Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcrição de discurso proferido pelo Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho na abertura do Quinquagesimo Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, ocorrido entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro do corrente, em Teresina-PI. (como líder)

Autor
Hugo Napoleão (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Hugo Napoleão do Rego Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Transcrição de discurso proferido pelo Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho na abertura do Quinquagesimo Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, ocorrido entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro do corrente, em Teresina-PI. (como líder)
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2000 - Página 24383
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, PRESIDENTE, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADOS, MUNICIPIO, TERESINA (PI), ESTADO DO PIAUI (PI), OBJETIVO, DEBATE, PROBLEMA, REFORMA JUDICIARIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, LUIZ GONZAGA BRANDÃO DE CARVALHO, DESEMBARGADOR, ESTADO DO PIAUI (PI), SOLENIDADE, ABERTURA, ENCONTRO.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL - PI. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, agradecendo a deferência da Mesa, quero trazer ao conhecimento da Casa que, no último fim de semana, mais precisamente do dia 30 novembro ao dia 2 de dezembro, realizou-se em Teresina, capital do meu Piauí, o qüinquagésimo encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil. Todos os desembargadores presidentes dos tribunais reuniram-se na capital para discussão de temas que lhes são comuns, sobretudo, e principalmente agora, a questão da reforma do Judiciário, que está sendo submetida à consideração do Senado Federal. Os Srs. desembargadores fazem algumas restrições ao texto vindo da Câmara dos Deputados e solicitam que sejam feitas certas alterações, mais precisamente aquelas consubstanciadas nas manutenções de textos existentes na atual Constituição do País, como, por exemplo, questões relativas a juízes de pequenas causas; à manutenção dos dois terços e não da maioria absoluta para a remoção, disponibilidade ou aposentadoria de magistrados; e questões relativas ao tempo efetivo de serviço. Todas essas questões, aos olhos dos desembargadores presidentes, são pertinentes ao adequado funcionamento da Justiça em nosso País.

Então, desejo cumprimentar o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, pela excelência do evento, do encontro das personalidades que acorreram de todo o Brasil e que abrilhantaram, não apenas com suas presenças, mas, sobretudo, com os debates intensos, a sede do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e igualmente a sede do Hotel Rio Poti, em Teresina. Transmito, portanto, os meus cumprimentos e requeiro a incorporação, nos Anais do Senado, do discurso proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do meu Estado naquela ocasião.

Era o que tinha a dizer.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR HUGO NAPOLEÃO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

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            Discurso proferido pelo Des. Presidente do TJPI - Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho - na abertura dos trabalhos do 50º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil

Saudações (a cargo do cerimonial)

Dos nove Estados de que se compõe o Nordeste brasileiro, o Piauí é o único, cuja Capital, está localizada longe do litoral, ou seja, fica situada em pleno sertão. Deve-se esta condição a fatores geopolíticos, econômicos e sociais. Ao contrário do ocorrido nos demais Estados desta região, nosso povoamento e, conseqüênte, colonização, não partiu do mar para o interior, mas do interior para o litoral. Bandeirantes, pioneiros, idealistas, criadores de gado, vencendo as grandes distâncias, aqui penetraram no final do Século XVIII, pelo extremo sul da futura Província, em busca do norte, fixando-se em aldeamentos ao longo de 1.200 km.

Criada a capital primeira - Vila da Mocha, depois Oeiras - por iniciativa de um baiano obstinado, de nome José Antônio Saraiva, deslocou-se o Centro Administrativo daquela Vila para onde hoje nos encontramos. Isto, no dia 16 de agosto de 1852. "Teresina já nasceu capital, pois a mesma Resolução Imperial que elevou a Vila do Poti à categoria de Cidade, autorizou também a transferência da sede do Governo para esta Cidade. Saraiva nasceu em Santo Amaro, Bahia, em 1823. Portanto, ao fundar esta Cidade, tinha 29 anos de idade. Bacharel em Direito, foi um dos últimos estadistas do Império. Deputado provincial e geral, Senador pela Bahia, Ministro da Marinha, dos Estrangeiros, da Guerra e Presidente do Conselho de Estado".

O topônimo Teresina é um anagrama de Teresa Cristina, a última Imperatriz do Brasil. Fica nossa Capital situada no vértice de um ângulo formado pelo encontro de dois rios: o Parnaíba e seu mais caudaloso tributário, o Poti. O Escritor Coelho Neto deu-lhe o nome de Cidade Verde, por ser uma das cidades brasileiras mais densamente arborizadas.

Esta "Cidade Verde" tem hoje uma população em torno de 700.000 pessoas.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Piauí foi criado há 109 anos. Desde então adquiriu proeminência, mérito e admiração, por sua importância na diuturna distribuição da Justiça, lutando contra todas as adversidades que uma Corte de Justiça pode enfrentar nos seus elevados desígnios, na projeção do tempo.

