantemente os doze presidentes da América do Sul. Que coisa estranha! Não são muitos países. Qual o motivo de não se terem reunido até agora? Será o problema de nós, América do Sul, nesta época, ainda termos incrustada, no meio do nosso território, uma região sob o regime colonial, que tem ainda um reinado que lembra o século retrasado? Não sei. Mas não há como discutir a importância do ato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, da diplomacia da América do Sul.

Na semana passada, ocupei duas vezes esta tribuna para protestar contra a presença do Presidente Bill Clinton na Colômbia e pelo ato que assinou com o presidente colombiano para acordo de combate ao tráfico de drogas, ao mesmo tempo com conseqüências imprevisíveis para aquele país que passa por problemas internos muito graves. Essas questões internas graves envolvem movimentos militares e guerrilheiros, uns de esquerda protegendo a guerrilha, outros de direita combatendo-a; uns defendendo o narcotráfico, e outros combatendo-o.

O presidente americano, que há tempo vem tentando interferir, primeiramente ouviu todos os países da América do Sul, pedindo colaboração para a formação de uma tropa aliada para interferir na Colômbia, por intermédio da Organização dos Estados Americanos. Mesmo havendo uma unanimidade contra, ele fez o acordo com o presidente da Colômbia. É um acordo trágico, pois sabemos como começa e não sabemos como termina; acordo trágico, pois as conseqüências são imprevisíveis; acordo trágico, pois é fácil que aquelas tropas armadas saiam rumo à Amazônia para fugir dos norte-americanos. Quando estiverem na Amazônia, não se poderá dizer se estarão na Colômbia, na Venezuela, no Brasil ou em qualquer dos outros espaços que compõem a Amazônia Legal. Na verdade, eles estarão invadindo territórios, inclusive o brasileiro.

Uma condição mais grave, mais difícil e mais impressionante do que a do heróico Vietnã, que fez os americanos sofrerem a grande e humilhante derrota da sua história. Tudo começou quando Kennedy, no final do seu governo, resolveu enviar um grupo para o Vietnã e, rapidamente, resolver a questão. Dez anos passaram-se. Agora, no final do seu governo, Clinton inicia uma operação na Colômbia. Quantos anos levará? Não sei.

Falei, todos os dias da semana passada, sobre esta matéria desta tribuna. Por isso não me detive na importância e no significado da reunião dos presidentes sul-americanos. Justiça seja feita: se foi grosseria o fato de o governo americano de ter ido à Colômbia às vésperas da reunião em Brasília, foi importante o repúdio dos presidentes sul-americanos ao gesto do Presidente Bill Clinton. Respeitaram o acordo, o entendimento e o esforço para impedir o tráfico da droga, e isso deve se fazer - embora os americanos sejam tão ou mais responsáveis que qualquer um.

Existe a droga porque há dinheiro para comprá-la, e quem tem dinheiro é o americano. Ele tem os dólares para ir à Colômbia, ver a terra e dar o dinheiro para fazer a plantação e a industrialização e para traficar a droga para os Estados Unidos e para a Europa. Há gente para comprar bilhões de dólares desse material. Se não existisse o dinheiro, não existiria valor de venda; e, se não existisse valor de venda, não existiria essa luta toda.

A droga é considerada o drama número um dos Estados Unidos. É o drama da mocidade. Ela entra por todos os cantos, pelas universidades e escolas, e o americano não consegue de forma nenhuma impedir a sua entrada e o seu trânsito nos Estados Unidos. Como não consegue evitar o seu uso pela mocidade e pela gente pobre, está fazendo um esforço dramático para impedir o plantio e a saída da droga de seu lugar de origem: a Colômbia e outros países.

Os presidentes sul-americanos foram firmes. Em primeiro lugar, é importante que se reúnam, que tenham apreço, amizade e respeito, que entendam que deve haver amor entre os sul-americanos. Esse sentimento foi demonstrado na reunião. Foi um evento alegre entre os presidentes, que buscavam um sentimento de respeito e confiança.

