Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à reportagem de ontem do jornal Correio Braziliense, sobre carta intitulada "Em defesa de Brasília", escrita pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Defesa da inclusão de recursos no Orçamento de 2001, visando a conclusão do projeto original do Eixo Monumental de Brasília

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Comentários à reportagem de ontem do jornal Correio Braziliense, sobre carta intitulada "Em defesa de Brasília", escrita pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Defesa da inclusão de recursos no Orçamento de 2001, visando a conclusão do projeto original do Eixo Monumental de Brasília
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2000 - Página 21913
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, AUTORIA, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, DEFESA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), IMPEDIMENTO, DESCUMPRIMENTO, PLANO DIRETOR, CIDADE, IRREGULARIDADE, OCUPAÇÃO, PARCELAMENTO, SOLO URBANO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, CODIGO DE POSTURA, CODIGO DE EDIFICAÇÃO, GARANTIA, PRESERVAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), IMPEDIMENTO, AMEAÇA, ESPECULAÇÃO IMOBILIARIA.
  • SUGESTÃO, INCLUSÃO, RECURSOS, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, DESTINAÇÃO, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, CAPITAL FEDERAL.
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROIBIÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, PARCELAMENTO, AREA, DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, serei breve. Desejo registrar nesta sessão a matéria principal do Correio Braziliense de ontem, domingo, cuja manchete é “Em Defesa de Brasília”, que traz uma carta de Oscar Niemeyer.

O arquiteto Oscar Niemeyer, juntamente com Lúcio Costa, Juscelino Kubitschek e Israel Pinheiro, cumpriu uma das etapas mais bonitas da história deste século, ao projetar e construir Brasília. Já do alto de sua experiência, é um homem que está há mais de 60 anos na arquitetura e um dos brasileiros mais conhecidos e reverenciados no mundo todo. A partir do projeto da Pampulha, da contribuição que deu ao projeto do Ministério da Educação no Rio de Janeiro - a primeira obra inspirada na filosofia arquitetônica de Le Corbusier - e, depois, da construção de Brasília e, posteriormente, do projeto de várias obras que passaram a se constituir referência obrigatória na arquitetura moderna, Oscar Niemeyer é um brasileiro que orgulha a todos nós.

Sr. Presidente, tenho o privilégio de uma relação de respeito e amizade com Oscar Niemeyer. Eu o admiro muito pela sua juventude, um homem com mais de noventa anos, que mantém os sonhos, mantém uma posição de coerência, um homem corajoso, sempre elegante, mesmo nos momentos de bravura, ao definir as suas opiniões.

Oscar Niemeyer, nesta carta que o Correio Braziliense transcreve, na sua primeira página e depois em matérias, no seu primeiro caderno, faz, na verdade, uma defesa de Brasília.

Brasília foi construída, era a nova capital do País. O Brasil mudou depois da construção de Brasília, porque interiorizou o seu desenvolvimento. Os brasileiros, corajosamente, passaram a conquistar o seu próprio território, mas, além disso tudo, da importância geoeconômica de Brasília, do símbolo que Brasília é na história da interiorização, do desenvolvimento brasileiro, do símbolo que Brasília é da capacidade de construção coletiva do nosso povo, da capacidade de sonhar, da capacidade de perseguir as suas utopias, Brasília transformou-se, também, numa cidade muito respeitada pela sua arquitetura, pelo seu urbanismo. E tão respeitada, Sr. Presidente, que a Unesco reconheceu Brasília como o único bem contemporâneo que é patrimônio cultural da humanidade.

Mas Oscar Niemeyer, do alto da sua experiência, traz algumas preocupações. Diz ele: “Se algumas coisas não forem cuidadas, se algumas decisões não forem tomadas ou se algumas limitações não forem feitas, Brasília correrá o risco de ver deteriorada a sua qualidade de vida e deturpado o seu projeto original de arquitetura e urbanismo e, o mais grave, a sua concepção arquitetônica e urbanística como Capital do País ameaçada”.

Nesta carta, Oscar Niemeyer falou sobre várias questões. Uma delas parece simples, mas não é: o fato de considerar os espaços vazios como parte integrante do projeto de arquitetura e de urbanismo. Segundo ele, não se pode ocupar os espaços vazios sem comprometer o projeto urbanístico como um todo.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, por que registro esta carta de Oscar Niemeyer em defesa de Brasília na tribuna do Senado Federal? Primeiro, porque fui eleito por Brasília e faz parte da minha convicção política defender esta cidade. Em segundo lugar, porque Brasília não pode ser vista apenas sob a ótica dos que aqui vivemos. Brasília é a Capital do País inteiro, foi construída com o dinheiro do País inteiro e, portanto, tem de ser vista sob a ótica de todos os brasileiros.

