Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Precariedade da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Defesa da Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2000, que dá autonomia administrativa e financeira às defensorias públicas.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PFL - Partido da Frente Liberal/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Precariedade da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Defesa da Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2000, que dá autonomia administrativa e financeira às defensorias públicas.
Aparteantes
Lúcio Alcântara, Ramez Tebet, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/2001 - Página 344
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, DEFENSORIA PUBLICA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MAGISTRATURA, MINISTERIO PUBLICO, INSTRUMENTO, EXERCICIO, ESTADO DEMOCRATICO, ESTADO DE DIREITO, RESTABELECIMENTO, DIGNIDADE, PROBIDADE, SERVIÇO PUBLICO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL, PAIS.
  • DEFESA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, TRAMITAÇÃO, SENADO, CONCESSÃO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, AUTONOMIA FINANCEIRA, DEFENSORIA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna nesta data com extrema preocupação, uma preocupação do povo de Mato Grosso do Sul.

            Recebi carta de um amigo, defensor público, que relata a precariedade da Defensoria Pública em meu Estado, a qual passa por momentos difíceis, situação agravada pela discrepância entre o que se diz e o que se pratica. Desta tribuna, freqüentemente, tenho trazido as informações necessárias para que o povo analise o que se passa em meu Estado.

            Vejam o caso da Defensoria Pública. Há 35 anos, em 1965, fui nomeado defensor público da Comarca de Campo Grande e posso dizer a V. Exª, Sr. Presidente, e aos Srs. Senadores que essa função foi a que mais me enriqueceu o espírito, justamente porque é por meio da Defensoria que o Estado estende o seu braço para os desassistidos da prestação jurisdicional, os pobres, os sem-teto, os sem-terra, os sem-justiça. Sem a Defensoria Pública todos eles ficam ao desabrigo de seus direitos, da confiança e da convivência social com justiça. A Defensoria Pública é o instrumento maior do Estado solidário, do Estado que pretende fazer a inclusão social daqueles que não participam da produção, daqueles que não participam dos frutos da sociedade. Defensoria Pública, Promotoria Pública e Magistratura compõem um tripé, instrumento básico para a convivência democrática.

            Em meu Estado a Magistratura é exemplar. A prestação jurisdicional pelos juizes e pelo Tribunal de Justiça é de primeira linha, é reconhecida nacionalmente. O Ministério Público, da mesma maneira, é equipado e desenvolve um trabalho exemplar, que dignifica e honra o nosso povo e mostra como uma estrutura realmente bem organizada pode oferecer à população serviços confiáveis que melhoram a qualidade e dão tranqüilidade à população.

            Percebemos, em âmbito nacional, que o Ministério Público tem sido um instrumento muito forte para restabelecer a dignidade, para restabelecer a probidade no serviço público e para denunciar fatos irregulares, visando o aprofundamento da busca da verdade para que a Nação tenha momentos de desenvolvimento com justiça social.

            A Magistratura e o Ministério Público, que trazem confiança à população, são instrumentos básicos para o exercício do Estado Democrático de Direito. Também assim deveria ser a Defensoria Pública. O promotor representa o Estado acusador, que representa a sociedade e denuncia as irregularidades e os corruptos, os que estão às margens da lei; o defensor, cargo também exercido por advogado, como carreira exclusiva, não pode, de forma nenhuma, exercer qualquer outra profissão. A Defensoria Pública também é parte importante desse processo e dessa estrutura, pois é por meio da prestação de serviço da Defensoria Pública, auxiliar da prestação jurisdicional do Estado, que os menos assistidos, os desassistidos, os sem-teto, os sem-terra e os sem-justiça encontram esperança.

            O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) - V. Exª concede-me um aparte?

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Ouço V. Exª.

