Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Realização em Belém/PA, no próximo domingo, da festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

Autor
Luiz Otavio (S/PARTIDO - Sem Partido/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Realização em Belém/PA, no próximo domingo, da festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2000 - Página 19847
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RELIGIÃO, AMBITO INTERNACIONAL, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, BUSCA, PAZ, DESENVOLVIMENTO, SOLIDARIEDADE.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, FESTA, CERIMONIA RELIGIOSA, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA).

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LUIZ OTÁVIO (Sem Partido - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, às vésperas do século XXI, o homem continua à procura de novas alternativas de fé para resolver seus problemas existenciais e do cotidiano. Em todos os países e em todas as culturas, a religião é, cada vez mais, uma opção das mais fortes na vida da maioria. Dessa maneira, missas a céu aberto, shows religiosos, encontros em estádios, caminhadas, procissões pela fé, protestos e guerras conseguem atrair milhões de pessoas nos cinco continentes neste final de milênio.

No Brasil, País de grande tradição católica e onde outras religiões e outras doutrinas apresentam nas últimas décadas um crescimento vertiginoso dos seus seguidores, a presença permanente de Deus é incontestável no imaginário coletivo e no cotidiano de todas as classes sociais. Assim, mesmo na diversidade de caminhos que diferencia católicos, ortodoxos, islâmicos, judeus, cultos africanos, doutrinas milenares, seitas ocidentais, filosofias orientais e outros princípios que pregam a total integração do homem com a natureza, a existência de Deus é inquestionável para todos. O ateísmo não encontra significado muito importante para destruir a fé inabalável que quase toda a humanidade tem na existência de uma força onipotente que governa o destino do homem. Portanto, enquanto as religiões se reorganizam, a fé ganha forças às portas do novo século.

São mais de 6 bilhões de adeptos das variadas religiões existentes no planeta. O cristianismo continua sendo o maior dos grupos, com 1,9 bilhão de adeptos, dos quais 1,040 bilhão são católicos. Por sua vez, a religião islâmica conta com 1,3 bilhão de praticantes. Nesse universo, vale ressaltar que os ateus representam 907 milhões, ou seja, menos de 1/6 do total de religiosos declarados.

Nos dias de hoje, em muitas sociedades, a inspiração religiosa continua sendo a força superior que impulsiona o homem mesmo diante da presença do perigo e da morte. Nesses casos, nos confrontos armados encarniçados que terminaram recentemente no Kosovo, na Caxemira, no Timor Leste e na Chechênia, o fator religioso e a fé simbolizaram os estandartes dos exércitos em cada momento das refregas, moveram as tropas em choque e impulsionaram as armas em todas as batalhas convencionais ou nas guerras de guerrilhas. O mesmo acontece nos conflitos endêmicos que colocam frente a frente judeus e muçulmanos no Oriente Médio; ortodoxos, católicos e muçulmanos nos Balcãs; católicos e protestantes na Irlanda do Norte; fundamentalistas islâmicos e muçulmanos moderados no Afeganistão e na Argélia; muçulmanos e cristãos no Sudão; muçulmanos e ortodoxos em Chipre; cristãos e muçulmanos em Nagorno-Karabach; e ateus e budistas no Tibete do Dalai Lama.

Como podemos perceber, o discurso religioso, seja ele cristão, católico, islâmico, hinduísta ou tribal, é o grande fator mobilizador e agregador das multidões. Não importa a região, o país ou a cultura, nesses tempos difíceis em que vivemos, não podemos deixar de admitir que os espaços do poder político e o terreno da racionalidade não conseguiram, até hoje, ofertar ao ser humano a felicidade que ele tanto espera. A última tentativa, por sinal frustrante, sucumbiu com a derrocada do socialismo e com o fim da União Soviética, que deixou atrás de si uma imensa decepção e um enorme sentimento de descrédito em relação às promessas quase divinas de igualdade, liberdade e fraternidade, contidas nas teorias marxistas elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a religião é, incontestavelmente, responsável pelos maiores eventos de massa no Brasil e em toda parte do mundo. Em qualquer Estado de nossa Federação, em qualquer Município, distrito, vilarejo ou localidade situada nos confins do nosso imenso território, a fé e a religiosidade mobilizam milhares de pessoas em qualquer ocasião.

Na Capital do meu Estado, Belém, no próximo domingo, milhões de paraenses virão de todos os recantos e participarão da mais impressionante manifestação religiosa brasileira que ocorre todos os anos, desde 1793 - o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

Desde o início deste ano, o Arcebispado de Belém, a Diretoria da Festa, o Vigário de Nazaré, lideranças comunitárias e milhares de pessoas da comunidade vêm pensando conjuntamente como será o último grande encontro religioso deste milênio em meu Estado. Os seus mínimos detalhes têm sido estudados e já estão quase todos concluídos à espera do grande dia da consagração, da homenagem e do agradecimento.

