Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do projeto que institui o financiamento público de campanhas eleitorais.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Defesa da aprovação do projeto que institui o financiamento público de campanhas eleitorais.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2000 - Página 22473
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEMORA, CONCLUSÃO, PROCESSO, VOTAÇÃO, PROPOSTA, REFORMA POLITICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, REFERENCIA, REFORMA POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, IMPEDIMENTO, ILEGALIDADE, AUXILIO FINANCEIRO, GRUPO ECONOMICO, ELEIÇÕES, VIABILIDADE, EFICACIA, FISCALIZAÇÃO, IMPUGNAÇÃO, REGISTRO, CANDIDATO, IMPOSSIBILIDADE, PARTICIPAÇÃO.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, DADOS, COMPROVAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, SETOR PRIVADO, CAMPANHA ELEITORAL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa instalou, no início de 1995, uma comissão especial para apresentar uma proposta de reforma política.

Presidida pelo Senador Humberto Lucena, esta Comissão realizou uma série de audiências públicas, ouviu personalidades do mundo político e jurídico e, depois de quatro anos de trabalho, concluiu os estudos com um relatório do Senador Sérgio Machado, em que apresentou propostas de emenda à Constituição - a saber, a mudança do sistema eleitoral, implantando-se o sistema distrital misto - e projetos de lei, como é o caso do financiamento público de campanha e outros.

Quando da votação do relatório, constataram-se profundas divergências em relação a praticamente todos os pontos daquela proposta de reforma; mas resolveu-se votar por unanimidade o relatório do Senador Sérgio Machado, para possibilitar o início da tramitação formal tanto da emenda à Constituição quanto de projetos de lei no Senado Federal.

Por incrível que pareça, a única proposta que, no âmbito da Comissão, não era objeto de polêmica e que todos os membros elogiavam, dizendo que era fundamental e a ela estavam favoráveis, era exatamente a de financiamento público de campanha. Em todos os discursos dos parlamentares dos mais diversos partidos, as ponderações levantadas eram não no sentido contrário ao mérito da proposta - inclusive fui um dos que levantaram ponderações em relação a isso -, mas no sentido de que a proposta deveria ser explicada, debatida com a opinião pública, porque sabemos que o senso comum é contrário a esta proposta, uma vez que afirma: ora, se não há recursos para a saúde, se há dificuldade de recursos orçamentários para aumentar o salário mínimo, se há escassez de recursos para tudo o que é essencial, como se admite a aplicação de R$700 milhões em eleições, em políticos? Essa é a proposta original, já que se fala em R$7 por eleitor. É o que se ouve muitas vezes nas ruas.

Em relação ao mérito da proposta, todos se diziam favoráveis, com base no argumento de que a democracia pressupõe o mínimo de igualdade de competição entre os diversos candidatos. Mas não podemos falar nesse mínimo de igualdade de competição entre os mais diversos candidatos se alguns deles podem fazer campanhas milionárias e outros nem têm condições de levar o seu nome ao conhecimento da população, até para que ela saiba que eles são candidatos.

A partir do início de 1999, dizia-se que se ia tocar para a frente a reforma eleitoral. Depois, os grandes partidos, melhor dizendo, os partidos da base governista - PSDB, PMDB e PFL - se reuniram no Palácio do Planalto e decidiram estabelecer como prioridades para a reforma eleitoral a proibição das coligações proporcionais, a antecipação da vigência da cláusula de barreira e da diminuição do fundo partidário para os pequenos partidos para o ano de 2002 e, em função da proibição das coligações proporcionais, a possibilidade de aumentar o número de candidatos por partido.

Tem-se a registrar que nenhum dos três pontos fazia parte do relatório inicial da reforma política. Naquela ocasião, o que se viu foi, de forma casuística, os três partidos da base governista resolverem privilegiar esses três pontos e esquecer tudo aquilo que foi apresentado como fundamental por ocasião da elaboração do relatório.

