Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a entrevista concedida ao Jornal do Brasil, edição de 27.12.2000, pelos Procuradores da República, intitulada "Cruzada contra a Corrupção Estrutural". (Como líder)

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre a entrevista concedida ao Jornal do Brasil, edição de 27.12.2000, pelos Procuradores da República, intitulada "Cruzada contra a Corrupção Estrutural". (Como líder)
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 29/12/2000 - Página 25643
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ENTREVISTA, LUIZ FRANCISCO DE SOUSA, GUILHERME SCHELB, PROCURADOR DA REPUBLICA, REFERENCIA, DENUNCIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TOLERANCIA, CORRUPÇÃO, PAIS, AUSENCIA, EMPENHO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de vir à tribuna fazer um comentário, ainda que sucinto, sobre a entrevista dada ao Jornal do Brasil e publicada na edição de ontem, quarta-feira, 27 de dezembro, pelos Procuradores da República Luiz Francisco de Sousa e Guilherme Schelb.

            É óbvio que, pelo seu conteúdo, essa entrevista teria que provocar reações muito fortes, uma certa manifestação sísmica dentro das hostes governamentais, porque traz denúncias que, a par de serem verossímeis, são também profundas e instigantes.

            É claro que todos concordamos que esses Procuradores são pessoas que, por vezes, assumem certas posturas que são encaradas como radicais ou como indevidas para o cargo que exercem. Na verdade, eles veiculam denúncias que são transmitidas por órgãos de imprensa e comentadas nesta Casa. Por exemplo, a opinião deles segundo a qual o Governo Fernando Henrique é tolerante com a corrupção já mereceu expressão do próprio Presidente da Casa, em um momento de entrevista à imprensa. Eles veiculam expressões que são polêmicas, em muitos casos, mas que não constituem julgamentos, como eles mesmos fazem questão de acentuar. O fato de investigar determinado assunto não significa julgar, absolutamente. E o fato de declarar, de mostrar ou apresentar à imprensa ou à opinião pública, por intermédio da imprensa, essas investigações constituem, no parecer deles, um dever de servidor público. Dizem eles que todo servidor público, que todo órgão público tem obrigação de dizer publicamente o que está fazendo, de mostrar à sociedade e dar-lhe satisfação de seu desempenho.

            De forma que, Sr. Presidente, essas acusações de que há licitações direcionadas, obras superfaturadas, convênios fictícios, que no fundo são contratos, desvios de recursos, renúncias fiscais ilícitas, sonegação, há pouco muito discutida nesta Casa, são temas que já se incorporaram ao temário político desta Nação e que precisam ser discutidos sim. É importante que as pessoas que lidam, em seu dia-a-dia profissional, com esses assuntos venham a público dizer o que pensam e o que estão fazendo.

            Se há exageros, eles não constituem absolutamente motivo para fazer calar os Procuradores, como pretendem várias personalidades do Governo. A reação à entrevista publicada nos jornais de hoje, de iniciativa do Presidente da República, que pede abertura de processo contra o Procurador Luiz Francisco, mostra, no fundo, uma fragilidade do Governo e de sua sustentação política nesse particular.

            Outros juízos emitidos a respeito dos Tribunais Superiores, de seu aristocratismo, das repetidas vezes em que fazem julgamentos políticos, dando ganho de causa ao Executivo, são, no mínimo, juízos e opiniões instigantes, que devem levar Senadores, Deputados e líderes da opinião pública do Brasil a pensar sobre o assunto. Sugerem, por exemplo, que os Ministros de Tribunais Superiores tenham mandato fixo, que possam ser reconduzidos apenas uma vez, e que até, em parte, sejam eleitos diretamente pelo povo. São sugestões instigantes, que merecem a atenção desta Casa, Sr. Presidente. Por isso, vim a esta tribuna.

