Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apoio ao ato público, realizado hoje no Rio de Janeiro, para garantir a apuração do assassinato do Presidente da Associação de Enfermagem/RJ, Marcos Otávio Valadão, e da Presidenta do Sindicato dos Enfermeiros/RJ, Edma Rodrigues Valadão, ocorrido no ano passado. Apelo ao Governo Federal para o restabelecimento das negociações com o MST.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Apoio ao ato público, realizado hoje no Rio de Janeiro, para garantir a apuração do assassinato do Presidente da Associação de Enfermagem/RJ, Marcos Otávio Valadão, e da Presidenta do Sindicato dos Enfermeiros/RJ, Edma Rodrigues Valadão, ocorrido no ano passado. Apelo ao Governo Federal para o restabelecimento das negociações com o MST.
Publicação
Publicação no DSF de 21/09/2000 - Página 18829
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETIVO, SOLICITAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, PROVIDENCIA, APURAÇÃO, HOMICIDIO, MARCOS OTAVIO VALADÃO, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, ENFERMAGEM, EDMA RODRIGUES VALADÃO, DIRETOR, SINDICATO, ENFERMEIRO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RETOMADA, NEGOCIAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OBJETIVO, CUMPRIMENTO, ACORDO, RETIRADA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PROXIMIDADE, PROPRIEDADE RURAL, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tratarei de dois assuntos.

No dia 21 de setembro do ano passado, em sessão nesta Casa, tive a oportunidade de tratar de um fato que até hoje tem levado à indignação representantes de várias entidades do movimento sindical e do movimento popular. Há exatamente um ano, foram assassinados, brutal e covardemente, Marcos Otávio Valadão, Presidente da Associação Brasileira de Enfermagem do Rio de Janeiro, e Edma Rodrigues Valadão, Presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro. Tratava-se de um casal de militantes do movimento social, enfermeiros, sindicalistas, pessoas competentes e honestas, que não tinham inimigos e eram reconhecidas como referência tanto no movimento sindical quanto na área da saúde.

O crime aconteceu quando esses dois companheiros se dirigiam para o encerramento da 3ª Conferência Estadual de Saúde no Rio de Janeiro. Ao pararem o veículo junto ao semáforo da esquina da Avenida Marechal Rondon, foram abordados por dois homens em uma moto, que os metralharam em via pública. Marcos foi atingido por dois tiros na cabeça, tendo morte instantânea, e Edma foi atingida também na cabeça e, embora socorrida no local, não suportou os ferimentos, vindo a morrer logo após. O violento atentado foi a concretização de várias ameaças de morte que vinha recebendo o casal. Acredita-se que esse duplo homicídio tem como motivo várias denúncias de irregularidades e de desvios de verbas do Sistema Cofen/Coren que vinham sendo feitas pelos sindicalistas mortos.

O inquérito para apuração desse duplo homicídio já passou pela 25ª Delegacia de Polícia, com o auxílio da Força Tarefa, pela Divisão de Homicídios e atualmente encontra-se na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais. Infelizmente, pouco se apurou até o momento.

Hoje, no Rio de Janeiro, está havendo um ato público com o objetivo de garantir cobranças, explicações e providências. A CUT do Rio de Janeiro, a Federação dos Enfermeiros, os Sindicatos da Saúde, a Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores, enfim, várias entidades do movimento social, que lutam pelos direitos humanos, estão presentes nesse ato público, cobrando ações dos Governos Federal e Estadual para garantir a apuração do assassinato desse casal.

É realmente inadmissível que esses dois sindicalistas, pessoas honestas e competentes, profissionais de referência do setor público de saúde no Rio de Janeiro, tenham sido covarde e brutalmente assassinados numa via pública, sem nenhum assalto, e nada tenha sido apurado em relação ao caso até o momento.

Registro o nosso protesto e a nossa solidariedade aos outros sindicalistas que atuavam nesse caso das denúncias, juntamente com os companheiros Marcos e Edma, cujos assassinatos, infelizmente, não foram desvendados até hoje. Esses sindicalistas também estão recebendo ameaças de morte. Sem dúvida, trata-se de algo abominável, porque todos sabemos que não há nada mais promissor para a violência do que essa maldita cultura da impunidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o segundo tema relaciona-se à polêmica pública envolvendo o Movimento dos Sem-Terra e o Governo Federal.