Felicito o Presidente e o Brasil pela organização do encontro. Surpreendo-me que tenha sido o primeiro, mas tenho certeza de que não será o último. Este continente, representado na reunião pelos seus doze países, embora tenha os índices de fome, de miséria e de mortalidade infantil mais elevados do mundo - como a África -, tem condições, Sr. Presidente, de pertencer ao Primeiro Mundo. Este território tem condições naturais. Não é um território de miséria e de fome; tem água, tem terras agricultáveis, tem um povo que, é verdade, em alguns lugares, sofreu conflitos, foi esmagado pelo branco, mas, na verdade, na verdade, como os incas, que tinham uma cultura superior ao dominador quando aqui chegou, e tem todas as condições de se entender, de se respeitar e de buscar um futuro.

O que me causa impressão - e nunca consigo entender - é o americano não ter carinho pela América, não ter simpatia pela América; ele é apaixonado pela Europa; respeita o Japão; convive com a Rússia, tem pena, piedade da África, mas não tem nenhum sentimento para com a América do Sul. Claro, eles olham para o Brasil e têm de nos respeitar e também a Argentina, a Colômbia, de quem roubaram o Canal do Panamá, a Venezuela; mas quanto ao conjunto, como conjunto, não tem um afeto, nunca teve um projeto, um plano. Quando apresenta uma proposta, ela é cruel, para não dizer dramática.

Quando nós, brasileiros, lançamos o Mercosul, inicialmente, composto pelo Brasil, Uruguai, Paraguai e pela Argentina - mas visávamos a inclusão do Chile e de outros países da América do Sul -, os Estados Unidos não gostaram da iniciativa e, desde o início, tentaram impedir sua formação. Primeiro, não deixaram que o Chile participasse do Mercosul; tentaram de tudo para fazer um acordo em separado com esse país - mas o Chile vai aderir ao Mercosul agora. Depois, os Estados Unidos e Canadá estabeleceram um acordo que incluía o México. Coitado do México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos, está ali à disposição permanentemente. O que fazer o pobre México? Por fim, lançaram um grande plano para as Américas no sentido de unir, identificar, abrir suas fronteiras, porque seriam uma só América - só falta dizer para os Estados Unidos.

Não apresentaram um plano concreto, não apresentaram uma proposta, não apresentaram um esquema que imitasse o Mercado Comum Europeu, em que os países mais pobres foram adaptados, como é o caso de Portugal e Grécia, para acompanhar a Alemanha, a Inglaterra, a Itália e a França, países mais ricos. Imaginem V. Exªs se abríssemos as fronteiras, o que sobraria? O próprio Brasil, o que sobra? Imaginem para os países, que não têm praticamente nada, e o pouco que recebem provém de impostos de importação de produtos, se, de repente, tudo é reduzido a zero?!

Nós, aqui no Congresso brasileiro, principalmente a nossa Comissão de Relações Exteriores do Senado, tomamos uma posição muito firme, secundada pelo Congresso Nacional e pelo Governo, de rechaçar esse plano, mas não no sentido de nunca, jamais. Que bom seria se isso acontecesse! Que bom seria o dia em que pudéssemos ter uma América aberta, mas aberta para todos os americanos.

Adiou-se o plano até o momento em que tenhamos condições de fazer frente aos americanos. Não para derrotá-los, nem para esmagá-los, nem para superá-los, mas para não sermos esmagados imediatamente pelo plano que eles queriam.

Aqui, nessa reunião, foi repetido o desejo da união das Américas, do esforço das Américas, da integração das Américas e, no futuro, também com os americanos, mas só quando pudermos dialogar e não sermos esmagados.

