Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.

Autor
Arlindo Porto (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MG)
Nome completo: Arlindo Porto Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2000 - Página 24456
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, GUSTAVO CAPANEMA, EX-DEPUTADO, EX SENADOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, INCENTIVO, ENSINO SUPERIOR, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ARLINDO PORTO (PTB - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Antonio Carlos Magalhães, Sr. Gustavo Afonso Capanema, filho do nosso homenageado, Srªs e Srs. Senadores, familiares do homenageado, mineiros que prestigiam esta solenidade, minhas senhoras e meus senhores, é com grande alegria que estou na tribuna desta Casa, hoje, para homenagear um intelectual refinado e um dos homens públicos mais notáveis deste País. Ele nos deixou aos 85 anos de idade, no dia 10 de março de 1985, na cidade do Rio de Janeiro, depois de cumprir um total de nove mandatos parlamentares durante 37 anos, inclusive o de Senador nesta Casa. Foi uma personalidade marcante da história política e cultural brasileira durante quase 60 anos. Cultuar a memória de grandes personalidades pátrias é a forma que temos de imortalizar os que nos antecederam e os oferecermos, como exemplos, a nós mesmos e aos que nos sucederão.

            Gustavo Capanema, advogado, magistrado, professor, educador e político, nasceu em Onça do Pitangui, no Estado de Minas Gerais, em 10 de agosto de 1900.

            Segundo depoimentos de inúmeras pessoas que acompanharam de perto a sua movimentada e vitoriosa trajetória de vida, era dotado de brilhante inteligência e de rara capacidade para estudar e saber. Por essas qualidades, sempre foi, ao longo de toda a sua trajetória estudantil, um dos alunos mais distintos por onde passou.

            Como reconhecimento pelos seus esforços acadêmicos, recebeu da Faculdade de Direito de Minas Gerais o Prêmio Barão do Rio Branco, por ter sido, durante todo o curso, o estudante mais competente em todas as disciplinas.

            Desde o início dos seus estudos de Direito, Gustavo Capanema já demonstrava grande interesse pela educação e pelo magistério. Assim, logo após receber o diploma de advogado, voltou à sua cidade natal e ingressou no magistério como professor da Escola Normal.

            Como docente, em contato permanente com os livros, professores, alunos e as questões educacionais, passou a viver e conhecer, teoricamente e na prática, os desafios e as maiores deficiências da educação brasileira. Quando foi chamado por Getúlio Vargas para ocupar o Ministério da Educação e Saúde, em 1934, Capanema já acumulara vasta experiência política e entendia profundamente de educação, já tinha pronto um eficiente plano de trabalho para esses dois setores, o qual ele executou com muita competência ao longo dos onze anos em que esteve à frente do Ministério. Aqui, o destaque foram as mudanças na área da saúde, nas artes, na cultura e, principalmente, a revolução no ensino brasileiro, mais tarde chamada de “Reforma Capanema”, tal a sua significação histórica.

            Portanto, antecipando-se às importantes mudanças que aconteceriam, no início dos anos 40, ele criou, em 1939, a Faculdade Nacional de Filosofia. Em seguida, o ensino nas áreas universitária, secundária, industrial e comercial passou por uma grande reforma, quando nasceu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e o Instituto Nacional do Livro, este último o grande incentivador da criação de centenas de bibliotecas populares pelo país afora. Além desses, criou o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional e, acompanhando essas notáveis mudanças, transformou a Universidade do Distrito Federal em Universidade do Brasil. Entre as inovações, foram criadas as Faculdades de Ciências Econômicas no Rio de Janeiro e a Nacional de Arquitetura. Importantes obras públicas foram realizadas sob o seu comando, especialmente prédios educacionais, inclusive o edifício-sede do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, hoje “Palácio da Cultura Gustavo Capanema”, obra que marcou o início da arquitetura moderna no Brasil, pelo traço do francês Le Corbusier.

            Apesar das críticas de alguns a respeito de suas estreitas relações com as áreas mais conservadoras da Igreja Católica, que se opunham à interferência do Estado nas atividades educacionais, toda a sua permanência à frente do Ministério da Educação foi marcada pelo espírito do diálogo com os setores mais oposicionistas, e pelo espírito da diplomacia para conquistar, junto aos meios mais tradicionais, os espaços que julgava mais importantes para o avanço da educação no País.

            Foi seguindo esses caminhos diferentes que o nosso homenageado conseguiu imprimir, em pleno Estado Novo, expressivos avanços à cultura e às artes brasileiras, demonstrando equilíbrio, paciência, responsabilidade, sensibilidade, e deixando bem claro para os bons entendedores os seus verdadeiros propósitos como Ministro.