Tive a oportunidade de participar, na semana passada, de uma reunião com a presença de Senadores, Deputados Federais, representantes do Movimento dos Sem-Terra e do Governo. Nessa reunião, realizada na quarta-feira, o Governo Federal estabeleceu condicionantes que foram prontamente aceitas pelo Movimento dos Sem-Terra. No entanto, para surpresa de todos os Parlamentares que participaram dessa negociação, na quinta-feira o Governo voltou atrás na condição imposta, que era justamente a desocupação da área pública municipal conhecida hoje como a “fazenda dos filhos do Presidente da República”. Evidentemente, trata-se de área pública municipal que fica próxima à fazenda dos filhos do Presidente da República. Esse episódio já provocou uma grande celeuma e uma enorme disputa jurídica nacional. Todos sabemos que não é papel do Exército proteger propriedade privada, bem como não se trata de questão de segurança nacional dar proteção à propriedade particular de ninguém. Mas as negociações foram feitas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra aceitou as condicionantes. De repente, essas condicionantes não mais serviam.

Temos conhecimento - aqui não tem ninguém inocente - de que a intenção do Presidente da República era mais dar uma resposta ao Governador Itamar Franco do que propriamente ao MST. Partamos de um pressuposto claro: em uma mesa de negociação, o Governo apresenta condicionantes; o Movimento dos Sem-Terra prontamente as aceita, deixando todos os prédios públicos, pátios e estacionamentos que ocupava, bem como a área pública municipal próxima à fazenda dos filhos do Presidente. As condicionantes apresentadas pelo Governo foram prontamente aceitas; no entanto, repentinamente, não mais valiam.

Hoje, as páginas da imprensa estão recheadas das bravatas e dos blefes do Presidente da República, que, certamente, está querendo parecer um leão perante o Movimento dos Sem-Terra, porque teve que se comportar como um gatinho em relação ao Governador Itamar Franco. O que Sua Excelência não teve coragem de fazer com o Governador, tenta fazer com o MST: colocou helicópteros da Polícia Federal dando vôos rasantes no acampamento dos sem-terra. Inclusive, os jornalistas que estiveram presentes na área identificaram crianças que estavam ali correndo, deixando seus pratos de comida, com medo, porque eram helicópteros com agentes à paisana, armados com metralhadoras, fazendo gestos como que para indicar que uma suposta operação poderia acontecer.

Sei que é mais uma bravata do Presidente da República, mas, mesmo assim, o Movimento dos Sem-Terra, ontem, juntamente com a CNBB, o CIC e a OAB, chegou a um acordo. Portanto, cumprirá todas as condicionantes apresentadas pela Presidência da República e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Não há prédio público, nem pátio, nem estacionamento de órgão público ocupado. Quanto à área pública municipal próxima à fazenda dos filhos do Presidente, o MST, da mesma forma que fez na quinta-feira passada, aceita sair, estabelecer a distância exigida pelo Governo. Eles estavam a 20 quilômetros de distância. É pouco? Não há problema; ficarão a 100 quilômetros. É pouco? Ficarão a 150 quilômetros.

O apelo que fazemos é única e exclusivamente para que o Governo Federal estabeleça a negociação com o Movimento dos Sem-Terra, a fim de operacionalizar a pauta já acordada. Não há nenhuma pauta nova de reivindicações. Existe uma proposta apresentada pelo Presidente da República em julho deste ano, que não foi operacionalizada. Como os mecanismos concretos para dar operacionalidade a essa proposta não foram efetivados, o Movimento dos Sem-Terra iniciou uma mobilização na quinta-feira passada. Aceitou todas as condições, e, mesmo assim, o Presidente da República ainda inicia novas bravatas. São bravatas em relação ao Governador Itamar Franco.

Então, esperamos que, além de suas bravatas e dos pães-de-queijo que comeu para debochar do Governador Itamar Franco, Sua Excelência aja como Chefe do Executivo, cuja função não é apenas utilizar o Exército para proteger sua propriedade privada - algo que até deveria ser crime de responsabilidade. Que Sua Excelência não faça chantagem, biquinho, que não bata pezinho. Isso é algo inadmissível em uma pessoa com a sua idade, que ocupa o seu cargo. Nós esperamos que imediatamente as negociações sejam estabelecidas e que tudo que tinha sido acordado na quinta-feira passada o seja novamente.

