Discurso durante a 139ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posicionamento sobre os ideais programáticos do Partido Verde no Brasil. Elogios ao Congresso Nacional pela aprovação, ontem, de crédito suplementar para o Programa Amazônia Solidária.

Autor
Júlio Eduardo (PV - Partido Verde/AC)
Nome completo: Júlio Eduardo Gomes Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Posicionamento sobre os ideais programáticos do Partido Verde no Brasil. Elogios ao Congresso Nacional pela aprovação, ontem, de crédito suplementar para o Programa Amazônia Solidária.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2000 - Página 20853
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, INICIO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO VERDE (PV), SENADO, MANDATO, ORADOR, PRAZO, SUBSTITUIÇÃO, MARINA SILVA, SENADOR, APRESENTAÇÃO, PROGRAMA PARTIDARIO.
  • REGISTRO, HISTORIA, CRESCIMENTO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO VERDE (PV), BRASIL, MUNDO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, MANIFESTO, ANAIS DO SENADO, PRIORIDADE, DEFESA, MEIO AMBIENTE, VIDA HUMANA.
  • IMPORTANCIA, EXPERIENCIA, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO AMAPA (AP), DIREÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • ELOGIO, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, CREDITO SUPLEMENTAR, PROGRAMA, SOLIDARIEDADE, REGIÃO AMAZONICA, BENEFICIO, EXTRATIVISMO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JULIO EDUARDO (Bloco/PV - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ser o primeiro Senador brasileiro do Partido Verde, ainda que por um curto mandato, impõe-me, de início, uma tarefa fundamental na relação com esta Casa, que é a de apresentar o ideário de meu Partido e suas principais linhas de ação.

Certamente V. Exªs conhecem, em termos gerais, a história dos Verdes no mundo, mas gostaria de trazê-la para a realidade política atual de nosso País, até mesmo para expandir um possível campo de alianças que permanece subexplorado, dado o reduzido espaço que ainda ocupamos no debate, nas negociações e na conseqüente identificação de convergências e divergências dentro do espectro partidário.

Sim, o Partido Verde ainda é pequeno, mas as últimas eleições o mostram vivo, dinâmico e disposto a crescer. Por outro lado, o PV já nasceu grande em todo o mundo, dispondo-se a representar uma causa que marca a mais profunda mudança de perspectiva geopolítica e de valores da segunda metade deste século. No mundo da dualidade, da guerra fria, do confronto de megapretensões hegemônicas, a defesa do meio ambiente e da vida mostrou, como nunca antes, os limites naturais e humanos da ideologia do crescimento material, que parecia ser o totem inabalável dos sonhos desenvolvimentistas tanto de capitalistas quanto de socialistas. Não sem motivo, quando da derrocada do socialismo real, para muitos a sociedade organizada segundo os princípios do equilíbrio ecológico passou a ser a grande utopia, um novo patamar nos ideais de um mundo melhor e mais civilizado.

Nada foi tão surpreendentemente novo nas relações internacionais do que a diluição de fronteiras, evidenciada tanto de forma negativa, pela destruição ambiental planetária, quanto positiva, pelo crescimento e consolidação da militância ecologista, demonstrando a viabilidade de um elo objetivo de solidariedade e propósitos comuns, recortando horizontalmente quaisquer categorias e segmentações que possamos imaginar. O desejo de um mundo ecologicamente equilibrado perpassou classes sociais, sexo, raças, nacionalidades, faixas etárias, corporações, religiões, etc., tornando visível, antes que a globalização se tornasse a palavra da moda, a imagem de um mundo globalizado, pluralista, multicultural e solidário.

Ao lado do movimento feminista, o ambientalismo simboliza a força dos novos movimentos sociais que emergiram neste século para demonstrar a incapacidade dos velhos modelos ideológicos, calcados na primazia do econômico, e para darem conta da complexidade de uma sociedade no limiar de grandes transformações que anunciam o longo reinado da era da informação. E dentro do ambientalismo, o pensamento que gerou o Partido Verde traz uma contribuição específica e preciosa: a tentativa de construir espaço para as idéias ecologistas no campo da política, do processo de tomada de decisões.

