Discurso durante a 15ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELA SUA POLITICA ECONOMICA NO QUE TANGE AO PAGAMENTO DA DIVIDA EXTERNA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • CRITICAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PELA SUA POLITICA ECONOMICA NO QUE TANGE AO PAGAMENTO DA DIVIDA EXTERNA.
Publicação
Publicação no DSF de 17/03/2001 - Página 3265
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO BRASILEIRO, FALTA, ATENÇÃO, INJUSTIÇA, SITUAÇÃO SOCIAL, VIOLENCIA.
  • REGISTRO, DISCRIMINAÇÃO, AMBITO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, AUSENCIA, DESIGNAÇÃO, ORADOR, RELATOR, PROJETO DE LEI, EXPECTATIVA, RENOVAÇÃO, PRESIDENCIA, COMISSÃO.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, PREJUIZO, INDUSTRIA NACIONAL, DESEMPREGO, EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um autor francês muito festejado durante várias décadas escreveu um livro intitulado Les Mots et les Choses - As Palavras e as Coisas. Eu gostaria, hoje, de falar mais sobre as palavras das coisas.

Não tenho dúvida de que as coisas falam, de que as coisas se expressam e são, de qualquer forma, animadas e irrequietas. E uma dessas inquietudes das coisas, do mundo das coisas ao qual pertencemos, consiste na sua faculdade de expressão.

É muito fácil. Qualquer daqueles trabalhadores camponeses, a quem os nobres deste País chamam de capiaus, de caipiras ou de outros apodos depreciativos, entende a palavra das nuvens, os sinais do vento, as mensagens dos pássaros, o sinal que é dado, por exemplo, quando o cabelo da espiga do milho vai se tornando mais escuro e mais seco: é a hora da colheita - avisa a espiga.

Não sei por que o Brasil teima em não entender as palavras e os gritos de sua sociedade, o choro de nossa gente! Fazemos ouvido mouco, fingimos que não é para nós, que não é conosco, que não temos nada a ver com isso, a não ser cumprir um deverzinho burocrático, ou de comparecer a uma sessão ou expediente, ou, então, de dar uma esmola de R$0,50 por dia àquelas famílias que têm crianças inscritas nas escolas.

Já protestei veementemente contra esse gesto do Governo, que considero um desaforo, um acinte, uma afronta às pobres famílias brasileiras que têm crianças na escola. Isso é feito ao invés de se estipular um salário mínimo digno - não digo muita coisa, mas, por exemplo, os US$1.400 que ganha um trabalhador na França. Não vou repetir aqui o que falei umas seis ou sete vezes nesta tribuna, no ano passado, a respeito da fantástica diferença de vencimentos, de salários mínimos entre os diversos países do mundo.

Parece-me, portanto, que não estamos compreendendo os sinais das organizações criminosas, que parecem dirigir e comandar de lá, daquela parcela ínfima do submundo, da sociedade subterrânea, do tráfico, da droga, do crime organizado, dos assaltos, aqueles que foram exemplarmente - são exemplares muito escassos - levados para uma penitenciária. Esse nome é horroroso, medieval; penitenciária é para penar mesmo e, infelizmente, continua sendo. E de lá nós não entendemos os seus gestos, o seu significado real. Como que aqueles cidadãos, que estão ali jogados, entregues à AIDS e a outras doenças, falam e se expressam, talvez até mais do que muitos eleitores, pela sociedade brasileira?

O meu receio é o de que talvez já seja tarde demais para pararmos com essas relações pouco acépticas, a que o Presidente da República se referiu por três vezes - relações pouco acépticas, relações espúrias, relações sujas -, do Poder Executivo com o Poder Legislativo. E, agora, estamos acabando de sair de um novo banho de lama. Parece que os painéis se envergonharam, não querem falar e expressar o que se passa por aqui, estão desativados.

Mas nós temos que continuar ativos, participando de qualquer forma, muitas vezes mudos, porque há muito tempo não há sessão. Eu, por exemplo, não tenho acesso a esta tribuna há mais e vinte dias. Desse modo, como falar? Na Comissão de Assuntos Econômicos, nunca tive - a não ser agora, depois que reclamei veementemente - nenhum processo para relatar! Lá, o meu mandato está cassado! Na Comissão de Assuntos Econômicos o meu mandato foi cassado desde que assumiu o Presidente atual. Não tenho dúvida de que as palavras que me silenciaram na CAE vieram pouco mais do alto. Mas, felizmente, a Presidência agora muda e muda para adquirir maior dignidade.

