Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a violência na sociedade brasileira. Posicionamento contrário à proibição do uso de armas pelos cidadãos, de acordo com o projeto apoiado pelo Governo Federal.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a violência na sociedade brasileira. Posicionamento contrário à proibição do uso de armas pelos cidadãos, de acordo com o projeto apoiado pelo Governo Federal.
Aparteantes
Agnelo Alves, Antonio Carlos Valadares, Arlindo Porto, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 19/01/2000 - Página 504
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, DESEMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA, EFEITO, AUMENTO, VIOLENCIA, TRAFICO, DROGA, HOMICIDIO, CRIME ORGANIZADO, RESULTADO, MODELO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRETENSÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, LIMITAÇÃO, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, DESCONHECIMENTO, SITUAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, VALORIZAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, REFORÇO, AUTORIDADE, POLICIA, OBJETIVO, EFICACIA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, com a chegada de um novo milênio, sem dúvida, podemos hoje constatar infelizmente que o século XX está marcado pela violência. Grandes guerras, conflitos nucleares, conflitos localizados, fome e miséria se registram em várias partes do nosso Planeta. E é duro ter que admitir, mas a brutalidade se tornou algo praticamente comum no Planeta. São cenários de tragédia que nos envergonham e que indignam, mas não acabam com a nossa esperança em um futuro de paz, justiça e igualdade.

            Não falamos apenas dos crimes marcados pelo sangue e banalizados, muitas vezes, pela mídia que divulga a violência como método de resolução de conflitos. Estamos nos aproximando do Século XXI, porém, muitas pessoas, muitos seres humanos não saíram, até hoje, do Século XIX, no que se refere ao exercício da cidadania plena e de seus direitos sociais e econômicos como garantia de todos.

            A exclusão social, sem dúvida, é por si só uma forma de violência que fere e que mata. A dignidade humana é condição básica para a paz que todos nós desejamos e que buscamos construir no dia-a-dia e deve ser fundamentada, observada, medida e avaliada nas condições de vida do povo.

            Nos últimos anos, o Brasil atingiu recordes de desemprego, o poder aquisitivo da população caiu, e a miséria instalou-se a olhos vistos. O aumento da violência, decorrência, sem dúvida, da atual política econômica e social, do desemprego e da concentração de renda, é inegável. É verdade que a sociedade está cada vez e cada dia mais temerosa com o crescimento assustador da violência e, com justa razão, exige, cobra, que as autoridades assumam a sua responsabilidade, e aí, sem dúvida, entram em especial as políticas governamentais, as políticas exercidas pelos Poderes Executivos, em todos os níveis, principalmente pelo Poder Executivo Federal, que, por meio das diversas Polícias Federais que existem em nosso País, tem o dever constitucional de proteger o cidadão, a sua família, a sua propriedade, enfim, a sua vida.

            Segurança, sem dúvida, é uma justa reivindicação da sociedade, inclusive promessa de campanha do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, de nossa parte, temos divulgado neste plenário, por meio de diversos pronunciamentos e de apresentação de projetos, buscando dar-se a consciência, o espaço e o tratamento devido para esta questão.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante esta convocação do Congresso Nacional, questionada por muitos da sua necessidade, o Governo, sem dúvida, aposta na aprovação do desarmamento civil, resultado da análise de três projetos que tramitam no Senado, inclusive um de sua autoria tramita na Câmara, e foram tema de uma importante audiência nas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, aqui mesmo no plenário desta Casa.

            As três proposições que estão em análise no Senado são: a primeira pretende proibir a fabricação e o depósito, o porte, o uso e o trânsito de armas de fogo em todo o território nacional. Prevê a permissão para que as armas de fogo sejam fabricadas para exportação ou uso das Forças Armadas. Criminalizam a posse, a guarda, o uso e o transporte de armas de fogo não autorizadas e dá rito sumário ao julgamento desses delitos. E prevê ainda que, num prazo de 90 dias, as pessoas que tenham posse ou propriedade de arma de fogo entreguem à delegacia mais próxima, onde receberiam a indenização em Letras do Tesouro.

