Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR ARGEMIRO DE FIGUEIREDO.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR ARGEMIRO DE FIGUEIREDO.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2001 - Página 3673
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ARGEMIRO DE FIGUEIREDO, EX SENADOR, OPORTUNIDADE, REGISTRO, EFICACIA, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, ATIVIDADE POLITICA, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • HOMENAGEM, AGRADECIMENTO, PRESENÇA, FAMILIA, ARGEMIRO DE FIGUEIREDO, EX SENADOR, ESTADO DA PARAIBA (PB).

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, familiares de Argemiro de Figueiredo, no dia 09 de março passado, Campina Grande homenageou o maior de todos os seus filhos, Argemiro de Figueiredo, por ocasião da celebração do centenário do seu nascimento. Por ser meu líder permanente, o homem que me serviu de paradigma na vida pública, entendi de requerer que este momento da sessão fosse dedicado a homenagear um dos maiores homens públicos do meu Estado, que me ensinou a fazer política com ética, decência e coerência, e que nesta Casa brilhou como um dos seus maiores oradores.

Argemiro teve sua vida política iniciada nas organizações sindicais da Paraíba e foi brilhante em 1930, na Revolução do Movimento Liberal, defendendo temas de interesse nacional, regional e local.

Argemiro de Figueiredo tinha visão de futuro. Há vinte anos, já defendia desta tribuna a transposição das águas do São Francisco, dizendo, em discurso enfático, que a solução verdadeira, definitiva e audaz que poderia dar ao Nordeste, pela mão do homem, aquilo que o Sul tem pela graça de Deus, seria levar à região da fome as águas perenes do São Francisco. Seria essa a grande dádiva da providência, o tesouro fecundo capaz de promover a redenção do Nordeste. Não é sonho nem é delírio, é solução exeqüível e técnica.

Pela sua visão, nós, nordestinos, estamos lutando pela transposição, na certeza de que agora o Presidente Fernando Henrique Cardoso dará seqüência e execução a esse projeto, como já anunciado pelo Ministro Fernando Bezerra em recente reunião no Estado da Paraíba.

A transposição, efetivamente, pela qual tenho tanto lutado - repito Argemiro de Figueiredo - é a solução audaz, única e definitiva para a solução do problema do Nordeste.

Sr. Presidente, naquela oportunidade em que Campina Grande prestava homenagens a Argemiro de Figueiredo, falei de improviso, ao sabor das emoções, e citei um episódio da minha vida, o qual gosto de repetir sempre, tendo em vista o muito que Argemiro me ensinou. Certa vez lhe perguntei: - Senador, qual a diferença entre o político e o estadista? E ele reproduziu a palavra de outro estadista, e disse-me: - "O político pensa nas próximas eleições; o estadista, nas próximas gerações."

Hoje, Sr. Presidente, preferi trazer por escrito o pronunciamento, o qual requeiro a V. Exª que o dê como lido para poupar os Srs. Senadores. S. Exªs poderão conhecer melhor a vida de Argemiro de Figueiredo através de sua publicação, na forma regimental.

Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para homenagear e agradecer a presença dos familiares de Argemiro de Figueiredo, de suas filhas, dos seus netos, especialmente da Drª Sara de Figueiredo, que já foi Secretária-Geral da Mesa, em tempos idos - era o Carreiro de antigamente -, profunda conhecedora do Direito, principalmente do Processo Legislativo; a Teresa, na pessoa de quem homenageio o meu amigo, com saudade, Petrônio de Figueiredo; meu amigo e irmão Guilherme de Figueiredo, Vereador em Campina Grande, a quem estendo às homenagens.

Sr. Presidente, peço desculpas por não haver lido na íntegra o meu pronunciamento, o qual será publicado amanhã, na forma regimental. Assim requeiro a V. Exª.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL - TO) - Senador Ronaldo Cunha Lima, permita-me V. Exª um aparte?

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB) - Com muito prazer, Senador Eduardo Siqueira Campos.

