Discurso durante a 167ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a ocupação desordenada e a exploração irracional de recursos na Amazônia e no Nordeste. Análise dos efeitos atmosféricos das queimadas na região Amazônica. Comentários à transposição das águas do Rio São Francisco como fator de desenvolvimento para o Nordeste.

Autor
Júlio Eduardo (PV - Partido Verde/AC)
Nome completo: Júlio Eduardo Gomes Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a ocupação desordenada e a exploração irracional de recursos na Amazônia e no Nordeste. Análise dos efeitos atmosféricos das queimadas na região Amazônica. Comentários à transposição das águas do Rio São Francisco como fator de desenvolvimento para o Nordeste.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2000 - Página 24188
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, BRASIL, REGIÃO AMAZONICA, MATA ATLANTICA, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, GOVERNO, FALTA, DEBATE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • COMENTARIO, DISCURSO, GILBERTO MESTRINHO, BERNARDO CABRAL, JEFFERSON PERES, SENADOR, CRITICA, CIENTISTA, PREVISÃO, DESTRUIÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, POLITICA, PRESERVAÇÃO.
  • AVALIAÇÃO, CONVENÇÃO, CLIMA, PAIS ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, AMBITO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MOBILIZAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, CONTROLE, EMISSÃO, GAS CARBONICO, FALTA, ACORDO, GOVERNANTE.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as questões socioambientais que freqüentaram os debates neste plenário a semana passada contrapuseram grandes projetos governamentais de desenvolvimento e algumas das muitas microssoluções experimentadas com sucesso, especialmente por populações tradicionais da Amazônia e da região Nordeste.

            Também estiveram em discussão nesta Casa, mais ou menos pautadas pela mídia nacional, questões como as mudanças climáticas em decorrência de alterações na composição atmosférica do planeta, a regulamentação de acesso a nossa rica biodiversidade e a presença de produtos transgênicos no mercado brasileiro.

            O saber científico e o conhecimento tradicional de nossas populações foram alvo de nossas avaliações - exaltados por uns e severamente criticados por outros.

            E é justamente esse aspecto dos debates aqui havidos na semana passada que me traz à tribuna hoje, numa despretensiosa tentativa de focar o caráter mais amplo que envolve as posições aqui expostas. Para tanto, valho-me por inspiração de uma reflexão de Wilhelm Reich, datada, naturalmente, da primeira metade deste século:

O grande homem é aquele que reconhece quando e em que é pequeno.

O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é naturalmente no campo das idéias e dos sonhos que se originam as preciosas soluções para a infinidade das questões humanas. As idéias e os sonhos são a matéria prima com que a humanidade tem construído todo um universo de realizações de fé, engenho e arte.

            Quanto mais reconhece os seus limites, analisa e compreende medidas, o ser humano tem sido capaz de trazer à luz da consciência possibilidades infinitas de sua intervenção no universo.

            Contudo, criado para ser livre, este ser pode, inclusive, negar-se à liberdade ou tentar nela aprimorar-se; pode somar-se à criação do universo ou à sua destruição.

            Wilhelm Reich, em sua preciosa contribuição ao mundo, comenta com isso se dá na ação concreta dos indivíduos humanos. Segundo ele, aqueles que fecham os olhos para as suas próprias dimensões isolam-se da condição básica do saber e do fazer criativo e cercam-se de medo. Cercados de medo, escondem-se em fantasias de força e grandeza - força e grandeza alheias -, com as quais passam a admirar as idéias que nunca tiveram ou terão, a acreditar naquilo que menos entendem e recusar tudo que lhes pareça simples demais. Parece realmente que daí nascem os costumes e as doutrinas de opressão contra as livres manifestações da fé, da arte ou do saber.

            A História está repleta de exemplos desse processo: Galileu Galilei é um deles. Tendo sido queimado vivo pelo medo estúpido dos que o acusavam de ser tolo demais - tolo por ter a ousadia de acreditar em coisas fora do comum. E ele não foi o único nem o último a demonstrar que o bom senso nem sempre é o senso comum. Assim se deu também com Copérnico e tantos outros, além do próprio Jesus Cristo.

            No entanto, acredito que todos temos conhecimento do quanto a obra de cada um desses homens legou à história e à evolução da humanidade.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, portanto, hoje, louvar toda ação e toda atitude humanas que se somam à divina obra da natureza, que por todas as suas manifestações e a todo momento se nos revela e ensina.

            E, sob essa inspiração, gostaria de convidar meus ilustres pares a reexaminar alguns aspectos da realidade que temos debatido aqui.