            O segundo projeto prevê a retirada de todos os cidadãos do direito de guarda e porte de arma de fogo, inclusive aqueles a quem a lei hoje reconhece o direito de porte de arma como inerente à função social que desempenham, como, por exemplo, membros do Ministério Público e juízes, e também aqueles que usam armas como esporte: os atiradores e os que as usam em atividades de caça. Mantém o direito do uso, do porte e guarda de arma de fogo às Forças Armadas, aos policiais e, excepcionalmente, aos funcionários das empresas de transporte de valores. Dá um prazo de 180 dias para que o Ministério da Justiça e a Secretaria de Segurança recolham todo armamento que pertença a qualquer pessoa ou entidade que esteja sob sua posse ou guarda. Também define que a produção nacional de armas de fogo destina-se ao uso das Forças Armadas e para exportação. Poderá o Presidente da República estatizar temporariamente fábricas de armas de fogo e ainda criar incentivos para as fábricas sob controle do Estado para que mudem de atividade no prazo de um ano.

            A última proposição que está sendo analisada também proíbe a venda de armas de fogo e munição em todo o território nacional, excetuando as Forças Armadas, órgãos de segurança pública e inteligência e empresas de segurança privada. Prevê o recolhimento e a indenização no prazo de 360 dias e procura aumentar a pena de posse, porte, fabricação e venda de armas de fogo, e revoga alguns artigos, inclusive da lei em vigor, a Lei nº 9.437.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, a gravidade da situação, no que se refere à segurança, ao aumento da violência, enfim, nos impõe, sem dúvida, uma análise mais apurada da realidade, para que não se termine mais uma vez apenas fazendo de conta que se está dando solução para um dos tantos e graves problemas que afligem a Nação brasileira.

            A rigor, antes de mais nada, é preciso ficar claro que a maior violência que atinge o País e os cidadãos, sem dúvida, na nossa avaliação, é o crime organizado, o narcotráfico, o contrabando, patrocinado por fortes, poderosas e, em muitos casos, acobertadas quadrilhas.

            Além da ação dos bandidos, a sociedade ainda sofre com a insegurança da impunidade com que, sistematicamente, têm sido tratados toda sorte de criminosos no nosso País. Para ilustrar a preocupante realidade, há dados que foram evidenciados há poucos dias. Nos Estados Unidos, de cada 100 assassinatos, 98% são apurados e os criminosos são presos; no Brasil, no Estado de São Paulo, por exemplo, esse número não passa de 2%.

            A recente CPI do narcotráfico mostrou ainda a que ponto chegou a rede de impunidade envolvendo e agindo por dentro da maioria das instituições, especialmente públicas, para fugir do ajuste de contas com a lei.

            Portanto, a proposta em debate, que o Governo insiste em aprovar, parece desconhecer a realidade, ao não apresentar medidas concretas para enfrentar a violência na sua essência, limitando-se a tratar determinadas situações ou regiões, sem atacar o centro nevrálgico da questão da criminalidade no País. Ao que parece, também, pela pressa com que se pretende discutir a matéria - e é importante que o Congresso Nacional reflita um pouco mais sobre essa questão -, mais uma vez se pretende impor uma panacéia à Nação, com o objetivo de tentar resgatar a credibilidade perdida do Governo Federal no combate à violência.

            O Governo Fernando Henrique Cardoso, incapaz de dar respostas concretas e eficazes à população no combate às desigualdades, na geração de empregos, na distribuição de renda, na tranqüilidade do trabalhador do campo e da cidade, no combate ao trabalho e à prostituição infantil, busca, por intermédio do Congresso Nacional, manipular a opinião pública, passando a falsa imagem de solução ao problema da violência.

