Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentário ao pronunciamento do Senador Sebastião Rocha, ressaltando o posicionamento do Partidos dos Trabalhadores sobre as denúncias contra o governador do Amapá. Debate sobre a transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comentário ao pronunciamento do Senador Sebastião Rocha, ressaltando o posicionamento do Partidos dos Trabalhadores sobre as denúncias contra o governador do Amapá. Debate sobre a transposição das águas do Rio São Francisco.
Aparteantes
Geraldo Cândido, José Alencar, José Eduardo Dutra, Júlio Eduardo, Paulo Souto.
Publicação
Publicação no DSF de 29/12/2000 - Página 25699
Assunto
Outros > ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, SEBASTIÃO ROCHA, SENADOR, INSTALAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, JOÃO ALBERTO CAPIBERIBE, GOVERNADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), REGISTRO, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, APROVAÇÃO, COMISSÃO MISTA, ORÇAMENTO, VERBA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, GRAVIDADE, PROBLEMA, ECOSSISTEMA, DESMATAMENTO, SANEAMENTO, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • CRITICA, ANUNCIO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), DESTINAÇÃO, RECURSOS, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, LOBBY, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • DEFESA, ALTERNATIVA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, AUMENTO, EFICACIA, ABASTECIMENTO, IRRIGAÇÃO, REDUÇÃO, CUSTO, REGISTRO, ESTUDO, COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO (CODEVASF).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) Desculpo-me com V. Exª, Sr. Presidente. V. Exª já me havia concedido a palavra, mas eu estava acompanhando o desejo do Senador Roberto Requião de fazer um aparte ao Senador Sebastião Rocha sobre um tema que é extremamente importante.

            O Senador Sebastião Rocha, em muitos momentos, tem cobrado da direção do PT o aprofundamento das investigações em relação às denúncias que tem feito. O Partido dos Trabalhadores, como parte do Governo Capiberibe na pessoa do Vice-Governador, tem-lhe reafirmado apoio nas reuniões da Executiva Nacional, embora não possamos deixar de estabelecer mecanismos para que sejam garantidas as reivindicações do Senador Sebastião Rocha no sentido de que as denúncias que S. Exª tem feito na Casa sejam devidamente investigadas. Entendo importante que a Comissão seja instituída. Há necessidade de que se estabeleça a Comissão reivindicada pelo Senador e por mim para aprofundar as investigações sobre a questão da Amazônia. Meu requerimento, Senador Sebastião Rocha, trata apenas de Senadores, pois já há uma Comissão de Deputados para esse fim.

            Não poderia deixar de fazer uma observação sobre o que aconteceu, durante a madrugada, na Comissão de Orçamento. Mais uma vez, foram destinados R$30 milhões para “recompor” a despesa prevista para a transposição do Rio São Francisco. Quero deixar claro, como já fiz durante todo o ano, minha opinião sobre o projeto de transposição. Em primeiro lugar, ainda não há, ao certo, um projeto de transposição. Há um projeto cuja mobilidade é definida, cujo arrazoado técnico é modificado conforme as conveniências ou a pressão de personalidades políticas de um e outro Estado. Todos sabemos da gravidade do projeto e da necessidade de garantir a revitalização do Rio São Francisco. Já tivemos a oportunidade de discutir o assunto nesta Casa, mas não por razões emocionais, sem levarmos em conta que por nosso Estado passa o rio São Francisco. No entanto, o rio São Francisco passa, hoje, por um problema gravíssimo. Há uma cunha de salinidade do oceano Atlântico entrando em mais de 10 km no rio São Francisco, em função do assoreamento, da perda do volume da água, do problema gravíssimo de desmatamento das matas ciliares, dos esgotos in natura que centenas de Municípios jogam nele, e nada foi feito, durante este ano, do ponto de vista da execução orçamentária, para garantir a sua vitalidade. Absolutamente nada! Todos sabem que, em função dessa opção ridícula feita pela matriz energética em relação à energia hidráulica, temos um problema grave do uso conflitante da água.

