Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Participação no Seminário Sobre Pobreza e Desenvolvimento, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil e do Banco Mundial, em Fortaleza, dia 20 próximo passado.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Participação no Seminário Sobre Pobreza e Desenvolvimento, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil e do Banco Mundial, em Fortaleza, dia 20 próximo passado.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2000 - Página 21001
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, POBREZA, DESENVOLVIMENTO, REALIZAÇÃO, BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), BANCO MUNDIAL, MUNICIPIO, FORTALEZA (CE), ESTADO DO CEARA (CE).
  • GRAVIDADE, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, MISERIA, REGIÃO NORDESTE, ANALISE, POSSIBILIDADE, COMBATE, POBREZA, ESTABILIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, POLITICA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REFORMA AGRARIA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, CREDITOS.
  • REGISTRO, INEFICACIA, GASTOS PUBLICOS, POLITICA SOCIAL, BRASIL, ANALISE, EXPERIENCIA, BOLSA DE ESTUDO, RENDA MINIMA, FAMILIA, VINCULAÇÃO, PERMANENCIA, FILHO, ESCOLA PUBLICA.
  • NECESSIDADE, POLITICA NACIONAL, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, participei, dia 20 de outubro p. passado, em Fortaleza-Ce, do Seminário Sobre Pobreza e Desenvolvimento, uma iniciativa do Banco do Nordeste do Brasil - BNB e do Banco Mundial.

Tive a oportunidade de fazer parte das discussões na sessão O Ataque à Pobreza no Nordeste: Desafios e Opções, presidida pelo Sr. Gopind Naukani, Diretor do Banco Mundial, contando, também, com as participações dos senhores Jorge Jatobá, Secretário de Planejamento do Estado de Pernambuco; César Fortes, Secretário de Planejamento do Estado do Piauí e Luís Carreira, Secretário de Planejamento do Estado da Bahia.

Hoje gostaria de trazer a este plenário alguns dos pontos ali abordados.

O tema que estamos a debater é complexo e vem desafiando gerações de cientistas e quadros políticos: o ataque à pobreza no Nordeste, esta região que apresenta a situação mais crítica, a esse respeito, no quadro nacional. Afinal, dados recentes indicam que, aqui, 60% da população encontra-se abaixo da linha de pobreza, contra apenas 20% na região Sudeste. A situação é mais grave nas áreas rurais e atinge, como no resto do país, com mais intensidade os mais jovens e os não brancos. Importa ressaltar que a magnitude do problema é significativa à luz de qualquer comparação internacional e resiste, há décadas, a intenção manifesta dos governantes de procederem a sua superação.

Minha intervenção será breve, centrada num número limitado de pontos que considero de relevância para o debate, dividindo a questão em dois grandes grupos.

Em primeiro lugar, observo algumas premissas de que o debate acadêmico e técnico dos anos recentes vem tornando consensuais. A experiência acumulada de intervenções no combate à pobreza, por parte de agências governamentais, organizações sociais e organismos multilaterais, bem como a reflexão produzida por essas experiências, levou a concluir pela necessidade de determinados requisitos para a superação do problema. Apresentarei aqueles entre esses requisitos que julgo mais importantes.

No entanto, nosso tema não é o combate genérico à pobreza, com abstração de coordenadas espaciais e temporais. Sequer debatemos o combate à pobreza no Brasil. Nosso tema é ainda mais restrito: as formas de superar a pobreza na região do país mais afetada por ela, o Nordeste. Para tanto, necessitamos adicionar às premissas de cunho mais geral, as particularidades - econômicas, sociais e ecológicas - da região. Em outras palavras, que é adicionado à regra geral em virtude da singularidade nordestina? Com a consideração de algumas dessas especificidades concluo minhas colocações.