            Na verdade, está se pretendendo adotar medidas em relação aos cidadãos comuns, e muito pouco, ou praticamente nada se tem feito do ponto de vista institucional em relação aos bandidos e aos grandes crimes e criminosos, que seguem agindo à vontade. É só passar os olhos nos sucessivos Orçamentos da União e verificar qual o volume de recursos que tem sido destinado, por exemplo, para a segurança pública do País, a forma mais concreta e objetiva de se medir o compromisso oficial.

            Enquanto na Argentina, por exemplo, país bem menor do que o Brasil, existem mais de 40 mil policiais federais, aqui, com muito mais fronteiras, esse número não passa de cerca de 5 mil profissionais. E, além de poucos, ainda tratados - como de resto todo o funcionalismo público - com desrespeito profissional, arrocho salarial e outras medidas que amesquinham o papel do Estado Nacional.

            Violência se combate com estrutura policial preparada, qualificada, não apenas do ponto de vista material, mas com valorização profissional, salários justos e constante educação para o exercício da função.

            Senhoras e senhores, a proposta em discussão resultará no desarmamento unilateral da população e em forte estímulo à ação criminosa, fortalecendo o sentimento de superioridade dos infratores para agir de forma mais desprendida e ousada. Os números estatísticos aqui apresentados durante a Audiência Pública, por si só, não esclarecem, em toda a sua dimensão, a relação entre porte e posse de arma, os riscos e a segurança para a população.

            Antes de se adotarem medidas insuficientes e discutíveis, dever-se-ia aplicar a legislação já existente em nosso País com mais rigor e eficiência, fortalecer a estrutura policial, controlar e fiscalizar, de fato, as armas existentes no País. Ninguém sabe ao certo, mas devem existir cerca de 7,5 milhões de armas, das quais apenas cerca de 1,5 milhão são devidamente registradas junto ao organismo competente.

            Entre as medidas que poderiam ter sido anteriormente adotadas, em minha avaliação, estão algumas que invertem o processo de acesso às armas, ou seja, antes da compra, deve haver exigências mais rígidas para a posse e, conseqüentemente, restrições ao porte. Bastaria cumprirmos o que determina a Lei nº 9.437, art. 4º, quando diz: “O Certificado de Registro de Armas de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa”.

            Portanto, Srªs e Srs. Senadores, sem a demonstração anterior e concreta de compromisso com o combate à violência por parte do Governo, estar-se-á aprovando um projeto sem efeito prático. Estaremos criando uma “lei simbólica” - como o próprio Presidente da República admitiu quando se referia à medida -, que na realidade desmobilizará a sociedade, os governos e o Congresso Nacional das verdadeiras, necessárias e estratégicas ações que deveriam ser implementadas, e com urgência, para darem a segurança pela qual a sociedade brasileira tanto clama.

            Em lugar de uma legislação que, se aplicada efetivamente, tem condições de controlar as armas existentes no País, teremos um vazio legal que, pela prática oficial já evidenciada, apenas estimulará a ação criminosa em todos os terrenos.

            Por outro lado, sem controle e sem fiscalização, o que se estará criando no País? Acredito eu que o verdadeiro mercado livre das armas, talvez adaptando essa realidade ao padrão dos demais setores da economia. Não se estaria - como já ocorreu em outros setores - apenas transferindo a produção para empresas externas, com evidente prejuízo à soberania nacional, no caso das armas necessárias às polícias e às Forças Armadas?

            A lógica governista é a mesma. Mais uma vez se elege a população honesta como vítima de uma política demagógica. Leis são feitas para cidadãos de bem; marginal, bandido, ladrão, assassino, seqüestrador não observa lei, não respeita arma... Portanto, não é para eles nem contra eles que estamos legislando; talvez estejamos até facilitando sua ousadia e o desrespeito às nossas leis.

            Enquanto se mascara a realidade, não se proporciona paz, tranqüilidade e equilíbrio social ao povo, ao mesmo tempo em que se permite - o que é mais cruel - a fragilização de instituições e se abala a credibilidade da polícia, ressaltando-se apenas os desmandos, como se fossem o padrão de ação dos nossos policiais; abala-se a credibilidade da Justiça, tomando-se como padrão a ação irresponsável de maus governantes, em vez de responsabilizá-los, sim, por sua incompetência em construir a segurança que o povo merece e deseja.