            Hoje, o Nordeste, tanto em dezembro como em janeiro, está importando energia de outras hidrelétricas. Não bastasse essa proposta ridícula do Governo, para atender o Fundo Monetário Internacional, de privatizar as hidrelétricas que ainda não foram privatizadas em função da pressão exercida por Minas Gerais, que quer impedir a privatização de Furnas, agora, mais uma vez voltam a insistir no assunto. E o mais grave: há um projeto para se fazer a transposição do rio São Francisco que ninguém conhece e cuja mobilidade técnica - volto a repetir - é conforme a conveniência do Ministro ou a pressão política que alguma bancada parlamentar faça. Não foi disponibilizado nenhum recurso, durante este ano, para a revitalização do rio São Francisco; e, agora, durante a madrugada, conseguiram-se mais R$30 milhões.

            Então, devemos ter a serenidade necessária para o debate, embora a indignação seja muita, porque estão dizendo que o restante dos recursos, para completar os R$3 bilhões, virá com a privatização da Chesf, o que é uma irresponsabilidade, na tentativa de convencer os Estados que supostamente seriam beneficiados com a transposição das águas. No entanto, vários técnicos das universidades, pessoas tecnicamente qualificadas e responsáveis desses Estados são contra o projeto. Há pessoas contrárias ao projeto no Rio Grande do Norte, na Paraíba, que apresentam outras alternativas concretas, ágeis, eficazes e com menor custo, para viabilizar tanto o abastecimento humano e animal, como o projeto de irrigação e, portanto, a dinamização da economia local, a geração de emprego e renda, a produção de alimentos para combater esta vergonha que é a fome. Nada disso é viabilizado; a idéia tornou-se fixa, e estamos sem saber quem será beneficiado com ela.

            Antes, para seduzir a opinião pública, dizia-se que era para o abastecimento humano e que não haveria nenhum projeto de irrigação; agora, o projeto já inclui o processo de irrigação. A água do rio São Francisco não seria suficiente para gerar energia e, ao mesmo tempo, irrigar a área potencialmente agricultável do vale. Tenho absoluta certeza de que, em todos os Estados, quer seja nas Minas Gerais do Senador José Alencar, quer seja na Bahia, em Sergipe ou em Alagoas, onde há dez quilômetros de rio, existem pessoas morrendo de fome e de sede, porque não têm nenhuma alternativa para utilização do rio. Inventaram essa história, porque não tinham mais o que fazer.

            Agora, o Ministro, para conseguir o apoio verbal dos Governadores, está trocando obras. E qual é a obra que o Governador de Alagoas quer? O Canal do Sertão, uma inspiração, uma reivindicação histórica do nosso Estado. Com a promessa de viabilizar o canal do sertão, o Governador apóia publicamente a transposição do rio São Francisco. Não é mais necessário que faça isso, porque a Bancada de Alagoas já colocou uma emenda de bancada, uma emenda parlamentar para viabilizar o canal do sertão, mas, mesmo assim, S. Exª continua com essa irresponsabilidade.

            O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Senadora Heloisa Helena, V. Exª me permite um aparte?

            A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador José Alencar.

