Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
Aparteantes
José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2001 - Página 3813
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FRONTEIRA, ESTADO DE SERGIPE (SE), ESTADO DE ALAGOAS (AL), PROTESTO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ANTERIORIDADE, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ANUNCIO, FEDERAÇÃO, PESCADOR, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), APRESENTAÇÃO, GOVERNO, PROPOSTA, ALTERNATIVA.
  • ANALISE, IMPACTO AMBIENTAL, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ESPECIFICAÇÃO, PERDA, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, REGISTRO, POSIÇÃO, TECNICO, CIENTISTA, UNIVERSIDADE, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DA PARAIBA (PB), OPOSIÇÃO, PROJETO, CRITICA, LOBBY, FERNANDO BEZERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, APREENSÃO, ORADOR, FAVORECIMENTO, EMPREITEIRO, LATIFUNDIO.
  • OMISSÃO, GOVERNO, RECUPERAÇÃO, FLORESTA, SANEAMENTO, MUNICIPIOS, IRRIGAÇÃO, TERRAS, MARGEM, RIO SÃO FRANCISCO.
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, USINA HIDROELETRICA, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF).
  • DEFESA, AUDIENCIA PUBLICA, SENADO, PRESENÇA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, TECNICO, RECURSOS HIDRICOS.

A SR.ª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o nosso companheiro Senador José Eduardo Dutra, no início desta sessão, já teve a oportunidade de saudar diversas entidades que hoje fazem alguns protestos contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Em Alagoas, além da participação da programação conjunta da Assembléia Legislativa de Alagoas e Sergipe, também a Federação dos Pescadores e várias entidades não-governamentais estarão trabalhando hoje e amanhã no sentido de apresentar uma contraproposta ao Governo Federal, com relação ao projeto de transposição do rio São Francisco.

Os Senadores de Sergipe, Alagoas, Bahia e Minas Gerais, diversas vezes, já tivemos o ensejo de discutir este assunto nesta Casa, da forma mais qualificada possível. Em nenhum momento, aceitamos qualquer personalidade do Governo atribuir um suposto sentimento de egoísmo aos Parlamentares e às populações desses quatro Estados, quando se posicionam contra a transposição. O problema não é de egoísmo, o problema não é de solidariedade. Existe uma questão altamente discutida hoje pelos mais diversos setores da sociedade, pelos órgãos técnicos de recursos hídricos, pelas universidades, pelas instituições públicas, pelas entidades governamentais e não-governamentais que já se posicionam contra o projeto de transposição.

Já tive a oportunidade de dizer nesta Casa que não se trata de uma idéia fixa contrária a um projeto de mobilidade de águas, mas não podemos aceitar também que o Governo Federal, especialmente o Ministro Fernando Bezerra, trate da questão como se fosse também idéia fixa do Governo Federal para indicar o projeto de mobilidade de águas.

Hoje todas as comunidades brasileiras conhecem as dificuldades para geração de energia. Há projetos de autoria minha e do Senador Eduardo Dutra solicitando um plebiscito em relação à privatização das hidroelétricas. Há também projetos dos Senadores do PPS retirando da lei de desestatização as hidroelétricas, e esta Casa não tem tido a oportunidade de discutir a questão da mobilidade de águas.

Tivemos a oportunidade de discutir, em vários momentos, os impactos relacionados ao chamado relatório de impacto ambiental. Na fase de implantação do projeto foram relacionados 23 impactos, sendo que destes apenas 2 são positivos; ou seja, no relatório de impacto ambiental, dos 23 impactos identificados, apenas 2 são positivos.

São relacionados 26, sendo 9 positivos e 17 negativos. Apesar da predominância de impactos negativos sobre os positivos, o relatório considera a maioria dos impactos negativos pouco significativos, enquanto que os positivos seriam a geração de emprego, por exemplo, muito significativos, quando sabemos que qualquer obra de engenharia, qualquer obra de utilização dos reservatórios já existentes significariam também a geração de emprego. Assim como o aproveitamento do recurso hídrico hoje existente nas áreas agricultáveis já poderia também dinamizar a economia local, gerar emprego e gerar renda.

