Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogios ao programa Saúde da Família, implantado pelo Governo do Acre há mais de um ano. Importância da parceria do Governo daquele Estado com o Ministério da Saúde. Inovação da iniciativa da formação de profissionais de saúde, com a implantação de cursos de pós-graduação no Acre.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Elogios ao programa Saúde da Família, implantado pelo Governo do Acre há mais de um ano. Importância da parceria do Governo daquele Estado com o Ministério da Saúde. Inovação da iniciativa da formação de profissionais de saúde, com a implantação de cursos de pós-graduação no Acre.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2001 - Página 550
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, ESTADO DO ACRE (AC), PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), COMBATE, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, MELHORIA, FORMAÇÃO, RESIDENCIA MEDICA, POS-GRADUAÇÃO, AREA, SAUDE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, ATENDIMENTO, FAMILIA.
  • AVALIAÇÃO, ALCANCE, POLITICA SOCIAL, AREA, SAUDE.
  • REGISTRO, APERFEIÇOAMENTO, ENSINO SUPERIOR, MEDICINA, ESTADO DO ACRE (AC), ATENÇÃO, POLITICA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Ademir Andrade, agradeço a manifestação de carinho e generosidade da Mesa, dos amigos e dos funcionários da Casa.

            Trago uma notícia positiva do Acre: a cada dia consolida-se mais a parceria do nosso Governo com o Ministério da Saúde, que tem tratado com sensibilidade o setor de saúde do meu Estado.

            Estamos saindo de uma fase difícil, que foi a epidemia de dengue ocorrida em função de um descontrole da doença no país vizinho, a Bolívia, e também em Rondônia. Dessa forma, fomos o último Estado a ter uma epidemia dessa doença no Brasil. No entanto, a parceria com o Ministério da Saúde, a política bem definida do Governo do Estado e a cobrança de responsabilidade e a parceria com os Municípios permitiu que o Estado, com êxito, enfrentasse a epidemia de dengue.

            Fico feliz em anunciar que estamos dando passos muito importantes na formação de profissionais de saúde, no sentido de educação continuada e até de pós-graduação. Posso assegurar que nenhum Estado brasileiro cresceu tanto na área de formação em saúde, nesses últimos dois anos, como o Acre.

            Nunca tínhamos tido um curso de pós-graduação na área de saúde no Acre. Hoje, há a expectativa de termos 65 vagas para mestrado nas áreas de gerenciamento em políticas de saúde, saúde e ambiente, medicina tropical e na área de saúde com concentração em clínica. Contamos com o apoio do Ministério da Saúde, de modo especial do Ministro José Serra, da equipe do Secretário de Política Especial, Dr. Cláudio Duarte e, também, do Dr. Renilson e do Dr. Mauro Ricardo, da Fundação Nacional de Saúde.

            É muito importante que um Estado governado pelo Partido dos Trabalhadores, um partido que não é aliado ao Governo Federal, encontre num setor do Governo Federal respeito e consideração, demonstrando que é possível se fazer uma parceria responsável, uma política pública verdadeira, para construção de um novo modelo.

            Em conseqüência dessa parceria, conseguimos implantar uma ação do programa mais importante de saúde pública já surgido neste planeta, inspirado nos modelos cubano e inglês, que é o Programa Saúde da Família. Hoje, a cobertura do Programa Saúde da Família atinge 25% da população do Estado. Ou seja, uma equipe de saúde da família, formada por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e cinco agentes, faz a cobertura de uma média de 3.400 pessoas, numa microrregião urbana, e tem tido um resultado fantástico.

            Trouxemos a solidariedade do Programa de Saúde da Família de Cuba e a levamos a 15 dos 22 Municípios do Estado. Desde que foi implantado, há um ano e quatro meses, nas áreas onde o Programa se concentra, a mortalidade em menores de 12 anos chegou basicamente a zero.

            Emociona-nos ver um médico chegar a um bairro dos mais humildes de uma microrregião, onde as condições urbanas são desfavoráveis, nos grotões de dificuldades socioeconômicas, tirar o sapato, subir ao seu ambiente de trabalho de pés descalços - lembrando aquela tese antiga dos médicos de pés descalços da China -, e atender de casa em casa as mulheres grávidas, as crianças subnutridas, as pessoas de mais idade, enfrentando o que poderia ser chamado de a “revolução do simples”.

            O Brasil precisa abrir os olhos para atitudes dessa natureza. Com uma simples política de saúde pode-se revolucionar o País, reduzindo a mortalidade infantil, alcançando maior cobertura na expectativa de vida, dando condições às unidades hospitalares que atuam em área de maior complexidade de ficarem mais desafogadas, menos comprometidas com a demanda desnecessária para que possam, assim, trabalhar com mais eficiência e qualidade.