            O Sr. José Alencar (PMDB - MG) - Eminente Senadora Heloisa Helena, esse assunto do rio São Francisco faz-me lembrar um ensinamento de um professor meu chamado Pedro Corrêa, quando eu era menino. Ele dizia que ninguém pode gostar do que não conhece. Nós ainda não conhecemos o projeto de transposição do rio São Francisco. Houve um momento em que Minas Gerais sofreu o problema de uma enchente muita grande, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso foi visitar a cidade de Itajubá. Nós, então, descemos com dificuldade lá na cidade, cuja região estava totalmente inundada, e voltamos por São José dos Campos, onde nos aguardava o avião presidencial. Estavam presentes o Presidente, o Ministro Fernando Bezerra e outros Ministros de Estado, como, por exemplo, o Ministro Pimenta da Veiga, além do Senador Francelino Pereira, do Senador José Roberto Arruda, que é até nascido em Itajubá, e de mim mesmo. A conversa da transposição do rio São Francisco foi, então, levantada na reunião, que foi muito boa. Como sou mineiro e o rio São Francisco nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, eles queriam ouvir minha opinião. Eu disse ao Presidente e ao Ministro Fernando Bezerra que nós, em Minas Gerais, não poderíamos ser contra a transposição do rio, mas tínhamos três questões absolutamente prioritárias, premissas básicas para que se viabilizasse essa transposição: primeira, o rio está morrendo - então é preciso que haja o seu desassoreamento; segunda, a recomposição e a manutenção das matas e das vegetações ciliares em todo o rio São Francisco e, como cheguei a sugerir, em todos os rios nacionais, pois é absolutamente essencial para a preservação da vazão e da qualidade das águas dos rios; e, terceira, o exame de um estudo de transposição de parte das águas do rio Tocantins para enriquecer a vazão do rio São Francisco. Sobre todos os três itens, o ilustre Ministro Fernando Bezerra, que é meu amigo do Rio Grande do Norte, correligionário do meu Partido, um Senador colega nosso, manifestou-se de maneira favorável. S. Exª falou sobre o desassoreamento e sobre a recomposição das matas e da vegetação. Falo matas e vegetação porque, além das matas, há a vegetação rasteira. Se for feito, por exemplo, um reflorestamento de eucalipto nas margens dos rios não adiantará nada, porque, por baixo, o material fica absolutamente limpo e a erosão comerá toda aquela terra e provocará o assoreamento cada vez maior do rio. Então, são essências naturais. A recomposição das matas ciliares é feita com essências naturais, e a própria Embrapa pode ajudar nisso, indicando o tipo de mata ciliar e o de vegetação rasteira que devem ser aplicadas nas margens dos rios. Isso é urgente no Brasil. O engenheiro Fernando Bezerra - falando como engenheiro e como Ministro - disse que os três projetos são viáveis. Pois bem, penso que nós todos temos de conhecer esses projetos. Eu não posso falar em dinheiro, em verbas, sem antes saber o que será feito com esses recursos. Preciso saber primeiro do projeto. O primeiro fator é a viabilização da idéia, e viabilizamos uma idéia quando a transformamos em um projeto, porque ele mensura toda a idéia, do ponto de vista técnico e financeiro, até com um cronograma, que irá nos mostrar não só os aportes de recursos como o tempo necessário para realizar cada etapa do projeto. Trata-se de um projeto maravilhoso, que poderia resolver o problema, por exemplo, do interior de Pernambuco e também da região do sertão da Paraíba, ajudando um pouco também o sertão do Rio Grande do Norte e até o Ceará. É um projeto importante, que pode consultar o interesse do Nordeste brasileiro, sem prejuízo dos Estados que são banhados pelo rio São Francisco, como o nosso Estado de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Mas devemos conhecer esse projeto. Então, o apelo que faço neste aparte, que agradeço a V. Exª por me ter concedido, o apelo que gostaríamos de fazer ao Ministro Fernando Bezerra é para que S. Exª nos mostre, talvez em uma Comissão ou mesmo num convite aos Senadores que são seus colegas, os detalhes do projeto, para que possamos nos colocar de forma consciente contra ou a favor. Creio que V. Exª tem razão porque nenhum de nós conhece o projeto, e precisamos conhecê-lo antes de nos posicionar em relação a ele. Muito obrigado.

            A SRª. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte, Senador. Realmente, a preocupação de V. Exª é justa, porque só eu conheço cinco versões do projeto. E é exatamente por isso que continuo sendo contra, porque, a cada versão, parece que se aprofunda a necessidade de que continuemos contra o projeto.

            O Sr. Júlio Eduardo (Bloco/PV - AC) - Permite-me V. Exª. um aparte?

            A SRª. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo um aparte ao Senador Júlio Eduardo.

            O Sr. Júlio Eduardo (Bloco/PV - AC) - Ilustre Senadora Heloísa Helena, o ambientalismo agradece a conseqüência e a riqueza desse seu pronunciamento. É muito importante por partir de uma Líder qualificada e dedicada às causas como um todo. O ambientalismo agradece muito por isso. Por não ser da Região Nordeste, nem de nascimento, nem de vida produtiva, tenho estudado muito a questão do clima, da seca e a questão da transposição também, porque o manuseio de todo recurso hídrico é uma questão que temos tentado amadurecer para podermos oferecer, como Partido Verde, à sociedade como um todo algumas propostas. Não querendo ser repetitivo com relação à transposição e aos dados que V. Exª abordou brilhantemente, alguns pontos ficaram em aberto, como perguntas a serem feitas numa oportunidade em que o Ministro da Integração esteja nesta Casa, como defendeu o representante de Minas Gerais. Primeiro, o estudo de impacto ambiental que foi realizado não considera a possibilidade de não realizar o projeto. Esse é um erro técnico-científico. Temos um trabalho de uma universidade nordestina que demonstra ter encontrado espécies marinhas a quarenta quilômetros. Esse é um sinal que também não pode ser deixado de lado e esquecido. Observamos que a questão de resolver o lado social também é inexistente, porque, em todos os projetos que já foram feitos, as áreas já estão reservadas ou adquiridas por quem não precisa de nenhum benefício social. Então, esses pontos são muito importantes. Agora, há dois outros pontos que eu gostaria de ressaltar. O primeiro é que, na esfera do Executivo, existe um trabalho muito bom avaliando todas as grandes transposições feitas no mundo inteiro, e sua conclusão é contrária à transposição. E isso no Executivo. Não estou falando da sociedade científica ou do Parlamento. O Executivo tem essa conclusão! E nós sabemos que as microssoluções para a administração de uma questão climática, como a seca, são viáveis, e até hoje não foram ainda otimizadas. Então, esse estudo do Executivo e a implementação das microssoluções são pontos que não podemos esquecer, e temos de denunciá-los para esta Casa e para a sociedade brasileira. Muito obrigado.