Esse tem sido um caminho difícil, cheio de armadilhas, que freqüentemente nos coloca diante das nossas próprias contradições e limitações humanas, e até por isso tem se revelado uma escolha consistente e prazerosa. A missão de viabilizar politicamente a ideologia verde não é mesmo algo para se cristalizar no tempo, em uma cartilha ou palavras de ordem estanques. Ela é, na sua essência, a missão de tentar compreender as mudanças e estar sempre à altura dela e não apenas nos planos das grandes idéias. É preciso enfrentar o dia-a-dia, a realidade objetiva na qual o poder da destruição, em todos os sentidos, ainda se deixa ver dominante em cada esquina do mundo.

Lutar para salvar o planeta é uma simbologia integradora que serve para explicar, na verdade, um conjunto de compromissos que envolve uma construção coletiva de longo prazo, uma teia de valores e de atitudes que atinge preconceitos, que incomoda verdades estabelecidas, que propõe o difícil desafio de mudar a partir do cotidiano, que expõe as dificuldades e também as gratificantes vitórias de uma cidadania ativa, que se expressa, local e globalmente, em nome da liberdade, da paz, da ecologia, dos direitos civis, da autonomia, autogestão e de formas alternativas de vida, daquelas dimensões da humanidade que foram abafadas, massacradas por uma visão economicista, materialista e fragmentada do sentido da vida, muito bem expressa pela doença mundial do consumismo.

Temos consciência das dificuldades, mas não desistimos da luta e temos motivos para acreditar que estamos no bom caminho. O Partido Verde nasceu no Brasil, em 1986, para ser um canal de expressão de novas idéias e de novas possibilidades de organizar a sociedade brasileira. Ele pretende contribuir para a formação de um grande movimento ecológico, pacifista e alternativo, capaz de influenciar os destinos do nosso País às portas de um novo século e participar da busca inovadora de soluções para os problemas crônicos que nos afligem há séculos, e também para os novos problemas colocados pela sociedade, quais sejam, aqueles de alta tecnologia e informação, que rearranjam as relações de forma tão abrangente.

Temos ainda outras responsabilidades derivadas do fato de integrarmos o bloco social e político ao qual ainda cabe a denominação de esquerda, pelo que ela significa de luta contra a opressão, a desigualdade, a fome, a miséria, a prepotência das elites, a corrupção, o atraso cultural e o autoritarismo que se recicla, adota máscaras modernizantes, na velha tática de mudar para que tudo permaneça na mesma.

Dessa forma, estamos engajados no conjunto de forças que batalha por objetivos fundamentais em nosso País: a reforma agrária, a efetiva universalização da educação, a universalização de condições mínimas de vida e trabalho, a plenitude das liberdades democráticas e dos direitos humanos.

A política é o instrumento, por excelência, para atingir esses objetivos, mas não apenas a política no plano institucional, no Parlamento ou nos diferentes níveis de exercício da representação pública. Para nós, o campo essencial da prática política é o cotidiano, onde ela deve se entranhar na vida do cidadão, atingi-lo e sensibilizá-lo para as necessidades coletivas, despertar-lhe a consciência de sua força e da força da comunidade. Nesse sentido, estamos ao lado de todas as entidades, organizações populares e movimentos que hoje reacendem a importância de agir no plano local, de dar as mãos para resolver solidária e ativamente os problemas comuns, fazendo com isso a grande revolução silenciosa da cidadania, que, tenho certeza, criará a cultura política de que o Brasil precisa para sair das amarras da dominação das elites que ainda hoje se comportam como se a população brasileira fosse dividida em casa grande e senzala.