Dentre os impactos negativos, tem destaque a perda de geração de energia - um debate extremamente atual, que é a questão da geração de energia. Infelizmente, a elite política e econômica deste País, ao longo da história, foi incapaz de pensar uma outra matriz energética; foi incapaz de viabilizar toda uma produção científica, toda uma produção tecnológica, que já apresentava outras alternativas de matriz energética, especialmente em nosso Nordeste cujos altos níveis de insolação nunca foram aproveitados: nem a energia eólica, nem solar, ou outra forma de energia. Embora o Nordeste tenha apenas 3% dos recursos hídricos do Brasil e praticamente 40% da população deste País, 72% desse recurso é centralizado no rio São Francisco, que hoje já tem uso conflitante da água! Sendo uma instituição pública, já tem o uso conflitante da água para possibilitar a utilização pesqueira, para possibilitar o abastecimento de água humana e animal para as cidades ribeirinhas, para possibilitar o aproveitamento das áreas agricultáveis. Aliás, no Vale do São Francisco nem isso pode ser feito, Senador Tião Viana, nem isso!

Atualmente, se fôssemos aproveitar as áreas agricultáveis do rio São Francisco, nós não poderíamos usar a água do rio em função de problemas ambientais seriíssimos e em função, especialmente, da opção da geração de energia ser a hidráulica.

É de fundamental importância que esses impactos negativos sejam analisados aqui pelo Congresso Nacional. Não é possível que o Congresso Nacional não tenha força suficiente para impedir essa verdadeira idéia fixa do Ministro Bezerra. Quando temos acesso aos dados, produzidos pelas universidades dos Estados a serem supostamente beneficiados, torna-se mais grave ainda! A Universidade do Rio Grande do Norte, a Universidade da Paraíba, todos - portanto, universidades, engenheiros, técnicos altamente qualificados nessa área de recursos hídricos - são contra o projeto de transposição. E são contra, porque entendem que melhores formas de controle, melhores mecanismos de utilização dos reservatórios existentes, dos recursos hídricos existentes já poderiam resolver o problema do abastecimento humano e animal, pois é enganosa a propaganda que se faz ao dizer que o projeto acabará com a sede dos nossos irmãos nordestinos nos outros Estados. Isso não é verdade!

O projeto, que é caríssimo, destina-se à irrigação. Hoje, a água do rio São Francisco não possibilita sequer projetos de irrigação nas áreas agricultáveis do próprio Vale do São Francisco. O Senador Paulo Souto já teve oportunidade, nesta Casa, de apresentar todos os dados técnicos que comprovam, com a mais absoluta clareza, a impossibilidade, inclusive econômica, de se fazerem projetos de irrigação após uma obra caríssima como essa.

É muito difícil não chegarmos à conclusão de que há empreiteiras que se aproveitarão desses megaprojetos e de que não há grandes produtores, grandes proprietários rurais que serão beneficiados com esse tipo de projeto em conseqüência das áreas a serem desapropriadas. Os projetos de irrigação existentes não visam ao atendimento do pequeno e médio produtor rural.

Sr. Presidente, é inadmissível que se dê continuidade à obra sem discutir sequer a revitalização do rio São Francisco, que hoje é uma necessidade. Não se trata de uma necessidade política ou emocional, mas de uma necessidade para a sobrevivência do próprio rio. Hoje existe uma cunha de salinidade de mais de 10Km do Oceano Atlântico entrando no rio São Francisco. Há também problemas ambientais gravíssimos.

Já tivemos a oportunidade, tanto a Senadora Maria do Carmo Alves, os Senadores José Eduardo Dutra, Antonio Carlos Valadares, Renan Calheiros e vários Senadores, inclusive da Bahia, de fazer vários debates sobre o tema, sem, contudo, conseguirmos conter a voracidade do Governo Federal em viabilizar essa infâmia contra o rio São Francisco, que é o projeto de transposição de suas águas. Até a idéia inicial, de fazer a mobilidade das águas do rio Tocantins para o rio São Francisco, isso também foi paralisado. Não pode ser feito desse projeto uma bandeira eleitoreira, porque a transposição de águas ou de bacias é algo seriíssimo, algo que exige o estudo do impacto ambiental, das comunidades ribeirinhas. E quanto à revitalização do rio São Francisco, onde estão os recursos para a revitalização das matas ciliares? Onde estão os recursos para promover o saneamento de centenas de municípios, Senador Luiz Otávio, que hoje colocam seus dejetos in natura dentro do rio São Francisco porque não existem projetos de saneamento? Onde estão os projetos, inclusive a liberação de recursos para o aproveitamento dessa água na área agricultável do próprio Vale do São Francisco?