Deve-se registrar que a proibição de coligação proporcional já foi aprovada no Senado, assim como o projeto de lei que antecipa a vigência da cláusula de barreira para 2002, e ambos estão na Câmara dos Deputados.

De lá para cá, ouvimos sempre declarações de intenções, tanto de Senadores quanto de Deputados, de que se vai votar o financiamento público de campanha.

           Nunca é tarde lembrar também que esse projeto de financiamento público de campanha foi objeto de uma proposta do então Senador Fernando Henrique Cardoso, que o havia formulado para as eleições de 1989. Quando da votação da lei que regulamentou as eleições municipais de 1996, oriundo da Câmara dos Deputados, e semelhante ao que regulamentou as eleições de 1998 mas com uma ligeira modificação, estabelecia um financiamento misto. Na verdade, não era uma proposta de financiamento público, mas uma proposta que aumentava o fundo partidário no ano de eleição e mantinha o financiamento privado. Naquela ocasião, todos os Senadores da base governista que derrubaram a emenda da Câmara entendiam que as eleições de 1996 estavam muito próximas, que deveria haver audiência popular, visando esclarecer o eleitorado. Mas eles defendiam o financiamento público de campanha para as eleições de 1998. Isso ocorreu em novembro de 1995, quando estávamos votando a lei que iria regulamentar as eleições de 1996. Nada disso aconteceu. Nas eleições de 1996, foram mantidas as mesmas regras de financiamento privado, bem como nas eleições de 1998 e de 2000.

           Agora, notícias publicadas pela Folha de S.Paulo apresentam dados, pela primeira vez, daquilo que todos já sabiam, a existência do famoso caixa dois nas campanhas eleitorais, num valor de R$10 milhões.

           O Deputado Arthur Virgílio, até para se antecipar às possíveis propostas de investigação que a Oposição viesse a fazer, propôs que se fizesse uma investigação da campanha da Marta, do Lula. Ontem, em conversa informal com os Senadores Romero Jucá, José Roberto Arruda e Sérgio Machado, S. Exas propuseram isso. Aceitamos a investigação de todas as campanhas imediatamente. Contudo já recuaram e atribuíram ao TSE essa função de investigar.

           Independentemente de investigação ou não - penso que deveria haver -, esse episódio mostra claramente a necessidade urgente de instituirmos o financiamento público de campanha no nosso País. Não tenho qualquer ilusão de que esse financiamento público se torne a panacéia para todos os problemas eleitorais e de que a sua instituição evite, como num passe de mágica, o caixa dois, as ilegalidades, a contribuição financeira de grupos econômicos.

           Não tenho ilusão de que essa medida vá resolver todos os problemas como num passe de mágica, repito. Todavia, penso que será uma boa iniciativa por dois aspectos: primeiro, porque a sociedade, as instituições só vão se preocupar em realmente fiscalizar a aplicação de recursos nas campanhas eleitorais a partir do momento em que esses recursos forem públicos. Hoje, todos sabemos que as prestações de conta são uma ficção, porque cada partido é quem determina o valor, diz que gastou tanto e nem o Ministério Público Eleitoral, nem as instituições, nem o próprio TSE têm meios de conferir a veracidade ou não daquele valor. A sociedade não se preocupa em fiscalizar porque parte do princípio de que o financiamento é privado, de que o dinheiro é do empresário A, do empresário B, do banqueiro A, do banqueiro B, de que não tem nada a ver com isso e que tanto faz quanto o senador, ou o deputado, ou o presidente, ou o candidato gastou.

           Essa idéia é enganosa. Se realizarmos um levantamento dos escândalos de desvio de recursos públicos apurados em diversas CPIs desta Casa e da Câmara dos Deputados (os TRTs, os DNERs, as obras superfaturadas), veremos que grande parte dos recursos desses escândalos tem a ver com a forma como são discutidas as emendas do Orçamento e com a forma com que são financiadas as campanhas eleitorais. Assim, se somarmos a quantidade de dinheiro público desviado por meio da corrupção, com certeza alcançaremos um valor superior aos R$700 milhões correspondente aos dois anos previstos na proposta do Relator, Senador Sérgio Machado, que fala em R$7,00 por eleitor.

