Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o plebiscito da dívida externa.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre o plebiscito da dívida externa.
Aparteantes
Artur da Tavola, Lauro Campos, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2000 - Página 18686
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, VITORIA, PLEBISCITO, DIVIDA EXTERNA.
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, BANCADA, OPOSIÇÃO, OBJETIVO, INICIO, ATO OFICIAL, PLEBISCITO, DIVIDA EXTERNA, CONCESSÃO, REMISSÃO, TOTAL, CREDITO EXTERNO, UNIÃO FEDERAL, FAVORECIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MISERIA, POBREZA.
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, COMBATE, CORRUPÇÃO, BUSCA, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, IMPROBIDADE, NATUREZA ADMINISTRATIVA, IMPEDIMENTO, TRAFICO DE INFLUENCIA, EXPLORAÇÃO, PRESTIGIO, INTERMEDIARIO, INTERESSE PARTICULAR, SETOR PUBLICO, POSTERIORIDADE, AFASTAMENTO, SERVIDOR, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos hoje apresentando dois projetos de lei. Um deles de fato reproduz uma solicitação feita pela coordenação do plebiscito da dívida que, por sua vez, reflete uma discussão feita por mais de 80 entidades do nosso País e que há mais de dois anos vem sendo discutida pelo Tribunal Internacional da Dívida Externa.

É de conhecimento de todos a vitória do plebiscito que foi encaminhado pela CNBB, pelo Conselho de Igrejas Cristãs, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, pela CUT e pelos partidos de esquerda. Apesar da postura desqualificada do Governo Federal em tentar intimidar as forças vindas da sociedade e em tentar, pela repercussão da grande imprensa, desmobilizar a opinião pública, tivemos, sem dúvida, uma participação gigantesca, uma participação de mais de cinco milhões de pessoas, que foram às urnas, por meio de um plebiscito, posicionando-se sobre a dívida externa, dívida interna e acordo com o Fundo Monetário Internacional.

É claro que a ignorância do Governo - não ignorância, porque respeitamos a ignorância -, a má-fé do Governo começou a fazer disputa com o povo brasileiro, dizendo que estávamos pregando o calote. Má-fé porque é evidente que qualquer pessoa de bom-senso que pudesse ter acesso ao que estava sendo divulgado no jornal pela coordenação nacional do plebiscito ou à própria cédula que foi encaminhada também saberia que o plebiscito solicitava uma auditoria da dívida externa, o que efetivamente está garantido pela Constituição que rege, ou deveria reger o País, além de um acordo com o Fundo Monetário Internacional e a discussão sobre a dívida interna.

            Mais de cinco milhões de pessoas participaram do plebiscito. Dessa discussão nacional acabou sendo criada a necessidade da apresentação de dois projetos. Um inicia sua tramitação na Câmara dos Deputados, foi assinado pelo Deputado José Dirceu, por toda a Bancada da Esquerda, e tem por objetivo iniciar um plebiscito oficial discutindo essas três questões fundamentais para a vida do povo brasileiro. Não podemos aceitar que alguns tecnocratas de plantão sentem em seus gabinetes e comecem a crer que são fundamentais para decidir a vida nacional, sem a participação direta da população que, de fato, irá agüentar, por meio das normas estabelecidas para a vida em sociedade, para a vida coletiva, a repercussão da política econômica definida pelo Governo Federal.

Além da questão do plebiscito, que é de fundamental importância, pois é um direito constitucional, estamos também apresentando um projeto de lei que concede a remissão total dos créditos externos da União e dará outras providências. Esse projeto está sendo discutido por alguns com um nome mais simples, como sendo o projeto do perdão da dívida, que o Governo brasileiro dará a 30 países que têm um PIB, per capita, menor do que o do Brasil. O próprio Governo Federal já apresentou sua intenção de fazê-lo em relação a Moçambique. Estamos apresentando um projeto de lei que concede remissão total de créditos externos da União e dá outras providências. Essa remissão total refere-se a 30 países pobres, caracterizados pelos piores indicadores sociais. Recebi e-mails respeitosos de algumas pessoas, levantando questionamentos sobre nossa preocupação com os pobres e miseráveis de outros países. Perguntaram-me por que, havendo preocupação com pobres e miseráveis de outros países, não haver a mesma intenção com relação aos pobres do Brasil? E é claro que a nossa preocupação com os pobres e miseráveis do Brasil já se justifica no debate direto sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional, a dívida interna e externa.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador Artur da Távola, permitirei o aparte daqui a pouco, especialmente depois de V. Exª ter-me chamado de doce Senadora. Eu, que sempre me considerei da turma do fel, fui agraciada hoje por V. Exª, fazendo-me pertencer à turma do mel.