            A lógica governista continua a mesma: assim foi feita a Reforma da Previdência, em que os trabalhadores e aposentados foram apenados, e o Governo nada ou pouco faz para combater a sonegação e a corrupção, que impedem a Previdência de ter condições de resguardar a classe trabalhadora e os nossos aposentados.

            No setor administrativo, igual lógica: em nome da modernização e de uma falsa economia, funcionários públicos são demitidos, salários são congelados, funcionários trabalham desmotivados, quando o essencial, o compromisso primeiro de um governo deveria ser a valorização do serviço público de qualidade, que, por conseguinte, teria credibilidade, já que são eles que sustentam e movem este País.

            A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª me concede um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Ouvirei a Senadora Heloisa Helena, que solicita um aparte, e depois o Senador Agnelo Alves.

            A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL.) - Senadora Emilia Fernandes, eu não poderia deixar de apartear V. Exª, pois tenho participado, nas Comissões, dos debates relacionados a esse projeto, que - como disse anteriormente - desencadeou verdadeiro duelo dentro de mim. Durante toda a minha vida, militei nos movimentos de direitos humanos e de combate à violência, especialmente num Estado que, embora tenha a honra de representar - onde há mulheres e homens de bem e de paz -, é marcado pela estrutura maldita da corrupção e do crime organizado. Tive ainda um irmão assassinado covardemente por arma de fogo. Eu tinha tudo, então, para imediatamente estar junto daqueles que defendem a aprovação do projeto. Por outro lado, alguns Senadores têm irresponsavelmente divulgado para a opinião pública que os Parlamentares que votaram contra o projeto se submeteram ao lobby dos produtores de armas. Seria importante que o Senador José Roberto Arruda estivesse presente para dizer quem é o Senador ou a Senadora que está sendo pressionado por lobista. Se não o fizer, S. Exª estará prevaricando, assim como o Senado. Não tenho medo de lobista. Já disse nesta Casa e aos supostos lobistas que nem tenham a ousadia de aparecer na porta do meu gabinete. Entretanto, prefiro saber exatamente quem são eles. Prefiro que este debate seja realizado no plenário, onde posso criticar a atividade que, embora constitucionalmente conferida, não aceito. Prefiro saber quem são eles a votar a favor desse projeto, pois analisei os vários estudos feitos a respeito do gasto de dinheiro público com narcotráfico. Não tenho dúvida de votar contrariamente por um motivo: não quero criar mais um filão para negócios sujos do maldito balcão do narcotráfico. Olhem para o belo céu azul do Brasil. Duvido que as autoridades não saibam de aviões a jato abarrotados de cocaína. Olhem para os verdes mares do nosso Brasil. Duvido que as autoridades não consigam identificar as embarcações com pasta-base de cocaína, com heroína e com os químicos que as preparam. É impossível qualquer pessoa de bom-senso imaginar que o narcotráfico atue sem o envolvimento de um grande político ou empresário, de um juiz e de um aparato de segurança. É simplesmente por esse motivo que voto contra. Apesar de ficar constrangida, não posso aceitar que 1,5% da população seja submetida a uma lei que não é cumprida. Não existe no País sequer um cadastro com os respectivos exames de balística das armas utilizadas pelo aparato da segurança pública. Como cidadã, quero saber quais são as armas utilizadas pelas Polícias Federal, Militar e Civil dos Estados. Quero saber qual o cadastro das armas, qual o resultado dos exames de balística. Eles não existem. A lei aprovada não foi cumprida e pode ser modificada no sentido de não autorizar a compra da arma sem a devida habilitação do aparato de segurança. Já disse nesta Casa que não tenho arma, que não gosto de arma, até porque, se eu precisasse enfrentar os adversários políticos do meu Estado, não os enfrentaria como a lei permite, com um trinta e oito, porque eles usam metralhadoras AR-15 e saltitam alegremente pelo meu Estado e por vários lugares deste País. Portanto, não sou contra o porte de armas, mas sou contra o tráfico de armas que será instalado. Sou contra o narcotráfico, algo que nenhuma pessoa de bom-senso aceita, pois destrói populações e famílias inteiras. Antes da globalização do mercado, a coca já tinha feito a globalização neste País. É terrível. O Poder Público não faz nada. Imaginem se criarmos um novo filão para o narcotráfico comercializar. Se o Poder Público fizer um único gesto para combater o narcotráfico, certamente votarei favoravelmente ao projeto. Mas não quero criar um novo filão de negócios sujos, com a comercialização de armas no nosso País.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Agradeço-lhe o aparte, Senadora Heloisa Helena. Sei que a sua indignação está na mesma linha da sua luta em defesa dos direitos humanos. A análise deste tema precisa ser feita dentro dos parâmetros mencionados por V. Exª, que conhece a problemática da violência no seu Estado, violência esta que todos sabemos não ser própria daquele povo. V. Exª sofreu na própria carne o uso indevido de uma arma de fogo que certamente não era legalizada. Não foi um cidadão de bem que provocou essa tragédia. Por outro lado, V. Exª está consciente de que esses projetos, da forma como foram apresentados, tentam convencer a sociedade brasileira de que a solução para a violência está no puro e simples desarmamento civil. Mas sabemos que medidas anteriores, de maior profundidade, que buscam atacar as causas da violência são as que deveriam ser construídas neste País e que o desarmamento se daria naturalmente pela educação, pela consciência e pelo equilíbrio social e econômico da vida da nossa gente.