            É uma marca do Governo Jorge Viana a implantação do mais ousado programa de saúde da família do Brasil, com cobertura de 25%, que pretende chegar a 50% da população do Estado ainda no exercício de 2001, por meio das parcerias com os Governos Municipais.

            O outro alcance é a formação da área de pós-graduação no Estado. Estamos criando um grande alicerce para implantação de uma solução definitiva para o problema da falta de médico na Amazônia. No Brasil, há 1.200 Municípios sem médicos. Uma situação trágica, que deixa a população dos Municípios mais pobres totalmente desamparada.

            No Acre, quase 100% dos Municípios contam com médicos, mesmo que não seja em período integral e definitivo, mas apenas profissionais visitantes. Esperamos, ainda este ano, alcançar a meta de 100%. Essa é mais uma parceria do Ministério da Saúde, que implantou, por meio da Secretaria de Política Especial, o chamado Programa de Interiorização de Trabalho em Saúde - PIT. Nesse Programa, prevê-se uma bolsa do CNPq, moradia, condição salarial e um curso de especialização para os médicos recém-formados. Dessa forma, eles poderão se fazer presentes nos 1.200 Municípios brasileiros que não têm profissional médico hoje. Depois de um ou dois anos de trabalho, obterão o título de especialista na área de saúde pública, podendo plenamente cumprir um papel que justifique a sua formação e os seus sonhos de muito bem servir a comunidade.

            Trata-se de atitudes simples, mas que têm um alcance social profundo. São nove os nossos Municípios que têm uma carência maior da presença de profissionais médicos. O Ministério da Saúde afirmou a parceria e vai pagar um salário de R$4.500,00, que será complementado pelo Governo do Estado. Desse modo, vamos beneficiar a população que vive a grande aflição de não ter um médico permanente no seu seio comunitário, evitando, assim, doenças que levariam à mortalidade e conseqüências desnecessárias de agravo à saúde, como doenças de transmissão hídrica, diarréicas, respiratórias e demais doenças comuns que afligem a população brasileira que possui uma desfavorável condição socioeconômica.

            O Brasil precisa seguir bons exemplos. O nosso alicerce na área de implantação do Programa de Saúde da Família, na formação de profissionais com pós-graduação, da ordem de 65 profissionais neste ano, e a implantação do Programa de Residência Médica, reconhecido pelo Ministério da Educação, que forma especialistas nas áreas de Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Saúde da Família ou Medicina Geral ou Comunitária, permite que possamos, no mês de julho, agora, numa parceria com a Universidade de Brasília, com a Universidade Federal da Bahia e, posteriormente, com a Universidade de São Paulo, implantar um curso exemplar de formação médica na Amazônia, voltado para o terceiro milênio. Não se trata de um curso tradicional, de um modelo que venha a copiar fracassos de conteúdo pedagógico, de árvore curricular que não tem dado certo no Brasil, que forma profissionais com uma visão mercantilista, mas sim de um modelo curricular, que já passou sob o crivo do Conselho Nacional de Saúde e do Ministério da Educação, que vai tentar formar um médico com a visão holística, com a visão de Amazônia, das peculiaridades de saúde pública para aquela região, permitindo, assim, uma intervenção direta em relação aos agravos que afligem a população de baixa renda. É o que chamamos de “a revolução dos simples”. Trabalhando de maneira simplificada, com a tecnologia que é permitida para aquela região, podemos fazer uma revolução em favor da qualidade de vida e em respeito ao ser humano. Com relação aos casos mais complicados, estamos vinculando linhas de cooperação com Unidades Federadas de maior recurso de complexidade, às quais essa população terá acesso.

            Então, o currículo médico vai permitir uma formação profissional humanista desde o primeiro ano. Em vez de o aluno, o futuro profissional, ao entrar, começar a estudar o olho, o ouvido, uma parte do cérebro, ele vai para a comunidade pobre, para a periferia, onde está o sofrimento socioeconômico e humano da população, fazer um estudo epidemiológico, estatístico, entender a condição de vida da população brasileira no seu sentido pleno. Daí, ele angaria sentimento, angaria um componente ético na sua formação e começa a ter uma ação integrada do ponto de vista da tecnologia, tendo cadeiras como as de Anatomia, Histologia, Microbiologia, Patologia, evoluindo para as áreas de clínica plena, como é todo o currículo médico brasileiro. Eu diria que se trata de uma atitude inovadora, um currículo inspirado num modelo canadense, num modelo americano, que inverte hoje o que foi, em 1923, a chamada “visão do ultraespecialista”, do chamado “Relatório Flexner”, que tentava ver o ser humano não como um ser integral, mas em compartimentos, em que um estudava a mão, o outro estudava o olho, o outro estudava o fígado, e não se via o ser humano de maneira holística. Isso foi quebrado, esse modelo fracassou, faliu com a política de saúde americana, que é a mais cara do planeta, e mostrou que é possível, vendo o homem de outra maneira, fazer-se uma formação médica que permita uma intervenção naquilo que é a evidência da sociedade e do sofrimento da população.