Continuando, qual o significado da questão? É de fundamental importância o Brasil perdoar a dívida desses países, ou seja, conceder a remissão dos créditos da União a esses ´30 países, todos eles pobres e miseráveis. Muitos de nós, quando assistimos a eles pela televisão, ficamos enternecidos e solidários. Também nos aflora o espírito cristão e ficamos com a emotividade à flor da pele quando assistimos à situação dos pobres brasileiros, mas não fazemos nada para viabilizar ações concretas, ágeis e eficazes para minimizar esses efeitos.

Pois bem, Senador Lauro Campos, se esses 30 países resolvessem, de uma hora para outra, pagar toda a sua dívida com o Governo brasileiro, num único momento, numa única parcela, concretamente isso seria insignificante para os cofres públicos do Brasil - apenas 0,3% do que o nosso País compromete hoje de seu Orçamento para pagar juros e serviços da dívida externa. Evidentemente, conforme V. Exª tantas vezes já demonstrou com seus trabalhos nesta Casa, o maior impacto hoje nas finanças públicas é realmente exercido pela dívida interna.

Vejam a grandiosidade deste gesto político! Seria insignificante para o Brasil, do ponto de vista financeiro, se os 30 países resolvessem pagar, de uma única vez, numa única parcela, sua dívida com o Governo brasileiro. Significaria apenas 0,3% do que o Brasil compromete hoje rolando a dívida externa. É evidente que seria impossível fazer isso, porque muitos desses países já não estão “honrando os compromissos assumidos”, em função de sua gigantesca incapacidade de pagamento, diante da agiotagem internacional, da ordem financeira internacional, do neoliberalismo.

Então, sendo solidário a esses países, o Brasil faz um gesto político extremamente importante para que possa apresentar à opinião pública internacional a possibilidade de construção de uma nova ordem econômica mundial.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Artur da Távola.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Senadora Heloísa Helena, temo que agora meu aparte atrapalhe o discurso de V. Exª. Naquele momento, ele me pareceu oportuno, já que a segunda parte da fala de V. Exª é uma parte construtiva, sobre a qual realmente devemos meditar. V. Exª discorre sobre a apresentação de projetos e discussão do tema que, enfim, é de grande complexidade. Meu aparte refere-se à primeira parte do pronunciamento de V. Exª, e eu gostaria de colocar reparos não às palavras de V. Exª, mas, sim, ao que foi feito. Esse plebiscito, Senadora, sinceramente, não deixa bem a Igreja Católica no Brasil. É realmente parecido com a ação do Sr. Itamar Franco. Primeiramente, não obedeceu qualquer regra de plebiscito; em segundo lugar, não atingiu nenhuma porcentagem significativa da população brasileira; por último, foi inteiramente condicionado, particularmente pelo Partido de V. Exª, que ultimamente está trocando militantes por torcedores que, com as bandeiras, repetem palavras de ordem que os outros dizem, da mesma forma que as torcidas no campo repetem aqueles refrões da torcida habitual. Que plebiscito foi esse? Eu, por exemplo, sugeriria à Igreja Católica fazer um plebiscito sobre as riquezas do Vaticano. O Senador Lauro Campos, por certo, aprovaria este plebiscito: se as riquezas do Vaticano devem ou não ser distribuídas aos pobres, numa privatização que compraria riquezas fabulosas. Compreendo que, na profundidade da idéia religiosa, as riquezas do Vaticano têm até uma razão de ser, no sentido de preservar a incolumidade de uma instituição milenar - a Igreja Católica - e de tantos serviços prestados por ela à humanidade, sobretudo nos últimos tempos. A Igreja Católica, por intermédio de alguns bispos - mal informados, a meu ver, em relação ao que desejou o Papa -, no setor dela que se une ao Partido de V. Exª, inventou uma consulta popular, que poderia ser feita de modo interessante, e deu-lhe o nome de plebiscito. E ficamos todos presos dentro dessa grande bolha: “O País fez um plebiscito”, e com cinco milhões de assinaturas, colhidas ali às pressas, com os militantes em cima, com as bandeiras tremulando: “Como é? Você é contra?” “Sou”. E as pessoas, evidentemente, foram tomadas na sua boa-fé. Se V. Exª amanhã, com todo o seu talento, sair às ruas com o seguinte plebiscito: “Você é favorável ao fechamento do Congresso?”, pode estar certa de que os cinco milhões de pessoas seguramente votarão a favor do fechamento do Congresso. Que representação há? Que representação houve nesse plebiscito? Já vi que todos os militantes do PT ensarilham as armas, já estou até assustado - as armas nossas são os microfones. Mas isso só dá forças ao meu argumento - sei que em seguida serei massacrado por inteligentíssimos apartes. Plebiscito, não, pelo amor de Deus, Senadora. Diga assim: “O nosso Partido, para encaminhar um projeto de alta significação para o País,” - como o que as Lideranças vão apresentar, como esse de V. Exª - “ouviu setores da vida brasileira, e esses setores, inclusive da Igreja, consideraram importante fazer uma auditoria da dívida”. Essa é uma tese, uma ação política legítima. No entanto, plebiscito, pelo amor de Deus, soa-me a algo que tem regras, que tem afirmação e contradita, que tem defesa e contradição, em que livremente as partes se apresentam com as suas idéias para a população, e a população escolhe. Não devemos deslustrar a figura jurídica do plebiscito dessa maneira.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) (Fazendo soar a campainha.)