            Agradeço o aparte de V. Exª. Precisamos realmente de políticas de combate à ilegalidade, ao narcotráfico, de resguardo, de fiscalização e de policiamento das nossas fronteiras, que estão abandonadas do ponto de vista econômico e social e desprotegidas do ponto de vista da segurança.

            Queremos que se raciocine sobre o que realmente está ocorrendo com o povo brasileiro. É uma hipocrisia enorme, no bojo da discussão desses projetos, o caso das exportações. É uma hipocrisia defender a proibição interna da construção e permitir que fábricas continuem mandando armas para outros países. Que sentimento de solidariedade é esse que pregam alguns defensores do Projeto se queremos resguardar o povo brasileiro e continuamos enviando armas para outros países, para que lá aconteça o que tiver de acontecer?

            Essas medidas, sem dúvida, caminham na direção da proliferação de desmandos como o contrabando, por exemplo. Haverá perda total do controle e da fiscalização. Se o Governo não tiver números de registros de armas, nem controle do que se vende, do que se compra e do que chega ao País de forma ilícita - essa fiscalização não é feita hoje -, ele não cumpre a lei, que é boa e que está inclusive enquadrada naquilo que os direitos humanos defendem. Trata-se, portanto, de uma lei construída sobre uma base hipócrita de solução para o problema da segurança.

            O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Concede-me V. Exª um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Agradeço a V. Exª a oportunidade do aparte e felicito-a pelo talento e pela sensibilidade com que vem abordando o problema. Esse Projeto seria apenas um capítulo de toda uma grande política de combate à violência e de segurança pública, o que não existe neste País. Vamos votar o quê? A proibição? E o resto? Se não votarmos esse projeto, vamos deixar que se continue fabricando arma e que o porte e a posse continuem. E o restante? Não existem no País políticas estaduais ou federal de segurança para a população. O Governo Federal deveria, dada a gravidade do problema, liderar a sua solução. Há ainda uma contradição que não compreendo: há tropas brasileiras no Timor Leste para garantir a segurança pública, mas aquele país não está mais em guerra. São tropas que não temos aqui para garantir a segurança pública dos brasileiros. É uma contradição flagrante. Não tenho nada contra o envio das tropas para o Timor Leste, mas penso que deveria haver uma política de segurança para a população civil do Brasil. Muito obrigado.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Agradeço o aparte, Senador Agnelo Alves.