A ocupação indevida do solo urbano, o parcelamento irregular do solo, o descuido das regras de ocupação urbana previstas no plano diretor da cidade e no seu código de edificações, pode fazer com que Brasília quebre um triste recorde. São Paulo e Rio de Janeiro, até 50 anos atrás, também eram cidades muito agradáveis para se viver. Em 40 ou 50 anos, houve um inchaço do centro urbano, as populações se aglomeraram nos espaços urbanos mais preciosos dessas duas cidades e, como conseqüência disso, vieram as favelas, a ocupação indisciplinada do solo, o desemprego, a violência, o caos no trânsito, enfim, São Paulo e Rio de Janeiro tiveram uma qualidade de vida deteriorada ao longo de quatro ou cinco décadas. O recorde que Brasília pode quebrar é que o que o Rio de Janeiro e São Paulo levaram 50 anos para ver acontecer, Brasília pode ver acontecer em cinco, dez anos. O mesmo filme de degradação urbana que aconteceu no Rio e em São Paulo pode ser visto em Brasília, com uma diferença: as coisas aqui estão acontecendo de forma muito rápida. Há uma frase que eu gosto muito, Sr. Presidente, que diz o seguinte: Por que cometer os mesmos erros se há tantos erros novos a serem cometidos? Infelizmente, até no errar Brasília não está sendo criativa. Por exemplo, nós tivemos, no Rio de Janeiro, a formação de uma zona de empobrecimento social, sem perspectivas de emprego. Em Brasília, acontece a mesma coisa. O descuido com que as cidades foram sendo criadas no entorno de Brasília repete aqui o fenômeno da Baixada Fluminense.

A ocupação irregular do solo também acontece aqui, com um fato mais grave. No Rio de Janeiro e em São Paulo, as áreas invadidas, muitas vezes, eram áreas particulares. Em Brasília, não; são áreas públicas que o Governo desapropriou e que, por falhas no processo de fiscalização, estão sendo parceladas irregularmente, dando uma densidade habitacional, dentro da área tombada pelo Patrimônio Histórico, inaceitável.

Ora, Sr. Presidente, se o processo em Brasília tem semelhança com o processo de deterioração urbana do Rio de Janeiro e de São Paulo - e uma semelhança agravada pela velocidade dos acontecimentos -, há uma diferença a nosso favor. Aqui, ainda há tempo de evitar que se instaure o caos urbano; aqui, é tempo de inverter esse processo cruel.

            Sr. Presidente, para que a nossa geração - nós que viemos para cá ainda jovens e cujos filhos nasceram aqui - seja digna da geração que nos antecedeu e que construiu do nada esta cidade e que fez desta cidade uma razão de orgulho do País em si mesmo e na sua capacidade de construção coletiva e que fez de Brasília um ponto de referência internacional, não podemos, no espaço de apenas uma geração, contribuir para que o projeto ousado de uma nova capital seja manchado e deteriorado pelos mesmos erros que, de forma cruel, caotizaram a vida urbana nas outras cidades brasileiras.

            Aqui, ainda é tempo, mas é preciso, Sr. Presidente, que todos nós, acima de diferenças político-partidárias, façamos não uma crítica, porque seria muito simples - criticar é sempre muito fácil -, mas façamos uma autocrítica e sejamos capazes de enxergar a contribuição que cada segmento organizado da sociedade pode dar na preservação de Brasília, na preservação da nossa qualidade de vida, e nos unamos num sonoro “não” àquelas ações que conspiram contra a concepção do mais ousado, do mais criativo e do mais belo projeto de urbanismo e arquitetura deste século em todo o mundo.

            Ora, Sr. Presidente, o arquiteto Oscar Niemeyer, com quem conversei ontem, no final da tarde - foi uma longa e agradável conversa, aliás -, do alto de sua experiência, propõe algumas coisas. Na verdade, ele propõe uma freada de arrumação, propõe um momento de reflexão coletiva.

