Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2000 - Página 24471
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, GUSTAVO CAPANEMA, EX-DEPUTADO, EX SENADOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, EMPENHO, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, SAUDE, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal rende, na data de hoje, homenagem ao centenário de nascimento de um ilustre filho do Estado de Minas Gerais e seu digno representante nesta Câmara Alta. Não o faz, estou certo, motivado unicamente pelo entusiasmo de reverenciar a memória de um dos seus pares, daquele que desempenhou com galhardia e dignidade o mandato senatorial que lhe conferiu a vontade do povo nas urnas. Não, Srs. Senadores, esse gesto seria muito pouco diante da grandeza do homem que foi Gustavo Capanema!

            Esta Casa o homenageia hoje, porque, acima de tudo, ele foi um brasileiro notável, extraordinário, que marcou sua passagem pela vida pública nacional como poucos o lograram fazer. O que ele fez pela política, pela educação, pela cultura, pelas artes do País não se esvaiu como um sopro passageiro. Permanece até hoje, e permanecerá pelo tempo que duram as obras imorredouras. Permanecerá para sempre! 

            Falar de um homem, de sua vida, de seus feitos, de suas idéias é sempre uma empreitada difícil. Os homens não são como os personagens-tipo de obras de ficção que se apresentam sempre com uma mesma e única caracterização psicológica, um mesmo padrão de conduta. Se são bons, o são do começo ao fim do enredo. Se são ingênuos, agem com ingenuidade em todas as cenas da história. Os homens não são personagens-tipo no script da vida real. Por isso é sempre difícil falar deles. Mais ainda o é quando o homem de quem falamos exibe a qualidade de ter sido muitos em um só. De ter sido múltiplo em sua aparente unicidade. Pois Gustavo Capanema é desses homens. Foi muitos, sendo um só. E nesses muitos, sempre imprimiu sua marca de excelência. Assim é que vamos encontrar o Capanema administrador, o Capanema político, o Capanema ministro, o Capanema humanista, e tantos outros mais. Todos talhados na mesma forja de honradez e dignidade. Como disse Maria Julieta Drummond de Andrade, ao lamentar a morte do amigo querido, um homem feito de "aço e doçura". 1

            Dessas muitas faces que podemos destacar em Gustavo Capanema, vou selecionar uma para nela centrar minhas homenagens. Ao fazê-lo, não estarei menosprezando suas outras faces. É que esse homem de personalidade multifacetada pode ser admirado como se admira um prisma. Cada face que se ilumina revela recônditas e insuspeitadas belezas. Vou, deliberadamente, iluminar a face que mais me encanta, fascina e atrai. O impulso pela arte, que me compele a fazer um verso aqui outro acolá, estende uma ponte de empatia por onde me chega, afetuosamente, a figura de Capanema. É por isso que quero falar do homem-cultura, do homem-arte, do homem-modernidade.

            Também no terreno da cultura e das artes, Gustavo Capanema mostrou sua singular sabedoria e habilidade em se sobrepor às disputas ideológicas que agitavam seu tempo. Cercado por figuras de peso que representavam o melhor de nossas letras, nossa música, pintura e arquitetura, entre os quais se destacavam Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Augusto Meyer, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Villa-Lobos, Cecília Meireles, Lúcio Costa, Vinícius de Moraes, Oscar Niemeyer, e muitos outros, Capanema soube, com maestria, superar as críticas adversas e os ataques cruéis dos que se opunham ao seu espírito vanguardista.

            Não há biografia desse extraordinário brasileiro que deixe de mencionar sua ousadia ao fazer construir o belíssimo edifício do MEC, no Rio de Janeiro, marco e símbolo da arquitetura de vanguarda no País. Para Antônio Carlos Villaça, esse foi "o começo da nossa revolução em matéria de arquitetura, escultura e pintura". 2 Para muitos, a construção desse prédio, assessorada pelo próprio Le Corbusier, o papa do cubismo, foi o arrombamento necessário que permitiu, mais tarde, vôos ainda mais audaciosos, como a construção da Pampulha e o milagre do surgimento de uma cidade de feição modernista no seio do Planalto Central.

            Coube ainda a Capanema a criação, em termos institucionais, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Instituto Nacional do Livro.

            O acadêmico Abgar Renault 3, amigo de Capanema desde os tempos da Faculdade de Direito de Minas Gerais, ao fazer um elogio do amigo da vida inteira, observa que, muitas vezes, o comentário que se faz do homem de Estado que foi Capanema concentra-se na ênfase dada à arte moderna, como se residisse apenas aí a grandeza de sua obra em favor da cultura nacional.