            De tudo o que saiu publicado na edição do Jornal do Brasil de ontem, o que mais me chamou a atenção - e creio que constitui, na verdade, a acusação mais grave de todas - é o que chamam de corrupção estrutural. Poderíamos dizer, também, corrupção sistêmica, isto é, aquela forma de corrupção por meio da qual o Governo provê recursos aos brasileiros mais ricos, e não apenas aos brasileiros, mas aos brasileiros e estrangeiros que aqui aplicam seus investimentos e que se locupletam com as benesses que obtêm da forma pela qual o Governo está agindo. Essa corrupção estrutural, que é do sistema e que nós tanto temos aqui condenado e denunciado, é claramente posta pelos Procuradores, que estão examinando todos esses assuntos e são muito rigorosos e severos nas investigações sobre casos de corrupção limitada, restrita.

            De repente, eles levantam a seguinte questão: estamos, aqui, a investigar a corrupção no varejo, ainda que seja, em muitos casos, um varejão. No entanto, há uma outra corrupção, no atacado, e essa é uma corrupção “legal”. É quando o Governo emite títulos da dívida pública, pagando juros altíssimos para que sejam adquiridos pelos brasileiros ricos, e gasta percentuais do Orçamento muito maiores do que 50% com essa dádiva, com essa doação aos brasileiros ricos. Trata-se de um processo de tal forma injusto que eles o classificam como corrupção industrial ou - diria eu - corrupção sistêmica. E isso não é comentado, não é criticado, não é sequer considerado pelo Governo. O Governo mostra-se indignado no caso das denúncias de corrupção no varejo, ainda que por vezes muito importantes. Mas quando se fala dessa corrupção, que é a maior de todas, há silêncio, como pousa também o silêncio sempre que se quer falar em justiça tributária, em tributação dos mais ricos, em tributação de patrimônio. Há um abafamento dessa questão, que é essencial, que é fundamental seja discutida. Se queremos uma sociedade minimamente justa, que dê a cada brasileiro o quinhão justo de seu esforço e de seu trabalho, é preciso liquidar ou, pelo menos, reduzir drasticamente essa corrupção sistêmica, essa corrupção estrutural, que concede aos brasileiros mais ricos uma parte substancial do que é arrecadado de todos os contribuintes deste País. Trata-se de uma denúncia muito grave, que não pode passar sem consideração, debate e atenção desta Casa, porque nesse caso, a meu juízo, eles colocam o dedo na maior das feridas, que é maior do que todo o conjunto de irregularidades que eles investigam, averiguam e que são praticadas à margem da lei, porque essa grande corrupção, no fundo, passa a ser praticada dentro da lei, o que a torna evidentemente mais grave.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Com prazer, Senadora Heloísa Helena.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Roberto Saturnino, não tive oportunidade de acompanhar todo o pronunciamento de V. Exª, apenas parte dele. Mas eu não poderia deixar de parabenizá-lo por essa provocação legítima e importante que V. Exª faz na manhã de hoje, neste final de legislatura do Congresso Nacional, para que possamos cumprir nossa obrigação constitucional. V. Exª não está fazendo nenhum debate sobre convicção ideológica ou concepção partidária, algo que, muitas vezes, afeta os humores desta Casa. V. Exª está fazendo uma provocação para que cumpramos a nossa obrigação constitucional, para que possamos dizer ao povo brasileiro que temos razão de existir. Se não fiscalizamos os atos do Executivo, se não cumprimos uma tarefa tão nobre quanto essa, não temos razão de existir nem de estar aqui nos tapetes azuis do Senado. Para colaborar com o pronunciamento de V. Exª, quero informá-lo de que a edição de hoje do Jornal do Brasil traz uma matéria que não faz uma denúncia qualquer. Diz ela: “Nicolau desmente versão de Eduardo Jorge para ligações”. Tive oportunidade de receber da Superintendência Regional da Polícia Federal o documento de fato do depoimento do Juiz Nicolau prestado àquele órgão. O que me lembra a necessidade de a Comissão de Fiscalização e Controle se reunir, pois há vários requerimentos nossos ali a serem avaliados. Devemos examinar o depoimento do Sr. Eduardo Jorge, cantado em verso e prosa e muito festejado por ter sido maravilhoso. No depoimento, disse ele que as 117 ligações para o Juiz Nicolau - para o ex-Senador Luiz Estevão, não, porque ele não tinha nenhuma justificativa a dar - foram feitas para tratar dos juízes classistas. Há, na Casa, um documento que declara exatamente isto: “Do meu lado, havia duas preocupações básicas: conhecer a orientação jurídico-trabalhista - vejam que assunto interessante - dos candidatos ao Tribunal e saber da possibilidade ou não de, em caso de nomeação, virem os juízes classistas a se aposentar”, o que o Governo considerava uma distorção. E existem várias outras matérias, inclusive, respondendo às questões do Relator, Senador José Jorge, que questionou o motivo das 117 ligações telefônicas. Em vários momentos de seu depoimento, o Sr. Eduardo Jorge dizia que as ligações foram feitas para tratar das indicações de juízes classistas. No entanto, o Juiz Nicolau está dizendo que nunca tratou desse assunto. Esse era o argumento mais importante que usava para justificar as 117 ligações. Porém, havia uma coincidência surpreendente, pois as ligações aconteciam, e um ou dois dias depois havia a liberação do dinheiro ou a solicitação do Governo de crédito suplementar para o TRT. E isso está expresso no documento. Faço este aparte apenas para trazer - o que é muito doloroso - mais uma colaboração num discurso como esse que V. Exª está fazendo, em relação a um caso que está aqui descrito e sobre o qual há requerimentos nossos - de V. Exª e de tantos Parlamentares desta Casa - submetidos ao ácaro e às traças na Comissão de Fiscalização e Controle. Aliás, vou apresentar um projeto, Senador Roberto Saturnino - sei que V. Exª vai assiná-lo -, para que a Comissão de Fiscalização e Controle passe a ser presidida obrigatoriamente pela Oposição. É bom para a democracia e para a independência da Casa, é fundamental. Qualquer que seja o Governo, que a Oposição presida a Comissão de Fiscalização e Controle, para que possamos ter mais um mecanismo para cumprir a nossa obrigação constitucional.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Muito obrigado, nobre Senadora. O aparte de V. Exª foi magnífico, o que não é de estranhar, pois é sempre muito bom.

