Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de apoio às cooperativas de crédito popular destinadas ao financiamento das pequenas empresas.

Autor
Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA.:
  • Necessidade de apoio às cooperativas de crédito popular destinadas ao financiamento das pequenas empresas.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2000 - Página 18701
Assunto
Outros > MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, PEQUENA EMPRESA, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, MOTIVO, EXCESSO, TAXAS, JUROS.
  • DEFESA, APOIO, COOPERATIVA DE CREDITO, INICIATIVA, AÇÃO POPULAR, FACILITAÇÃO, PEQUENA EMPRESA, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma pergunta atormenta aqueles que estudam as razões pelas quais o Brasil não conseguiu se desenvolver de maneira consistente e continuada.

Como é que um país rico em recursos naturais, habitado por um povo criativo e industrioso, continua mergulhado no atraso e na miséria? Em minha modesta opinião, Srs. Senadores, um dos maiores entraves ao nosso desenvolvimento se encontra no custo excessivamente elevado do capital para os pequenos tomadores de empréstimos. Mais precisamente, na falta de crédito popular.

           Essa é, decididamente, a pior limitação, o pior obstáculo que se interpõe entre o empreendedor brasileiro, sobretudo o de pequeno porte, e a realização de seus projetos e aspirações.

           Começar um negócio aqui no Brasil é difícil: além da papelada de que se necessita para regularizar uma empresa, antes mesmo do início de seu funcionamento, o homem ou a mulher de iniciativa, neste País, depende fundamentalmente de recursos próprios, pois se não dispuser deles vai ter de levantar empréstimos a taxas escorchantes de juros no mercado bancário.

           Juros, aliás, que são ainda mais elevados quando o próprio Banco Central os mantém nos níveis que julga essenciais para a sustentação da moeda nacional, que se pretende estabilizada.

           Aí, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que se entra naquele velho dilema, segundo o qual os bancos, com suas exigências e seus juros, acabam por só emprestar dinheiro a quem dele não precisa. De uma coisa, porém, podemos ter certeza: nenhum negócio nasce grande. Gigantes transnacionais, como a Ford, a Standard Oil e, mais recentemente, a Microsoft, começaram como pequenos negócios, verdadeiras oficinas de fundo de quintal. Invariavelmente, seus fundadores, que vieram a se tornar magnatas com o sucesso de suas empresas, tiveram que partir de empréstimos bancários.

           Ocorre que, nos Estados Unidos, lá, na terra do capitalismo de verdade e da oportunidade, desde sempre, a atividade bancária existiu na forma de pequenas instituições locais, voltadas para o desenvolvimento regional. A imagem do lugarejo do velho Oeste do século XIX, que fica dos muitos filmes de caubói que assistimos desde a infância, é bem verdadeira: a cidadezinha poeirenta em que só há uma rua - com bar, delegacia e igreja, algumas vezes escola, mas sempre algum banco, que os pistoleiros vêm assaltar.

           Durante a corrida do ouro, por exemplo, o sujeito pegava um empréstimo em um desses bancos, atravessava a ruela para comprar, na loja de ferragens, sua tralha de garimpeiro, e ia para sua gleba trabalhar. Com o que achasse, podia pagar o empréstimo ao banco e ainda ficar rico.

           Muito bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou dizendo tudo isso, que é nada mais do que o óbvio, porque parece que nossas autoridades monetárias ignoram esse princípio simples do capitalismo, que é a relação entre empreendedores e banqueiros, cada um assumindo os riscos inerentes a sua respectiva atividade. Capitalismo sem riscos, com banqueiros que guardam seus recursos para a especulação, sem voltá-los para a atividade produtiva, não é capitalismo; é cassino. Esse falso capitalismo frustra uma das essências do sistema, que é o prêmio à audácia, à iniciativa bem-sucedida.

           Aqui, no entanto, vivemos no paraíso dos especuladores nacionais e estrangeiros, que, com dinheiro parado e improdutivo, girando na ciranda dos juros estratosféricos, obtêm lucros fabulosos sem incorrer em riscos, sem aumentar a produção e sem criar empregos.

           Onde fica, pergunto, o prêmio à audácia, ao visionarismo, à iniciativa bem sucedida, prêmio que constitui o fundamento moral do capitalismo? Como e para que geraremos renda e emprego, se não é preciso produzir para se obterem lucros fabulosos na ciranda financeira?

           Em 1992, com a Resolução 1.914 do Banco Central, as dificuldades aumentaram. Em 1999, com a Resolução 2.608 resolveram dar o golpe de morte direto, a queima-roupa, contra as Cooperativas Luzzatti. Foi proibida a constituição de novas cooperativas e às já existentes foi dado um prazo para se desconstituírem ou mudarem de ramo.

           Uma das medidas mais absurdas tomadas pelo Banco Central, no sentido de prejudicar ou mesmo impedir o crédito para o pequeno empreendedor, foi essa decisão de proibir a criação de cooperativas de crédito do tipo Luzzatti e de impor a mudanças dos estatutos das já existentes.

           Porém, a tempo e a hora, o Bacen, através da Resolução nº 2.771 de 30 de agosto deste ano, reviu seu perigoso ato e revogou a Resolução 2.608, permitindo, com o novo ato, o funcionamento dessas Cooperativas já existentes.