            Isso não é verdade, segundo Abgar Renault. Há uma série de realizações importantíssimas para a cultura em geral e para as artes da palavra, que não se deve olvidar. Capanema encomendou a autores ilustres, como Sérgio Buarque de Holanda e Manuel Bandeira, antologias da poesia brasileira da fase colonial e dos períodos marcados pelo romantismo, simbolismo e parnasianismo, as quais tratou ainda de publicar. Também incentivou obras como o Dicionário da Língua Portuguesa, especialmente dos períodos medieval e clássico, a coletânea Textos Quinhentistas, organizada pelo sábio professor Sousa da Silveira, além de traduções de obras notáveis, entre as quais se inclui a tragédia shakespereana Romeu e Julieta.

            Conta ainda Abgar Renault do empenho pessoal de Capanema na publicação das obras completas de Ruy Barbosa, seja escolhendo tipo e papel, seja cuidando da exatidão dos textos, os quais chegou a rever pessoalmente ajudado por Américo Jacobina Lacombe. Em decorrência de tamanho empenho, chegaram a vir a lume, a partir de 1941, 123 volumes da vultosa obra de nosso "Águia de Haia".

            Conhecedor profundo do idioma pátrio, que manejava com exímia maestria, consta que Capanema não assinava o mais simples cartão sem ler atentamente, ocorrendo muitas vezes o retorno de documentos ao serviço datilográfico para sair na mais perfeita lavra. Talvez encontremos aí a razão de não nos ter brindado o brilhante escritor com mais obras de sua pena.

            É verdade que nos deixou uma série de discursos parlamentares de rara beleza e elegância. Mas queríamos mais do literato Capanema, porque o que nos legou constitui uma mostra inconteste de sua proficiência no manejo das palavras. Talvez tivesse intuído quão difícil é lidar com palavras! "Lutar com palavras" 4, como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade, num poema do qual reproduzo os primeiros versos:

           Lutar com palavras

           é a luta mais vã.

           Entanto lutamos

           mal rompe a manhã.

           São muitas, eu pouco.

           Algumas, tão fortes

           como um javali.

            Capanema deixou-nos em livro, no entanto, pérolas de seu espírito aguçado e perspicaz. São aforismos, máximas, encerrados no livro intitulado Pensamentos. "São palavras originais, ora graves, ora irônicas, sobre os mais variados temas, todos ricos de sabedoria e vazados em linguagem primorosa...", como bem caracterizou Abgar Renault.

            No dizer de Antônio Carlos Villaça, "Capanema foi uma vocação puramente intelectual que a política roubou à literatura". Como político, no entanto, marcou sua conduta com o signo da cultura. Foi, como muitos já o disseram, um verdadeiro ministro da cultura, muito antes de havermos criado um ministério para tal fim.

            Reconheço em minha fala de hoje seu caráter de incompletude. Longe estava de meus propósitos, na verdade, falar tudo a respeito de Gustavo Capanema. Aliás, seria uma tarefa irrealizável para um pronunciamento de homenagem, como este quer ser. Mas são tantas as vozes a se altearem hoje nas comemorações do centenário de nascimento desse grande brasileiro, que meu discurso vai ganhando completude à medida que se sucedem as falas neste plenário.

            A somatória de nossas palavras, por certo, logrará iluminar todas as faces da personalidade complexa de Gustavo Capanema, até mesmo das contradições percebidas em sua trajetória de homem público, fruto de um tempo impulsionado pela ânsia de modernização e, ao mesmo tempo, crivado por idéias conservadoras.

            Para encerrar, Sr. Presidente, gostaria de reproduzir um pequeno poema, em que o amigo de sempre e chefe de gabinete de muitos anos, Carlos Drummond de Andrade, manifesta sua gratificação por ter servido a Capanema durante tantos anos.

            Eis o poema, que se chama Balanço:

           Meu querido Capanema,

           se tantos anos servi

           sob tua ordem, algema

           não era: não foi a ti

           o serviço (se o prestava)

           mas a mim, pois logo vi

           que tanto mais te admirava

           quanto mais te conheci. 5

           Muito obrigado a todos pela atenção.

___________

1 "Despedida ao amigo Gustavo Capanema", O Globo, 16 de março de 1985.

2 "Um político que nasceu com o século", Jornal do Brasil, 11 de março de 1985.

3 "Elogio de Gustavo Capanema", Digesto Econômico, novembro/dezembro de 1985, página 23.

4 Obra Completa, Aguilar, 1967, página 126.

5 Obra Completa, Aguilar, 1967, página 378.

 

            


            Modelo14/19/247:46



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2000 - Página 24471