Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a reportagem da revista Veja desta semana, que traz um cenário pessimista para o futuro da Amazônia.

Autor
Júlio Eduardo (PV - Partido Verde/AC)
Nome completo: Júlio Eduardo Gomes Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Comentários sobre a reportagem da revista Veja desta semana, que traz um cenário pessimista para o futuro da Amazônia.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2000 - Página 22760
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, mais uma vez, a nossa Amazônia está em destaque, desta feita em reportagem da revista Veja, e mais uma vez é assunto neste plenário.

Que bom seria se a matéria informasse que pesquisas recentes comprovam que o desenvolvimento sustentável da Amazônia vem promovendo a inclusão social de numerosas famílias de agroextrativistas e trabalhadores urbanos; que os programas de conservação da floresta têm mantido e até enriquecido a biodiversidade tropical; que a biodiversidade, por sua vez, vem proporcionando matéria-prima inestimável para produção de remédios eficientes contra doenças como a AIDS e o câncer; e, é claro, que as comunidades indígenas e de caboclos têm sido respeitadas em seus conhecimentos preciosos sobre a flora e a fauna, recebendo, em troca das informações, inúmeros benefícios garantidos por nossa pioneira Lei da Biodiversidade.

Mas, infelizmente, Sras e Srs. Senadores, trata-se apenas de um sonho. Um sonho que um dia será realidade - e mais à frente vou explicar por que acreditamos nesse sonho.

A reportagem da Veja relata ainda uma previsão muito negativa para os próximos 20 anos. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, e o Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, dos Estados Unidos, a ação do homem e a ocorrência de fenômenos climáticos podem degradar de 72% a 95% da floresta em apenas 20 anos.

            Até hoje a floresta amazônica já perdeu uma área equivalente à França, ou seja, 14% de sua cobertura original, correspondente a 551.782 quilômetros quadrados, segundo dados registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 20 anos de monitoramento da região com ajuda do satélite Landsat. A cada ano, são cerca de 20 mil quilômetros quadrados destruídos.

O pesquisador William Laurance fez uma série de cálculos matemáticos prevendo o desmatamento provocado especialmente pelas obras planejadas pelo, quem diria, Programa Avança Brasil. É claro que deve ser um Avança Brasil na época da Jovem Guarda que "era uma brasa, mora." Serão oito mil quilômetros de estradas, mais de dez portos, quatro aeroportos novos ou ampliados, dois gasodutos, três usinas hidrelétricas, duas hidrovias, além de milhares de quilômetros de linhas de transmissão de energia e mais de 1,4 mil quilômetros da Ferrovia Norte-Sul.

O Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam) fez uma medição do que foi destruído com as rodovias Belém-Brasília, a PA-150, que é um corredor de madeira no leste do Pará, e a BR-364, entre Cuiabá e Porto Velho. Ao longo da Belém-Brasília, 55% da vegetação foi derrubada em uma faixa de 50 quilômetros de cada lado da estrada. Às margens da PA-150, o índice ficou em 40%; e para a Cuiabá-Porto Velho, em 33%. O trabalho do Ipam concluiu, ainda, que dois terços do desmatamento total da Amazônia ocorreram nas vizinhanças de rodovias.

A pesquisa divulgada pela Veja - que a Folha de S.Paulo também havia mencionado há uma semana - informa que às margens de uma estrada como a Cuiabá-Santarém, aberta nos anos 70 e cuja pavimentação está prevista no Avança Brasil, o desmatamento pode espalhar-se por até 200 quilômetros lateralmente ao asfalto. No caso das hidrelétricas, o avanço sobre a mata alcança uma extensão de até 25 quilômetros a partir das bordas dos reservatórios. Considerando o potencial de devastação de cada obra, a equipe projetou os totais desmatados. Para montar o cenário otimista, definimos a possibilidade da preservação de todas as reservas já existentes na Amazônia, florestais e indígenas. Na hipótese pessimista, calcula-se que os limites não serão respeitados em reservas às margens das estradas, por exemplo. O estudo conclui que as obras do Avança Brasil poderão incrementar em até 1/4 os 20 mil quilômetros quadrados devastados todos os anos na floresta, totalizando uma superfície maior do que a do Estado de Sergipe, devastada a cada ano.