            V. Exª levanta um assunto que se refere à nossa missão, ao fato de que temos uma obrigação a cumprir. Cumprimos o nosso dever, que é o da fiscalização, da denúncia, da apresentação de fatos que não são agradáveis ao Governo. Essa é a nossa razão de existir, ou seja, a contestação desse modelo que aí está, dessa corrupção sistêmica, estrutural. Na realidade, há uma imensa transferência de renda dos brasileiros mais pobres para os brasileiros mais ricos, feita dentro da lei, por meio dos mecanismos financeiros, que hoje decidem tudo na economia. Então, o nosso dever é esse. Na medida em que, na hora do voto, quase sempre somos derrotados, porque entra o rolo compressor - esta é a regra do Parlamento mesmo: a maioria vota, decide -, pelo menos a nossa razão de existir está justamente em levantar essas questões e exigir a consideração e a atenção da Casa e da Nação, por meio dos pronunciamentos, para os problemas que são aqui levantados.

            V. Exª fez muito bem em trazer a pauta a contradição do Sr. Eduardo Jorge nas conversas com o Juiz Nicolau. E estou aqui a fazer referência à entrevista desses dois Procuradores, que, junto com outros muitos Procuradores, compondo esse novo Ministério Público, estão prestando um enorme serviço a esta Nação. A grande novidade institucional brasileira é o trabalho do Ministério Público da forma como vem sendo feito, com pouquíssimos recursos. Nessa entrevista, inclusive, S. Exªs se referem a isso, comparando os meios de que dispõem com os de que a Operação Mãos Limpas, da Itália, dispôs para liquidar com a Máfia.

            Enfim, Sr. Presidente, essas questões são muito importantes. Estamos aqui cumprindo nosso dever, e eu não poderia deixar de fazer essa referência elogiosa à entrevista concedida ao Jornal do Brasil de ontem pelos Procuradores Luiz Francisco de Sousa e Guilherme Zanina Schelb.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


            Modelo14/18/245:06



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/12/2000 - Página 25643