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Obrigado, Senadora.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Em primeiro lugar, V. Exª terá todo o tempo do mundo, e o Governo Federal terá todo o tempo também...

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Não é o Governo!

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Mas o Governo não é escabiose para que V. Exª não queira se aproximar dele. Todas as vezes em que falo do Governo, sei que para muitos representantes políticos do PSDB nacional...

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - V. Exª tem obsessão de Governo. Tudo é Governo. Estou falando para V. Exª, com as minhas idéias. Esqueça o Governo um pouco!

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador, sei das idéias. O problema é que as idéias não são discos voadores. As idéias, para se concretizar, precisam de estruturas anatomofisiológicas que as reproduzam. As idéias não são um disco voador, passando por aí afora. Precisam de pessoas para verbalizá-las, para instrumentalizá-las, e é isso que o Governo faz.

Vamos acabar com essa inveja dos torcedores das bandeiras do PT. Que povo invejoso! Sorte nossa que existe militante na rua para segurar a nossa bandeira, sem precisar pagar. No entanto, os amigos do Governo, com a escabiose do Fernando Henrique, estão todos escondendo o Fernando Henrique. Neste caso, com medo, têm que pagar o povo para balançar as bandeirinhas. Nós, graças a Deus, não precisamos pagar para balançar as bandeiras.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Foi plebiscito ou não foi, Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Foi um plebiscito de fato.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - De fato? Isento? Maioria do povo brasileiro?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - E será jurídico quando V. Exª. participar. Não se preocupe que o Governo brasileiro terá oportunidade. É só V. Exª. aprovar o plebiscito.

Imaginem o Malan na televisão, argumentando com o povo brasileiro, com o mesmo tempo, porque plebiscito é bom por isso. O que eles fazem? Como eles têm todos os mecanismos...

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Somos cento e setenta milhões, cinco milhões....

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Não estou dando aparte a esse Senador. Por Nossa Senhora, só o meu anjo da guarda, hoje, me dando paciência para agüentar, porque S. Exª. me chamou de doce. Como sou da turma do fel, e S. Exª. disse que eu era doce, estou agüentando-o muito bem.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - V. Exª. está pessimista.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Outro ponto importante é que todas as vezes que algumas pessoas resgatam a tradição da Igreja em relação a uma tradição mansa, subserviente à elite política e econômica, como a Igreja já o foi, eu me lembro de passagem bíblica com a qual brinco muito com a Senadora Marina ao dizer que gosto muito. Há todas as regras: a dos fariseus, a dos sicofantas, a da elite vigente, e Jesus Cristo, na entrada do templo - imaginem que entrada maravilhosa - espantou os vendilhões no chicote. Jesus era um revolucionário, Senador Lauro Campos! No entanto, a Igreja errou quando foi mansa, subserviente. Ela contraditou, inclusive, a história do povo oprimido e humilhado deste País, porque a história do povo de Deus não é de subserviência à elite política. Pelo contrário, é uma história de luta, em muitos momentos sangrenta, pela libertação.