Quando chamamos a atenção para essas previsões catastróficas, ainda escutamos alguns burocratas dizerem que isso representa o custo do progresso de que a Amazônia necessita. É verdade que esse discurso era feito nos anos 70 por expoentes do governo autoritário, mas hoje ele se apresenta travestido em outros termos, tais como: é preciso desenvolver a Amazônia e oferecer melhores condições de vida para a sua população etc. No entanto, não se observa sequer uma vírgula de autocrítica em relação ao modelo de desenvolvimento que pautou o progresso dos países do Norte e até mesmo do Centro-Sul do Brasil.

O melhor indicador do estrago que esse velho modelo vem provocando pode ser observado no encontro que está acontecendo nestes dias na Holanda. Os países signatários da Convenção sobre Alterações Climáticas e o Protocolo de Kyoto estão reunidos para definir novos procedimentos em relação às emissões de gases que vêm provocando o efeito estufa e a elevação das temperaturas em todo o planeta.

O Protocolo de Kyoto propõe uma redução de 5% das emissões mundiais até o ano de 2012. Entretanto, os cientistas estudam os efeitos das emissões já alertando que essa redução não é significativa. Para se evitar que as catástrofes climáticas que aumentam a cada ano se agravem ainda mais seria preciso uma redução de mais de 50% das emissões. Ou seja, dez vezes mais do que os 5% que países como os Estados Unidos até há pouco alegavam inúmeras dificuldades para alcançar.

            As queimadas da Amazônia anualmente são a maior fonte de emissão de gases CO2. Emitem mais do que todas as indústrias e automóveis do eixo Rio-São Paulo.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador, estou ouvindo com muita atenção o discurso de V. Exª a respeito de uma reportagem sobre a Amazônia que saiu em uma revista semanal. Quando eu era menino, diziam que, dali a 20 anos, a Amazônia não teria uma única árvore. Já cheguei aos 70 anos, e hoje existem tantas árvores na Amazônia quanto havia no passado. Nesses 500 anos de presença humana na região, somente cerca de 11% da floresta original foi afetada para que pudéssemos viver ali: construir cidades, vilas e estradas, cultivar diversas culturas. Essa região já foi deserto e hoje é floresta. Assim, são feitas elucubrações por pessoas sem base científica efetiva, porque a ciência não tem conhecimento sobre isso. Agora mesmo, em Haia, na Holanda, está havendo uma discussão muito séria sobre as causas do aquecimento e ainda não se chegou a uma conclusão. Os países desenvolvidos não querem reduzir a emissão de gases; os 600 milhões de veículos que circulam diariamente no mundo inteiro jogam mais gás carbônico e outros gases na atmosfera do que se queimássemos toda a floresta amazônica. Essa é a realidade. Diz-se que está ocorrendo o aquecimento da Terra - já houve uma alteração, como houve alterações glaciais no passado -, mas ainda não se comprovou cientificamente a causa desse problema. Essa é a realidade que está sendo discutida em Haia. Estou acompanhando o que está ocorrendo naquela cidade. Durante um determinado período, os CFCs foram o grande vilão da história. Depois, passaram a ser os gases das indústrias e das fábricas. Posteriormente, verificou-se que a Terra está sofrendo a influência da erupção do Pinatubo, nas Filipinas, há mais de dez anos, pois há ainda no ar uma camada de partículas de gases que impedem a passagem do frio, na camada da toposfera, situada a oito ou dez quilômetros para cima e onde a temperatura é bastante fria. A ciência também está descobrindo que o Sol sofre ciclos de explosões, que estão atingindo o clima em toda a área abrangida pela ação solar. Portanto, não se pode dizer que as queimadas na Amazônia são as responsáveis pelo aquecimento do Planeta. As queimadas diminuíram muito e hoje são apenas uma forma de limpar alguns campos, algumas capoeiras, porque o homem aprendeu a não queimar a mata. No Estado de V. Exª, está sendo realizada uma grande experiência sobre a questão do trato da floresta. O próprio caboclo, instintivamente, aprendeu a tratar da floresta, quando gerava energia com combustível da mata. Ele cortava a árvore na altura do peito, porque era onde o machado podia cortar, e, assim, deixava-a brotar novamente. Uma verdade é que não só as árvores, mas todo vegetal retira gás carbônico da atmosfera, quando está em processo de crescimento, e transforma-o em matéria sólida, em madeira, no caso da árvore, ou em caules, folhas, se for um vegetal. Quando chega à idade adulta, o resultado é negativo. Sabe-se que os Estados Unidos emitem quase metade dos efluentes para a atmosfera. No entanto, eles não aceitam penalizações, dizem-se grandes plantadores de florestas e consideram-se credores quando se fala em seqüestro de carbono e em pagamento desse seqüestro pelas indústrias. Já falei aqui sobre um ministro do Meio Ambiente do Brasil que mostrou a um Presidente da República os campos gerais de Roraima, como se aquilo fosse conseqüência do desmatamento. Tal notícia só serve para virar manchete. Na certa, há algum projeto ambiental que está em desenvolvimento e isso atrai a sensibilidade da sociedade. Hoje, a questão ambiental passou a ser um grande negócio. Há toda uma indústria, supostamente, para proteção ambiental. Nós, que somos da Amazônia, temos o papel maior de mostrar a realidade: não estão ocorrendo desmatamentos, não estão ocorrendo incêndios, e a população, conscientemente, precisa trabalhar a floresta para sobreviver. Este País tem desigualdades demais. A Amazônia corresponde a mais da metade do Brasil e não representa 4% do PIB nacional. Por quê? Não tem riqueza? Tem. Tem riqueza mineral, que não se deixa explorar; tem riqueza florestal, que não se deixa explorar - e o manejo florestal hoje é uma realidade -; tem água, que é a riqueza do futuro; apesar de ter terras que não servem para plantar determinadas culturas, é a melhor região do mundo para o plantio de árvores, e a árvore é uma matéria-prima extraordinária pois o mundo passa a ser carente de madeira. Portanto, o discurso de V. Exª é bem oportuno. Espero que todos nós, representantes da Amazônia, tenhamos a consciência de que a região precisa ser desenvolvida e pode ser desenvolvida sem prejuízo ao meio ambiente. Muito obrigado.