           O segundo aspecto pelo qual acreditamos que a partir do momento em que se instituir o financiamento público de campanha poderá se tornar mais eficaz a fiscalização é, primeiro, porque, como já dissemos, a própria sociedade desenvolverá e encontrará métodos e meios mais eficazes para estabelecer essa fiscalização. Segundo, ao contrário do que ocorre atualmente, antes do início da campanha eleitoral, a sociedade já saberá quanto cada partido dispõe para fazer sua campanha, quanto cada candidato daquele partido disporá para fazer a sua campanha.

           Ora, se antes do início da campanha, a imprensa, a sociedade e o Ministério Público já souberem a quantia disponível para cada candidato, é óbvio que, no decorrer da campanha, a partir do momento em que surjam as chamadas demonstrações exteriores de riqueza dessa campanha eleitoral, essas entidades encarregadas da fiscalização terão meios muito mais eficazes de verificar se o candidato A ou B está se utilizando de recursos privados para fazer a sua campanha e poderão, inclusive, se houver provas inequívocas disso, impugnar o registro da candidatura desse candidato, que não concorrerá às eleições.

           É lógico que o senso comum vai contra essa idéia. Se for feita uma pesquisa com a pergunta simples “você pensa que se deve tirar dinheiro do Orçamento para dar para políticos; para dar para a eleição?”, é bem provável que a maioria da população diga que não. Até porque ela parte do senso comum, mas se esquece daquilo que não é o senso comum da população, mas que é do conhecimento de todos os que habitam essa Casa e a Câmara dos Deputados, a forma como se dá o financiamento espúrio de algumas campanhas, exatamente pensando não sob a forma de financiamento, não sob a forma de doação, mas sob a forma de investimento, visando adquirir lucros futuros com base no voto deste ou daquele parlamentar, com base na postura deste ou daquele governador, com base na licitação que venha a ser feita para esta ou aquela obra.

           Portanto, Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, lamento que ainda haja rejeição por parte de alguns partidos em relação a essa proposta. Lamento profundamente aquilo que foi publicado na imprensa, como sendo declaração do Deputado Inocêncio Oliveira: - Se o PT sem dinheiro já teve esses votos todos, imagine o que vai acontecer se dessem cem milhões para o PT fazer campanha. Parece-me que para o Deputado Inocêncio Oliveira a ter dinheiro público para o PT prefere ter dinheiro público para Luiz Estevão, Sérgio Naya, Hildebrando Pascoal e para tantos outros que são exatamente produto desse tipo de financiamento espúrio ainda existente no Brasil e que levam a situações como essa que estamos vendo, como essa matéria da Folha de S.Paulo.

           Hoje, mais uma vez, faltou quorum naquele momento. Estranho é que, na hora em que se ia votar o financiamento público, não havia quorum e, quando foi para votar uma proposta de emenda à Constituição para aumentar a idade para aposentadoria compulsória do servidor público, o quorum apareceu. Mas, de qualquer forma, o Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador José Agripino, já informou que na próxima quarta-feira teremos uma reunião da CCJ para debatermos exclusivamente os três projetos que já estão na pauta relativos à reforma política, a saber: o financiamento público de campanha; o aumento do prazo para filiação daqueles que querem concorrer às eleições; e os projetos relativos à divulgação de pesquisas eleitorais.

            Espero que, na próxima quarta-feira, não tenhamos mais nenhum artifício para inviabilizar o quorum; que não se marque uma reunião no mesmo horário da Comissão de Assuntos Econômicos, para ouvir algum ministro ou algum secretário; e, sinceramente, que na próxima quarta-feira o Senado Federal venha a concluir um processo que, volto a dizer, iniciou-se em 1995 e que até hoje não foi concluído. É a expectativa da Oposição, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Registro que estaremos presentes na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para votar o projeto.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2000 - Página 22473