            O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) - V. Exª está ferindo um tema de grande importância e fala com conhecimento de causa, pois, como anunciou, foi defensor público na Comarca de Campo Grande. Acompanhei esse drama durante certo tempo. A Constituição de 1988 organizou a Defensoria Pública, inclusive a Federal, absorvendo aqueles antigos auditores militares. Foi nomeado, então, um cearense, o Dr. Jurandir Porto, que era auditor militar, como chefe da Defensoria Pública. A lei, aprovada aqui, recebeu vários vetos do Presidente da República, e, na verdade, houve uma dificuldade muito grande para que a Defensoria Pública se organizasse. O relacionamento do defensor público com o Ministro da Justiça à época, o hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, ficou muito comprometido. O Dr. Jurandir Porto acabou pedindo exoneração. Depois, aprovamos também aqui no Senado - e V. Exª, salvo engano, já era Senador à época - uma lei que permite até fazer convênios entre a Defensoria Federal com os Estados, chegando-se ao ponto de contratar, eventualmente, escritórios para esse trabalho. Para concluir, e não comprometer o discurso de V. Exª, devo reafirmar que o problema é saber como fica o pobre, o desvalido, aquele que não tem quem fale por ele. A lei diz que não há feito sem a participação do advogado. O que acontece é que quem não pode pagar um advogado tem apenas a Defensoria. É o caso dos Sem-Terra, daqueles que têm o seu direito trabalhista desrespeitado. Enfim, é aquele que precisa da atenção da Justiça para fazer um testamento, para tratar das questões de órfãos e assim por diante. V. Exª está abordando um assunto importante. Fala-se muito em Justiça, em reforma do Judiciário, recursos, prazos, transparência no Judiciário, mas temos de dar condições às partes. Dizem que justiça tardia não é justiça. Para a justiça sem patrono há a Defensoria Pública. Solidarizo-me com V. Exª e espero que esse discurso ecoe junte aos Governos Estaduais e ao Governo Federal para organizar e dar condição de funcionamento à Defensoria. Muito obrigado.

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Agradeço o aparte lúcido e oportuno do Senador Lúcio Alcântara que enriquece meu discurso.

            Senador Lúcio Alcântara, enquanto o Ministério Público em meu Estado, com muita justiça, tem toda estrutura de trabalho, recebe três vezes mais o salário do defensor, tem sala equipada, estruturada, computador, estagiários pagos, os defensores do meu Estado, caso se instalem numa comarca, recebem uma sala vazia, sem sequer uma secretária ou um estagiário, sem computador, com salário de um terço do salário do promotor de Justiça. O Estado se arma e se organiza para a defesa do social, mas preparando muito mais o braço do Estado acusador do que o Estado defensor. O pobre, o desassistido fica sem instrumentos para fazer prevalecer o seu direito, a sua cidadania, Sr. Presidente, porque a Defensoria Pública não está organizada, não está estruturada. O defensor é quase que um pária do sistema jurisdicional oficial do Estado - isso onde existe Defensoria Pública.

            No meu Estado, temos Defensoria há 40 anos. São Paulo não tem. Veja o descuido dos homens públicos. Veja o descuido do Estado. São Paulo, o carro-chefe do País, a locomotiva econômica do País, não tem Defensoria Pública, talvez até por causa disso é que haja rebeliões em presídios, pois o defensor público está presente no presídio. Se vence uma pena, ele está requerendo o livramento rápido, a soltura rápida do réu. Se tem outros benefícios da execução penal, o defensor está lá, justamente para requerer esses benefícios, seja livramento condicional da pena, seja sursis, sejam todos aqueles benefícios que se dá na época de Natal, e o presidiário acaba tendo confiança de que o Estado está presente, junto com ele, na defesa dos seus direitos.

            Como São Paulo não tem, talvez seja uma das grandes razões para que tantas rebeliões existam naquele Estado.

            No meu Estado, a Defensoria é eficiente, embora seja tão desprestigiada com a prestação de milhares e milhares de ações em favor da pobreza, mas acontece que o Governador, que é de um Partido que se diz Partido da inclusão social, da defesa dos direitos dos pobres, daqueles que estão à margem do processo da cidadania. O Governador, inclusive, fez escrever um artigo no jornal Gazeta Mercantil do dia 26, referindo-se ao:

            Governo da Inclusão: O Resgate da Dívida Social, o desenvolvimento com justiça social, o compromisso com a inclusão social por meio do combate à fome e à miséria deixaram de ser peças retóricas eleitoreiras usadas pela elite para se perpetuar no Poder. Transformaram-se em prioridade da gestão do Governo Popular de Mato Grosso do Sul.