Um primeiro grupo de premissas, tradicionalmente denominadas de estruturais, transcende os limites da região e tem como universo a coletividade política maior que engloba as diferentes regiões, o Estado-nação, no caso o Brasil. Trata-se simplesmente de estabilidade e crescimento econômico. No primeiro desses requisitos, nossa posição, após um longo período inflacionário, é satisfatória. O Plano Real foi, comprovadamente, a política pública de maior alcance no sentido da redução da pobreza o País. Entre 1990 e 1996, o número de indigentes - aqueles cuja renda não é suficiente para a satisfação de uma necessidade básica, a alimentação - passa de 33 para 21 milhões. No entanto, o impacto do plano no número de pobres restringiu-se a essa redução. Desde então encontra-se em andamento um processo de crescimento vegetativo da pobreza.

No que concerne ao segundo requisito, no entanto, nossa posição é francamente desfavorável. O sucesso do Plano de estabilidade não se fez acompanhar da retomada de taxas de crescimento próximas à média do século XX, pelo menos até a estagnação da década de 1980, conhecida como perdida: 7% ao ano. O desmonte dos gargalos políticos, econômicos e materiais que tolhem o crescimento do país é base fundamental para o combate à pobreza no Nordeste. A economia precisa crescer, gerar a renda de que precisamos para elevar o nível de vida da população, para fazer a população pobre atravessar a linha no rumo de uma situação de renda suficiente ao atendimento de suas necessidades.

Sabemos, no entanto, que estabilidade e crescimento são condições necessárias, porém não suficientes. O Brasil cresceu a taxas muito altas em períodos recentes e a pobreza, ao invés de diminuir, expandiu-se. A crença ingênua na distribuição automática, por mecanismos de mercado, dos benefícios do crescimento esvaneceu-se. É consenso, hoje, que políticas públicas de caráter distributivo são ingrediente também fundamental na receita da superação da pobreza.

É o que se verifica na região do planeta que melhores resultados apresenta nas três últimas décadas, o sudeste asiático. Coréia do Sul e Taiwan, principalmente, e Malásia, Indonésia, Tailândia e Filipinas encontravam-se em situação semelhante à do Nordeste há vinte ou trinta anos. Hoje apresentam indicadores superiores às médias brasileiras e mesmo às das regiões mais favorecidas do país.

Qual a receita fundamental? Além das evidentes diferenças que separam esses países, em termos de modelos políticos e de desenvolvimento, observamos um traço comum, a ênfase nas políticas de distribuição de determinados ativos, como terra, educação e crédito.

Esses países promoveram políticas de distribuição da terra, de reforma agrária, algumas muito radicais. Proveram sua população da educação considerada fundamental, a universalização do primeiro e, tendencialmente, do segundo grau. Criaram mecanismos de crédito popular, dotados de recursos suficientes e carentes de burocracia. É claro que foram beneficiados por um movimento de expansão de capitais, particularmente japoneses, que possibilitou ciclos de crescimento econômico. Mas é igualmente certo que as políticas distributivas foram fundamentais, não só para traduzir esse crescimento em redução da pobreza, mas para tornar viável a localização do capital nesses países.

Como avaliar a situação do Brasil, em particular do Nordeste, no que se refere a políticas dessa ordem? Creio ser forçoso reconhecer de um lado, os avanços conseguidos, de outro, sua evidente insuficiência. Conforme o Ministério da Educação, o país encontra-se próximo de universalizar o acesso ao ensino de primeiro grau. Próximo a 98% das crianças em idade de cursá-lo encontrar-se-iam matriculadas. O progresso dos últimos anos é enorme, sem dúvida. No entanto, persistem problemas graves de repetência, de qualidade do ensino, para não falar da evidente insuficiência de nosso segundo grau em absorver, de imediato, o crescimento vertiginoso da demanda dos egressos do primeiro grau. Com tudo isso, o fato é que o número médio de anos de estudo do brasileiro é aproximadamente cinco, bastante inferior ao que se verifica no sudeste asiático e mesmo entre alguns de nossos vizinhos sul-americanos. Nas novas condições impostas pela revolução técnica e científica, o crescimento econômico sustentado exige progressos substanciais e rápidos na educação do brasileiro, particularmente do nordestino.