É bem verdade que os Três Poderes anímicos do regime democrático, convivem aqui em harmonia e independência. Mas esta harmonia não é infensa a atritos decorrentes de desigualdades no tratamento financeiro que o Executivo vinha dispensando ao Judiciário, pelas mesmas razões geopolíticas.

Há dez anos, tinha o Piauí 116 Municípios. Num processo divisório político acelerado, temos hoje 222 Municípios e, para o exercício da função judicante, nesta área de 252 mil quilômetros quadrados e 2.580.000 habitantes, contamos apenas com 89 Comarcas. Nosso Tribunal de Justiça compõe-se de apenas 13 desembargadores para cobrir tão ampla Jurisdição. Advém deste reduzidíssimo número de juízes de 1º e 2º graus o enorme descompasso existentes entre a sufocante demanda de processos judiciais nas entrâncias e o imenso volume de feitos em grau de recurso. Vivem os magistrados monocráticos - por decorrência de sua reduzida quantidade - vergando sob o peso de esmagadora sobrecarga de atividades. Este quadro é geral e grave. E se agrava muito a cada instante, desde a mais longínqua Comarca ao foro desta Capital. Urge a efetivação de uma substancial reforma no Judiciário piauiense. Para tanto, preparamos um ante-projeto que visa modernizar a Justiça piauiense em seu mais largo espectro, apenas para discussão de pontos ainda não deliberados perante uma comissão de desembargadores, nomeada para tal fim, acreditando nós na vontade livre e soberana dos senhores desembargadores para o quanto antes aprovarem este audacioso projeto que mudará a face do Judiciário piauiense. Não basta reformar os velhos e inadequados prédios dos fóruns interioranos e da Comarca metropolitana.

Buscando superar pelo menos as dificuldades mais prementes, essa presidência conseguiu, a duras penas, mas contando com a compreensão e boa vontade de nosso Legislativo, modificar a Constituição Estadual, criando uma vaga de desembargador, ainda não provida. Temos buscado adequar nossa minguada disponibilidade orçamentária à lei de responsabilidade fiscal, o que apequena o Poder Judiciário e agiganta os seus trabalhos, num processo prático de afunilamento do próprio poder. Este vertiginoso aumento de Municípios em tão pouco tempo levou-nos a uma situação esdrúxula: há juízes cuja Jurisdição abrange área geográfica tão grande que alcança até cinco Municípios, com algumas sedes distantes até 40 km entre si, sem um centímetro de estrada asfaltada. O quadro é altamente preocupante.

A Justiça é pública. É do povo. Poder personalíssimo no Estado democrático de direito, seus membros levam uma única vantagem sobre os membros dos outros dois Poderes: conquanto submetidos a rigoroso processo seletivo, não precisam de voto popular, não se alternam em mandatos eletivos e são vitalícios. Em contrapartida, nos momentos de comoção social, cada vez mais freqüentes, com o impressionante crescimento da violência nas cidades e nos campos, o inchaço de todas as Capitais com o irreprimível favelamento periférico, o desconcertante aumento da criminalidade, o uso e o tráfico de drogas narcotizantes, sobretudo o que se resolveu chamar de crime organizado, o desemprego que torna o cidadão vadio contra a sua vontade, mendigo sem o querer, nestes momentos o povo - que elege seus governantes sob a tutela legal da Justiça Eleitoral, revoltado, com fome, desorientado, agrupa-se em manifestações coletivas, em passeatas com faixas e cartazes. Ninguém diz "queremos Executivo!". "Queremos Legislativo!". Mas todos escrevem e gritam repetidas vezes: "Queremos justiça!, queremos justiça".

Sabemos que o Estado brasileiro entrou em crise, falhando até mesmo em suas mais primárias funções, quais sejam: educação, segurança, saúde e justiça, bens inalienáveis da pessoa humana, que jamais poderiam ser postergados a um plano secundário. É curial que mais do que outros países em desenvolvimento, o Estado brasileiro, depois de uma fase de crescimento hipertrófico no final da década de 70 e 80, entrou em crise, falhando no desempenho de suas funções essenciais, com a ideologia neoliberal, hoje tão em voga. A sociedade ascendeu e se tornou mais consciente, inconformada e demandante, exigindo dos setores públicos maior comprometimento com a coisa pública, inconformada com a endemia da corrupção, da malversação do dinheiro público, advindas de máquinas estatais obsoletas, que não servem, na sua essência, ao cidadão. Qual seria a forma de estado a se reconstruir? Para uns, o estado mínimo como adoção de modelo oposto do estado absoluto ou totalitário fosse a solução completa e acabada; outros pregam o estado interventivo, ou um conservadorismo acentuado. Entretanto, como nos adverte Diogo de Figueiredo Moreira Neto " ... a busca por uma solução equilibrada, que também leve em consideração as experiências e o grau de processo alcançado individualmente por cada país, haverá de ser muito mais o fruto da experiência, quiçá de tentativas bem orientadas e lastreadas na observação, ou o resultado da imposição de premissas dogmáticas e ideológicas, produzidas em gabinetes ou aclamadas em palavras de ordem de militantes conduzidos pela paixão".

