Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o programa de combate ao narcotráfico nas áreas de fronteira, a propósito de artigo do Deputado Edmilson Valentim, publicado hoje no jornal O Globo.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Reflexões sobre o programa de combate ao narcotráfico nas áreas de fronteira, a propósito de artigo do Deputado Edmilson Valentim, publicado hoje no jornal O Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2000 - Página 20068
Assunto
Outros > DROGA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, TRAFICO, DROGA, FAIXA DE FRONTEIRA, MOTIVO, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, EDMILSON VALENTIM, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), APOIO, ELOGIO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.
  • APOIO, DECLARAÇÃO, HELCIO BLACKE ESPOZEL, CONTRA ALMIRANTE, COMISSÃO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, CONFIRMAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, OPERAÇÃO MILITAR, OBJETIVO, COMBATE, TRAFICO, DROGA.
  • ELOGIO, POSIÇÃO, BRASIL, RECONHECIMENTO, AUSENCIA, EFICACIA, UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, REPRESSÃO, TRAFICO, DROGA, COMPETENCIA, POLICIA FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo abordar nesta manhã um assunto que não tem sido objeto de muitas discussões nesta Casa. Poucas vezes temos dedicado os períodos da sessão para discutir a questão associada à segurança e defesa.

Ontem mesmo, Sr. Presidente, já tinha eu a intenção de tratar desse tema, mas faltou-me a oportunidade, o momento mais adequado e oportuno. Havia também a impossibilidade utilizar o tempo de liderança, para o qual não tenho autoridade e nem delegação do Líder do meu Partido.

Hoje pela manhã, li no jornal O Globo um artigo importante do Deputado do Partido Comunista do Brasil, Edmilson Valentim, do Rio de Janeiro, que me mostrou que é importante e necessário repercutirmos esses conceitos, idéias, elementos de análise, principalmente quando há o contraditório, quando há o contraponto, o diálogo ou no mínimo duas opiniões a serem avaliadas e de certo modo confrontadas

Por isso, Sr. Presidente, aproveito a oportunidade desta manhã para trazer a minha opinião, a minha palavra e o meu depoimento a respeito de assunto associado à segurança e à defesa do País, que é o combate ao narcotráfico nas áreas de fronteira.

É importante registrar que anteontem, na Comissão de Desenvolvimento da Amazônia, da Câmara dos Deputados, o Sub-Chefe de Inteligência do Estado Maior de Defesa, o Contra-Almirante Hélcio Blacke Espozel, fez uma exposição clara e precisa a respeito do posicionamento do Brasil. Ele deixou bem claro que o Brasil não permitirá o uso do território nacional para qualquer operação militar relativa ao combate ao narcotráfico. Não porque o Brasil não queira enfrentar de maneira decisiva e contundente o narcotráfico nessas áreas de fronteira amazônica, mas simplesmente porque o Brasil entende doutrinariamente - é uma compreensão conceitual da diplomacia brasileira, das Forças Armadas e do Ministério da Defesa - que o combate ao narcotráfico não é uma questão militar. As Forças Armadas podem oferecer apoio logístico, de inteligência ou de instrução e serviços de comunicação, mas o combate ao narcotráfico é uma questão de natureza policial e deve ser enfrentado utilizando-se toda a sistemática que compete ao sistema repressivo de caráter policial. No caso, a nossa Polícia Federal é quem tem essa incumbência, essa responsabilidade constitucional. Já ficou provado que ao Exército não é dada essa atribuição, porque não dispõe das características, propriedades, qualidades específicas que o combate ao narcotráfico exige.

Ocorreu uma experiência recente no Governo Itamar Franco. S. Exª entendeu que, para combater o narcotráfico nos morros do Rio de Janeiro, era preciso uma operação militar. Apesar do imediato cumprimento da determinação presidencial por parte das Forças Armadas, principalmente do Exército, ficou provado que o Exército não tem treinamento nem adequação funcional para prestar esse tipo de serviço e a operação acaba não sendo bem-sucedida.

Daí por que é muito importante fixar isto com clareza: o Brasil não vai permitir o uso do seu território para qualquer operação militar no âmbito do chamado Plano Colômbia, que visa o combate do narcotráfico via operações militares.

Embora essas áreas ou focos de ações militares estejam a mais ou menos 700 quilômetros da fronteira do Brasil, ainda há uma repercussão física, mediante processos sociais que, de certa forma, vão se desdobrar ao longo do tempo: imigração clandestina; tentativa de arregimentação de indígenas nas áreas demarcadas na fronteira entre o Brasil e a Colômbia; a presença de forças clandestinas do tráfico ou das guerrilhas na fronteira do Brasil para buscar suporte, apoio logístico, alimento, veículos. Enfim, qualquer tipo de necessidade pode determinar o deslocamento na fronteira e, possivelmente, o aumento do tráfego de precursores químicos, que são os componentes utilizados na preparação da droga.