A mudança na estrutura da propriedade fundiária acelerou, da mesma forma, seu ritmo nos anos recentes. É conhecido o fato de o atual governo haver assentado mais produtores rurais que a soma de todos os assentados por seus predecessores. No entanto, o número de famílias demandantes, atual ou potencialmente, de terras, continua, no Nordeste, alto. O processo deve, portanto, prosseguir, tendo como norte o assentamento do maior número de famílias compatível com um patamar tecnológico minimamente competitivo. Definido, a partir desse patamar, o módulo familiar desejável, a meta deve perseguir o maior número possível de assentados.

Apresentei, de maneira sucinta, fatores de estabilidade e crescimento econômico, assim como fatores referentes a políticas de caráter distributivo. Abordarei agora um terceiro grupo de fatores, materializados nas políticas públicas voltadas especificamente para a população pobre, em seu conjunto ou para um de seus segmentos.

Uma primeira aproximação a essas políticas pode ser feita a partir da perspectiva do chamado gasto na área social. Embora nem todo gasto social tenha a população pobre como alvo exclusivo, parece claro que a comparação internacional permite mensurar o montante despendido em cada país e aferir a eficiência de cada investimento.

Pois bem, o Brasil gasta, conforme estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA, cerca de 20% do Produto Interno Bruto - PIB na área social. Esse percentual é o mais elevado da América Latina, o que implica admitir que países com desempenho superior ao nosso, em termos de combate à pobreza, gastam, proporcionalmente, menos. Nosso gasto social é menos eficiente, ao que tudo indica por concentrar-se na população menos pobre, quando não nas classes médias. As políticas públicas de forma geral apresentam um viés excludente, pois, quando se trata de alcançar os pobres e indigentes, mostram-se inoperantes. Uma vez que a população pobre tem significação maior, como vimos, na região Nordeste, a correção desse viés social revestir-se-ia de claras implicações em termos de desequilíbrios regionais.

Passemos às políticas, enquadradas na rubrica do gasto social, voltadas de forma explícita para a população pobre. Não há dúvida que o destaque dos anos recentes cabe à iniciativa de organização e coordenação de esforços representado pelo Programa Comunidade Solidária, do Governo Federal. Trata-se fundamentalmente da canalização de recursos de ações existentes para o conjunto de municípios mais pobres do país. O trabalho concentra-se nas áreas de redução da mortalidade infantil, apoio ao ensino fundamental, apoio à agricultura familiar, geração de emprego e renda, qualificação profissional e desenvolvimento urbano. É de notar o fato de o Nordeste haver absorvido perto de 40% dos recursos mobilizados pelo referido programa.

Não é possível deixar de mencionar o impacto sobre a pobreza ocasionado pela mudança nas regras da Previdência Rural. As mudanças indicadas na Constituição, implementadas a partir de 1992, incluíram no sistema previdenciário os produtores rurais familiares, em razão de idade ou invalidez. Cerca de dois milhões de beneficiários foram incluídos, sem contribuição prévia. O programa tem efeito claro de distribuição de renda. No entanto, não pode ser visto como simples assistência ao idoso do meio rural. Os beneficiários continuam ligados à produção familiar e os recursos recebidos não se destinam exclusivamente a consumo pessoal, mas parte toma a direção de investimento produtivo, mediante compra de insumos ou animais.

Nos anos recentes, uma experiência particular tem-se disseminado pelo país. A entrega de um montante de renda às famílias carentes em troca da manutenção dos filhos na escola e de um desempenho satisfatório de sua parte. Diversas variações desse contrato, denominado popularmente de bolsa-escola, vêm sendo implementadas por governos municipais e estaduais, além do governo federal. É de se notar que políticas desse gênero, que buscam ensinar a pescar no momento em que dão o peixe, transcendem também o espaço do simplesmente assistencial.