            A questão da segurança e do combate à violência é muito complexa; de responsabilidade dos governos, está ligada à política de destinação de recursos, ao fortalecimento das polícias e, principalmente, à geração de condições de tranqüilidade social e econômica para nossa gente. É lógico que a violência não é conseqüência, por exemplo, da pobreza. Ela pode ser, sim, resultado da exclusão daqueles que se vêem privados de toda e qualquer condição essencial para uma vida digna, como prega a própria Constituição brasileira.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT- RS) - Com muito prazer, ouço V. Exª e, logo em seguida, o nobre Senador Arlindo Porto.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª está fazendo um pronunciamento que - acredito - está sendo acompanhado, com o maior interesse, pelos Senadores e por este vasto Brasil. Muitos são os nossos patrícios que diariamente ligam a TV Senado, procurando saber o posicionamento de cada um dos Senadores e das Senadoras a respeito desse projeto do desarmamento. Na verdade - não desejo tomar o tempo de V. Exª -, muitas empresas de vigilância são responsáveis pela venda ilegal de armas. Cito um dado que apanhei na Internet: “Das alegadas 80 mil armas roubadas no País, 78 mil pertenciam às empresas de vigilância. O órgão responsável pela fiscalização - determinada pela Lei nº 7.102/83 - das empresas de vigilância dispõe de apenas três funcionários”. Três funcionários fiscalizam o Brasil inteiro no que diz respeito às atividades das empresas de vigilância! Isso, sem falarmos no narcotráfico, nos bandidos que conseguem obter armas de várias maneiras - inclusive as que são vendidas aos Estados Unidos por um preço muito mais baixo, às vezes, um quarto de seu valor, e depois repatriadas para o próprio Brasil. Então, V. Exª tem toda a razão: não podemos deixar um cidadão honesto, trabalhador, que tem o dever de cuidar de sua família, inteiramente desprotegido. V. Exª é de um Estado - podemos dizer assim - exemplar do ponto de vista político, social e empresarial, o qual tem sido um modelo de organização para o Brasil, por seus Governadores e Prefeitos; nele se vive um estado altamente democrático, civilizado. E não podemos afirmar que no Nordeste não haja isso; apenas as condições econômicas e sociais lhe são desfavoráveis. Aqui foi citado o caso do Estado do Pará pelo Senador Ademir Andrade. Naquele Estado tão grande, com um território muito maior que o Rio Grande do Sul, por exemplo, é preciso que o cidadão, que não conta com a polícia, com segurança nenhuma, tenha uma arma para proteger sua propriedade, sua família e a si próprio. Estou inteiramente de acordo com V. Exª e com a Senadora Heloisa Helena: precisamos acabar com essa demagogia - o Senado Federal tem muita coisa a fazer - e deixar essa questão por conta da lei já existente, que é muito rigorosa quanto ao porte de armas. Se, porventura, o Brasil, um dia, for um país desenvolvido - algo com que sonhamos e por que lutamos -, certamente não perderemos tanto tempo, pois a lei já existe para coibir os abusos. O que falta, neste momento, é que as autoridades constituídas ofereçam melhores condições de vida ao nosso povo e maior segurança aos homens honestos e aos trabalhadores do Brasil.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento. Os dados comprovam que há necessidade de normas mais rígidas e de medidas complementares de fiscalização, para que possamos coibir esses desmandos, por exemplo, na área da vigilância. Embora não possamos generalizar, sabemos que, por meio desse serviço, armas são vendidas para atividades criminosas. Que se busquem, então, a fiscalização e um maior controle.

            Em determinadas regiões do nosso País, as pessoas têm em uma arma de caça a sobrevivência. Nesse caso, também não podemos generalizar, desarmando-as; não são elas as que matam, as que estão destruindo e explorando a Amazônia. Devemos atacar, com o apoio do Governo, as grandes empresas, inclusive as multinacionais, que estão desmontando o que de mais rico a natureza nos deu naquela região.