            O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PFL - TO) - Senador Ronaldo Cunha Lima, não me atrevo a interromper a justa homenagem que V. Exª e esta Casa prestam a Argemiro de Figueiredo. V. Exª nos emociona. Primeiro, por sua inteligência, por ser um Colega extraordinário que todos nós temos sempre o prazer de homenagear; V. Exª, que sempre integra a Mesa Diretora desta Casa, V. Exª que é realmente um dos Senadores mais destacados entre os mais competentes representantes da Paraíba nesta Casa, além de ser um dos mais queridos Senadores dentre os seus Pares, seguramente, presta uma justa homenagem a Argemiro de Figueiredo. V. Exª e esta Casa prestam, por intermédio dos seus Partidos - eu o faço em nome do Partido da Frente Liberal -, dizendo que o nosso Estado do Tocantins - tive a oportunidade também de dizer isso ontem - poderá dar a sua contribuição para a concretização de um desses grandes sonhos do visionário Argemiro de Figueiredo: a transposição das águas do rio Tocantins. Onde é que se insere o Tocantins nesse contexto? Exatamente na formação dos seus grandes reservatórios, da grande bacia do Tocantins. Já existem estudos, que V. Exª tão bem conhece e acompanha, que permitem sonhar com a transposição das águas do Tocantins para o São Francisco, a sua perenização e, portanto, ainda, maior viabilidade de estendermos as águas do São Francisco para outros Estados, mais notadamente para a Paraíba. Tive a oportunidade, por gentileza e grandeza do Prefeito de Campina Grande - filho de V. Exª, de quem fui Colega na Câmara dos Deputados - de conhecer aquela cidade, dentre outras pequenas, quase esquecidas e longínquas comunidades que padecem pela falta de água. O povo tocantinense se sente orgulhoso de poder participar desses estudos. Fazemo-lo sabendo que isso não é de agora, que os sonhos que hoje estamos podendo realizar existem porque houve alguém, num passado não muito distante, mas que com muita propriedade, no legítimo interesse da defesa do povo, ousou propô-los a esta Nação. Penso assim estar o Tocantins participando desta homenagem, a qual estendo a todos os seus familiares. Sabemos que, hoje, no mundo globalizado, há uma facilidade muito grande de os fatos se superarem e, às vezes, grandes nomes ficarem no esquecimento. Saibam V. Exªs que o Senado Federal, na pessoa do Senador Ronaldo Cunha Lima, reconhece, admira e tem orgulho de ter tido como um dos seus integrantes o grande Senador Argemiro de Figueiredo. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos, pela sua intervenção, que muito me honra e engrandece a Paraíba e reforça a tese da necessidade da transposição das águas do São Francisco, tendo em vista a colaboração que o Estado do Tocantins está oferecendo ao projeto para sua consumação e realização o mais rapidamente possível.

V. Exª falou em sonho. Realmente é um sonho que já se arrasta por um século, desde quando um eminente engenheiro do Ceará elaborava a proposta inicial, passando por vários governos; agora, parece que, finalmente, vai se tornar realidade.

Anteontem ouvi um pronunciamento importante do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Memorial JK, em homenagem ao centenário de Juscelino Kubitschek, oportunidade em que me lembrava também de Argemiro de Figueiredo, pela luta e pelo sonho que ele acalentava em ver o Nordeste redimido, por meio da obra pela qual tenho tanto lutado. Cheguei a dizer, como o Presidente havia dito, que são dois brasis diferentes: o de hoje e o de ontem. O de FHC e o de JK. FHC e Juscelino se uniram no destino, querendo um Brasil risonho. Um, foi o Brasil do sonho; o outro, é o Brasil real.

            Agradeço a V. Exª e a quantos se incorporam a essa homenagem ao maior líder da Paraíba de todos os tempos: Argemiro de Figueiredo.

Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR RONALDO CUNHA LIMA.

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O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB PB) - No dia 9 deste mês de março, o Dr. Argemiro de Figueiredo, meu líder, meu mestre, meu paradigma como homem público, se vivo fosse, estaria completando 100 anos de vida.

Por isso, o poder público municipal de Campina Grande, sua terra natal, e pessoas de todas as classes sociais da terra, reuniram-se em enaltecedora sessão solene da Câmara Municipal, no Teatro Severino Cabral, para uma grande homenagem à memória do maior campinense de todos os tempos.

Na oportunidade, falei de improviso, dando seqüência a um denso discurso do meu amigo de toda a vida, o historiador Josué Sylvestre.

Hoje, nesta homenagem especial por mim requerida e aprovada pela Casa, vou improvisar de novo alguns comentários sobre o senador Argemiro de Figueiredo e incorporar ao meu pronunciamento o belo relato que Josué Sylvestre preparou, para que conste nos anais do Senado e fique o registro da vida e da ação política do senador Argemiro de Figueiredo, como exemplo a ser seguido.