            A SRª. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço profundamente o aparte de V. Exª, Senador Júlio Eduardo.

            O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Heloísa Helena?

            O SRª. HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte ao nobre Senador Paulo Souto.

            O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Sr. Presidente, Srª Senadora, Srs. Senadores, eu havia me prometido não voltar a tratar desse assunto, porque infelizmente, devido às circunstâncias que estamos vivendo, essas posições poderiam ser lamentavelmente confundidas com os problemas de natureza partidária que neste momento influenciam as posições de todos nós nesta Casa. Desse modo, só voltaria a falar nisso em fevereiro, com a reabertura do Congresso. Mas como esse assunto voltou aqui no pronunciamento da Senadora Heloísa Helena e em tantos apartes, senti-me na obrigação também de justificar, por exemplo, primeiro, por que fiz uma emenda retirando os recursos para o próximo ano. Simplesmente porque o projeto ainda não tem uma licença ambiental, que tem um prazo mínimo de dez a doze meses. O projeto não tem outorga de água. Assim, aparentemente, é impossível criarem-se condições para gastar recursos com esse projeto no próximo ano, a não ser que o projeto, apesar da sua magnitude, tenha uma tramitação tão rápida por esses órgãos ambientais e por órgãos relacionados à licença de água que nos deixe um pouco desconfiados do que pode acontecer. Simplesmente por isso. Eu nem quis entrar no mérito. Já que surgiu esta oportunidade, vou adiantar algumas coisas que penso a respeito desse projeto. Em primeiro lugar, vendeu-se esse projeto como uma necessidade para matar a sede dos nordestinos. É isso que a sociedade conhece. Entretanto, Senador José Alencar, o projeto destina 73% de suas águas à irrigação. Ou seja, vamos transportar água a 1000km, 1200km, 1500km, bombear água de 300m de altitude para fazer projeto de irrigação. Ora, sabemos que o Governo Federal há praticamente sete anos não toma recursos de financiamentos externos para projetos de irrigação, por exemplo, nas margens do rio São Francisco, porque colocou em xeque o modelo de irrigação praticado pela Codevasf. Então, se o Governo Federal desconfia de projetos de irrigação às margens do São Francisco, como o Jaíba e como todos os que estão na Bahia, em Sergipe e em Alagoas, se tem dúvidas a respeito da viabilidade econômica ou está tentando procurar uma nova solução, o que vamos dizer a respeito de projetos que transportarão água de mais de mil quilômetros e que bombearão água a trezentos metros de desnível? Eu cessaria aqui qualquer oposição a esse projeto, se, por exemplo, o Governo, por intermédio de um órgão idôneo, que poderia ser qualquer um desses organismos internacionais que financiam projetos, ou mesmo uma junta de especialistas de universidades, chegasse à conclusão de que esse projeto é econômica e financeiramente viável. Calarei a minha boca no outro dia se chegar aqui um documento nesse sentido. E por que tem de haver viabilidade econômica e financeira? Porque 75% das águas servirão para a irrigação realizada pelo setor privado, que necessitará de uma tarifa de água que torne economicamente viáveis os projetos. Estou convencido disso. Não sei por que o Governo ainda não tomou uma atitude. Se há tanta oposição, bastaria procurar um desses organismos internacionais de financiamento. E por que o Governo também não pede financiamento internacional para isso? É outro aspecto que me intriga. Será que o Tesouro terá dinheiro para um projeto que custará alguns bilhões? Como realizará isso, se não tem dinheiro, por exemplo, para completar o Jaíba, que há anos e anos está lá, com apenas uma pequena parte aproveitada; se não tem dinheiro para fazer o projeto de irrigação do Salitre ou o projeto do Baixio de Irecê, e tantos outros em Sergipe e em Alagoas? De repente, terá dinheiro para um projeto que vai fazer irrigação, como eu disse, a algumas centenas de quilômetros? Não quero nem falar nos pontos de vista social, ambiental, etc., mas esse projeto tem de ter viabilidade econômica e financeira. À primeira vista, fico imaginando como isso pode acontecer se o Governo Federal ainda vê com certa desconfiança projetos nas margens do São Francisco. Aqui, não se trata de matar sede de nordestino, já que 75% das águas são para fazer irrigação. Quero ser convencido apenas de que esse projeto tem alguma viabilidade do ponto de vista econômico e financeiro. No dia em que o Governo Federal nos convencer disso, considerarei a minha posição como superada, passando a apoiar a idéia. Sem falar nos outros problemas, Senador, do ponto de vista ambiental, há algo esquisito. Os impactos ambientais não foram estudados, por exemplo, em relação às áreas doadoras, mas apenas em relação às áreas que vão receber água. Não entendo isso.