Estamos ao lado das lutas de segmentos sociais muitas vezes impropriamente chamados de minorias, como é o caso das mulheres, dos negros e de todos os grupos vítimas da opressão generalizada ou específica que reivindicam o seu direito à diferença. Defendemos uma sociedade cada vez mais descentralizada em todos os níveis, onde nenhum grupo - econômico, político ou cultural - possa impor sua hegemonia ou a de seus interesses sobre os demais; onde nenhum interesse econômico ou político possa continuar devastando a natureza, poluindo o meio ambiente e ameaçando a vida para servir à sua sede de lucro e poder.

Acreditamos que, apesar de tudo, as condições para essas mudanças nunca estiveram tão favoráveis quanto agora e, portanto, o Partido Verde reassume-se como alternativa política para os que acreditam na possibilidade de uma vida digna e de uma nova sociedade. Se em todo o País vemos exemplos da continuidade de métodos atrasados e truculentos de exercício do poder, devemos legitimamente registrar, sem nenhum excesso de otimismo, que temos expressivos exemplos de formação de focos de irradiação que sinalizam para um arejamento social e político tão promissor quanto consistente. Apesar, é claro, dos percalços e do permanente embate com a renitente política tradicional que, por todos os meios, até os mais sórdidos e inacreditáveis, aferra-se ao seu poder conquistado à custa da manutenção do povo em um estado de letargia, ignorância e submissão que explica em boa parte por que um País rico e tão cheio de vantagens naturais comparativas como é o Brasil afunde-se secularmente numa situação de pobreza e de apartheid social inaceitáveis.

Tenho orgulho de afirmar que um desses focos de irradiação de mudança é hoje o Acre, pela ação de uma parte da sociedade que, respaldada no exemplo de lideranças emblemáticas como Chico Mendes, decidiu colocar mãos à obra e está tirando o Estado de uma situação de refém uma política de faroeste que, pela violência com que se tornou tristemente famosa em todo o País e por métodos corruptos de governar, pretendia fazer do Poder Público apenas uma base institucional para estripulias do que chamamos de coronéis de barranco. Hoje, felizmente, o Acre é mais conhecido, nacional e internacionalmente, por ser a terra da Senadora Marina Silva, por ser o Estado onde, na gestão do Governador Jorge Viana, tenta-se viabilizar um modelo de desenvolvimento sustentável baseado na valorização do nosso maior trunfo, que é a Floresta Amazônica e suas riquezas.

Também no Amapá temos uma tentativa semelhante com o Governador Capiberibe que, como todos sabem, paga hoje o preço de sua coragem de enfrentar o crime organizado e a política tradicional do Estado.

Mas tanto no Acre quanto no Amapá, se sofremos revezes e se o caminho é cheio de armadilhas, sabemos também que há uma parte do Brasil e do mundo que nos olha com esperança, nos ajuda e forma conosco a grande rede de mudanças que ora se expressa nas bordas da Amazônia, ora nas grandes cidades, em pequenas e grandes experiências que vão formando a cunha que abre espaços no processo de tomada de decisão e aos poucos desconstrói a hegemonia da política anticidadã, fragmentária e excludente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é o quadro geral de posicionamento do Partido Verde no Brasil hoje. Mas gostaria, ainda, de destacar alguns pontos de nossa identidade partidária, de nossos princípios e programas, calcados em valores fundamentais, como: a ecologia, a cidadania, a democracia, a justiça social, a liberdade, a espiritualidade, o pacifismo, o multiculturalismo, o internacionalismo, o direito ao saber, o municipalismo e, finalmente, a relevância da cidadania feminina.

            Sr. Presidente, o PV faz parte da família política internacional dos Verdes, que cresce em todo o mundo, desde o final dos anos 70. Relaciona-se com essa família com base na autonomia, fraternidade e solidariedade. Propõe-se a desenvolver estratégia conjunta e atividades coordenadas em favor de seus valores e princípios, atuando como canal de ação política, no campo institucional, para servir ao ambientalismo, sem pretensões hegemônicas ou instrumentalizantes. Participamos, por meio de nossos militantes, dos movimentos sociais, culturais e das organizações não-governamentais.