Eis o discurso de Josué, em Campina Grande:

“Campina Grande vive, hoje, um dos mais significantes momentos de sua história: o primeiro centenário de nascimento do maior de seus filhos: o pai de família exemplar, o orador magistral, o advogado brilhante, o parlamentar eficiente, o administrador competente, o chefe político habilidoso, o cidadão de escol, e, por que não dizer, o estadista Argemiro de Figueiredo.

Mas por que considerar estadista quem não ocupou a alta posição da Presidência da República e nem mesmo chegou a sentar numa cadeira ministerial?

Porque o que faz a diferença entre um excelente governante ou um parlamentar excepcional e a condição de sobreexcelência que identifica o estadista é a capacidade de ver além dos seus pares, no circunstancial e na antevisão; é a coragem de adotar decisões ousadas e até arriscadas desde que as considere necessárias, oportunas e adequadas; é o acrescentar à vida econômica, política e social de seu povo através de avanços efetivos que essas atitudes venham a representar no julgamento desapaixonado dos pósteros.

Foi assim, com sua profunda visão de futuro que Argemiro de Figueiredo traçou o seu caminho com decisões marcantes que mudaram o destino de Campina Grande e o da Paraíba e só não alteraram o destino do Nordeste porque ele não foi escutado no grito mais altissonante de todos os seus brados: a sua luta no Senado e na imprensa sobre a verdadeira missão da SUDENE.

Raymundo Asfora, uma das estrelas mais brilhantes da bela constelação de grandes oradores da Paraíba, identificou também essas qualidades de Argemiro, no panegírico que lhe traçou na tribuna da Câmara dos Deputados:

            “Dou notícia de um homem em dramática ascendência sobre sua época, marcando-a com a presença profunda de um condutor de destinos. Foi um líder. Sem ele, o que seria, possivelmente um vazio, em tempo administrativo e político, na Paraíba, transbordou por sua plenitude.”

            Mudando o destino de Campina Grande

Cristiano Lauritzen, o aventureiro dinamarquês que chefiou este município por longos 23 anos, 19 dos quais num período ininterrupto que começou em 1904 e só se extinguiu com sua morte, em 1923, foi, sem dúvida, o responsável maior pela fixação das estacas que fundamentaram o desenvolvimento de Campina nas primeiras três décadas do século passado,

Lutou e conseguiu, o gringo, que aqui mandava e desmandava, viabilizar as escolas, a água da adutora de Puxinanã e a vinda do caminho de ferro que ele considerava essenciais à continuidade da escalada de progresso que Campina demonstrava ter condições de atingir.

Mas era um ladino aquele mascate enigmático que saiu do comércio ambulante, casou com a filha de um poderoso da terra e se transformou no mais autoritário dos nossos coronéis. Tão sagaz que “fabricava” dinheiro através dos vales do seu empório, a Casa Inglesa, e os fazia circular livremente na feira de Campina.

Pois bem, sendo suficientemente capaz de enxergar que a cidade só avançaria no seu desenvolvimento se conquistasse aquelas reivindicações que eram básicas para alavancar sua ascensão, não foi ou não quis ser suficientemente inteligente para verificar que sua tática de concentração isolada de poder estrangulava a representação política do município e por conseqüência terminaria inviabilizando novas conquistas no futuro.

Dentro dessa prática egocêntrica de medo de concorrentes, Cristiano manobrou de tal forma que Campina não reivindicou e portanto não conseguiu governar o Estado, eleger um vice-governador, senador ou até deputado federal de 1896 até 1930. Trinta e quatro anos na sombra, sem qualquer projeção maior de atuação política, a não ser o uso e o abuso da amizade pessoal de Epitácio Pessoa com o coronel Cristiano.

Mas aí começava a surgir no cenário político da terra, um jovem idealista, predestinado para os altos vôos de longo curso e não para os rasantes da mesmice.

Aluno laureado e orador de sua turma, Argemiro diplomou-se na Faculdade de Direito do Recife, em 1924. Era o prenúncio evidente do líder e do tribuno que haveria de contribuir marcadamente para o enriquecimento da nossa história por demais pontilhada da presença de homens públicos que honrariam os anais de qualquer das Unidades da Federação.

Veio para Campina e aqui começou a desenvolver uma atividade advocatícia que alcançou patamares de elevada grandeza, como causídico, como legislador, como constitucionalista, carreira exitosa, já brilhantemente analisada pela argúcia e a competência do jurista José de Farias Tavares, no seu livro “Advogado na Política - o Pensamento Jurídico de Argemiro de Figueiredo”.

            Começou defendendo os mais pobres, advogando para uma entidade de motoristas e outras sociedades de operários.