Em uma entrevista com Boris Casoy, o ex-Presidente Antonio Carlos Magalhães disse que não tinha dúvida de que, se o Presidente Fernando Henrique Cardoso pudesse continuar por mais um período no Governo, Sua Excelência o faria. Certa vez - o apelido não pegou -, tratei Sua Excelência de “Fujinando”, porque vejo uma grande semelhança entre o Presidente do Peru, el Chino Fujimori, e Sua Excelência, o Dr. Presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles se parecem muito, inclusive, como diria o Presidente do Brasil, na sua volouté de puissance, com sua vontade de poder, com essa pulsão incontida para governar e continuar, com essa pressão incontida para mudar a Constituição, para rasgar a Constituição sempre que algum artigo parece ser uma oposição à Sua Excelência, um limite à sua hibris, um limite à sua vontade de poder!

Então, tudo foi feito de acordo com os desejos de Sua Majestade, o Presidente da República. Sua Majestade, o Presidente da República é o título dado a um livro por um ex-consul inglês que permaneceu aqui por muito tempo e que teve a oportunidade de verificar como o Presidente da República, no Brasil, é majestático, é uma majestade. Tem todos os poderes, inclusive os poderes que a Constituição reservaria ao Legislativo brasileiro.

Mas, na hora da responsabilidade, na hora de responder pelos efeitos das práticas desencadeadas de suas cabeças isoladas, sapientes, todo-poderosas, eles não se responsabilizam. E, obviamente, num sistema, se todo poder é corrupto, o poder absoluto é absolutamente corrupto.

            Isso aí é um brocardo, é um ditado que a História, de geração em geração, foi passando como um ensinamento.

A elite que aí está, a elite treinada nos Estados Unidos, a elite que tem dupla nacionalidade, essa elite nunca erra. Como é que o Presidente do Banco Central, uma pessoa de dupla nacionalidade, um "brasileiro americano", pode errar? Se ele erra para cá - para o Brasil e contra os brasileiros -, ele acerta para lá, na sua outra nacionalidade. Desse modo, são oniscientes, não erram nunca, estão sempre acertando, ou para lá, para os especuladores mundiais, para o Sr. George Soros e para outros campeões da especulação mundial, ou para cá, o que é raríssimo acontecer. O povo brasileiro, esse ignorado, esse desconhecido, a cada dia, vai-se desesperando mais.

Norman Bayle, do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, é amigo íntimo do ex-Presidente Ronald Reagan, aquele do cavalo, aquele do faroeste - há poucos dias, um “politicólogo” americano disse ele que foi o melhor Presidente dos Estados Unidos; melhor teria sido ele do que o próprio Roosevelt. Em que mundo estamos, se o maior Presidente da República dos Estados Unidos não foi Roosevelt, mas Ronald Reagan, o caubói?

E aqui vemos esses oniscientes, aqueles que não erram nunca, porque, tendo dupla nacionalidade, ou eles acertam para lá, para os que nos comandam e nos exploram, ou acertam para cá de vez em quando, para proteger ou adiar, protelar. “Vamos dar mais 25 anos para essa dívida externa”, conseguem eles. E aqui pensamos: vamos sofrer por mais 25 anos a exploração da dívida externa, que começou com a nossa independência política, em 1822.

Há pouco tempo, de novo, pela quarta vez, se a minha memória não falta, o Governo fazia um anúncio, já nos estertores desse segundo reinado, desse segundo período de governo. Pensávamos que eles estavam preparando a mala e a faixa presidencial. Mas não! Eles estavam preparando, de novo, mais um “Avança Brasil”, mais um “Pra Frente Brasil”. Já é a quarta ou quinta vez que esse Governo toma posse, nos meios televisivos de propaganda, para tentar fazer o impossível.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse, na pág. 242 de seu livro As idéias e seus lugares, que é impossível pagar a dívida externa e equilibrar o orçamento. Sua Excelência exigiu de nós, desde o dia de sua posse, o impossível: que pagássemos a dívida externa e equilibrássemos o orçamento. Não contente com isso, Sua Excelência quer - e conseguiu - um superávit primário de cerca de US$35 bilhões, pagando pontualmente a dívida externa.

