Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a necessidade de reforma político-partidária.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Considerações sobre a necessidade de reforma político-partidária.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2000 - Página 21896
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, PAIS.
  • IMPORTANCIA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE AGRIPINO, SERGIO MACHADO, SENADOR, EXTINÇÃO, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, EXCESSO, PARTIDO POLITICO, PROIBIÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, SISTEMA PROPORCIONAL, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, FIDELIDADE PARTIDARIA, GARANTIA, VOTO, LEGENDA, PARTIDO POLITICO.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, LIDERANÇA, CONGRESSO NACIONAL, MOBILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, REFORMA POLITICA, VIABILIDADE, ORGANIZAÇÃO, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, RESTAURAÇÃO, CONFIANÇA, POLITICO.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o aproveitamento das boas oportunidades é fundamental na vida política; todos sabemos disso aqui nesta Casa. Digo isso a V. Exªs a propósito da oportunidade que se aproxima, com o fim das eleições municipais, de realizarmos finalmente a reforma político-partidária que a Nação tanto reclama.

O tema já parece maduro e a ocasião é propícia. Os consensos começam a se formar e a pressão da opinião pública recomenda que o assunto não seja mais postergado. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso já expressou o seu desejo de ver a reforma feita, e esta seria, sem dúvida nenhuma, uma boa obra para acrescentar à sua biografia.

Também aqui no Congresso tem havido variadas manifestações a esse respeito e não nos faltam bases nem caminhos para concretizarmos a reforma partidária. É preciso tornar a vida política nacional mais saudável. É fundamental tornar mais efetiva a representação dos anseios da população e fazer com que os partidos sejam mais orgânicos, mais vivos e mais capazes de empolgar a sociedade, não só pela expressão das suas idéias, como pela sua capacidade de materializá-las. É necessário tornar a política nacional menos personalista, reduzindo os efeitos nefastos dessa prática. Só assim seremos capazes de construir um País melhor e mais justo.

Falava eu dos caminhos e das bases necessárias à reforma política. O tratamento desse tema já está em estágio bastante avançado, graças ao trabalho realizado pela Comissão Especial do Senado, na Legislatura passada, tendo como Relator o eminente Senador Sérgio Machado.

O assunto foi exaustivamente debatido pelos Srs. Senadores que integraram a Comissão, com a participação de representantes dos partidos políticos, do Governo e da Justiça Eleitoral. Dentre outras figuras ilustres, foram ouvidos pela Comissão o Vice-Presidente da República, Marco Maciel; o Ministro Nelson Jobim, hoje do Supremo Tribunal Federal, mas, à época, Ministro da Justiça; o então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Mário Velloso; e os Governadores Mário Covas, Antônio Brito e Cristovam Buarque.

A Comissão diagnosticou como principal problema da vida política nacional - vejam bem! - a fragilidade dos partidos políticos brasileiros. “A nossa legislação tem conduzido, sempre, ao enfraquecimento dos partidos e ao reforço da atuação individual”, incluiu o Relator, Senador Sérgio Machado.

Como bem disse à Comissão o Governador Antônio Brito, o aparato político-partidário, gerado pela Constituição de 1988, dificilmente conseguirá viabilizar a organização de maiorias, a expressão da maioria organizada e a gestão da coisa pública, segundo as necessidades do País.

"... qualquer período pós-eleitoral neste País é um período em que a fragilidade das instituições permanentes, especialmente dos partidos, se encarrega de fazer com que a maioria organizada na eleição tenha a duração de um, dois ou três meses. É um espetáculo curioso deste País quando, em qualquer país do mundo, o grande produto decorrente da eleição é a definição de uma maioria e dos compromissos dessa maioria com um determinado programa de ação em relação à população”, destacou, na época, para a Comissão, o Governador gaúcho.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, grande parte da descrença da população em relação à classe política nasce daí. O seu voto não se traduz em resultados concretos que melhorem a sua vida ou mudem o que ela deseja ver transformado.

E não apenas isso. Por falta de organicidade dos partidos, ao votar, a população não está escolhendo um programa de ação que deseja ver cumprido e não poderá, portanto, cobrá-lo de seus representantes no futuro. Mais ainda, tornam-se grandes as dificuldades de entendimento político para o objetivo maior de gestão da coisa pública. Prevalece o fisiologismo e não os consensos ou divergências sobre o que seja melhor para o País. Com isso, o Brasil não avança e não se resolvem os grandes problemas nacionais, a maioria dos quais já ficou crônica. Assim, parece não restar dúvida de que é imperioso o fortalecer os partidos políticos.