            Os números comprovam esta realidade: a proibição de venda de armas não reduziu a criminalidade onde foi aplicada. Por exemplo, na Inglaterra, o número de assaltos à mão armada, após essa medida, aumentou 117% nos últimos anos. Não é a arma que mata; o homem e a mulher criminosa é que praticam esses delitos.

            Os números, portanto, são irrefutáveis. Não se pode atribuir o crescimento da violência às armas de fogo legalizadas. Dados, já comprovados, registram que, entre 1995 e 1998, a venda de armas no Brasil teve uma queda de 80%. No mesmo período, a concessão de porte de armas caiu 97%, enquanto a violência continuou aumentando. No Rio de Janeiro, onde há menos armas registradas, o número de homicídios disparou.

            Por outro lado, Senador Antonio Carlos Valadares, no Paraná e no Rio Grande do Sul, meu Estado, onde há o maior número de armas registradas, a quantidade de homicídios é bem menor do que em outros Estados brasileiros. Além disso, em meu Estado - talvez, por uma questão cultural -, dificilmente, uma pessoa adulta - homem ou mulher - não sabe usar uma arma de fogo. Ao mesmo tempo em que conhecemos, respeitamos e temos as armas em nossas casas, orientamos nossos filhos para a distância que devem manter delas e para o cuidado que se deve ter no seu manuseio.

            Entendemos que esse tema está diretamente ligado à questão educacional e cultural, à civilidade das pessoas e à cidadania. Embora violência e segurança sejam assuntos distintos, estão enroladas em uma mesma forma, como se fossem iguais. No Rio Grande do Sul, armas legais - pode ter certeza, Senadora Heloisa Helena - não são usadas para assassinar Deputadas e Prefeitas, tampouco para silenciar juízes, como vemos a todo momento.

            O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Ouço V. Exª, com prazer.