Filho, irmão e genro de próceres políticos, era natural que a vocação para a vida pública logo aflorasse e normal também que as oportunidades de ocupar cargos e exercer mandatos começassem a aparecer.

Em maio de 1930, por inspiração do presidente do Estado, Argemiro é indicado e eleito deputado estadual. Sobre essa escolha, diria aquele governante, em carta dirigida ao jovem parlamentar, com data de 21 de junho de 1930:

“Sua indicação para preencher uma cadeira na Assembléia foi um ato de justiça do meu partido, premiando a inteligência e os serviços de um moço que, estou certo, em qualquer momento, e quaisquer que sejam as asperezas da luta, saberá honrar o mandato do povo paraibano. Aproveito o ensejo para o cumprimentar pela sua eleição. Do conterrâneo e admirador, João Pessoa.”

Antes, em 1929, já militando partidariamente como líder local do Partido Democrático, fundado no estado por Octacílio de Albuquerque, fora obrigado a tomar a mais sofrida de todas as decisões de sua vida de homem público.

No contexto da grande divisão de águas que foi a campanha da Aliança Liberal, Argemiro, depois de analisar o quadro político do país, de se convencer do novo tempo representado por aquela cruzada de idéias que projetava profundas alterações políticas e sociais para o país, decidiu afastar-se do comando partidário do pai, o cel. Salvino Figueiredo, romper com o passadismo da República Velha e marchar, embora com a alma angustiada, mas com a consciência tranqüila, em direção ao futuro, pela trilha renovadora da Revolução de 30.

Não foi o gesto ganancioso de um carreirista. Não foi o passo dúbio de um aventureiro. Não foi também a atitude ignóbil de um traidor, como disseram muitas vezes alguns dos seus mesquinhos adversários.

Foi a decisão maduramente pensada de um cidadão comprometido com os mais legítimos interesses do seu país e do seu povo.

Aquele rasgo de independência que lhe custaria incompreensões, versões maliciosas e tantas noites mal dormidas, foi, sem dúvida, o primeiro sinal do surgimento de um político sem medo de assumir responsabilidades, com força de caráter suficiente para dissentir do pai e do irmão mais velho, o então deputado estadual Acácio Figueiredo, para não perder o bonde da história que passava ali, à sua frente numa viagem sem volta.

Esse passo determinou inquestionavelmente a possibilidade de todos os outros; firmes, bem calculados, que ele haveria de dar nos seguintes 10 anos, a tormentosa década de 30, e que seriam fatores determinantes para o fortalecimento de sua condição de chefe, e, muito mais, para possibilitar suas ações em favor do progresso de Campina e do desenvolvimento da Paraíba.

Passou a vida inteira explicando as razões daquela grave decisão, mas jamais se arrependeu de tê-la adotado, até porque nunca deixou de sentir o amor e o respeito do velho lutador que foi o cel. Salvino.

Começou comprovando que acertara quando conseguiu a libertação do irrequieto dirigente perrepista da terra, o Dr. José Agra, seu parente e principal correligionário do seu pai. Preso e amarrado pela polícia e por fanáticos liberais, o dr. Agra foi por ele resgatado à altura de Bodocongó da ameaça de seguir para o sertão, onde poderia ter uma execução sumária, na decorrência da fase conturbada que se seguiu ao assassinato, do presidente João Pessoa, na cidade do Recife.

Sua determinação na defesa da integridade física do incontrolável dr. Agra, em confronto firme com o prefeito e chefe revolucionário Lafaiete Cavalcanti, demonstrou sobejamente que o seu alinhamento com a Aliança Liberal não tinha o menor laivo de adesismo pusilânime ou de um aproveitamento personalista, pelo contrário, fora um indicativo de grandeza e de coragem cívica.

Passada a fase mais aguda dos embates de 30, Argemiro perdeu o mandato de deputado por determinação generalizada da legislação revolucionária, mas ganhou admiração, respeito e gratidão dos chefes aliancistas e do povo.

Formados os Conselhos Consultivos dos Municípios, Argemiro foi nomeado para o de Campina Grande, em 5 de abril de 1932. Os outros integrantes do colegiado foram: João Marques de Almeida, Lino Fernandes de Azevedo, Abelardo de Oliveira Lobo, comerciantes e o médico Antônio Luiz Coutinho.

Não demorou muito e já em agosto do mesmo ano era convocado a exercer, na capital, o segundo posto de prestígio e poder no âmbito estadual, o de secretário de Interior e Justiça do governador Gratuliano de Brito.