            Sr. Presidente, antigamente, ao tirar uma fotografia do Congresso Nacional - gesto que os fotógrafos repetiam, subindo na Torre de Televisão, onde tiravam, ao por do sol, uma fotografia belíssima -, aparecia o Congresso Nacional, de um lado, o Supremo Tribunal Federal, do outro, o Palácio do Planalto, a Praça Três Poderes e, ao fundo, o lago. Essa mesma fotografia hoje, Sr. Presidente, é impossível.

Sr. Presidente, hoje seria impossível tirar essa mesma fotografia. Teríamos de maquiá-la no computador, porque, ao fundo, apareceria um condomínio irregular. Tiveram a ousadia de, ao fundo do Palácio da Alvorada, do outro lado do lago, parcelar uma área pública e fazer um condomínio privado, murá-lo e vender os lotes. E fica tudo por isso mesmo. No centro da Capital do País!

E não é só isso, Sr. Presidente. Não falo de um Governo determinado; faço uma autocrítica dos últimos anos. Está havendo descuido com o Código de Edificações.

Fiz questão de vir à tribuna nesta segunda-feira - raramente venho à tribuna do Senado tratar de tema regional -, porque considero importante fazer esse registro, pela gravidade e pela importância histórica da matéria.

            Em Brasília, tudo começa a ganhar uma velocidade espantosa. Construíram agora um tal de Pier 21, que ganha qualquer concurso de obra feia no mundo. Não pode ser mais feio. Não se contentando, ainda realizaram a obra sem estacionamento, para que todos os carros fiquem parados em plena Avenida L4, Avenida das Nações.

Ora, Sr. Presidente, cheguei a Brasília ainda engenheiro jovem. Quando vinha um parente de fora conhecer a cidade, entre outros lugares obrigatórios, eu lhe mostrava a Avenida das Nações - veja que nome bonito! -, onde ficam as Embaixadas dos países estrangeiros, cada uma mais bonita que a outra. Hoje, na Avenida das Nações, de um lado, há esse tal de Pier 21, um monumento ao mau gosto e ao desrespeito com o Código de Edificações. Do outro lado, há a invasão da Telebrasília, às margens do Lago Paranoá. Se sairmos um pouco da Avenida das Nações e formos a Taguatinga e à Ceilândia - que formam o maior conglomerado urbano de Brasília - pela Avenida Estrutural, do lado direito, em plena área de preservação ambiental da floresta nacional, veremos a invasão da Estrutural.

Ora, se cada Governo cria a sua favela de estimação, daqui a algum tempo, obviamente, teremos permitido a favelização da Capital do País. Essas transgressões e esses descuidos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vão chegando a um ponto de descalabro. Permito-me da tribuna fazer algo que, aliás, não me lembro de algum dia ter feito: contar em público um diálogo que tive com o Presidente da República. Sua Excelência me falava do seu espanto ao verificar, durante o trajeto do aeroporto ao Palácio da Alvorada de helicóptero, próximo à Vila Planalto, uma invasão na qual o sujeito está construindo uma piscina.

Chegou a hora, Sr. Presidente, em que todos nós que vivemos em Brasília - e que gostamos desta cidade e temos a responsabilidade histórica de cuidar dela - devemos afirmar a autoridade na necessidade do cumprimento do Código de Postura e do Código de Edificações e não permitir que os grandes especuladores imobiliários que visam ao lucro transformem áreas de preservação em regiões a serem ocupadas por essa ou aquela atividade econômica.

Está na moda aqui em Brasília: o que há de área pública sendo transformada em área de posto de gasolina, e área de posto de gasolina sendo transformada em área de hotel, e área de hotel sendo transformada em área de colégio, e por aí afora, num total desrespeito ao plano da cidade.

Olhe, Sr. Presidente, se não dermos a tal freada de arrumação, não sei o que será. O arquiteto Oscar Niemeyer, entre suas lembranças, diz aqui: “Ocupações de áreas públicas acabam com os espaços livres da área tombada”. Ora, gente, seria infantil imaginar que é tombado é apenas o prédio; o que é tombado é o conjunto; a área tombada é o conjunto arquitetônico e os espaços livres que a permeiam. É preciso enxergar Brasília no todo, e não em partes.