Essa grandiosa devoção do povo paraense, que une ricos e pobres, raças e culturas diferentes em uma mesma fé e em uma mesma manifestação, teve sua origem há muitos séculos, na própria cidade de Nazaré, na Galiléia, onde foi esculpida a imagem original da Santa, representando a Virgem Maria tendo em seus braços o Menino Jesus. Daí para frente, sua história foi sendo contada através dos séculos, nos cinco recantos da terra, e milagres lhe foram atribuídos.

No século IV, o Monge Ciríaco a entregou a São Jerônimo, em Belém de Judá, que a enviou à África, lá ficando sob a responsabilidade de Santo Agostinho. Mais tarde, já como relíquia, ela chega à Espanha e fica no Mosteiro de Caulina, onde é venerada até o ano de 714. Nesse mesmo ano, com a derrota do exército espanhol frente aos invasores muçulmanos às margens do rio Guadalete, o rei D. Rodrigo de Espanha, em fuga para Portugal juntamente com o abade Romano, levou a imagem, e esta ficou escondida dos muçulmanos em um abrigo de pedras até o ano de 1179.

Segundo documentos históricos, a devoção a Nossa Senhora de Nazaré foi introduzia no Pará pelos padres jesuítas, tendo o culto começado na cidade da Vigia, no século XVII.

Há trezentos anos, segundo consta dos relatos históricos do povo paraense, o lenhador Plácido José de Sousa, humilde homem da floresta, em uma de suas caminhadas pelas cercanias do igarapé Murutucu, encontrou por acaso a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, esquecida talvez por algum devoto oriundo da Vigia. O lenhador, profundamente emocionado com o achado, a levou para sua choupana e lá improvisou um pequeno altar. Todavia, segundo a crença popular, a imagem retornou misteriosamente ao mesmo lugar onde fora encontrada dias antes. O mesmo acontecimento repetiu-se outra vez, desta feita a partir da capela do Palácio do Governo em Belém, apesar de bem guardada pelos milicianos do Governador.

Em 7 de setembro de 1793, nas ruas de Belém, o Governador D. Francisco Coutinho conduziu a imagem da Santa até a capela do Palácio do Governo e, no dia seguinte, uma grande procissão, percorrendo o mesmo trajeto dos dias de hoje, registrava o nascimento do Círio de Nazaré nas ruas de nossa Capital Belém.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, segundo os estudiosos dos grandes fenômenos de massa que ocorrem em nosso País, a grande festa de Nazaré incorpora dois significados sociológicos muito importantes em termos de consciência coletiva. De um lado, existe o aspecto estritamente religioso que diz respeito à fé católica, à crença, à adoração da figura da Santa e ao forte impacto que tudo isso causa nos corações, nas mentes e na própria alma dos religiosos e dos adeptos. De outro, existe o caráter de festa religiosa popular em que as diversas manifestações de nossa cultura e de nossos costumes são expressadas de maneira livre, respeitosa, espontânea e democrática. Portanto, esse é o segundo ato da gigantesca festa devocional.

Por outro lado, aqueles que observam com atenção o desenrolar da festa são perfeitamente capazes de destinguir esses dois momentos em que o comportamento individual e as reações sociais globais se alteram repentinamente. No primeiro ato, o bom observador identifica nos movimentos da massa, nas ondulações humanas e nas faces de cada um, a força dos preceitos religiosos aos quais já fizemos referência. Todavia, no segundo ato, toda a carga emotiva e mística cede lugar à descontração e à leveza nos gestos, nos comportamentos e nas reações.

Inegavelmente, um acontecimento que consegue mudar completamente a rotina de uma sociedade inteira é fundamental para a dinâmica do corpo social. Assim, ao articular elementos simbólicos, um evento como o Círio de Nazaré tem a imensa capacidade de estabelecer uma profunda comunicação com os seus seguidores.

Finalmente, o Círio de Nazaré é um momento extraordinário porque tem o poder de instituir um novo código de comportamento e de fazer com que diferenças precisas entre o natural e o cultural, entre o natural, o social e o sobrenatural, entre as hierarquias sociais existentes e as regras de poder que regem a nossa sociedade diluam-se em um só ato comunitário.

Domingo próximo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aquele que conseguir tocar a corda grossa de sisal de quase 400 metros atrelada à berlinda onde reina a Nossa Senhora de Nazaré, durante a procissão de mais de três quilômetros, em meio à multidão espremida e delirante, não esquecerá jamais do momento privilegiado que lhe permitiu ver, em um só evento, todas as reações sociais em suas mais fortes expressões de fervor. Em síntese, não podemos nos esquecer de que elas constituem parte importante de nossa cultura e da maneira de ser do povo brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2000 - Página 19847