            A SR.ª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Nem à foz.

            O Sr. Paulo Souto (PFL - BA) - Não consigo entender por que não foram estudados os impactos ambientais nas áreas doadoras, que são as mais afetadas. Por isso, faz-se necessário um maior cuidado nesse projeto. Sempre advoguei que pode acontecer um momento em que tenhamos necessidade de fazer a transposição, depois de esgotadas, por exemplo, todas as soluções locais. Além do mais, há problemas no gerenciamento do projeto. Quando fizeram a transposição do Colorado, nos Estados Unidos, havia um grupo de agricultores que precisava transportar água da parte oeste para a parte leste, porque uma tinha água e não tinha terra e a outra tinha terra e não tinha água. Não é muito o nosso caso, porque sabemos - sem querer entrar muito em problemas regionais - que temos muita terra para irrigar e temos água. O que o governo americano fez? Considero até justa a iniciativa: bancou o investimento na parte de irrigação sem que fosse necessário pagar o investimento; exigiu, entretanto, que se organizassem, formando uma associação para administrar o projeto. Formou-se o Distrito de Conservação de Água do Nordeste de Colorado. O Governo queria que, pelo menos, o projeto tivesse viabilidade operacional, ou seja, que pagasse os seus custos de operação, e só autorizou o início da obra depois que os usuários se organizaram, compuseram o distrito de irrigação e assumiram a responsabilidade de operá-lo. Aqui, nem se fala. Eu soube até que uma das empresas concessionárias do Nordeste disse que, pelo preço que vai sair essa água depois do projeto de transposição, é mais barato dessalinizar a água do mar. Então, ninguém está sendo contra o projeto por ser. Eu ficaria alegre se retirássemos água do São Francisco dentro de um projeto bem organizado para resolver o problema de abastecimento de água de algumas regiões do Nordeste. Precisamos, porém, saber se essa é a melhor solução, se estão esgotadas as soluções locais - que acredito não estejam - e, principalmente, se está demonstrada sua necessidade. Vi estudos que mostram que, em algumas áreas, somente depois de muitos anos haveria a necessidade de vir água de fontes externas. Essas são as observações que gostaria de fazer e, sinceramente, gostaria que o Governo tivesse mais responsabilidade na condução do processo. Se eu estiver enganado, paciência, mea culpa, direi que estava errado e faremos o projeto. Mas, com as informações que temos até agora, o projeto, da forma como está sendo feito, é temerário. Ele pode ser feito dentro de um programa plurianual, e acho que é isso que o Governo precisa fazer. Precisamos aprovar no Senado um plano decenal de recursos hídricos que independa de governos. Precisamos ter um plano desse tipo com recursos definidos. Temos o Pró-Água, que é um programa que faz a adução de águas de fontes existentes, mas que não faz as obras porque não tem recursos - embora existam recursos externos disponíveis, não há a contrapartida do Tesouro. De repente, essa solução virou mágica! De modo que quero parabenizar o pronunciamento da Senadora Heloisa Helena e de todos os aparteantes e dizer que eu gostaria de estar convencido, mas infelizmente, até agora, não estou convencido de que o projeto seja bom para o Brasil. Quero que esse projeto seja bom para o Brasil. Não é problema perdermos alguma água do São Francisco, desde que essa água seja bem utilizada. O problema não é desperdício de água. O problema desse projeto, como está posto, é desperdício de dinheiro e com isso não podemos estar de acordo.