            A partir da administração de Gustavo Capanema, no Ministério da Educação, entre 1934 e 1945, floresceu e consolidou-se no Brasil o movimento modernista de 1922, com o trabalho de arquitetos, artistas plásticos, músicos, pintores e escritores do nível de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Afonso Reydy, Bruno Giogi, Burle Marx, Alfredo Ceschiatti, Heitor Villa Lobos, Mário de Andrade, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cândido Portinari - só para citar uns poucos - levando aquela revolução cultural a todos os campos da manifestação do pensamento humano no Brasil.

            Aliás, Carlos Drummond de Andrade, poeta e amigo, nomeado chefe de gabinete do Ministro Capanema, ajudou a transformar aquele local em um centro de atração e de irradiação de intelectuais e artistas, gerando uma verdadeira transformação no seio das artes, das letras e da cultura brasileira, como define Murilo Badaró, autor do livro sobre a vida do ex-deputado, senador e ministro que hoje reverenciamos, o qual ele qualificou de “mineiro que ganhou a glória da imortalidade, um grande brasileiro”.

            Inegavelmente, por causa desse equilíbrio e graças à sua habilidade, coerência e flexibilidade de idéias, era excelente o relacionamento de Gustavo Capanema com a vanguarda intelectual brasileira, incluídos o educador Anísio Teixeira, jornalistas, escritores e poetas de orientação modernista. Ao mesmo tempo, no outro extremo, ele conseguia cultivar relacionamento estratégico com figuras importantes do conservadorismo brasileiro da época, como Alceu de Amoroso Lima, Padre Leonel Franca e o Cardeal Leme do Rio de Janeiro, expoentes máximos do pensamento contrário às chamadas idéias progressistas.

            É importante ressaltar que esse ecletismo filosófico e o pluralismo ideológico praticados por Gustavo Capanema tinham muito a ver com o momento político da época, quando governava o país Getúlio Vargas, de origem castilhista e positivista, e tínhamos uma Igreja majoritariamente dominada por sua ala conservadora, influente e poderosa socialmente, e ainda campeava pelo mundo a polarização entre as doutrinas de esquerda e de direita. Dessa maneira, falavam mais alto a sutileza e a habilidade, as conveniências políticas e as razões de Estado da época do que a simples vontade de abraçar, sem limites, os ideais vanguardistas nacionais.

            Vale ressaltar, igualmente, que, nesse particular, é fácil perceber em Gustavo Capanema as duas faces da moeda. De um lado, o homem de vanguarda, o grande administrador ávido por reformas e por mudanças profundas na estrutura da educação e da cultura em seu país. Do outro, o político nato, ético, aquele que não age impulsionado pela emoção e que sabe, exatamente, o quanto pode avançar para não causar estragos ou colocar em risco o equilíbrio institucional existente.

            Durante todo o período em que serviu ao Governo Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, como todo bom mineiro, soube muito bem conciliar as ações de sua pasta com os interesses políticos conjunturais determinados pelo Palácio do Catete. Enfim, estava muito claro para ele que o sucesso de sua permanência no aparelho de Estado daquela época dependia diretamente de sua capacidade de circulação entre essas duas fronteiras totalmente opostas e de interesses ideológicos divergentes.

            Gustavo Capanema foi hábil no trabalho para evitar conflitos iminentes e demonstrou, como poucos, uma imensa capacidade de diálogo, de observação e de conciliação, mesmo nos momentos mais delicados que enfrentou durante o Estado Novo. Ele aprendeu muito cedo as lições do primeiro Ministro da Educação da era Vargas, Francisco Campos, que ambicionava conseguir que a Igreja fosse um grande instrumento de mobilização para a sustentação do regime.

            Como o seu Ministério incluía a área de saúde, são destacadas as iniciativas voltadas também para esse setor, como o programa de combate às endemias que grassavam pelo País, por meio de um combate sistemático e de uma política de sua erradicação, a criação do Departamento Nacional da Criança, destinado à proteção à infância e à parturiente, além de ações de sensibilização e orientação dos brasileiros de todos os cantos sobre doenças, sua prevenção e tratamento recomendado.

            Como pudemos perceber, Gustavo Capanema, além de ser um homem de grande visão administrativa e um educador dos melhores, foi um exímio político. Antes de ser nomeado Ministro da Educação e Saúde, foi Chefe de Gabinete do Governador mineiro Olegário Maciel, entre 1930 e 1931; Secretário do Interior do Estado, entre 1931 e 1933; e Interventor em Minas Gerais entre 1933 e 1934, quando substituiu Olegário Maciel, que havia morrido Presidente do Estado de Minas Gerais e cujo Vice também havia morrido pouco tempo antes. Olegário Maciel, outro grande mineiro, é lembrança constante em Patos de Minas, minha terra natal, onde morou desde os seis anos de idade.

            Em 1934, Capanema foi substituído por Benedito Valadares na interventoria, o mesmo Benedito que ele sucederia neste Senado Federal em 1971, 37 anos depois.