            O SR. JULIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª, que traz uma experiência inquestionável de uma vida na Amazônia. Ficarei muito feliz se os meus filhos chegarem à nossa idade repetindo a frase de V. Exª. E, mais ainda, se pudermos contribuir para que assim continue. Tenho certeza de que estamos cada vez mais perto de modelos produtivos sustentáveis que poderão manter a nossa cobertura vegetal e dar condição de vida aos povos da floresta e a todos nós que temos o dever de defender os Estados da Amazônia.

            No entanto, na questão científica, temos algumas discordâncias. Aliás, fator importante para a evolução da ciência são as posições que se contradizem, que geram novas pesquisas e que se comprovam. E uma dessas posições que hoje está consolidada e que cientificamente é inquestionável é que as queimadas na Amazônia - com certeza, elas foram reduzidas e faremos tudo para que continuem a reduzir cada vez mais - contribuem três vezes mais para a emissão de gás carbônico na atmosfera do que todas as indústrias instaladas no Centro-Sul. Esse é um dado consolidado. As queimadas reduziram-se, e surgirão modelos mais inteligentes para que se reduzam mais ainda. As florestas em pé, as florestas perenes podem não ser importantes para o seqüestro de carbono, mas, se forem derrubadas, haverá uma contribuição para a emissão desse gás, o que seria, certamente, uma forma de se remar contra a maré, contra o que hoje se coloca como inteligente no mundo. Tanto na Convenção de Haia, como na Convenção de Kyoto, vimos posições científicas bem determinadas, que se utilizaram de metodologia confiável, séria e com o rigor que a Ciência exige.

Mas o que vemos na discussão é o lado econômico, que, mais uma vez, está sendo o centro da discussão em Haia. Cientificamente, já existem comprovações de que a necessidade da redução da emissão de dióxido de carbono e outros gases é importante para o mundo todo. Agora, é claro que estamos falando daquilo que nós, enquanto homens, podemos melhorar, pois existem fenômenos que não dependem de nós, como as citadas explosões no sol. Entretanto, quanto à redução da emissão de gases na Amazônia, temos gerência e, mais do que isso, o dever de contribuir para a sua redução. Essa deve ser uma ação de todos nós, apoiando uma ou outra corrente científica. Volto a dizer que a minha grande torcida é que os nossos filhos possam dizer isso em nossa idade. Estaremos felizes por termos contribuído para um modelo melhor para a nossa Amazônia.