Ele diz: “O mercado imobiliário concentra obras no Plano Piloto e ignora as cidades do DF”. É verdade. É um modelo cruel este, concentrador. Ao invés de Brasília crescer daqui para fora, ela incha de fora para dentro. Ora, Sr. Presidente, há muitos anos, pioneiros de Brasília - e a eles me incorporei - estão alertando para a importância de um modelo de desenvolvimento econômico desconcentrador. É preciso criar empregos, é preciso trazer indústrias não poluentes para as cidades satélites, para as cidades do Entorno. Não podemos continuar num modelo concentrador, em que, em vez de Brasília induzir ao desenvolvimento econômico daqui para fora, ela concentra os benefícios, os equipamentos públicos, permitindo o inchamento de fora para dentro. Trata-se de inverter esse processo cruel.

Criamos a Lei da Região Integrada do Desenvolvimento do Entorno -RIDE. O Congresso Nacional a aprovou, o Presidente da República a sancionou; os Governos Federal, de Brasília, Minas Gerais e Goiás dispõem de seus instrumentos. É preciso agir.

Segundo ponto: é preciso falar sobre a construção da ponte sobre o Lago Paranoá. A ponte era um desejo muito grande de parcela da sociedade de Brasília que vive em uma determinada região do Lago Sul, e de uma outra famosa parcela que vive nos condomínios criados na área da Escola Fazendária e, diga-se de passagem, de condomínios irregulares que também não foram fiscalizados no momento próprio, mas que, enfim, estão em processo de regularização.

Sr. Presidente, ocorre que se a construção da ponte é inevitável, há que se cuidar para que o sistema viário de encabeçamento da ponte, do lado do Plano Piloto, desvie o fluxo de automóveis para as Áreas Sul e Norte, não permitindo o acesso direto ao Eixo Monumental; ou, então, estaremos transformando o famoso Eixo Monumental de Brasília em um eixo de passagem de grande circulação e, obviamente, acabando com a nossa Capital. No caso, o único que ficará alegre é o Senador Eduardo Siqueira Campos, porque haverá um momento em que teremos de construir uma nova Capital Federal e que, provavelmente, será no Estado de Tocantins.

Ou nós preservamos Brasília, ou nós cuidamos para que não haja a sua deterioração, ou, em um espaço tão curto de tempo, por inviabilizar o centro urbano, por cometer os mesmos erros de Rio e São Paulo, nós estaremos inviabilizando o futuro desta cidade como Capital do País.

Sr. Presidente, o arquiteto Oscar Niemeyer propõe que nós concluamos as obras previstas no Eixo Monumental. Então, estou enviando à Bancada de Brasília - já conversei com a maioria dos Parlamentares e todos estão favoráveis - sugestão para que façamos incluir no Orçamento Federal, deste ano, recursos necessários para o imediato início dessas obras, para que o Eixo Monumental fique concluído; assim não faltará mais nada! E que, a partir daí, proíba-se, terminantemente, qualquer desvio nesse pedaço de Brasília que é o centro da Capital do País. O arquiteto Oscar Niemeyer, inclusive, acaba de me remeter uma carta pessoal, enfatizando, registrando, mais uma vez, a importância da construção desses edifícios que formam o Centro Cultural, ao lado do Teatro Nacional, que são as últimas obras, para que se conclua o projeto original do Eixo Monumental.

Por último, Sr. Presidente, estou fazendo contatos com o Ministério da Cultura, com o Ministro Francisco Weffort, com o Secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o ex-Deputado Octávio Elísio, no sentido de que o IPHAN, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na sua 14ª região, seja reestruturado, fortalecido na sua estrutura funcional, para poder cumprir com rigor o que lhe cabe, ou seja, a defesa do único bem contemporâneo que é o patrimônio cultural da humanidade.

Lembro-me, Sr. Presidente - porque tive o privilégio de pertencer à equipe do Governador José Aparecido de Oliveira -, do empenho do Governador José Aparecido e de um velho jornalista, Osvaldo Peralva, na defesa das teses que acabariam sendo aceitas pela Unesco e que transformaram Brasília em patrimônio cultural da humanidade. Lembro-me de que, naquele instante, nós, brasilienses e brasileiros, resgatamos um pouco da nossa auto-estima ao ver Brasília ser reconhecida no cenário arquitetônico internacional. Não dá para jogar isso fora. É um ganho que a nossa geração não pode perder.