            Na Amazônia, em alguns trechos de sua área formidável, onde tem sido mais intensa a atuação do ser humano nos últimos cem anos, sobressaem concentrações urbanas mal estruturadas, produzidas por ocupações desordenadas, alternando-se com monótonos e efêmeros campos de pastagem, sobre as marcas que a atividade madeireira vai deixando atrás de si.

            Por outro lado, na imensa porção que, felizmente, ainda resta da floresta nativa, encontram-se as suas populações tradicionais, formadas de diversas origens étnicas e culturais. Não por acaso, nos trechos onde a floresta resiste de pé, são coincidentemente outras as atividades com que os seres humanos estabelecem suas relações com os recursos naturais.

            Já no Nordeste, há alguns séculos, alternam-se períodos de seca extrema e drásticas enchentes, constituindo um quadro de calamidades quase crônicas das quais todos têm bom conhecimento.

            Depois de expulsar populações que habitaram aquela região por milênios, a cultura européia que aportou no litoral nordestino reduziu, em menos de 500 anos, a exuberante mata atlântica a meros 7% de sua cobertura original e alterou sensivelmente as condições naturais. Sobrou estreita faixa de mangues, que estão sendo, hoje em dia, rapidamente dizimados principalmente pela especulação imobiliária e pela carcinicultura - as polêmicas fazendas de camarões.

            Às margens do velho rio São Francisco, legiões de pobres e miseráveis resistem, aguardando o dia em que se realizarão as adequadas ações de governo que auscultem o conhecimento que se acumulou de suas práticas de resistência e que as apoiem na construção do seu desenvolvimento sustentável.

            Igualmente sofrem no sertão do semi-árido os herdeiros da injusta e desordenada ocupação rural dos últimos 500 anos, movida pela ambição latifundiária nos sucessivos ciclos econômicos monocultores, especialmente do algodão e da cana-de-açúcar, depois de esgotadas as condições originais de exploração madeireira. Curiosamente, há duzentos anos, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, profetizava, alertando o Governo:

Todas as antigas matas foram barbaramente destruídas com fogo e machado, e esta falta acabou em muitas partes com os engenhos. Se o governo não tomar enérgicas medidas contra aquela raiva de destruição, sem a qual nada se pode cultivar, depressa se acabarão todas as madeiras e as lenhas (...), a população atrasar-se-á, e a apuração dos crimes experimentará cada vez maiores dificuldades no meio dos desertos (...)

(...) Nossos montes e encostas vão se escalvando diariamente e, com o andar do tempo, faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios (...)

            Hoje, com ínfimas parcelas da mata atlântica, o poder de Governo estabelecido sobre miséria nordestina acena com a introdução de sementes transgênicas para abastecer o Nordeste. E mais, articula ainda o grande negócio do novo milênio, mimetizado na mais fantástica das promessas de redenção e fartura: a transposição das águas do combalido rio São Francisco.

            A propósito, o mesmo José Bonifácio de Andrada, referindo-se à planície paulista do século 18, queixava-se dos resultados ambientais havidos até então, nos seguintes termos:

O miserável estado em que se encontram esses rios, sem margens e sem leitos fixos, sangrados em toda parte por sargetas, formam lagos e pauês que inundam esta bela planície. E o que é de mais lastimar é que quase todos esses males não são obra da natureza, mas sim o resultado da ignorância dos que quiseram melhorar o curso desses rios.

            Certamente o povo nordestino acredita num outro destino para a sua histórica luta, desde que lhe respeitem o direito básico de ser ouvido, consultado em seu saber de ciência e tradição cultural.

            A esse respeito, há poucos dias, assim manifestava-se com muita prosperidade o Deputado Clementino Coelho, do PPS pernambucano:

Com vontade política e racionalidade, com certeza, poderíamos ter mais de 10 milhões de empregos gerados nos próximos trinta anos somente nas margens do São Francisco, se entendêssemos que o racional é irrigar justamente as encostas e as barrancas do rio. (...) Nossa vocação é ser um centro de excelência, uma fronteira onde se vai produzir com a melhor técnica, disseminando novos conhecimentos e tecnologias (...) Mas o governo não quer debater a transposição, quer aprová-la numa manobra de bastidor, com uma intervenção política e eleitoral similar a tantas outras que já ocorreram em solo nordestino...