Achei uma grosseria americana a visita do Presidente dos Estados Unidos à Colômbia na véspera da nossa reunião, mas esse ato foi positivo para a reunião dos chefes sul-americanos, que não se assustaram, não se aterrorizaram; mas valorizou, deu mais força, mais civismo. Sentíamos os Presidentes satisfeitos, deu oportunidade de rechaçarem qualquer tipo de intervenção na Colômbia, ali, na hora, ao lado, no dia posterior à vinda do Presidente dos Estados Unidos.

Aliás, os americanos nunca foram gentlemen na política internacional. É que eles têm tanta força, têm tanto poder, são tão grandes, tão imensos, são tão fantásticos que não precisam pensar o que o outro pensa. O que eles pensam está pensado. O americano pouco se importa se os 12 Presidentes sul-americanos lamentaram e se feriu suscetibilidade. Eles podem agir desse modo com relação ao Mercado Comum Europeu, aos Tigres Asiáticos, mas conosco? Infelizmente, a diplomacia nunca foi o forte dos Estados Unidos - que era da a Inglaterra, que praticamente dominou o mundo, com suas colônias, e tinha o estilo na sua diplomacia. A diplomacia do americano é a de quantos tanques eles têm; de quantos dólares possuem; de qual é a força e o poder que têm; é saber se haverá perda de algum americano na operação.

Eu gostaria de poder entender o povo americano, porque é um povo que respeito pelo seu progresso, pela sua grandeza. É um povo amante da liberdade e, internamente, dá exemplos fantásticos na busca de um caminho diferente para a humanidade. Mas a impressão que se tem é a de eles acham que são eles que estão alimentando o mundo; de que comemos porque o americano permite; de que são eles que nos dão dinheiro; de que temos gasolina porque eles nos dão o petróleo. Como há projetos e propostas de empréstimos americano para os países que estão passando fome, eles dizem que têm de carregar o mundo nas costas.

Seria interessante um debate internacional, que a ONU convidasse grandes e independentes gênios do mundo para debater até que ponto o americano contempla e ajuda a humanidade, até que tempo; se um terço da energia gasta mundialmente é nos Estados Unidos; se a quantidade de alimentos e de tudo o mais que se gasta no mundo é nos Estados Unidos; se o percentual de destruição em termos de humanidade e meio ambiente ocorre nos EUA? Precisamos saber para verificar se eles teriam condições de demonstrar tamanha ostentação. Têm, sim!

Com o término da Guerra Fria e com o desaparecimento do chamado Bloco Comunista, desapareceram os outros dois blocos. Havia a Rússia e o Tratado da União Soviética e seus aliados. Havia os Estados Unidos e o Tratado de OTAN. E havia os chamados não-aliados, aqueles, como a Índia, que não se identificavam com nenhum dos dois lados. O número dos países não-aliados vinha aumentando, os países que não aceitavam a guerra fria, absurda e estúpida a nortear o mundo e que queriam um mundo com independência e liberdade real.

Com a queda do Muro de Berlim, com a queda do comunismo, com o desaparecimento da União Soviética, desapareceram o comunismo e os não-aliados. Há hoje o americano, sua política e sua orientação.

Que bom que há o Mercado Comum Europeu, crescendo, desenvolvendo, avançando, dando uma demonstração emocionante para o mundo. É um país onde o ódio dominou durante séculos e séculos, onde guerras e mais guerras, lutas e mais lutas eram praticamente o sonho daquela gente. Hoje, eles têm a grandeza e a visão de compreender que só têm uma fórmula, alemão e francês, francês e inglês, espanhol e português, para sobreviver: darem-se as mãos - e o estão fazendo. Alguns brasileiros dizem que os europeus são cultos, ricos e têm visão, ao passo que os latino-americanos são burros, pobres e não têm visão nenhuma. Isso não é verdade. A verdade é que eles sofreram mais do que nós, em face das guerras, das lutas. Sabem, pois, o que significa estarem divididos e separados, lutando. Por isso, valorizam o entendimento hoje. Prepararam um plano que nasceu logo depois da guerra e, agora, no final deste século, 55 anos depois, a situação que almejam está começando a se consolidar; embora não tenham chegado ao ponto a que visam. Estados Unidos e Europa querem uma moeda única, um grande Parlamento com mais força. À medida que diminui a força dos Parlamentos nacionais, aumenta a dos europeus, não no sentido de interferência nas coisas internas de cada país, mas de dar força àquilo que importa para a Europa, para que nenhum país esmague o outro, para que a Alemanha, por exemplo, não esmague Portugal, de modo que sejam consolidados os interesses do Parlamento europeu. Estão chegando agora à moeda única e, portanto, a uma situação impressionante.