            O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª vem à tribuna, nesta tarde, para novamente levantar o tema desses projetos que, sem dúvida, têm despertado o maior interesse da sociedade brasileira. Tivemos a oportunidade, na semana passada, de começar um processo de discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Na última quinta-feira, houve uma audiência pública, bastante produtiva, bastante democrática, haja vista a representatividade dos segmentos que vieram aqui expor suas opiniões e também a participação dos Srs. Senadores. O que se nota é que o despertar do interesse e da atenção da sociedade faz com que o tema precise ser ainda mais discutido. V. Ex.ª levanta horizontes abrangentes em relação a isso, destacando a questão social, a questão econômica, a questão de organização do Estado, e, naturalmente, os apartes já nos fizeram perceber que o assunto não pode se interromper apenas neste pronunciamento. Mas eu gostaria de chamar a atenção para um ponto que considero também relevante. É que apenas uma lei que proíba a comercialização de armas - creio eu - não é suficiente. Mais importante que uma lei é fazer com que ela seja cumprida. Hoje temos leis rigorosas em relação à utilização de arma, como outras leis que existem no Brasil e não são cumpridas. Vejo, sobretudo, a necessidade de o Estado se organizar, de o Estado se estruturar, para dar, efetivamente, segurança à população. O simples desarmamento não creio que possa ser a solução. Até porque as exceções já estão sendo colocadas, as emendas já estão mostrando que, para aprovar esses projetos - ou o projeto que for aprovado -, muitas exceções deverão ser implementadas. E foi levantada aqui uma questão que merece, sim, um aprofundamento: aqueles que convivem com o interior do nosso Estado, sobretudo com as regiões menos desenvolvidas, em que a arma passa a ser uma tranqüilidade para a família, para propiciar o mínimo de sua segurança, em virtude da distância. Temos Estados independentes e, em grande maioria, desorganizados, sem controle de porte e de registro de armas, proliferando, sem dúvida, a oportunidade para a marginalidade. Entendemos que é necessário discutir um pouco mais; avançar um pouco mais; buscar não tratar exceções, mas definir uma regra que possa dar ao cidadão brasileiro a tranqüilidade absoluta, que só será alcançada quando tivermos um policiamento ostensivo, efetivo, competente, preparado, bem remunerado, adequado à expectativa da sociedade brasileira. Creio que nenhum brasileiro gostaria de ter que portar uma arma para ter segurança e dar segurança para seus familiares e seu patrimônio. Tenho certeza de que nenhum brasileiro gostaria de ter que utilizar arma para dar tranqüilidade a seus entes queridos, mas, lamentavelmente, essa é a realidade do Brasil. Hoje, sem a proibição, vivemos nesse ambiente. No caso, surge a questão: se for proibido, vai resolver? Quem estará dando garantias de que aqueles que buscam na marginalidade a atividade do dia-a-dia não terão acesso a armas? E , aí sim, buscarão os brasileiros completamente desprovidos de segurança para garantir o que tem de mais precioso. Chamo a atenção para poder enfatizar a necessidade de um estudo mais aprimorado. A Polícia Federal poderia criar um cadastro geral, homogêneo, de todo o Brasil, para que possamos ter mais rigor na implementação desse processo. O Brasil não dispõe de meios para reduzir o contrabando nas mais variadas atividades econômicas; e não será a arma, não serão os contrabandistas, profissionais do processo da marginalidade e da criminalidade que obedecerão a lei. E, lamentavelmente, não temos, na segurança pública, a tranqüilidade necessária. Na próxima semana, estaremos caminhando para uma posição final, decidindo, de forma clara e precisa, o destino da segurança da sociedade brasileira, do cidadão pacato, honesto, trabalhador que confia na lei, confia na Justiça, confia no Governo.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Agradecemos o aparte, Senador Arlindo Porto. Estamos elaborando uma lei, pura e simples, de desarmamento civil, que visa àquele cidadão de bem, àquele que tem uma arma em casa para sua segurança, para sua tranqüilidade psicológica, porque, às vezes, a pessoa nem usa e nem sabe manuseá-la. Mas, ao tempo em que passamos essa intranqüilidade para o cidadão de bem, fortalecemos o outro lado, que vai continuar na contravenção, na impunidade e fortalecido, inclusive, pela idéia de que sabe que o uso e o porte de arma é ilegal. Portanto, a defesa, a autodefesa, a defesa legítima, prevista na Constituição, poderia ser qualificada como crime, como contravenção. Desse modo, oferecemos um reforço prático e concreto à contravenção no País.

            Sou movida pelo sentimento de defesa da paz, do respeito, da ordem, da democracia, e jamais faria algo que contrariasse esses princípios. Mas no projeto, da forma como está posto, não há o compromisso governamental, o compromisso do Congresso Nacional com a elaboração de uma política de segurança. A segurança não está sendo oferecida; mas apenas colocada pontualmente: fechem as fábricas; desempreguem os trabalhadores que lá estão! Joguem como falsa tranqüilidade de segurança essa questão e os desmandos da marginalidade continuarão.

            Sr. Presidente, na nossa visão, desenvolver uma cultura de paz é, sem dúvida, lutar por justiça social. Não há paz sem justiça, e não se constrói a justiça sem o desenvolvimento da consciência cidadã e a garantia de direitos. Solidariedade, justiça, verdade, honestidade, para mim, são outros nomes da paz.

            Também precisamos ouvir, com mais tempo e método, a população e adotar, antes, medidas concretas de combate ao crime organizado, à impunidade e à exclusão social por meio de investimentos na estrutura e na valorização da Polícia, no desenvolvimento econômico e nas ações sociais, para que o desarmamento se dê, como já disse, naturalmente, pela ação educativa e psicológica, para que, à medida que o povo passe a se sentir respeitado, resgate a credibilidade na garantia de seus direitos essenciais.

            Sr. Presidente, o Congresso Nacional, a partir da audiência pública que realizou, do debate, da manifestação da sociedade e dos dados e números, não se contentará em ser usado para mascarar o real compromisso do Governo no combate à violência neste País.

            Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/01/2000 - Página 504