           Andou bem o Banco Central, ao permitir a permanência das Cooperativas já constituídas, porém, andou mal ao proibir a criação de novas instituições desse tipo

           Ora, em um país como o nosso, tão necessitado do sucesso de seus empreendedores, que são os construtores do progresso, bloquear acesso ao crédito às pessoas dotadas de senso de oportunidade e de coragem de iniciativa é uma enorme estupidez. É escolher o atraso, a miséria, o subdesenvolvimento, quando se podia escolher o progresso resultante da produção de riqueza por milhares de pequenos empresários. Ou quando se podia escolher a melhoria dos índices habitacionais do País, hoje desastrosos, pela possibilidade de o cidadão financiar a reforma ou construção de sua casa por meio de pequenos empréstimos de baixo custo.

           Nesse quadro, autorizar estabelecimentos comerciais, tais como padarias, farmácias e mercearias, a executar operações financeiras, é um contra-senso. Essas lojas têm suas atividades próprias, para as quais foram montadas, e não são especializadas no crédito popular como são as cooperativas de crédito do tipo Luzzatti, que foram proibidas. No entanto, foi isso mesmo que o Banco Central fez.

           As cooperativas de crédito popular surgiram no século dezenove, em países europeus como a Alemanha e a Itália, que se encontravam então com um grau de desenvolvimento muito inferior ao da França e, principalmente, da Inglaterra. Naqueles países, homens de visão, como Schulze, Raiffeisen, Haas, Luzzatti e Wollemberg criaram as bases do cooperativismo creditício, fato que contribuiu para o desenvolvimento posterior dessas nações. Tanto que elas se encontram, hoje, entre as mais avançadas do mundo.

           Mais tarde, Desjardins levou o modelo ao Canadá francês, hoje o país líder da lista de desenvolvimento humano publicada anualmente pela Organização das Nações Unidas. No mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, há cooperativas de crédito popular.

           No Brasil, a primeira cooperativa Luzzatti foi fundada há quase cem anos, em 1902, pelo padre Teodor Amstad, na cidade de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. Esse tipo de cooperativa prosperou no País, tanto que, na década de 1950, havia mais de 1.500 cooperativas de modelos Luzzatti, Raiffeisen e Desjardins no Brasil. A partir do golpe militar, em 1964, e da criação do Banco Central, em 1965, o sistema cooperativo de crédito passou a sofrer dura perseguição por parte das autoridades monetárias, vindo quase a desaparecer. Hoje, as Cooperativas Luzzatti são apenas 13 em todo o País.

           Contra essa injustiça flagrante já se manifestaram diversos políticos, como os Deputados Ricardo Berzoini, Coriolano Sales, José Pimentel, Edinho Bez e Carlito Merss, entre outros, e o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho Matheus.

           É preciso que fique claro que não defendo a irresponsabilidade administrativa que, eventualmente, alguma cooperativa tenha apresentado. Acontecimentos assim são incomuns, e não comprometem a idéia e os princípios do sistema. Ademais, estando toda cooperativa de crédito sujeita à fiscalização atenta por parte do Banco Central, a quebra de alguma dessas instituições pode, muitas vezes, ser atribuída a deficiências do próprio órgão fiscalizador, que não intervém a tempo naquelas mal administradas. De resto, os maus administradores estão sempre sujeitos às sanções previstas pela lei penal.

           Por tudo isso, Srs. Senadores, apoio integralmente as cooperativas de crédito, como a de Guarulhos, no Estado de São Paulo, que me enviou ofício no início do mês chamando minha atenção para o problema, e a da minha querida Mirassol, cidade onde passei minha infância e juventude, também em São Paulo, fundada em 1954 a conhecida Cooperativa de Crédito de Mirassol, e com notável histórico de realizações, carinhosamente conhecida como “Banquinho”.

           Vejam Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o maior valor emprestado pelo “Banquinho” não ultrapassa R$2.000,00 (dois mil reais), e o valor médio dos empréstimos não chega a R$800,00 (oitocentos reais), a juros significativamente inferiores aos do mercado. Pergunto: qual o banco comercial que aplicaria todos os seus recursos em pequenas operações como as que me referi?

           Evidentemente que nenhum.

           Em minha opinião, temos a obrigação de apoiar toda iniciativa partida do povo que facilite a criação de pequenos empreendimentos. Isso porque, em um quadro de dificuldade de obtenção de emprego, cada pequeno empresário é um herói do desenvolvimento econômico.

           Assim, ao contrário de privilegiar os poderosos banqueiros nacionais e agora, internacionais, que só se prestam à especulação, é minha opinião que temos a obrigação de apoiar toda iniciativa partida do povo que facilite a criação de pequenos empreendimentos com a geração de emprego e de renda. E isso se dá exatamente no negócio familiar de fundo de quintal, do pequeno empresário, esse verdadeiro e único provedor do desenvolvimento econômico e nacional.

           Para terminar, Sr. Presidente, farei aqui duas citações de um político brasileiro de grande destaque no cenário atual.

           A primeira, pronunciada quando da abertura do XI Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em 1997:

           Uma longa caminhada começa sempre com um primeiro passo. As cooperativas brasileiras já deram grandes passos e têm mais vitórias a colher nesse caminho.

           A segunda, na solenidade de reestruturação da Frente Parlamentar Cooperativista:

           Ou cooperamos ou não andamos.

           Quem as pronunciou? Ninguém menos que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. O mesmo cujos subordinados, agora, assinaram a sentença de morte das Cooperativas Luzzatti.

           Deixo no ar uma pergunta Srªs e Srs. Senadores: FAZ SENTIDO?


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2000 - Página 18701