            O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/ PT - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

            A SR.ª PRESIDENTE (Heloísa Helena) - Agradeço o valoroso aparte de V. Ex.ª, Senador Paulo Souto e, ao tempo em que passo a palavra ao Senador José Eduardo Dutra, não posso deixar de registrar a presença do Dr. José Walter Bautista Vidal, um patriota que se encontra presente, um lutador também dessas questões que nos faz visita tão importante.

            Concedo o aparte ao Senador José Eduardo Dutra.

            O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/ PT - SE) - Senadora Heloísa Helena, não tive a oportunidade de ouvir todo o pronunciamento de V. Ex.ª , mas fiz questão de vir aqui fazer este aparte porque entendo que o Senador Paulo Souto tocou em um dos pontos principais no que diz respeito à transposição das águas do São Francisco. Esse projeto é uma autêntica propaganda enganosa. Com essa propaganda, tentam estigmatizar os Parlamentares de Sergipe, Bahia e Alagoas. Dizem: “Vocês têm a água e não querem dividi-la com os cearenses, potiguares e paraibanos que estão morrendo de sede”. O Senador Paulo Souto já mostrou claramente que isso não é verdadeiro. O problema é que esse projeto virou cabo eleitoral. São perfeitamente legítimas as ambições político-eleitorais, projetos pessoais de futuro, de candidatura. Tudo isso é perfeitamente legítimo. Agora, não dá para transformar essa questão, com a magnitude e a importância que ela tem, num cabo eleitoral. V. Exª disse que já viu cinco projetos diferentes; aliás, todos nós já os vimos. O que queremos é saber quais são os estudos que estão embasando o projeto do Governo. Em janeiro deste ano houve uma reunião de toda a Bancada de Sergipe com o Governador de Sergipe e o Ministro Fernando Bezerra - acredito que houve reunião semelhante com a Bancada de Alagoas na ocasião. Naquela oportunidade, quando foram mostradas transparências - um projeto muito bonito -, solicitei do Ministro que nos encaminhasse os estudos que já haviam sido feitos quanto ao impacto ambiental, de natureza hidrogeológica e de viabilidade econômica, para que pudéssemos ter oportunidade de debater com base em dados técnicos. O Ministro assumiu o compromisso de mandar essas informações imediatamente. Em abril, se não me engano, houve aqui no Senado uma sessão especial para comemorar o aniversário da Sudene. Nessa sessão estava presente o Ministro. Lembrei-o da promessa que havia feito perante toda a Bancada sergipana. Ele disse: “Não, vou providenciar”. Em junho deste ano fiz um pronunciamento aqui no Senado cobrando exatamente essa promessa. Cansei-me de pedir de maneira informal e apresentei um requerimento de informações ao Ministro, que foi protocolado na Mesa em novembro, solicitando, agora de forma oficial, essas informações. Assim procedi porque, se não chegarem essas informações, temos os instrumentos constitucionais para cobrá-las. Estamos aguardando. O fato é que, como essa questão virou um mero cabo eleitoral acompanhado de propaganda enganosa, querem apostar na desinformação e estigmatizar aqueles que levantam questionamentos, preocupações e ponderações em relação ao projeto como inimigos dos paraibanos, dos pobres, dos famintos, dos sedentos de uma parte do Nordeste brasileiro. Espero que, em tardes como esta de hoje no Senado Federal, possamos discutir esse projeto com base nessas informações. Esperamos que o Governo se disponha realmente a abrir o jogo, a debater com os representantes do povo brasileiro essa questão que interessa a todos nós. Nesse ponto, tenho uma posição semelhante a do Senador Paulo Souto: se formos convencidos de que não há problema de natureza ambiental, de que há viabilidade econômico-financeira e de que o projeto vai realmente matar a sede de brasileiros, os sergipanos, os baianos e os alagoanos, em momento algum, vão querer invocar monopólio da propriedade das águas do rio São Francisco - muito menos os mineiros, como já disse o Senador José Alencar, que é onde nasce o rio. Mas, infelizmente, até agora, a postura do Governo e do Ministro Fernando Bezerra em relação a esse assunto é continuar apostando na desinformação e fazer uma estratégia de marketing - propaganda enganosa - para tentar conseguir esses recursos no Orçamento Federal para viabilizar esta aventura, que é no que está se transformando esse projeto. Muito obrigado e parabenizo V. Exª pelo pronunciamento.