Estamos apresentando outro projeto muito importante para o combate à corrupção.

Desconfiava de algo antes de entrar na política; depois que entrei, tive a certeza: a pessoa para enriquecer como agente público tem que ser ladrão. Não tem jeito de enriquecer sem ser usurpador, saqueador dos cofres públicos, contrariar os princípios constitucionais de moralidade ou sem praticar crime contra a Administração Pública.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Permite-me V. Ex.ª um aparte, eminente Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Antes de apresentar o Projeto de Lei Complementar do Senado que visa aperfeiçoar a Legislação nº 8.429, ouço V. Exª com muita satisfação.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Nobre Senadora Heloísa Helena, levantei a minha arma, como se referiu o nobre Senador Artur da Távola, com a intenção de pelo menos registrar nos Anais do Senado que houve um descuido da minha parte em não votar contra o empréstimo de 51 milhões. Mais uma vez, mordemos essa isca, na ilusão de que o objeto era nobre e que seria dedicado à reforma agrária. Contudo, o próprio Ministério Extraordinário de Política Fundiária não investiu, no ano atrasado, como fim, meta, como aplicação final, 70% dos recursos orçamentários, e este ano, tal como acontece com certos itens da saúde, vai no mesmo caminho. Além de cortar e mandar cortar do Orçamento, o Governo não aplica, para que haja sobra, excedente dos gastos primários do Orçamento, visando mandar para o FMI esse dinheiro. Eu gostaria de retificar o meu voto anterior, mas, se não puder fazê-lo, eu gostaria de, pelo menos, reafirmar a minha posição. Faltam algumas pessoas que foram dotadas - parece-me - de coragem e de lucidez, pessoas da base política do Governo, que se rebelam contra as idéias, os pontos de vista e os votos do Presidente da República. Que rebelião é essa? Que coragem dessa maioria de se rebelar contra o Presidente da República! O Presidente da República, quando Senador, em 1988, votou a favor do plebiscito da dívida externa. Agora, parece que, com o seu convívio com o FMI, Sua Excelência foi convencido de que não era adequado, não era educado, não era democrático, não era não sei o quê recorrer a essa forma de consulta popular. Eu gostaria de ler um trecho da página 242 do livro chamado “As idéias e seu lugar”, de 1992 - não é tão antigo assim -, de Fernando Henrique Cardoso. O que diz Sua Excelência, o intelectual, sua sapiência e sua majestade, o Presidente Fernando Henrique Cardoso? Diz: “Já que mencionei a inflação. É óbvio que a partir da perspectiva que adotei, as políticas do estilo característico do Fundo Monetário Internacional do gênero controle da base monetária, arrocho salarial, equilíbrio orçamentário são insuficientes, pois não enfrentam a questão principal, que é o endividamento interligado externo e interno do Estado, e propõem o impossível...”O que é impossível, de acordo com Fernando Henrique Cardoso? - “...que se pague a dívida e, ao mesmo tempo, se equilibre o orçamento.” Sua Excelência nos pede o impossível! Que paguemos a dívida e que equilibremos o Orçamento. Está aqui; o Presidente sabe que é impossível. E quando protestamos e arranjamos apenas uma forma educada de consultar o povo se quer pagar a dívida; dívida que, dizem, somos moralmente obrigados a pagar. Mas os brasileiros já nascem devendo! Então, foi dentro do útero materno que eles assinaram o compromisso de pagar essa dívida externa. Onde e quando assinamos tal compromisso? Desse modo, é realmente absurdo falarmos em nome de alguma moral e que temos a obrigação ética de pagar. Não podemos nem discutir o assunto. Por outro lado, Sua Excelência declara ser impossível o que pede ao povo brasileiro: pagar a dívida externa e equilibrar o Orçamento ao mesmo tempo. Está aqui expresso na página 242. Obrigado.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço muito o aparte de V. Exª. Não sei como ainda dizem que Sua Excelência não declarou: “Esqueçam o que escrevi”.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senadora, V. Exª me concede-me um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Ouço V. Exª com prazer.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª faz referência ao plebiscito, mas o que houve foi uma consulta popular com o nome de plebiscito, porque, é claro, não passou pelos processos institucionais. Entretanto, nós que fazemos política - e o querido Senador Artur da Távola sabe disso - temos conhecimento de que existem fatos que têm um conteúdo, embora não tenham a forma institucional. Como não somos burocratas, muitas vezes não percebemos essas firulas da legalidade em si. Mas isso não é o mais relevante. Já estou aqui me contendo, porque o Senador Artur da Távola falou em “levantaram as suas armas”, e a minha compreensão é a de nossas armas são o uso da palavra.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Senadora Marina Silva, desculpe-me. Usei a expressão: “As armas da palavra”.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senador, eu entendi.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - O problema é com o microfone.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Os nossos telespectadores estão sabendo.