Dediquei-me hoje a tratar da identidade de nosso Partido, pois tenho esperança de que ela continue sendo a face de uma causa capaz de mobilizar os sentimentos, os valores, o desejo de uma vida melhor e de um avanço civilizatório que reside na maioria dos seres humanos. Essa é, portanto, a foto ampliada de nossos propósitos, que se desdobram em análises e propostas para questões específicas que se colocam para nosso País com urgência, às vezes, dramática. Poderia citar o caos das cidades, que demanda grande esforço teórico e prático de ecologia urbana. O caso da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do cerrado e outros ecossistemas fundamentais que exigem criatividade, honestidade e empenho para evitar que sejam imolados à ganância imediatista e cega. Citaria, também, o dilema nuclear brasileiro, uma herança infeliz da ditadura militar, fonte de enorme desperdício de recursos e riscos ambientais, plantada como um fantasma a emperrar o debate necessário e inadiável sobre nossa matriz energética. Há, ainda, a situação crítica das águas, que merece a prioridade de meu Partido e a minha, pessoal.

Enfim, voltarei a esta tribuna em outras ocasiões para tratar desses problemas de maneira mais aprofundada, esperando obter a compreensão e o apoio de meus pares para que mantenhamos à tona essas discussões que sonhamos ver difundidas por toda a nossa sociedade. Cada vez menos como um assunto da seara do Partido Verde e dos ambientalistas, cada vez mais um objetivo estratégico dos brasileiros, uma sinalização saudável de que um dia seremos, de fato, a nação do futuro. Não do futuro megalomaníaco do poder e da imitação de um estilo de desenvolvimento consumista e predador, mas o futuro no qual cada ser humano possa desfrutar das condições básicas para que possa aspirar a ser feliz, como cidadão de um país e como habitante de nossa grande casa comum, a Terra.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JULIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Concedo o aparte a V. Exª, com muita satisfação.

O Sr. José Roberto Arruda (PSDB - DF) - Senador Julio Eduardo, desejo dar-lhe as boas-vindas nesta Casa. Quero cumprimentá-lo especialmente pelo discurso de V. Exª - embasado, conceitual, relatando o conteúdo programático da linha ideológica a que V. Exª se filia -, que enriquece esta Casa. Os ideais de V. Exª, na verdade, são os de todos nós. Muitas vezes, os Srs. Senadores buscam ideais comuns por caminhos diversos, mas todos desejamos uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais preservada. Que a discussão desses ideais e desses programas partidários seja realizada nesta Casa. Pelo conteúdo do discurso de V. Exª - que me trouxe ao plenário para aparteá-lo -, não tenho dúvida de que a presença de V. Exª enriquecerá o debate nos planos intelectual e político. Conte com a nossa atenção, com o nosso respeito, com as nossas eventuais discordâncias, sempre respeitosas, e, mais do que isso, com o nosso desejo de buscar convergências para que, juntos, possamos contribuir com o País a que servimos. Seja muito bem-vindo.

O SR. JULIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Senador José Roberto Arruda, fico muito agradecido pelo aparte tão elogioso. Gostaria de manifestar minha certeza de que o crescimento do Partido Verde no nosso País e no mundo deve-se à essência de seu conteúdo programático e à solidariedade de outros partidos e de outros movimentos que têm uma causa comum: a saúde do Planeta. Portanto, muito obrigado pelo elogio e pelo aparte.

Sr. Presidente, peço a autorização de V. Exª para que o Manifesto do Partido Verde conste dos Anais desta Casa.

Para finalizar, gostaria de elogiar o Congresso Nacional pela aprovação, ontem, de um crédito suplementar para o Programa Amazônia Solidária. Faço esse elogio em nome de mais de 50 mil extrativistas da Amazônia como um todo - do ocidente ao oriente - que aguardavam esse crédito há quase um ano. Estendo os elogios e agradecimentos ao Ministro do Meio Ambiente, à Drª Mary Helena Allegrett e ao Diretor da ANA, Dr. Lauro Figueiredo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

 

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JULIO EDUARDO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2000 - Página 20853