O que faço aqui, Sr. Presidente, na verdade, ao registrar esta carta histórica de Oscar Niemeyer, é conclamar a todos os brasilienses, a todos os partidos políticos, a Câmara Distrital do Distrito Federal, que não pode continuar aprovando projetos de modificação de uso do solo, que não pode continuar tolerando parcelamentos irregulares; conclamar toda a sociedade organizada, os governantes, os Partidos de Oposição, a fim de que juntos possamos estabelecer formas de um trabalho comum na defesa de Brasília e, afinal, sermos dignos da geração que nos antecedeu e que, num espaço de tempo recorde, construiu esta cidade.

Se, por um lado, Sr. Presidente, há que se lastimar o caos urbano que chega a Brasília muito mais rápido do que chegou no Rio de Janeiro e em São Paulo, e com ele as mazelas da violência e da deterioração do trânsito; por outro lado, há que se lembrar que ainda há tempo, aqui é economicamente viável a inversão desse vetor. Com algumas providências imediatas é possível não se admitir que essa área tombada pelo Patrimônio Histórico Internacional seja maculada. E que todos nós, brasilienses e brasileiros, possamos ter orgulho da Capital que construímos e que soubemos preservar.

Aqueles que, vez em quando, têm o privilégio de fazer uma viagem a Paris, quando vão ao Musée D’Orsay e vêem aquela maquete maravilhosa de Paris, escutam do guia que ela foi construída há 50 anos e que muito raramente ela tem que ser modificada. Paris é uma cidade tão bonita, e o Champs-Élysées é talvez a avenida mais bonita do mundo exatamente porque os franceses têm a sabedoria de serem rígidos no seu Código de Edificações. Lá não pode construir um andar a mais; lá não pode fazer uma cobertura a mais, e é por isso que a cidade se mantém exatamente com os pés-direitos definidos anteriormente, com os níveis de construção harmonicamente equilibrados, e por isso é uma cidade tão bela!

É preciso que nós, em Brasília, tenhamos esse exemplo de Paris, o exemplo de tantas outras cidades seculares do mundo, de cidades tradicionais, e nesta, que é o maior exemplo da beleza, da criatividade da arquitetura e do urbanismo brasileiros, tenhamos a coragem de saber preservá-la, de não ceder às pressões circunstanciais - muitas delas até legítimas -, e de colocar acima de tudo a preservação do Distrito Federal.

Estou convencido, Sr. Presidente, de que se o Ministério da Cultura chamar a si essa responsabilidade que lhe cabe, através do IPHAN; se o Governo do Distrito Federal ficar ainda mais atento a essas questões; se nós todos não fizermos alguma transgressão, mesmo que essa ou aquela pudesse, pontualmente, nos dar algum ganho político; se colocarmos a defesa de Brasília na base da nossa ação política, não tenho dúvidas de que ainda conseguiremos defender Brasília, preservá-la dentro da sua concepção original e manter aqui uma qualidade de vida que ainda é exemplar se comparada com os outros grandes centros brasileiros. E depois disso, é induzir o desenvolvimento econômico na Região do Entorno, nas cidades-satélites; fazer com que Brasília induza o crescimento daqui para fora, ao invés de ficar apenas inchando de fora para dentro.

Com essas palavras, Sr. Presidente, quero também fazer uma homenagem a Oscar Niemeyer, um homem lúcido, e, falando de Oscar Niemeyer, a todos os pioneiros que construíram esta cidade. Acho que chegou a hora de todos nós, pessoas de bom senso, deixarmos de lado nossas eventuais divergências e nos unirmos em uma tese que deve ser a tese de toda Brasília, de todos nós: não permitir que se continue a desvirtuar a idéia, a concepção original de Brasília.

Sr. Presidente, não poderia deixar de registrar que há um projeto de minha autoria, tramitando nesta Casa, ainda não foi votado, que proíbe em definitivo qualquer parcelamento particular dentro da área do Distrito Federal, que parte do seguinte princípio: se Juscelino Kubitschek, para construir Brasília, desapropriou todas as terras desse quadrilátero de 5.800 quilômetros quadrados, como pode ainda haver terra particular aqui dentro para ser dividida? Claro que ainda há querelas jurídicas, desapropriações que têm valor ainda questionável judicialmente. Que se pague! Mas o projeto de lei que propus ao Senado e que pode ser votado a qualquer instante é aquele que proíbe qualquer espécie de parcelamento particular de terra, dentro da área que todos os brasileiros pagaram para ser a Capital do País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2000 - Página 21913