Então, Sr. Presidente, deixamos aqui o protesto, que não é apenas de Senadores de Alagoas, de Sergipe, da Bahia - e hoje o povo brasileiro precisa conhecer isso. Diante do uso conflitante das águas, numa instituição pública já é grave, imagine agora que o Governo Federal quer cometer uma dupla infâmia: dupla, porque agora diz que, para fazer a transposição, precisa privatizar a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Estarei na primeira reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, além de pedir a votação do projeto do Senador Tião Viana contra o voto secreto, solicitarei que se vote, que se designe relator para votar o nosso projeto de plebiscito em relação às hidroelétricas. Nós não vamos aceitar que, mais uma vez, o Governo Federal, que inclusive está sob suspeição, diante dos indícios relevantes de corrupção no processo de privatização e que já viu que não dá em absolutamente nada; que a propaganda enganosa, a demagogia que o Governo Federal fez dizendo que a resolução dos problemas do país era, ou perseguir servidor público, ou diminuir o aparelho do Estado pelas privatizações, acabando com as nossas estatais, com as nossas empresas públicas.

Não resolveu e o que hoje pesa sobre o Governo são denúncias, indícios relevantes de crimes contra a administração pública no processo de privatização. É inadmissível que a cada dia um projeto como este, extremamente polêmico, continue tendo andamento sem termos a possibilidade de discuti-lo. Sequer o projeto de impacto ambiental contemplou a foz, que justamente em Alagoas e Sergipe é um problema gravíssimo, em função da cunha de salinidade do Oceano Atlântico dentro do rio São Francisco.

Deixo mais uma vez o apelo. Várias entidades, hoje e amanhã, de Sergipe, de Alagoas, da Bahia estarão se mobilizando para se contraporem a este projeto de transposição do rio São Francisco e que é mais uma irresponsabilidade do Governo Federal com uma demagogia mexendo nos corações do povo pobre do sertão, do Nordeste brasileiro, dizendo que o projeto irá resolver o problema da fome. Não vai. Se fosse, os municípios mais pobres deste país e com os piores indicadores sociais, os municípios com maior índice de miserabilidade não eram justamente aqueles em Alagoas, Sergipe e na Bahia que estão praticamente há 20 ou 30 Km do rio São Francisco, além do que o Governo Federa foi incapaz de sequer garantir o aproveitamento da água para abastecimento humano e animal, inclusive para a dinamização da economia local, para gerar emprego e renda e produzir alimento pelos recursos hídricos na agricultura.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senadora Heloísa Helena, serei breve, porque já falei sobre este assunto hoje. Quero apenas registrar um outro dado, quando V. Exª diz que o RIMA não contempla a foz. O Senador Paulo Souto esteve nos Estados Unidos, na comitiva encarregada de verificar in loco os processos de transposição do rio Colorado, e constatou que, nos Estados Unidos, tudo foi muito bem. Os estados conversaram, se acertaram, fizeram um processo transparente de transposição, consultaram as populações, só que os efeitos maléficos acabaram desembocando no México. Essa é uma situação exatamente igual à de Sergipe e Alagoas no Brasil, porque os efeitos na foz não foram contemplados. Sergipe e Alagoas vão ficar na mesma situação do México no caso da transposição tão cantada em prosa e verso do rio Colorado.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o excelente aparte de V. Exª, Senador José Eduardo Dutra. Vamos reapresentar - já o fizemos, juntamente com o Senador José Eduardo Dutra em uma Comissão - para que o Ministro possa vir a esta Casa debater. Sei que há um mau costume no Senado de inviabilizar qualquer debate público entre Ministro e outros técnicos do setor de recursos hídricos.

É muito importante que façamos uma audiência pública onde haja um Ministro presente e vários técnicos extremamente qualificados, espalhados pelo setor público deste País, inclusive técnicos na área de recursos hídricos dos Estados supostamente a serem beneficiados e que são contrários a esse projeto de transposição.

É só, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2001 - Página 3813