            Transformaram-se nisso coisa nenhuma, porque, se o Governador do PT tem abandonado a Defensoria Pública, a qual está há dois meses sem receber os vencimentos e há dois anos sem adquirir as diárias, deixando-a desassistida dos instrumentos de trabalho, sem sala, sem equipamento, sem material adequado, conclui-se que não deseja, mediante o braço defensor do Estado, a inclusão dos pobres no Mato Grosso do Sul. Do contrário, já estaria trabalhando intensamente para que a Defensoria alcançasse essa desigualdade com relação à Promotoria de Justiça.

            Observe, eminente Senador Ramez Tebet, meu querido companheiro do Mato Grosso do Sul, fala-se inclusive no Estado que, com essa propalada Reforma Administrativa, vai-se reduzir o número de defensores de pouco mais de 100 para 33, embora a folha de pagamento daqueles profissionais não chegue a R$400 mil por mês. Conforme declarou o Secretário de Comunicação Social do Governador, só em nível de imprensa, pagaram-se recentemente, R$700 mil por mês, o que é um absurdo, Senador.

            O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Concedo um aparte a V. Exª.

            O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Juvêncio da Fonseca, quero aplaudir V. Exª, que está, nesta tribuna, abordando um assunto de grande relevância para Mato Grosso do Sul, um Estados que, em matéria de oferecer justiça aos menos favorecidos, aos necessitados, possui uma excelente Defensoria Pública. V. Exª foi um dos primeiros defensores públicos do Estado de Mato Grosso do Sul. Era advogado de ofício. Talvez por isso V. Exª fala com esse entusiasmo e com essa paixão, porque V. Exª tem a sua vida cultivada nessa semente benéfica e altruísta de distribuir justiça, principalmente aos menos favorecidos. É triste ver o que está acontecendo lá, é triste ver que se pretende diminuir o número de defensores públicos. Não acredito que isso vá acontecer, porque, de acordo com a legislação, o Governo estadual do PT não vai ter condições para tanto. Mas ele submete os defensores públicos ao que V. Exª está abordando e ao sacrifício enorme do não-recebimento dos seus vencimentos, como submete todo o funcionalismo do Estado a algo verdadeiramente diferente do que está por aí: ao pagamento à prestação dos seus salários. Poderíamos até compreender isso, não fosse o discurso de proclamação de que as finanças de Mato Grosso do Sul foram restabelecidas, que houve aumento de arrecadação de R$50 milhões para quase R$100 milhões. O empréstimo no Banco do Brasil é feito pelo funcionário. Nunca vi isso. Não aparece o Governo do Estado. Está tudo no fio do bigode. Se acontecer alguma coisa, é o funcionário público que vai pagar ao Banco do Brasil, e os juros são de 2,9%. Senador Juvêncio da Fonseca, não quero tirá-lo da trilha do seu excelente pronunciamento, quero apenas parabenizá-lo. Continue, porque a classe dos defensores públicos de Mato Grosso do Sul e toda a Justiça está a espera desse pronunciamento, que V. Exª tem muita autoridade para fazer. Meus cumprimentos.

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet, V. Exª conhece de perto esse problema e é um testemunho importantíssimo para o meu discurso. Recebi uma carta cheia de emoção do defensor público Andrew Robalinho Silva Filho, cujo vencimento em seu holerite, após 10 anos no exercício da função, é de R$2.860,00. O defensor ingressa no quadro com o salário de R$2.000,00 e há uma legislação que permite - e aí o aparte do Senador Lúcio Alcântara foi elucidativo - que a Ordem dos Advogados faça convênio com a Defensoria Pública, onde não há defensor. Nos casos da substituição por um advogado dativo, respeitam-se honorários na base da tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, não é dativo, mas, sim, pago.