O que é mais grave, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que tudo poderia ter sido resolvido na quinta-feira passada. Por que não o foi embora todas as condicionantes apresentadas pelo Governo tenham sido aceitas pelo Movimento dos Sem-Terra? O povo brasileiro precisa dessa resposta e de outras, muito mais do que de bravatas presidenciais, muito mais do que dessa assertiva ridícula do Presidente da República contra os servidores públicos. Independentemente de ser agente público, sou professora de universidade, sou funcionária pública e me sinto profundamente honrada em ser comparada aos trabalhadores do Movimento dos Sem-Terra. Até imagino que haja muitas semelhanças entre ambos, como o fato de estarem os servidores públicos há seis anos com os salários congelados e o Movimento dos Sem-Terra há seis anos sem reforma agrária - na verdade, há muito mais tempo que isso. Para mim, como funcionária pública, não é motivo de desonra, mas de honra, ser comparada aos membros de um movimento extremamente importante, que faz a reforma agrária do País diante da inconseqüência, da incompetência do Governo de fazê-lo. O Movimento dos Sem-Terra existe porque o Governo não faz a reforma agrária. O João Pedro Stédile já disse várias vezes: “Querem acabar com o Movimento dos Sem-Terra? Façam a reforma agrária”.

Não se pode acabar com o Movimento dos Sem-Terra à força, na arrogância, na vaidade, esperando que ele evapore. Dessa forma, realmente não se conseguirá. E o que o Presidente da República faz no auge da sua arrogância e vaidade? Para desqualificar o Movimento dos Sem-Terra, compara-o aos servidores públicos deste País, como se esses fossem parasitas. Os servidores públicos trabalham. Os que não trabalham vivem sob as asas paternalistas dos políticos ligados ao Presidente da República ou à base aliada. Com certeza, os servidores públicos trabalham, não são parasitas, recebem pelo trabalho que fazem. O salário que percebem não representa nenhum favor de Presidente, Governador ou Prefeito. Sua Excelência, para desqualificar o Movimento, desqualifica também o servidor público, fazendo uma comparação extremamente pejorativa.

Fica, mais uma vez, o nosso apelo para que o Governo Federal imediatamente restabeleça as negociações e supere o conflito. É até meio ridículo estarmos repetindo isso. Fico realmente impressionada, porque, na quinta-feira passada, tudo poderia ter sido resolvido. As condições apresentadas são as mesmas da semana passada, que haviam sido prontamente aceitas pelo Movimento dos Sem-Terra. No entanto, o Presidente da República, no auge de sua arrogância e vaidade, como não podia mandar os helicópteros fazerem vôos rasantes no Palácio do Governador de Minas, começou a estabelecer cavalos de batalha com o Movimento dos Sem-Terra, coisa realmente ridícula e medíocre, em pleno ano 2000, para uma pessoa da sua idade, que ocupa o seu cargo.

Os trabalhadores que estão nas ocupações querem ir para casa; não gostam de ficar na chuva, no sol, na poeira ou em uma praça, pedindo migalhas para se alimentar. Os outros companheiros que estão no campo estão mandando alimentos, para que sobrevivam. Quem é masoquista e gosta de viver assim? Ninguém. Os trabalhadores querem imediatamente voltar ao campo, aos assentamentos, aos acampamentos, a fim de fazer aquilo que sabem: por meio da agricultura, dinamizar a economia local, gerar emprego, renda, alimentos, para combater a vergonha da fome e não precisar morar nas favelas - embora, hoje, muitos assentamentos sejam verdadeiras favelas rurais. Os trabalhadores rurais querem voltar para a casa, não porque o Presidente da República está batendo pezinho para isso. Eles querem voltar para casa, com a liberação de créditos do custeio e de recursos para os projetos de educação popular a serem desenvolvidos mediante convênios com as universidades. Eles simplesmente querem voltar com as alternativas concretas, ágeis e eficazes, para que possam plantar, porque o calendário agrícola não pode esperar pelas brigas do Presidente da República.

Esse era o apelo que queríamos deixar registrado, Sr. Presidente.


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 4/26/2411:45



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/09/2000 - Página 18829