O programa real do Presidente é fazer o impossível e fazer com que a sociedade brasileira faça o impossível, o impossível que nem o FMI acreditava ser factível. Para os Estados Unidos, o Plano Real valia um dólar furado. Aqui, nesta declaração publicada pela Folha de S.Paulo, vemos que o próprio FMI, um daqueles que ajudou a gestar, a parir o Plano Real, não acreditava que o Plano Real durasse mais de quatro meses.

Não foi o PT que rogou praga; não foi o PT que dizia que não ia dar certo porque queria a desgraça dos partidos no poder. Não foi, não. Foi o próprio FMI que considerou impossível que uma sociedade como a brasileira pudesse agüentar o aumento da carga tributária, a destruição das empresas, arrasadas por uma taxa de câmbio enlouquecida - a do Sr. Gustavo Franco, que destruiu o Parque Industrial Brasileiro.

Um dia, durante essa destruição da indústria nacional e do desemprego que isso proporcionou, diante da destruição das fábricas de sapato, de brinquedos, de porcelana, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mais precisamente na figura do Sr. Ministro Francisco Dornelles, disse, baseado em estudo que fizeram, que ainda era possível salvar 17 setores da economia.

Agora, preparam-se os rojões, o Governo se reúne, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso se transforma no mestre de cerimônias do enterro do Sr. Antonio Carlos Magalhães. Todo o enterro dele é preparado, no apoio ao candidato adversário para a Presidência do Senado.

Dessa vez, alguns andaram mudando de partido também na Câmara dos Deputados. Dessa vez, a moeda corrente foi muita parecida com aquela moeda corrente - R$200 mil, que foram usados para comprar voto, cada um voto, na ocasião da aprovação da reeleição. Desse modo, as moedas mudam, mas o processo de corrupção continua o mesmo.

O meu tempo é totalmente insuficiente para começar uma análise do que aí está e do que irá acontecer. Não tenho medo de ser acusado de usar bola de cristal; não tenho medo disso, não. Sei qual é o método que nos permite avançar um pouco no presente para o futuro. O presente, dizia Liebents, está grávido do futuro, e é preciso saber olhar nele para compreendermos o que o futuro nos reserva. Não tenho bola de cristal. Tenho outras coisas e outros instrumentos que, infelizmente, não podem ser usados. O que me parece, portanto, é que agora já começam a falar algo que eu dizia há 25 anos. Liquidaram a ideologia, empobreceram a sociedade.

Sr. Presidente, vou terminar, citando Norman Bayle, do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos: “A maneira pela qual o FMI está cobrando a dívida externa dos países latino-americanos está destruindo a classe média no continente e criando uma situação explosiva, prestes a estourar diante da segurança nacional dos Estados Unidos”.

Eles viram que não agüentaríamos essa maneira de cobrar a dívida externa, aumentando a dívida pública, a dívida social, a fome e o desespero. Mas, o Governo FHC conseguiu fazer esse milagre, administrando o impossível contra o povo brasileiro. E Sua Excelência, o Presidente da República, escrevera: com a penetração do capital estrangeiro, com a penetração das indústrias externas, com o transplante, vai-se criando no Brasil uma relação entre eles e os capitalistas brasileiros, os banqueiros brasileiros, o Exército brasileiro, vai-se criando no Brasil um antiestado nacional.

Um antiestado nacional está sendo criado dentro do Brasil. Está instalado um antiestado nacional, que conseguiu fazer o impossível, aquilo que olhos humanos mais ou menos desumanos, mais civilizados consideravam impossível, o que o Presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu, em 1992, que era impossível fazer: pagar a dívida externa e equilibrar o Orçamento.

O povo brasileiro conseguiu fazer o impossível, quieto, mudando a forma de seu descontentamento, passando a ser assaltante, bandido, passando a subir para as favelas, abrindo, assim, espaço para que desse certo, do ponto de vista deles, isso que era impossível de ser realizado.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Desculpe-me a demora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/03/2001 - Página 3265