O Sr. Artur da Távola (PSDB - RJ) - Ademais, é uma palavra brilhante.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - V. Exª nunca usaria a palavra arma com outro sentido. Porém, só a comparação - como sou pacifista por natureza -, isso, para mim, é um escudo. Então, estou usando o meu escudo em relação ao que disse o Sr. Ministro Pedro Malan e ao que afirmou agora o nosso Senador Artur da Távola. Primeiramente, a Igreja Católica tem evidentemente um patrimônio, que é, entretanto, dos católicos, não recaindo sobre ele o que é da natureza do Estado, que é institucional. Por isso, a Senadora Heloísa Helena ou eu podemos até falar, pois temos o direito de dizer o que desejamos, mas não é do interesse público do povo brasileiro o patrimônio da Igreja Católica - que acabou de ser questionado por algumas pessoas, inclusive por V. Exª. No entanto, quando a Igreja fala do patrimônio do povo brasileiro, tem toda a razão: os católicos também fazem parte dessa sociedade, porque, independentemente de sua religião, é assunto da nossa competência e diz respeito a nós. Mas o patrimônio da empresa, da Igreja ou de quem quer que seja não pertence ao patrimônio brasileiro do ponto de vista da sua institucionalidade. Podemos dar palpites para alguns no que tange ao pagamento da dívida externa, uma vez que essa questão é de interesse público, ou seja, do povo e do Estado brasileiro enquanto instituição. Por isso, tanto a Igreja quanto qualquer instituição podem aferir pontos de vista. V. Exª pode ficar tranqüilo, pois a opinião pública manifestou-se de forma muito espontânea, até porque não houve campanha, mas apenas a colocação das urnas. Em meu Estado, compareceram, num universo de 500 mil habitantes, 11 mil votantes - um número bastante representativo. Vi como tudo ocorreu. As urnas foram instaladas e as pessoas apresentavam-se conscientes de que votariam a favor do pagamento da dívida externa ou contrariamente a essa decisão. Então, Senadora Heloísa Helena, entendo que o que colhemos de parte da sociedade foi a indicação de que o pagamento dessa dívida causa sérios prejuízos sociais, que precisam ser reavaliados à luz de uma auditoria - que é constitucional. Nem tenho mais o que dizer depois que, graças a Deus, a erudição do nosso Senador Lauro Campos nos defendeu tão bem - não com as palavras brilhantes do Senador Artur da Távola ou de qualquer outro Senador da base governista, mas do próprio Presidente da República, que alegou que a dívida era impagável. Por isso, tenho respeito e um carinho muito grande pelos eruditos, uma vez que eles nos socorrem com alguma argumentação que vai muito além da nossa capacidade talvez até de especular posicionamentos. Ele vai à fonte, que se chama Fernando Henrique Cardoso, que disse que a dívida era impossível de ser paga. Apenas cinco milhões de brasileiros concordaram com o que ele disse há 10 anos.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço muito a V. Exª pelo aparte, Senadora Marina Silva. Temos absoluta certeza de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso e a sua equipe econômica, com a aprovação do plebiscito oficial, terão coragem de, perante o povo brasileiro, explicar exatamente o que está ocorrendo em nosso País e convencer-nos de que devemos continuar comprometendo mais de 30% do PIB e de 40% do orçamento, financiando a agiotagem, diminuindo a execução orçamentária na saúde, na educação, na segurança pública e no setor agrícola para continuar com esse financiamento. Então, certamente, eles terão todo o poder de argumentação necessário para convencer o povo brasileiro de que é melhor pagar ao agiota do que garantir saúde, educação, moradia e direitos fundamentais das políticas públicas e sociais garantidas pela própria Constituição.