            De fato, ainda na semana que passou, tive a grata oportunidade de comentar aqui uma experiência que o saber nordestino conseguiu finalmente transformar em ação governamental, aliando homens de ciência e políticos sensíveis às contribuições do movimento social.

            Aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os cientistas são farta e inevitavelmente citados aqui sempre que questões socioambientais vêm à baila.

            Gostaria, portanto, de referir-me, rapidamente, à Convenção Climática, recém-concluída na Holanda, nos termos em que foi mencionada neste Plenário, especialmente no que diz respeito à participação dos cientistas:

            Na última segunda-feira, o Senador Gilberto Mestrinho criticou os diagnósticos de cientistas ambientalistas sobre as queimadas na Amazônia e a função que cumprem nas alterações atmosféricas globais. O Senador entende que as queimadas na Amazônia têm como conseqüência apenas a devolução à atmosfera do gás carbônico (CO2) que já havia sido retirado do ar e da terra. Disse também que as queimadas são realizadas em todo o mundo e, somadas, correspondem a um percentual relativamente pequeno na emissão de gás carbônico, se comparado à emissão dos automóveis e das indústrias dos países ricos.

            O Senador Bernardo Cabral (PFL - AM) ratificou as opiniões do Senador Gilberto Mestrinho, dando por “inverídicas” as previsões dos ecologistas sobre a Amazônia.

            Já o Senador Jefferson Péres (PDT - AM) tratou como “catastrofistas” e “apocalípticas” as previsões da ciência, embora ressalvasse a possibilidade de estarem corretas.

            Não conheço as fontes de informação científica que orientam as opiniões dos meus ilustres Pares, especialmente as do Senador Gilberto Mestrinho. Mas as de que disponho baseiam-se em outros indicadores. E apontam tanto para gravíssimos resultados da nossa displicência, como apresentam possibilidades concretas de reversão das atuais condições e de suas nefastas perspectivas.

            À luz da ciência tudo está, ao menos momentaneamente, à mercê da maturidade política dos povos sobre a Terra. Ou seja, tudo depende de como os seres humanos vão lidar com o poder tecnológico que, efetivamente, desenvolvemos e instalamos neste planeta.

            Nesse sentido, aliás, se considerarmos apenas o fracasso nas tentativas de um acordo entre as nações mais poluidoras da atmosfera, teremos uma visão parcial dos acontecimentos ocorridos em Haia.

            Cabe, pois, lembrar duas qualidades de entendimento que marcaram aquele evento:

            1º) Simultaneamente ao “desencontro” dos governantes, milhões de pessoas manifestaram-se unanimemente pelo acordo desejado, por meio de mensagens veiculadas numa imensa rede eletrônica global, dirigidas àqueles governantes. Pelo menos seis mil pessoas dos quatro cantos do mundo reuniram-se do lado de fora do prédio, onde se dava a reunião, numa demonstração - multiétnica, multinacional e multicultural - de um único e claro desejo: a preservação das condições naturais do planeta traduzida em ações políticas responsáveis.

            2º) Enquanto políticos em Haia negociavam um possível acordo para implementação do Protocolo de Kyoto, o setor privado operava positiva e concretamente com a questão de mudanças climáticas, lançando o primeiro site relacionado ao comércio de emissões de Gases Efeito Estufa no mundo, trazendo soluções de mercado para um problema ambiental.

            Chama-se CO2e.com e é parte do grupo da Cantor Fitzgerald, uma empresa de corretagem norte-americana, associada à PricewaterhouseCoopers.

            A CO2e.com tem escritórios em Londres, em Nova York e em Sydney, provendo serviços relacionados ao comércio de emissões ao redor do mundo. Associada a ela está também a EcoSecurities, como principal empresa fornecedora de serviços para o site. Adicionalmente, seu Programa de Associados conta com uma equipe multidisciplinar de líderes de marcado para fornecer serviços técnicos, cobrindo todos os aspectos relacionados à redução de emissões de gases de efeito estufa.

            Trata-se, sem dúvida, de passo significativo no processo de amadurecimento do mercado de gases de efeito estufa - isto que nós aqui tratamos como uma falácia apocalíptica de cientistas assombrados.

            Sr. Presidente, meus nobres Pares, temos, sem dúvida, nas questões socioambientais, uma discussão infindável e da qual não nos podemos arredar. Contudo, sei que já me estendi muito por hoje e peço que me perdoem por isso. Espero que o tema sempre volte a esta Casa a fim de que possamos entender a situação atual à luz da ciência e do nosso futuro.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


            Modelo14/25/245:14



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2000 - Página 24188