Há quem tema um deslocamento do centros e das bases de produção da droga para dentro do território nacional. Tudo isso pode vir a acontecer. Mas, ainda assim, o Governo brasileiro tem uma posição clara, inequívoca, imperturbável nessa questão: entende que o combate ao narcotráfico não é uma questão militar. Aliás, devo dizer, o Governo tem o apoio do Congresso Nacional, e pelo que observo do artigo do Deputado Edmilson Valentim, do Partido Comunista do Brasil, integrante de uma faixa de oposição dentro do Congresso, esse espectro de apoio é o mais amplo possível.

Entretanto, é preciso deixar bem claro que o Governo brasileiro não é contrário a que a Colômbia tome as suas decisões e se autodetermine soberanamente quanto ao modo pelo qual pretende combater o narcotráfico. A Colômbia acaba de aceitar a presença de Forças Armadas de outro país e o apoio e o patrocínio dos Estados Unidos e da Comunidade Européia. Mesmo que não se integre a essa operação, o Brasil respeita o direito da Colômbia de tomar soberanamente as suas decisões. O governo colombiano - democraticamente estabelecido, eleito pelo voto, legítimo e institucionalmente inquestionável - tem o direito de definir sua política para combater o narcotráfico.

É importante que fique claro que o fato de o Brasil não se integrar a essa operação não nos coloca numa velha posição, no bojo da guerra fria, de antípodas básicos de qualquer ação americana no território sul-americano ou neste hemisfério. Não se trata de uma atitude antiamericanista, de uma atitude antípoda, no bojo do chamado sistema de guerra fria, já inteiramente superado e não mais existente no mundo, mas se trata de um posicionamento doutrinário, diplomático, militar e de defesa e segurança do Brasil.

O Brasil não vê o narcotráfico como uma questão militar, mas sim como uma questão policial. Tem que ser combatido duramente. Todas as medidas mais severas e rigorosas devem ser adotadas, mas está provado e comprovado para nós a inutilidade e a inconseqüência da utilização das Forças Armadas para esse tipo de ação repressiva. Quem está preparado, quem tem toda a formação conceitual, o domínio das formas operacionais de atuação, quem conhece toda a psicologia do narcotráfico e tem, portanto, a tecnologia para esse tipo de ação é a Polícia Federal, e não o Exército ou as Forças Armadas brasileiras.

Elogio e apóio integralmente essa posição do Estado Maior da Defesa no Brasil. Trata-se de posição expressa pelo Subchefe da Inteligência em um depoimento na Câmara dos Deputados anteontem, o Contra-almirante Hélcio Blacker Espozel.

Sr. Presidente, o Brasil tem sido muito criterioso e atuado com muito discernimento em relação ao combate ao narcotráfico; tem sabido fazer escolhas bastante claras dentro de um limite muito estreito de opções, mas tem sido muito firme e decidido nessa questão.

Após o fim da Guerra Fria, após a queda do Muro de Berlim, após a supressão do chamado confronto leste-oeste, os Estados Unidos - repito que não estou elaborando mais um discurso antiamericanista ou supostamente “antiimperialista” que há 10 ou 15 anos poderia fazer, mas tão-somente uma análise doutrinária, técnica, de caráter político, sobretudo político-doutrinário quanto à doutrina de segurança não mais do que a doutrina de segurança e defesa - têm elaborado e difundido no mundo, principalmente no Terceiro Mundo, se essa expressão ainda cabe, nos chamados países em desenvolvimento, países mais pobres, a idéia de que, quando desaparece a Guerra Fria, quando desaparece o confronto leste-oeste, quando desaparece a União Soviética e a possível ameaça de guerra que isso representava, quando deixa de existir, quando se extingue o Pacto de Varsóvia e a Organização para o Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, adquire um novo modelo de atuação que não é mais o do confronto leste-oeste, eventualmente os americanos. Isso tem sido difundido nas universidades, nos fóruns de debate internacional, nos grandes seminários internacionais. Os americanos têm difundido que, com a supressão da ameaça soviética, que não existe mais, já que a União Soviética se extinguiu, surgiram novas ameaças no novo quadro da ordem internacional, que seriam eventualmente capazes de desestabilizar os mecanismos de segurança hemisférica. Dentre elas estaria, primeiro, o narcotráfico, para cujo combate seria necessário empreender uma ação militar, operações conjuntas interfronteiras entre os diversos países, principalmente da América do Sul e, claro, de toda a América Latina, ou seja, acordos operacionais de caráter militar. Essa é a percepção de uma nova ameaça que poderia desequilibrar a estabilidade institucional, a segurança dos países do hemisfério.