Além da questão climática, gostaria de citar um fato muito importante, em termos de política ambiental. A reportagem da revista Veja chama a atenção para o fato de que, segundo o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, os projetos previstos para a Amazônia podem ser revistos, se ficar demonstrado que prejudicarão as florestas. Não podemos deixar de elogiar algumas iniciativas que o Ministério do Meio Ambiente vem tomando na Amazônia, entretanto, “uma andorinha só não faz verão”. De que adianta o Ministério e as outras secretarias da Amazônia estarem pensando a longo prazo no bem-estar dessa e das futuras gerações, se os Ministérios que formam o núcleo do poder do Governo atacam com as obras do Avança Brasil, beneficiando, certamente, grandes grupos econômicos, sem dar qualquer garantia para que a vida de 19 milhões de habitantes melhore de fato em detrimento de uma destruição na escala que diferentes pesquisadores estão alertando?

Quando falo que acreditamos em um sonho, refiro-me ao que estamos assistindo no Acre, com o Governo da Floresta, e no Amapá, com o Programa de Desenvolvimento Sustentável. Curiosamente, são dois governos sob ameaça. Enquanto o Governador Capiberibe está sendo afastado do cargo por inimigos políticos locais, de maneira reconhecidamente ilegal, no Acre, o Governador Jorge Viana está sendo violentamente ameaçado de morte. Trata-se de dois governos que combateram corajosamente o narcotráfico e que têm propostas de desenvolvimento, cuja prioridade é a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. Quais interesses exatamente estariam ferindo essas lideranças?

Finalmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, devemos sim dar mais atenção para essas pesquisas, porque, independente da posição conflitante de alguns cientistas, elas existem e podem ser avaliadas e, certamente, devem ser estudadas. Quando temos notícias ameaçadoras de internacionalização da Amazônia - fato que nos assusta - é bom lembrarmos sempre a resposta do Prof. Cristóvam Buarque para um estudante norte-americano, quando disse que gostaria também de internacionalizar Manhattan, o Louvre de Paris e tantos outros monumentos de valor universal - fico ainda mais assustado de pensar que muitas autoridades raciocinam como se o antídoto para a perda da Amazônia fosse o seu desenvolvimento tradicional a qualquer custo. Ou seja, será dono da Amazônia quem primeiro a destruir.

É claro que não se trata de colocar a Amazônia sob uma redoma, tornando-a um santuário. Isso nem seria possível. A questão está em sabermos como desenvolver a Amazônia antes de tudo no limite da necessidade de qualidade de vida para aquelas 19 milhões de pessoas que lá vivem e trabalham, pouco menos do que a população que vive na Grande São Paulo. Mas o que inspira o planejamento dos burocratas, infelizmente, é a oportunidade e o lobby qualificado de grandes grupos econômicos que continuam vendo a Amazônia como uma oportunidade de grandes negócios e lucros a curtíssimo prazo, um lugar para ganhar dinheiro fácil que depois vai ser investido nas bolsas ou em outras regiões, obviamente, para gerar emprego e renda provavelmente em algum outro país desenvolvido. E o que restará para a Amazônia será simplesmente o desterro.

É por isso que a experiência do Acre, do Amapá e de algumas prefeituras precisam se transformar em política pública de amplitude regional. É isso que estamos conseguindo a duras penas com os programas de apoio ao extrativismo e as iniciativas de empresas que passam a adotar os planos de manejo para extração de madeira e outros produtos florestais.

Recentemente, em Xapuri, a Pirelli lançou o Pneu Xapuri com a borracha da Reserva Chico Mendes. A Mercedes Benz vem trabalhando com as quebradeiras de coco na confecção de assentos de seus luxuosos automóveis.

Assim, nós acreditamos que esse desenvolvimento vai ser mais importante para a Amazônia do que algumas teorias de escolas de economia que não conhecem a realidade da região.

Era esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o pronunciamento que queria fazer, agradecendo, mais uma vez, ao Senador Gilberto Mestrinho, pelo seu experiente aparte.


C:\Arquivos de Programas\taquigrafia\macros\normal_teste.dot 3/29/248:59



Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2000 - Página 22760