            Portanto, cumprimos, de maneira ousada e corajosa, essa visão curricular. A comissão de alto nível de professores doutores do Brasil inteiro, que foi escolhida junto com a Universidade de Brasília, visitou o Acre e deu-nos a notícia alegre de que esse é um currículo à altura do terceiro milênio, que vamos começar. Ele não copia modelos fracassados, ele diz não a modelos de ultraespecalistas e diz sim à evidência clínica que atinge a sociedade brasileira. Essa é uma notícia que nos traz muita alegria.

            Estamos provando também que é um erro dizer que não é preciso mais faculdade de medicina neste País. Há grotões de abandono de profissionais de saúde no Brasil. São 1.200 Municípios neste País que não dispõem de médico para atender a população pobre. Temos uma desconcentração absurda de profissionais médicos na Amazônia. Para uma população da ordem de 20 milhões de habitantes, temos apenas dois cursos no Pará, um curso em Roraima e outro curso no Amazonas, o que é uma situação absurda, pois força estudantes do Acre, de Rondônia e de outros Estados do Brasil e da Amazônia Legal a se dirigirem para uma formação - aí sim, que deixa dúvidas quanto à sua qualificação - na Bolívia e no Peru, que, infelizmente, não têm um nível de formação como imaginamos ser necessário para o nosso País.

            Quando se busca qualidade, quando se busca agir com responsabilidade, é possível acreditar, ter alta estima, por mais que não sejamos uma Unidade Federada com a receita, com a pompa econômica de Estados como São Paulo, Minas Gerais, de que seremos capazes de formar profissionais à altura do que a sociedade espera e, finalmente, estarmos inseridos nos desafios do terceiro milênio: o desafio da biotecnologia, que está hoje na Amazônia como um corredor para o terceiro milênio; o desafio do patrimônio genético, que está na Amazônia e precisa ser estudado e contribuir com o planeta inteiro; e o desafio de não se fazer política com os olhos voltados para o econômico, mas com os olhos voltados para o desenvolvimento humano, associado ao desenvolvimento socioeconômico.

            Os nossos desafios na área de saúde pública são profundos. O setor ainda paga o preço da dificuldade de uma organização mais qualificada; ainda não se dá o carinho necessário que a população pobre precisa quando chega em uma unidade de saúde; ainda há falhas na hora de um sistema de referência, contra-referência e hierarquização. Essa é a realidade de todo o Brasil. Vale lembrar que São Paulo tem milhões de habitantes que ainda não têm acesso a um leito hospitalar, que o Rio de Janeiro paga preços enormes nas conseqüências desfavoráveis de um modelo de saúde pública que precisa também ser revisto. O nosso passou por esse crivo de avaliação, de crítica, de busca de qualidade, e os passos estão sendo dados. O Ministério da Saúde já sinaliza com enorme respeito para o que se está tentando construir como um modelo alternativo, simplificado. Se houver parceria, seremos capazes de construir um modelo muito favorável.

            Encerro o meu pronunciamento, Sr. Presidente, afirmando que é possível construir política de saúde neste País, apesar da dificuldade orçamentária que enfrenta o setor de saúde - e aí lamento citar o exemplo: ao Ministério da Saúde são destinados cerca de US$10 bilhões como orçamento e receita anual para investimento, montante que representa apenas o custo do governo americano com uma doença chamada “choque infeccioso”, que se constitui na maior causa de mortalidade dentro dos Estados Unidos e aflige as unidades de terapia intensiva. Vejam que disparidade e desproporção: o gasto americano com apenas uma doença corresponde ao mesmo valor do orçamento destinado ao Ministério da Saúde do Brasil para cuidar de todo o sistema hospitalar, de todas as suas doenças, endemias e ação preventiva. Mas, com esse pouco que temos, se otimizarmos, trabalharmos em parcerias responsáveis atingindo metas bem-estabelecidas com ação fiscalizadora, seremos capazes de mudar a realidade da saúde no Brasil, de maneira simples, ousada, olhando para cada centavo do recurso público como uma unidade capaz de salvar vidas e contribuir com o novo modelo de cidadania no País.

            Era o que tinha a dizer e agradeço a V. Exª o gesto de generosidade.

 

            


            Modelo14/25/245:19



Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2001 - Página 550