O narcotráfico tem sido um tema predominantemente abordado, bem como as ameaças ao sistema ecológico. A ecologia tem sido um tema reincidentemente abordado na análise e na configuração das chamadas novas ameaças. Onde há uma ameaça à tecnologia há uma ameaça também à segurança e à defesa, o que justificaria operações militares conjuntas; ameaças no âmbito dos direitos humanos, no âmbito da guerrilha. Enfim, essa nova doutrina pós-Guerra Fria surge no decaimento dos velhos conceitos geopolíticos, que viam nas ligações de fronteira as ameaças mais iminentes à segurança e à defesa das nações. Também, é claro, substituindo aquela velha doutrina do chamado inimigo interno, quando dentro de cada país os que estivessem associados à União Soviética, portanto, parceiros do comunismo internacional, seriam supostamente ameaças para a estabilidade de segurança e defesa.

Como essa doutrina de segurança nacional está inteiramente superada, não tem mais nenhuma procedência, nenhuma razão de ser, não se justifica, em hipótese alguma, embora em minha opinião nunca tenha se justificado, mas chegou a existir, agora substitui-se essa doutrina por uma doutrina das chamadas novas ameaças. Entre as novas ameaças estaria a chamada questão do narcotráfico.

Felizmente, Sr. Presidente, o Brasil publicou já uma política de defesa nacional, assinada e elaborada por militares brasileiros, técnicos especialistas em defesa e segurança, diplomatas brasileiros, e assumida inteiramente pelo Senhor Presidente da República, que é o Chefe supremo das Forças Armadas brasileiras, segundo a nossa Constituição. Portanto, na sua expressão doutrinária de defesa, o Brasil tem uma outra visão: não vê ameaças imediatas no plano internacional; respeita a autodeterminação dos povos, a soberania da individualidade nacional de cada país; e não vê o narcotráfico como um tema para ação militar, mas, sim, para ação de caráter policial, para ser atacado, combatido, reprimido por ações próprias das instituições policiais de caráter civil.

Entretanto, ao contrário do que muitos costumam fazer, não quero elogiar aqui os Presidentes da Venezuela ou do Peru. Sei que os Partidos de Esquerda o tem feito, e até o Deputado Edmilson Valentim faz um elogio ao Presidente Hugo Chavez, da Venezuela, mas não quero fazê-lo, nem ao Hugo Chavez, nem ao Fujimori, porque suas práticas não foram muito dessemelhantes, têm sido bastante parecidas. Ambos, por meio de um moralismo autoritário, desmontaram as instituições, ou seja, fecharam os Partidos Políticos e o Poder Judiciário, e convocaram uma assembléia constituinte dentro de um clima propiciado por esse moralismo autoritário. Agora, passados mais de dez anos, no Peru, com a chamada “Crise Montesinos, o Sr. Fujimori demonstra a profunda corrupção intestina que houve, e há, no seu Governo, e a insustentabilidade moral do seu velho discurso moralista-autoritário.

Portanto, não aposto no Sr. Hugo Chavez, contrariamente ao que fazem os esquerdistas, como o detentor da consciência e da moralidade das esquerdas continentais. Ao contrário, tenho bastante suspeita, e uma posição de “pé atrás”, desses senhores, porque, geralmente, suas ações vêm acompanhadas da destruição dos Partidos e do desmonte das instituições democráticas, baseadas sempre nessa concepção moralista-autoritária. No entanto, o caso Montesinos mostra que há um recrudescimento da imoralidade com relação ao moralismo que sempre há nas práticas antiliberais - e falo em liberalismo político, não em liberalismo econômico.

Sou um liberal sob o ponto de vista político, e acredito que toda prática antiliberal, em política, tem por trás de si uma profunda imoralidade democrática e ética, como demonstra essa história do Sr. Fujimori, que se vê na obrigação de renunciar depois que as câmaras de televisão do Peru mostraram o seu Chefe de Informação, o Sr. Montesinos, oferecendo dinheiro para deputados votarem no Congresso Nacional. Portanto, eu não faria, como as esquerdas têm feito com tanto entusiasmo, elogios e engajamento com o Sr. Hugo Chavez. Também houve elogios a Fujimori pela renúncia. Disseram que o Presidente da República deveria fazer o mesmo, que bom é o Fujimori e que o Presidente Fernando Henrique deveria seguir o seu modelo.

Longe de nós, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a possibilidade de o Presidente Fernando Henrique ter qualquer semelhança, a mais remota que seja, com o Sr. Fujimori. Sua Excelência desenvolve uma relação diplomática de respeito pela autodeterminação interna do Peru, até devido à necessidade de preservação do equilíbrio e da segurança do hemisfério, pois uma crise militar ou um golpe naquele país seriam desastrosos para o Brasil e para a América do Sul. Por isso, o Presidente Fernando Henrique faz todo o possível para que não haja esse golpe e a ruptura das instituições no Peru. Isso é uma coisa, mas querer que Sua Excelência seja sequer parecido, ou que venha a ter atitudes semelhantes às do Sr. Fujimori, é outra muito diferente, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2000 - Página 20068