            Plínio Barreto, em artigo publicado no jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, quando do centenário do nosso homenageado, em agosto último, o definiu como “esguio, com uma precoce calvície e com óculos de grossas lentes, o que revelava seriedade no semblante sempre expressivo. Um figuraço.” Ao relembrar que, lá pelos anos 30, criança ainda, estudante do então Grupo Escolar Silviano Brandão e do Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, sempre ouviu falar bem do Doutor Gustavo Capanema, um nome respeitado e considerado como o responsável pelos métodos educacionais em favor da juventude estudantil do País.

            Seu primeiro mandato parlamentar foi como Vereador em Pitangui, em 1930. Com a redemocratização, a partir de 1945, não saiu mais da vida parlamentar. Naquele mesmo ano, fundou o PSD e, em seu trabalho de arregimentação, esteve muitas vezes na minha querida cidade natal, Patos de Minas, onde era hóspede de um outro pessedista histórico que me foi muito caro: meu avô, Arlindo Porto, de quem herdei o nome e também o gosto pelo seu estilo de fazer política. Se vivo estivesse, meu avô teria completado 100 anos no ano passado, seguindo os mesmos princípios que nortearam seu contemporâneo Capanema, a quem sempre foi fiel, amigo, correligionário e companheiro.

            Pelo PSD que fundou, Capanema foi eleito Deputado Federal Constituinte e, daí para frente, cumpriu seis mandatos consecutivos, até 1967, sendo escolhido Senador da República em 1970, para a Legislatura 1971/1979. Aqui, no Congresso Nacional, ele provou ser um intelectual de rara estatura, com larga visão, ético, que não esqueceu a vida que dedicara à cultura, à educação, ao magistério e à lei, tornando-se respeitado, ouvido, excelente articulador, um grande orador, que deixou registradas nos Anais da Câmara dos Deputados e nesta Casa peças históricas.

            Capanema foi Líder do Governo Getúlio Vargas em momento difícil da vida nacional, entre 1951 e 1954, e Líder da maioria até 1956, quando destacou a personalidade política, sua honradez, a sua integridade e a capacidade de negociação parlamentar.

            Neste Senado Federal, ele representou Minas Gerais com Magalhães Pinto e Milton Campos, na sua primeira legislatura, e com Magalhães Pinto e Itamar Franco nos últimos quatro anos, tendo ele e Magalhães sido substituídos, em 1979, pelo nosso grande ex-Senador Murilo Badaró, hoje seu biógrafo, e o inesquecível Presidente Tancredo Neves.

            Para mostrar aos mineiros quem foi essa grande figura da história e da política brasileiras, o Governador do meu Estado, Itamar Franco, criou uma comissão de alto nível para coordenar as comemorações pelos 100 anos do nascimento de Capanema, e o ponto alto foi a solenidade realizada na Academia Mineira de Letras, em agosto, para homenageá-lo e, ao mesmo tempo, promover o lançamento do livro Gustavo Capanema - A Revolução na Cultura, do ex-Senador Murilo Badaró, também biógrafo de José Maria Alkmin e de Milton Campos. Eventos importantes, com o mesmo objetivo, aconteceram na Câmara Municipal de sua cidade natal, Pitangui, onde ele foi eleito Vereador há 70 anos, aos 29 anos de idade; na UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais, com o seminário “Gustavo Capanema - Política e Cultura”; e no Tribunal de Justiça, que lhe dedicou sessão solene.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de finalizar este pronunciamento, quero relembrar que a estrela de Gustavo Capanema brilhou nos céus da política brasileira por quase 60 anos. Com a sua partida, ficou um grande vazio e um exemplo de mestre, de engajamento nos momentos mais delicados da vida institucional brasileira, de parlamentar hábil e de homem público dos mais admirados por todas as correntes ideológicas. Seu respeito à democracia nos faz lembrar um de seus pensamentos: “A política tem de ser o primado da razão contra a violência. Nas épocas de apagamento do saber, é indispensável que uma lúcida minoria continue vigiando a chama, a fim de que a luz da razão não venha a fenecer de todo.

            Hoje, na comemoração do centenário do seu nascimento e 15 anos depois de sua morte, devemos dizer que ele repousa placidamente ao lado de outras figuras ilustres do cenário político nacional, como Olegário Maciel, Cristiano Machado, Benedito Valadares, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Abgar Renault, Milton Campos, Afonso Arinos de Melo Franco, San Tiago Dantas, Magalhães Pinto e tantos outros que escreveram os momentos mais memoráveis de nossa história política.

            Foi por tudo isso, e pelo que esse inesquecível coestaduano fez por nosso País que o Presidente Fernando Henrique Cardoso decretou, em 27 de janeiro, que este ano de 2000 seria “o ano de Gustavo Capanema” e nós, hoje, enaltecemo-no, no limiar deste ano, para pedir que ele nos inspire a todos para que a educação e a cultura elevem o nosso povo, garantindo mais justiça social, dignidade e melhores dias para todos, como Capanema planejou e buscou executar há pelo menos 65 anos.

            Muito obrigado. (Palmas)


            Modelo14/25/244:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2000 - Página 24456