De quatro em quatro anos, um país europeu é escolhido para ser a capital cultural da Europa. E o Mercado Comum Europeu e os Estados Unidos da América vivem em função da cultura daquele país. Em Sevilha, pude ver um trabalho espetacular à época em que Lisboa foi considerada a capital cultural da Europa. Então, estão avançando neste sentido.

Penso que esse é também o caminho do Brasil, da América do Sul. Esse é o nosso caminho. Não tenhamos a vaidade de imaginar que o Brasil nada deseja do Suriname, da Bolívia, do Equador. O que essa gente pode fazer por nós? Esse povo pode crescer, Sr. Presidente. O território da América do Sul tem tudo de que se precisa. Não necessitamos importar um grama de minério, um grama de nada. Nós temos tudo. Em relação ao petróleo e ao trigo, a América do Sul será um dos grandes exportadores mundiais. O que se quiser poderá ser suprido por essa América, que se tornará assim uma grande América.

Não vamos imaginar que teremos, na fronteira com a Bolívia, um Brasil próspero, rico, desenvolvido, sem analfabetismo, sem fome, sem miséria e, do lado de lá, bolivianos miseráveis, com duzentas crianças em mil morrendo antes de completarem um ano de idade, passando fome, numa miséria total. Isso não acontecerá. Nós temos de nos desenvolver juntos, crescendo juntos, dando-nos as mãos e, juntos, avançando, plasmando uma sociedade americana, cada um tendo os seus direitos.

Graças a Deus, o Brasil não tem nenhum desejo de conquista; o que temos é natural pelo nosso tamanho, pela nossa posição de respeito e de credibilidade; não precisamos de um metro do território de ninguém, não precisamos de um pedaço de terra pelo qual estejamos brigando com quem quer que seja. O que queremos é uma fronteira de paz, de desenvolvimento e de crescimento.

Por isso, felicito as autoridades brasileiras pela reunião aqui feita, que foi muito importante. Penso que a repercussão deveria ter sido maior.

Outro aspecto importante foi a consolidação dada pelos dirigentes desses países à democracia. Ali, havia alguns Presidentes com alguns raspões na democracia. Alguns que se elegeram deixando de cumprir um pleito democrático como deveria ser. Mas, agora, assumiram um compromisso de que isso não mais ocorrerá, ou seja, de que, daqui por diante, os pleitos serão absolutamente democráticos.

Não nos chamaram como deviam, nem o Congresso brasileiro fez questão de aparecer como, na minha opinião, devia. Não sei se foi para ser assim mesmo, para eles terem mais intimidade. Não sei. Lá estavam - assisti na televisão - o Presidente Antônio Carlos Magalhães e o Vice-Presidente da Câmara dos Deputados, e mais ninguém. Mas penso que foi uma grande reunião.

Aquilo de que eu tinha medo e falei desta tribuna na quinta-feira, do ato cruel do americano, de o Presidente ir à Colômbia na véspera querendo desmoralizar o Congresso da América do Sul, não aconteceu. Ao contrário: valorizou-o ainda mais. Parece que a próxima reunião já está marcada para ser na Bolívia, e parece que já vão entrar em alguns objetivos mais concretos, mais reais. Que bom que isso aconteça!

Regozijo-me por ter assistido no Brasil um encontro dessa grandeza.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2000 - Página 17690