Nessa posição, em 1934, articulou uma ação política tão bem estruturada que, no corpo da Assembléia Constituinte, conseguiu indicar e levar á vitória cinco representantes de Campina Grande: Aluísio Campos, Octávio Amorim, José Tavares, João Vasconcelos e Raimundo Viana. Três advogados e dois empresários.

Com a morte prematura do tribuno José Tavares, em desastre automobilístico, Argemiro aguardou o momento propício e promoveu poucos meses depois a recomposição da bancada campinense com a eleição do advogado Ascendino Moura.

Pela primeira vez, Campina teria presença no legislativo estadual à altura de sua representatividade populacional, sua força econômica, sua condição de município mais populoso do estado.

Desempenhou de forma tão equilibrada e profícua a difícil tarefa da coordenação política do estado, que não constituiu total surpresa a escolha do seu nome para o mandato governamental que se seguiu à Constituinte, embora a maioria esperasse pela solução mais lógica, isto é, que Gratuliano continuasse no Palácio da Redenção.

Pelas regras revolucionárias, foi eleito através da Assembléia, para governar a Paraíba no período de 1935 a 1940. Estava, então, com 33 anos de idade.

Arrimado numa forte convicção interior e no apoiamento de uma bancada campinense que representava quase 20% do legislativo estadual, pois no total eram 30 deputados, Argemiro desenvolveu uma verdadeira operação de guerra para salvar sua gente de morrer de sede e livrar sua idolatrada terra natal de morrer de inação, reduzindo-se a um burgo triste e decadente pela migração humana e pelo absoluto estrangulamento econômico que a falta d’água fatalmente provocaria.

            Foram gestos enérgicos, firmes, hábeis, verdadeira luta contra boicotes e investidas, que só terminaram na grande festa de 9 de março de 1939. Hoje faz 62 anos que Campina Grande participou alegremente das solenidades inaugurais da adutora de Vaca Brava, obra gigantesca em face dos reduzidos recursos financeiros da época.

            Mudando o destino da Paraíba

Argemiro era um estudioso dedicado dos problemas do estado, da região nordestina e do Brasil. Na posse como governador, a 25 de janeiro de 1935, apresentou uma plataforma, que haveria de transformar a economia da Paraíba.

Do discurso, passou imediatamente à prática; formou uma selecionada equipe de técnicos, sob o comando do agrônomo Pimentel Gomes. Tratou de desenvolver a conscientização dos produtores e exportadores de algodão; investiu em treinamento e aplicação de experimentos modernos; cuidou para que mudassem os viciados hábitos de burla na exportação e implantou critérios modernos de classificação de produtos e de fiscalização; organizou a distribuição de sementes selecionadas.

Para desenvolver e melhorar a qualidade do rebanho bovino, providenciou a importação de reprodutores e matrizes de raças mais adaptáveis à nossa realidade geoclimática.

Incentivou a cultura de outros produtos agrícolas, como o sisal, a mamona e trouxe especialistas para a implantação do cultivo do bicho-da-seda.

No setor algodoeiro, houve uma explosão. As safras começaram a se agigantar ano após ano e incrementar a arrecadação do estado como reflexos conseqüentes do crescimento econômico.

Por outro lado, o maquinismo dos beneficiadores se modernizava e a oferta de mão-de-obra aumentava em Campina e em outros municípios.

Ao redor do Açude Velho, funcionavam gigantes da economia internacional, como a SANBRA; a Anderson, Clayton S.A.; a Columbian Rope.

Cresciam as atividades dos empresários da terra, como João Rique, Isaías do Ó, José de Brito, José Cavalcanti de Arruda, Pedro Ribeiro, Demósthenes Barbosa, José Muniz, Tercino Marcelino, Ottoni Barretto, Pedro Sabino e tantos outros, em Campina e no resto do estado.

Era a euforia de um tempo de progresso incomparável, cuja locomotiva era movida a capuchos de algodão e a folhas de sisal.

O estuário dessa fase de progresso era Campina, que ganhou por isso mais dois cognomes: “Manchester Brasileira” e, tempos depois, “Capital do Trabalho”. O município contribuía com mais de 40% da renda do estado, nas décadas de 40 a 60. Em muitos meses dessa época, essa participação superou os 50%.