            A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª, meu companheiro Senador Dutra.

            O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª me concede um aparte?

            A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Ouço com prazer o Senador Geraldo Cândido.

            O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senadora Heloísa Helena, eu estava no gabinete ouvindo o seu pronunciamento e decidi me dirigir ao plenário para fazer um aparte e parabenizar V. Exª pela importância de suas palavras. Concordo com o que falaram os Senadores Paulo Souto, José Eduardo Dutra e os demais - principalmente com a intervenção de V. Exª. É verdade, é propaganda enganosa. Este ano, durante o período do recesso parlamentar, eu visitei os Estados do Nordeste. Eu estive no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, e conversei com vários companheiros ligados a estudos nas universidades e dirigentes de Organizações Não-Governamentais que, inclusive, realizaram seminários no Nordeste para discutir a questão da ameaça de desertificação da região e a questão de águas. Eles me disseram que o problema do Nordeste não é a falta de água, mas a democratização do seu uso. Só o Estado do Ceará tem 15 bilhões de metros cúbicos de água. É muita água. Lá no Rio Grande do Norte, só na Chapada do Apodi, na barragem do rio Açu, tem 1,5 bilhão de metros cúbicos de água. E bem próximo - passei lá indo para Mossoró -, em cidades a 10 quilômetros desse local, as pessoas estão passando sede, morrendo de sede, porque não tem canalização para levar a água para essas cidades. E sabe o que acontece com aquela água? A água evapora. No período da seca, 40% da água evapora. Então, desses 1,5 bilhão de metros cúbicos, pelo menos 500 milhões de metros cúbicos evaporam. A outra parte restante acaba sofrendo o problema da salinização. As grandes reservas de água do Nordeste, como as do Estado do Ceará, sofrem salinização porque não são utilizadas. Essas águas que poderiam ser melhor utilizadas acabam se evaporando ou sofrendo se salinizando. Portanto, o problema não é a falta de água, é a falta de democratização na utilização da água. Este é o grande problema do Nordeste. Por isso, acho que todos os Senadores que aqui falaram têm razão. Felizmente, a nossa Bancada votou contra - tive essa informação agora - a liberação de recursos para o projeto de transposição do São Francisco. Não adianta fazerem propaganda enganosa dizendo que, se for feita a transposição, a água do São Francisco vai salvar os pobres do Nordeste que está morrendo de sede. Isso é mentira, é uma balela, é só para enganar os bestas. Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento. Estou solidário com todo o povo do Nordeste, mas esse transposição tem que ser discutida exaustivamente. Muito obrigado.

            A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª e de todos os outros Senadores. Quero dizer que a nossa preocupação é no sentido de que seja partilhado o debate aqui no Congresso e dentro do próprio Governo.

            O Senador Júlio Eduardo trouxe uma observação que é extremamente importante. Existem alternativas concretas, ágeis e eficazes, pensadas na Codevasf, pela Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, pelos técnicos do próprio Governo. Senador Paulo Souto, estive em um congresso nacional, no Rio Grande do Norte, sobre a transposição do rio São Francisco. Disseram-me: “Vão tirar o seu escalpe, porque a terra é de um Ministro de um dos Estados que será beneficiado.” Além disso, compondo a mesa, havia engenheiros da Universidade da Paraíba e da Universidade do Rio Grande do Norte que também eram contra o projeto da transposição. O assunto estava sendo discutido pelas Comissões de Recursos Hídricos tanto na Paraíba quanto no Rio Grande do Norte. Os técnicos eram contrários porque conheciam outras alternativas eficazes que poderiam ser implementadas com um custo menor e para projetos de irrigação e abastecimento, tanto humano quanto animal.