O outro projeto apresentado por nós hoje, Sr. Presidente e Srs Senadores, busca aperfeiçoar a chamada Lei de Improbidade Administrativa, à qual me referi anteriormente.

Com efeito, o âmbito atual de incidência da lei limita-se àqueles agentes públicos que estejam no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, quando é certo que, mesmo após o afastamento da Administração Pública, é possível a prática de atos por ex-servidores que, por violação dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, resultem lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Nesses últimos meses, tivemos oportunidade de acompanhar essa prática: personalidades que, enquanto agentes públicos, patrocinam crimes contra a Administração Pública; deixando a condição de agentes públicos, fazem tráfico de influência, exploração de prestígio, intermediam interesses privados dentro do setor público e, depois, dão continuidade a esses atos por meio da exploração de prestígio, corrupção ativa, tráfico de influência.

Essa hipótese há de ser particularmente considerada no caso, citado anteriormente, do crime de exploração de prestígio, que, como todos sabemos, está devidamente tipificado no art. 332 do Código Penal. Nesse delito, a rigor, um crime impróprio, a situação de ex-servidor do sujeito ativo é muitas vezes condição necessária para que o interessado em obter vantagem creia na capacidade de o agente influir, persuasivamente, em funcionário público.

Tivemos a oportunidade de, no depoimento do Sr. Eduardo Jorge, vê-lo dizendo que não fazia lobby. Apenas, com o seu conhecimento a respeito do funcionamento do setor público, orientava as empresas privadas, ou seja, ele usava a experiência, conhecimento, prestígio adquiridos junto ao setor público para “orientar” as empresas das quais recebia dinheiro como consultor ou daquelas com quem mantinha contrato em função de ser acionista. Portanto, o que todos sabemos, que trata-se de exploração de prestígio, tráfico de influência, corrupção ativa.

O que estamos aperfeiçoando na lei?

Hoje, o agente público é obrigado a, todos os meses, apresentar a sua declaração de Imposto de Renda. Claro que o Governo Federal, em mais uma das suas sessões de demagogia pública, afirmava que fazia isso agora por meio do Código de Ética. Mas todos sabemos que nada mais é do que uma manifestação governamental, uma exposição de motivos e que não há ato algum, do ponto de vista legal, que efetive isso. Não há nada, é só uma exposição de motivos publicada em Diário Oficial; não é, sequer, um decreto.

Então, o que estamos fazendo? Estamos garantindo a obrigatoriedade da apresentação dessa declaração durante os três anos subseqüentes ao afastamento do cargo de agente público, do exercício de mandato, cargo, emprego ou função. Ou seja, para o que hoje está na lei no “exercício do mandato de agente público”, estamos garantindo que a declaração seja anualmente atualizada e apresentada até três anos após o agente público haver deixado o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

Outra alteração: para averiguação da veracidade das declarações pelo sistema de Controle Interno de cada Poder, como ocorre hoje, durante o período a que se refere, ou seja, até três anos após deixar o exercício do mandato, cargo, empregou ou função, exclui-se o agente público do benefício do sigilo bancário. Portanto, todos nós que somos agentes públicos, funcionários ou parlamentares, após três anos, teremos também que abrir mão obrigatoriamente do sigilo bancário. Pois, como disse anteriormente, do que desconfiava antes concretizei após entrar para a política: para enriquecer, tem que saquear os cofres públicos, fazer intermediações, estabelecer o mecanismo do “por fora”, além do salário.

Uma outra questão é que a Secretaria da Receita Federal procederá, obrigatoriamente, diferentemente do que estabelece hoje a lei, à revisão da declaração do Imposto de Renda do agente público no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, observado também o período de até três anos após. Como sabemos, atualmente o declarante pode, a seu critério, entregar cópia da Declaração Anual de Bens apresentada à Delegacia da Receita Federal. Estamos estabelecendo que, além disso, a Secretaria da Receita Federal procederá, obrigatoriamente, à revisão dessa declaração do agente público, tanto durante o exercício do mandato quanto três anos depois de exercê-lo. Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta é uma contribuição do Bloco no sentido de aprimorarmos a legislação e efetivamente coibir essa grande vergonha nacional. A propósito, ontem todos nós vimos pesquisa que mostra que o Brasil, infelizmente, ganhou pontuações no sentido de se apresentar vergonhosamente em relação aos níveis de corrupção.

Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2000 - Página 18686