A legislação atual, criada com a Constituição de 1988, em momento político presidido pela necessidade de reconstruir a democracia no País, depois de vinte anos de regime autoritário, é fruto daquela circunstância. Foi elaborada com o objetivo de privilegiar a mais absoluta liberdade de organização e de manifestação política, depois de prolongado jejum. Buscou-se à época conceder todas as facilidades para a oxigenação da vida democrática, estimulando-se ao máximo a sua participação. O resultado, como se vê, hoje, é pouco operacional, podendo-se dizer mesmo que se esteja se transformando num atraso para a vida política do País. É tempo, portanto, de termos a coragem necessária e enfrentarmos essa urgente tarefa.

De início, vejo como fundamental sanear o mundo partidário, acabando com a possibilidade de se criar as chamadas "legendas de aluguel", o que gerou um número excessivo de partidos políticos. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados, já aprovado pelo Senado Federal, na forma do Substitutivo do Senador Edison Lobão, projeto de autoria do Senador José Agripino, vedando o acesso de partidos que não tenham caráter racional ao fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita. O projeto preserva os pequenos partidos com identidade ideológica, mediante a criação do instituto da federação de partidos, que os agruparia, por afinidade ideológica, em blocos partidários.

Outro Projeto de Lei importante para o fortalecimento dos partidos é o que veda coligações nas eleições proporcionais, de autoria do Senador Sérgio Machado. Além de tender a enxugar o espectro partidário com o passar do tempo, a proibição de coligações nas proporcionais também ajuda o fortalecimento de tendências ideológicas e doutrinárias dos partidos, que terão que assumir posições mais claras e definidas perante o eleitorado. Também aprovado pelo Senado, esse Projeto, Sr. Presidente, está atualmente em exame pela Câmara dos Deputados.

Finalmente, vem o que, na minha opinião, constitui-se num dos fundamentos para o fortalecimento dos partidos e num estímulo à sua maior organicidade e afinação ideológica. Refiro-me à fidelidade partidária. Os covardes, em nome de interesses pessoais e particulares, não hesitam na mudança, atraiçoando todos aqueles eleitores que lhes concederam o voto na sua legenda. Quantas apunhaladas, de forma covarde, os partidos sangram em muitos momentos pelo Brasil afora?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda na metade da presente Legislatura, estima-se que quase duzentos deputados federais já tenham mudado de partido. Troca-se de partido, no Brasil, como se troca de roupa, quando se tem. Ora, o sentido da eleição proporcional é exatamente o de conferir votos ao partido e não aos candidatos. Assim, o mandato é da legenda e não do candidato, já que este é eleito com a ajuda daquela agremiação e de todos os outros candidatos representados pela sigla. Defendo, portanto, que a infidelidade partidária resulte, pura e simplesmente, na perda do mandato.

Concedo o aparte, mesmo que não solicitado explicitamente, ao Senador Ramez Tebet, já que, pelo olhar, está claro que S. Exª deseja apartear-me neste pronunciamento.

           O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª percebeu bem a minha intenção, que, agora, transformo em realidade. Contudo, não quero que este aparte seja um transtorno ao raciocínio que V. Exª tão brilhantemente desenvolve na tribuna ao discutir hoje o que devemos discutir a todo momento, segundo meu entender. Devemos travar essa discussão até que se concretize a reforma partidária concomitante com alguma mudança na legislação eleitoral, a fim de que possamos realizar algo que estamos debatendo desde que chegamos ao Senado da República, sem que, até agora, nenhuma dessas propostas, que V. Exª com tanto brilhantismo defende tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional. A reforma partidária é indispensável - e o é até no seu nascedouro, Senador Gilvam Borges. Veja bem V. Exª que há centenas de partidos neste Brasil. E como não haveria de existir se, para se formar um partido no Brasil, basta que se armem as chamadas comissões provisórias, com 5, 6 ou 7 pessoas até da mesma família? A pessoa se torna, assim, dona do partido. Como muito bem salienta V. Exª, o excesso de partidos resulta no troca-troca, na constituição das legendas de aluguel, influi no tempo de televisão e provoca uma verdadeira bagunça no ordenamento partidário do País. V. Exª fere assuntos concretos: proibição de coligações partidárias nas proporcionais, o princípio da fidelidade partidária, o qual, especialmente, mais assusta o eleitorado brasileiro por se constituir num verdadeiro desrespeito à delegação que o povo outorgou ao candidato. Sem consulta alguma, o político muda de partido, deixando seus eleitores ao léu. Muda, deixando seu partido e a quem ele deve os votos. Às vezes, frise-se, o candidato é eleito com a sobra partidária; ainda assim, ele promove uma alteração inopinada na representação da sua agremiação junto ao Poder Legislativo, a par da perplexidade que causa em seus eleitores, o que se constitui numa verdadeira traição - desculpe-me V. Exª a força da expressão. Neste aparte, parabenizo V. Exª por estar discutindo a matéria e ferindo-a dentro de princípios que todos nós reconhecemos, mas ainda não votamos. E urge votar isso! Se fizermos aqui uma enquête entre os Senadores, verificaremos que todos são a favor de se estabelecer um regime para a fidelidade partidária, todavia isso não acontece. É preciso que realmente aconteça aquilo que estamos discutindo, como faz V. Exª hoje, com elegância, com brilhantismo e com muita propriedade. Meus cumprimentos a V. Exª.