            Não é possível que se possa entender um projeto dessa magnitude como uma aspiração, um projeto político pessoal. Sei que a questão não é nova. Ainda no Programa Avança Brasil, a problemática da transposição do rio São Francisco foi apresentada. O próprio site da Codevasf - e o Senador José Eduardo Dutra também mencionou o fato - já trata de um projeto de utilização dos recursos hídricos disponíveis para viabilizar uma alternativa eficaz para o Nordeste.

            Em uma oportunidade, quando discutimos o assunto com Ministro, eu disse que isso era muito bom para algumas empreiteiras ganharem dinheiro. Ele, então, sentiu-se pessoalmente ofendido, porque é dono de empreiteira. Mas não é uma ofensa pessoal. Queremos discutir a utilização dos recursos hídricos disponíveis no Nordeste, e queremos fazer isso de forma responsável. Não aceitamos a demagogia que está sendo apresentada como se fosse a panacéia que vai resolver os males da região, porque se resolvesse os 15 Municípios mais pobres do País não estariam localizados nos Estados banhados pelo rio São Francisco, no vale do São Francisco. E cito São José da Tapera, Sergipe da Bahia, ou seja, os piores Municípios estão a 10, 15 ou 20 quilômetros do rio São Francisco.

            Hoje, muitos nordestinos enxergam o rio São Francisco de longe. Choram, enxergando o rio de longe, mas não conseguem a água para matar a sede de seus filhos, para dinamizar, por meio de um projeto de irrigação, a economia local, gerar emprego, gerar renda e produzir alimentos. Não conseguem!

            Então, acabem com essa demagogia, acabem com essa propaganda enganosa e façamos um debate sério, como deve ser feito. Queremos discutir a disponibilidade dos recursos hídricos para o Nordeste. Essa discussão não é nova, eu sei. Senador José Alencar, desde que Américo Vespúcio, justamente no dia de São Francisco de Assis, em 4 de outubro de 1501, viu o rio São Francisco, que era chamado pelos povos indígenas de Opara, o rio-mar, de tão grande, que se fala da utilização das suas águas para resolver os problemas de fome, miséria, desemprego, seca, sofrimento no Nordeste. Desde 1501, quando do dia de São Francisco - daí o nome do rio -, fala-se nisso. Já se falou inclusive que até as pedras preciosas das jóias da Coroa poderiam ser dadas para resolver o problema do Nordeste e não se resolve. Há dezenas, centenas de alternativas pensadas por pessoas qualificadas dentro e fora do Governo. Então, por que isso virou uma verdadeira idéia fixa, um projeto político-pessoal? O Senador José Eduardo Dutra tem razão quando diz que se está juntando um projeto político-pessoal a uma demagogia do Governo Federal, que quer fazer uma suposta grande obra. Como a grande obra do Governo Federal é destruir a Nação brasileira, entregar o patrimônio nacional e ajoelhar-se covardemente diante do Fundo Monetário Internacional, para se contrapor quer fazer uma suposta grande obra de engenharia para a qual os recursos, quer sejam para revitalizar o rio São Francisco, quer sejam para as obras de engenharia que seriam necessárias para a utilização desse suposto aporte de águas a ser destinado, nem estão previstos.

            Devemos, portanto, debater esse assunto de forma séria, qualificada e técnica como é necessário; não vamos aceitar a demagogia em torno desse debate e nem esse tipo de pressão que está sendo feita, como aconteceu às 4 horas da manhã desta madrugada, quando conseguiram mais R$30 milhões para o projeto e nada para a revitalização do rio São Francisco. Este ano, não houve a execução do que estava previsto e, no próximo ano, não há sequer recursos destinados para tal fim, o que é algo vergonhoso em relação à revitalização do nosso rio.

            Agradeço o aparte de todos os Senadores e, mais uma vez, deixo registrada a nossa preocupação e a necessidade de que as autoridades técnicas, a sociedade científica e as pessoas que estudam e lidam com o problema de fora do Governo, assim como as autoridades do próprio Governo, estejam nesta Casa discutindo o assunto, já que nem se conseguiu ainda convencer as autoridades que tratam de recursos hídricos no próprio Governo, e aí fica-se tentando enganar a opinião pública e o Congresso Nacional.

            Agradeço mais uma vez o aparte de todos os Senadores.

 

            


            Modelo13/29/246:10



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/12/2000 - Página 25699