De igual forma, qual o judiciário que pretendemos ter? é bom lembrarmos a bem humorada paródia de Salvadore Veca, a saudar Norberto Bobbio em um seminário sobre a teoria do estado de Marx, a propósito das indagações feitas ao mestre de Turin, simplesmente respondia: quale stato? Quale socialismo? Ao perguntar jocosamente, por sua vez, quale Bobbio?

Este pequeno texto citado, ajusta-se como uma luva à mão, quando questionamos "qual judiciário", pois, sem definir-se o judiciário que se pretende, não há como falar-se em reformá-lo.

Estamos, Senhores Senadores da República, aqui presentes, bastante preocupados com este estado de coisas que se instalou contra o judiciário brasileiro no projeto Zulaiê Cobra, infelizmente com a receptividade integral dos Senhores Deputados Federais. É de consignar-se nossa profunda preocupação com a forma fragmentária e desordenada que estão sendo conduzidas as reformas constitucionais. A ausência de um projeto reformador sistemático que seria mais aproximadamente conduzido por um processo unificado de revisão, do que por uma sucessão atomizada e desarticulada de emendas, como só deve acontecer, pondo em risco a unidade e a coerência que se deve exigir de uma constituição e, fatalmente, lançará sobre a justiça, já tão exigida, novos problemas a dirimir em acréscimo aos que se deve superar.

Mas como fazer justiça, meus senhores, com um poder judiciário pressionado por dificuldades de toda natureza? Um poder cerceado pelo seu próprio desaparelhamento, desfalcado de magistrados e de funcionários, desinformatizado, desprovido de meios materiais, de recursos financeiros que mantenham o sistema judicante à altura da sua destinação constitucional?

Estão aí os sistemáticos descumprimentos das decisões judiciais oriundas do processo legal; a insuportável ameaça de um controle externo do próprio poder; a súmula vinculante, a retirada de juízes monocráticos e de desembargadores de suas funções para composição e funcionamento de justiças especiais: a castrense e a eleitoral.

Neste estado de coisas, imperiosa se torna a reforma do poder judiciário como um todo. Os tribunais superiores já se reestruturam para suportar e resolver a avalanche de processos judiciais do milênio que se inicia, desobrigando-nos, nós da justiça comum estadual, de conhecer, processar e julgar causas trabalhistas e crimes militares, à exceção dos homicídios dolosos perpetrados por militares e que são originários do Tribunal do Júri. E o Ministério Público, na sua elevada função de fiscal da aplicação da lei, e titular da ação penal pública, há de se adaptar também, aparelhando-se para o seu mister, aperfeiçoando, reciclando e ampliando os seus quadros segundo estas mesmas necessidades.

Para atender a demanda dos serviços judiciários, se faz necessário a elevação do número de juízes em todo o Estado do Piauí, o que faremos a partir do próximo ano, através de concurso público, na forma constitucional.

A partir de agora estamos dando o passo definitivo rumo a informatização do judiciário piauiense, havendo neste sentido contato com técnicos especializados, para tal finalidade.

Não coonestamos com um judiciário pusilânime, no qual suas decisões são descumpridas em detrimento do poder, e dos interesses altruísticos das partes envolvidas. Queremos um judiciário forte, imbatível, altaneiro e, sobretudo, respeitado pelos demais poderes constituídos e pela própria sociedade. Justiça fraca é sinônimo de subserviência, de descalabro das instituições e, sobretudo, a própria negação do estado de direito.

Senhoras Desembargadoras, Senhores Desembargadores:

O Estado do Piauí entende ser mais que um dever, mais que uma honra, é um privilégio sediar o 50º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil.

Aqui serão discutidos, debatidos os mais palpitantes temas e apontadas soluções para os problemas de amplitude nacional, nos campos do Direito e da Justiça. Direito e Justiça: razão primeira e última da nossa profissão de julgador.

Sejam todos bem-vindos.

Nossa Cidade Verde os acolhe em seu seio aconchegante e hospitaleiro, esperando que esta viagem-tarefa seja fecunda, produtiva e útil, atendendo plenamente às suas elevadas finalidades.

E que, ao retornar aos seus respectivos Estados, levem consigo o penhor do respeito e da gratidão de todos os magistrados do nosso muito querido Piauí.

Estejam em casa!

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2000 - Página 24383