Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RESPOSTA A INTERPELAÇÃO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY.

Autor
CELSO LAFER
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • RESPOSTA A INTERPELAÇÃO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2001 - Página 2907
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • RESPOSTA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, DEBATE, OPINIÃO PUBLICA, ACORDO, NATUREZA COMERCIAL, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • ESCLARECIMENTOS, SUJEIÇÃO, CARGO DE CARREIRA, ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, DIPLOMATA, NORMAS, INTERESSE PUBLICO, NECESSIDADE, DEBATE, USO DA PALAVRA, AMBITO, ITAMARATI (MRE), VIABILIDADE, DIVULGAÇÃO, ASSUNTO, POLITICA EXTERNA.
  • ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, TRADIÇÃO, BRASIL, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, REFERENDO, CONSULTA, ACORDO, NATUREZA COMERCIAL.

O SR. MINISTRO CELSO LAFER - Sr. Senador Eduardo Suplicy, agradeço a oportunidade que me dá para responder a essa última questão, assim como as outras que V. Exª acabou de formular.

Quero dizer que uma negociação como a Rodada Uruguai é complexa, como mencionei, envolve vários temas. Evidentemente, um País como o nosso, que trabalhava realidades menos complexas do que essas que depois se materializaram, precisa ter gente competente que se prepare para lidar com os desafios futuros.

Vejo, evidentemente, um tema fundamental, de uma negociação eficiente, um amplo debate público e vejo, no capítulo da negociação da Alca, que requer, como já disse, várias vezes, publicamente, aqui, hoje e em várias manifestações, uma articulação com a sociedade e uma oitiva daquilo que é o interesse nacional. Portanto, ninguém mais do que eu concordaria com aquilo que V. Exª está dizendo.

Quanto ao outro tema a que V. Exª acaba de se referir, permito-me dizer-lhe primeiramente que a circular regulamenta uma circular anterior, a qual, por sua vez, deriva de uma lei de 1988, retomada e refundida por uma lei de 1999, e, portanto, posterior à Constituição de 1988.

Então, digo, alto e bom som, a V. Exª e a todos aqueles que se preocupam com o assunto que esta matéria nada tem de entulho autoritário nem fere a liberdade de expressão. Existem carreiras de Estado que estão subordinadas a um regime de palavra pública. Um diplomata é um agente do Estado e exerce uma função de representação de Estado. Por isso, o que essa circular faz - e o faz de forma mais flexível - é permitir que, no processo pelo qual se avalia a autorização sobre temas de formulação e execução de política externa, o Itamaraty seja ouvido, como, de fato, deve sê-lo.

V. Exª, que é um economista e que, portanto, conhece bem os temas de política monetária, haverá de concordar comigo: se existe o Banco Central e uma Diretoria de Banco Central, não seria razoável que o Diretor de Câmbio tivesse uma opinião sobre câmbio distinta da posição fixada sobre esta matéria pela Diretoria do Banco Central. É por isso que o referido banco tem um sistema que disciplina a utilização da palavra dos seus funcionários. Um diplomata é um agente de Estado por sua escolha pessoal. Ele escolheu ser um diplomata, bem como os ônus, as vantagens e as responsabilidades de uma carreira de Estado. A carreira de um professor é distinta da carreira de um diplomata, como a palavra de um jornalista é distinta da palavra de um diplomata. Estou convencido não só de que o debate interno é necessário, mas também de que a disciplina da palavra do diplomata está sujeita a uma regra de interesse público e de que não deve haver, em relação a isso, uma compreensão errada ou distinta.

Mencionei o exemplo do Banco Central. Ouvi e li textos igualmente expressivos atinentes a esse assunto, por autores que tiveram responsabilidades da mais alta gravidade no âmbito do Ministério da Fazenda, que envolveram escolhas de política pública. Não creio que esses autores, como qualquer outro, considerariam razoável uma discordância sobre um tema de natureza substantiva. E é disso que trata e de nada mais essa circular, a qual - reitero - está no web site do Itamaraty, à disposição de todos, redigida nos seus amplos esclarecimentos por mim mesmo, que são a expressão da minha visão como Professor de Direito. Também o artigo que escrevi na Folha é uma satisfação que julguei necessário dar à opinião pública. São essas as considerações que gostaria de, respeitosamente, submeter a V. Exª.

O SR. MINISTRO CELSO LAFER - Sr. Senador Eduardo Suplicy, devo dizer que, movido pelo calor das minhas convicções, não agradeci a V. Exª suficientemente por ter trazido Hannah Arendt à colação, também citada pelo Sr. Presidente do Senado em seu discurso, como tive a oportunidade de ler e de ouvir. De maneira que inicialmente quero me penitenciar pela falta de referência a ela, ao mesmo tempo em que agradeço a V. Exª pela oportunidade que me deu de sublinhar a importância do pensamento dela.

No que diz respeito ao tema da Suíça e do referendo que V. Exª menciona - objeto, aliás, de interessante artigo do Embaixador Rubens Ricupero no jornal de São Paulo de domingo -, devo dizer que a experiência suíça de democracia envolve uma consulta permanente à opinião pública. O referendo é um instrumento de democracia criado e utilizado amplamente na Suíça. E é utilizado seja para decisões dessa magnitude, seja para decisões aparentemente mais simples, mas igualmente relevantes para a vida das pessoas, do seu cotidiano: a construção da ponte, a escola e assim sucessivamente.

Um país como o nosso não tem a mesma tradição de referendos ou de consultas populares. Algumas foram previstas na Constituição de 1988, por exemplo a opção entre Parlamentarismo e Presidencialismo, entre Monarquia e República. A nossa experiência em matéria de consultas dessa natureza é mais simples e muito mais singela. É um dado que me permito lembrar para o encaminhamento deste debate.

Sobre o constrangimento do diplomata a que V. Exª se referiu, diria que ninguém é obrigado a ser diplomata. É como disse recentemente um amigo meu: “Se a pessoa escolhe ser escafandrista, depois não pode se queixar de claustrofobia”. A vida de um diplomata envolve certos compromissos e certas responsabilidades que condicionam o uso da palavra. É claro que o público tem o direito de tomar conhecimento dos fatos, e o diplomata deve transmitir à opinião pública uma informação exata e honesta sobre tudo aquilo que está ocorrendo. Obedece isso ao princípio da transparência - sou o primeiro a defendê-lo -, sendo base de uma democracia, como sabemos nós dois, que por ela lutamos em momentos em que era mais difícil mantê-la. Contudo, a opinião pessoal, a orientação sobre tal ou qual assunto requer esse cuidado, conforme mencionei nesses exemplos que são da sua área e que dizem respeito, por exemplo, ao Banco Central ou à política econômica.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2001 - Página 2907