Em suma, nessa abordagem sumária de princípios de consenso, estabelecidos mediante experiência e discussão internacional, entremeada com o relato de suas aplicações na realidade brasileira, podemos ressaltar três momentos:

-     estabilidade e crescimento econômico são igualmente importantes no combate à pobreza, sendo impossível sacrificar por muito tempo um desses objetivos em benefício do outro;

-     condição igualmente importante é a implementação de políticas que tenham como resultado a distribuição de ativos, particularmente educação e terra;

-     ações nas direções mencionadas exigem um tempo de maturação para apresentar resultados, donde a necessidade de implementação simultânea de políticas de complementação de renda, de preferência associadas a uma contrapartida em termos de educação.

Nesse quadro, que está ao alcance dos governos, estaduais e municipais, do Nordeste? A manutenção da estabilidade é tarefa de âmbito nacional, mas estados e municípios podem e devem dar a sua contribuição em termos de responsabilidade fiscal. Trata-se de gerir de maneira confiável o recurso público, evitando desvios e desperdícios e abolindo o recurso fácil ao endividamento irresponsável.

Da mesma forma, os determinantes do crescimento estão além da decisão de estados e municípios. Entretanto, decisões nesses planos podem gerar e favorecer pólos regionais de desenvolvimento, um aporte positivo ao desenvolvimento nacional.

No que respeita às políticas distributivas aqui mencionadas, a educação parece ser o setor no qual a contribuição dos governos regionais parece mais importante. A universalização do ensino de primeiro e segundo graus, a elevação da qualidade a resultados satisfatórios, são objetivos ao alcance exclusivo da esfera estadual. Digo, com isso, que a colaboração da União, embora sempre apreciada, não é indispensável à sua consecução.

Tratando de reforma agrária, tema que a Constituição reserva à ação do governo federal, alterações recentes na legislação facultam a participação, em parceria, de estados e municípios. Também aqui, portanto, os governos da região Nordeste dispõem de espaço significativo para contribuir na intensificação nos esquemas de reestruturação fundiária vigentes.

Mencionamos algumas possibilidades de ações que respondem a diretrizes de caráter geral, aplicáveis tanto ao Nordeste quanto a situações de quaisquer outras partes do mundo. Não gostaria de finalizar minha apresentação sem registrar particularidades da região que determinam, de alguma maneira, a aplicação dessas diretrizes. A primeira questão a ser considerada é a desigualdade regional que vigora no Brasil. Tal situação não deve ser compreendida de maneira estática e descritiva. Não se trata de simples diferencial de oportunidades entre Norte e Sul, tampouco de diferenças de capacidade das elites das diferentes regiões para o aproveitamento dessas oportunidades. Se assim fosse, a solução do problema seria relativamente simples. Há, na verdade, todo um processo em operação, que atua no sentido de potencializar essas desigualdades. Capital, trabalho e outros recursos, se deixados ao sabor da racionalidade individual, tendem a fluir para os pólos que já concentram capital, trabalho e recursos. Políticas públicas fazem-se necessárias, portanto, para reverter essa tendência e construir uma eqüidade mínima. O combate à pobreza no Nordeste depende, sem dúvida, de ações a serem empreendidas por dirigentes regionais. Uma política nacional de combate ao desequilíbrio entre regiões é, no entanto, ingrediente igualmente indispensável numa estratégia maior de enfrentamento da questão.

A segunda especificidade nordestina reside nas limitações severas que o ambiente impõe ao desenvolvimento. A maior parte da área geográfica do Nordeste encontra-se no semi-árido, ecossistema particularmente frágil, em razão da insuficiência periódica de chuvas. A agropecuária, a agroindústria, mesmo o estímulo à interiorização de pólos de desenvolvimento local, o desenvolvimento das cidades de pequeno e médio porte, tudo isso demanda a observância de limites bastante estreitos de ação. Uma dose maior de planejamento, de orientação consciente por parte do Estado, de maneira a estabelecer as linhas de ação possíveis, sempre fiscalizando seu cumprimento, é indispensável.

Essas são as considerações que julgo necessário trazer ao nosso debate.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2000 - Página 21001