            O Defensor Andrew Robalinho Silva Filho mandou-me justamente a certidão de uma audiência ocorrida no dia 6 de janeiro deste ano, em que o juiz fez a substituição, solicitando um advogado dativo. O juiz fixou os seus honorários em R$500,00 só para aquela audiência. Disse o juiz da assentada que aquela decisão serviria de carta de sentença para que a OAB ou o advogado pudesse executar o Estado em R$500,00 por audiência. Cada defensor faz milhares de audiências por dia.

            Além disso, Senador Lúcio Alcântara, há um convênio internacional com cinco países, por meio do qual o Brasil, com a sua estrutura, presta serviço gratuito, por intermédio das defensorias, para os filhos desses cinco países no Brasil. Não damos conta sequer do brasileiro, e o Estado ainda tem a petulância de fazer convênios internacionais para que a Defensoria, tão desvalorizada e abandonada, ainda preste serviço internacional de solidariedade.

            Sr. Presidente, deixo aqui a minha palavra de solidariedade e a minha presença na Defensoria Pública não só de Mato Grosso do Sul, mas de todo o Brasil. Não posso compreender que o Estado solidário e democrático de direito possa prescindir de uma Defensoria Pública - como não pode prescindir de um juiz nem de um promotor. É um tripé de existência de estrutura institucionalizada que é a sobrevivência da sociedade.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Senador Juvêncio da Fonseca, não gostaria que V. Exª encerrasse o pronunciamento sem que o cumprimentasse. V. Exª levanta um assunto que é a preocupação de todos os brasileiros que se entristecem com o quadro da Justiça em nosso País, que, se já é carente de modo geral, o é especialmente nessa perna do tripé que V. Exª mencionou, isto é, a Defensoria Pública - precisamente aquela perna que deve servir e serve, nas suas limitações, à população mais carente e oprimida. É como se essa sociedade, na verdade, funcionasse a favor dos grupos dominantes e das populações mais abastadas, que têm os melhores defensores do País mediante pagamentos às vezes até muito elevados, mas que deixam de fora, nessa ausência de cobertura, aqueles segmentos mais necessitados da população. Desse modo, ao fazer esse pronunciamento, V. Exª está levantando a atenção da Casa e a preocupação de todos nós para que essa deficiência seja, de uma forma ou de outra, eliminada ou, senão, reduzida ao máximo. V. Ex.ª não só aborda a situação de seu Estado, assunto que, evidentemente, conhece melhor do que eu, como também transcende tal situação e aborda a questão no âmbito nacional. Quero cumprimentá-lo, na oportunidade, pela substância de seu pronunciamento.

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS) - Agradeço ao Senador Roberto Saturnino pelo aparte que enriquece o meu discurso. Senador, já na Câmara dos Deputados, foi votada, quase por unanimidade, uma Proposta de Emenda à Constituição que dá autonomia administrativa e financeira às Defensorias Públicas. Está no Senado Federal esta PEC, sob número 29, de 2000, e certamente vamos recebê-la com muito carinho, com o desejo, na verdade, de consertar a Defensoria Pública através do Congresso Nacional.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Certamente vai V. Ex.ª contar com o apoio de todos nós nesta luta pela aprovação, o mais breve possível, dessa emenda tão importante

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS).- O meu pronunciamento tem também o grande objetivo de nem só trazer o problema ao conhecimento de todos os Pares, mas também de falar sobre essa PEC que está ingressando no Senado Federal e já deve estar nas comissões. Vamos esperá-la aqui com boa vontade, com o desejo de que façamos justiça aos defensores públicos, porque são eles que levam aos desassistidos, aos desesperançados, aos sem justiça, a confiança do exercício da cidadania. Por isso, concitamos os nossos Pares à consciência, para que essa perna institucional da República seja reconstituída, fortalecida para que possamos concorrer, mais uma vez, para a inclusão social daqueles que não fazem parte da verdadeira cidadania brasileira.

            Muito obrigado.


            Modelo15/8/246:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/2001 - Página 344