           O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP) - Agradeço o aparte de V. Exª., Senador Ramez Tebet, que é também um profundo conhecedor da matéria, e dou continuidade ao meu pronunciamento.

           Está em tramitação no Senado Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do Senador Sérgio Machado, que institui a perda do mandato por troca de partido e também pune violações graves da disciplina partidária, entendidas como aquelas que agridam o estatuto do partido ou deliberações de convenções partidárias. Neste último caso, a punição se estende também aos Chefes de Poder Executivo.

           Ora, se o partido reúne, discute, então a maioria decide que determinada matéria de interesse nacional tenha uma determinada posição na defesa em plenário, na votação, não tem por que os companheiros, os militantes, os representantes deste partido ficarem contra.

           O que observamos aqui é que às deliberações partidárias há defecções, há indisciplina, há desrespeito e não se pode fortalecer o partido como se deveria.

           Outro problema do sistema eleitoral brasileiro, de listas abertas para as eleições proporcionais, que só encontra similar na Finlândia, é que ele estimula a infidelidade, já que as lideranças partidárias tendem a buscar sempre três tipos de candidatos, considerados bons de votos para suas hostes: os representantes de categorias profissionais, de confissões religiosas e apresentadores de rádio e televisão. Eleitos, esses políticos terão compromisso com suas categorias, com suas confissões ou com eles mesmos, nunca com os partidos que lhes forneceram uma legenda para disputar as eleições, atrás de seus votos.

           Além disso, esse sistema também traduz outro prejuízo: faz com que a disputa eleitoral se dê dentro do partido, na medida em que os eleitos do partido são os mais votados do partido. Assim, os candidatos da mesma agremiação se digladiam, o que mina a coesão partidária, em vez de fortalecê-la, numa lógica perversa.

           Assim, se é importante a instituição da fidelidade partidária, também é necessário abandonar o sistema atual de listas abertas. Nesse sentido, os trabalhos da Comissão Especial do Senado, a que já aludi, recomendaram a introdução do sistema distrital misto como o mais vantajoso. Outros apontam o sistema de listas fechadas como o mais indicado, mas o importante é sair do sistema atual, medida fundamental para o fortalecimento dos partidos.

           Há, enfim, como se vê várias proposições em tramitação que se completam, se complementam e tendem a fortalecer os partidos, tornando-os agremiações mais ideológicas, mais comprometidas com programas que, por sua vez, representariam o compromisso do partido com o seu eleitorado.

           A escolha do eleitor, aconteceria, então, em relação a programas que podem ser cobrados depois. Com isso, os partidos se fortaleceriam e seriam, efetivamente, agentes da vontade política de seus eleitores, atuando como representantes do povo na busca de soluções para os seus problemas.

           Como se vê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as alternativas são muitas, e é certo que o modelo está esgotado e não podemos ter medo de alterá-lo. A Nação exige isso de nós. O desenvolvimento do País está indissoluvelmente associado a essa reforma, vista por muitos, mesmo, como a mãe de todas as reformas.

           Não podemos nos omitir! É chegado de fato o momento de agir, sob pena de granjearmos o mais absoluto descrédito para a classe política nacional. O eleitorado brasileiro está maduro e pede soluções, e o nosso País precisa que as encontremos, para que ele possa ir ao encontro de seu inescapável destino de grandeza.

           Sr. Presidente, concluo meu pronunciamento, fazendo um apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, Chefe Maior do Poder Executivo; ao Presidente do Congresso, o Presidente desta Casa; ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer; e ao nosso colegiado de Líderes, para que se mobilizem imediatamente. Estamos perdendo muito tempo. O Presidente Fernando Henrique Cardoso será agraciado e reconhecido pela história como homem que implementou todas as reformas necessárias para ajustar o País a este novo mundo moderno e informatizado da reforma da Previdência, da reforma administrativa e, agora, da reforma política e da reforma tributária.

           Portanto, Sr. Presidente, fica o apelo aos Líderes que têm o poder de alavancar e botar em pauta as reformas para que possamos trabalhar, pois faltam dois anos para outro pleito eleitoral. Precisamos organizar o País e os partidos, fortalecê-los e restaurar a credibilidade dos homens públicos.

           Agradeço a atenção de todos. Que Deus nos abençoe e nos proteja para que possamos fazer este País forte economicamente, forte política e eticamente, forte na pujança de um modo geral. Este País é maravilhoso e merece a atenção urgente das reformas que se fazem necessárias.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2000 - Página 21896