No censo de 1950, Campina Grande era o 13º município do país, ultrapassando João Pessoa por mais de 50 mil habitantes. Toda essa projeção campinense era fruto, sem dúvida, das ações de Argemiro no governo estadual, tanto com referência à solução do problema da água quanto ao incremento à produção das fibras que sustentavam a economia da Paraíba. Fez muito por Campina, entretanto, sem deixar de cuidar da capital, onde implantou o Parque Solon de Lucena, a conhecida lagoa, e construiu edifícios importantes, como o Liceu Paraibano e a Secretaria da Fazenda, entre outras realizações.

Aqui, o ouro branco e o agave garantiam enriquecimentos, esbanjamentos e até relativo equilíbrio social.

Em Campina, nas décadas de 1940 a 1960, não havia grandes contingentes de miseráveis. Havia pão na mesa do pobre; dinheiro sobrando nas contas bancárias das famílias da classe média e belos carrões importados nas garagens dos ricos.

Mas no começo de 1939, o homem que conduzia a Paraíba com a visão de um estadista, com o estado pacificado e em pleno progresso, estava mais para líder do que para coronel. Não se preocupava com as miudezas das intrigas palacianas nem com o disse-me-disse do Ponto Cem Réis.

Esse dilema, aliás, entre a postura do líder que ele procurava vivenciar na busca por trilhar caminhos novos e o modelo de chefia herdado do pai, isto é, o estilo coronelista, foi, talvez, a maior luta interior sustentada por aquele comandante agigantado e coerente. O fato é que, inegavelmente, durante toda a sua trajetória política, Argemiro oscilou entre se comportar como líder ou agir como coronel. E, aqui, não vai nenhuma crítica; é apenas uma constatação histórica.

Naquela ocasião, se o Dr. Argemiro tivesse sido mais coronel do que líder, teria encurralado o secretário de Educação do Estado, Epitácio Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (o Epitacinho) e destruído a sua ação maquiavélica, tão logo lhe chegaram os primeiros informes de sua trama sediciosa. Não teria sido vítima da peçonha desagregadora de um secretário que não escolheu e que lhe fora proposto, quase diria imposto, pelo ditador Getúlio Vargas.

Foi uma luta desgastante e desigual pela mesquinharia e desfaçatez do opositor. Sem dúvida, uma das fases mais sofridas da agitada vida política de Argemiro. Ele adotara, desde os primeiros passos de sua liderança no estado, atitudes de conciliação da família paraibana e de cura das graves ferida abertas nas lutas de 1930. Isto não agradou ao filho de João Pessoa, que desejava alimentar uma situação de permanente confronto sob a destruidora influência do ódio e do rancor. Epitacinho era perverso e vingativo e o sábio rei Salomão já dizia, nos remotos tempos do Velho Testamento, que “o homem perverso espalha contendas e o difamador separa os maiores amigos”.

Seu tempo na capital era dedicado mais a promover intrigas do que a dirigir a Secretaria, que fora criada especialmente para ele.

Depois de desmascarado, na torpeza de ir ao palácio do interventor pernambucano para revelar missão sigilosa que Argemiro lhe confiara junto a Getúlio Vargas e que envolvia uma divergência com Agamenon Magalhães, foi sumariamente demitido. Ficou no Rio, mas continuou diuturnamente urdindo manobras desagregadoras nos ministérios, nas repartições, no Palácio do Catete.

Argemiro reagiu, respondeu e repudiou todas as acusações, pois eram cavilosas e mentirosas. Enviou relatórios ao Catete. Viajou ao Rio de Janeiro para se defender. Recebeu com altivez emissários do Poder Central que vieram à Paraíba para verificar a veracidade das acusações. Exibiu todas as provas e desmoralizou o acusador. Foi uma longa batalha de mais de um ano.

Epitacinho, no entanto, desfrutava de ampla cobertura no Rio e conseguiu que o ministro da Justiça propusesse a Argemiro uma reconciliação. O grande campinense não concordou com a proposta e pediu exoneração.

Homem de dignidade a toda prova, Argemiro preferiu deixar o poder a manter-se na interventoria, mediante uma recomposição com um traidor para reconduzi-lo ao secretariado.

Aqui, haveria de enfrentar acintosa perseguição política, que só não foi mais agressiva porque Argemiro reagiu com firmeza e destemor.

Voltou ao exercício da advocacia sem abandonar a articulação política e em 1945, elegia-se para a Constituinte como o deputado federal mais votado daquelas eleições.

No Congresso, haveria de consolidar o seu prestígio como orador fulgurante de uma lógica profunda e lastreada em abalizados conhecimentos da filosofia do Direito. Não procurava impressionar com a melodia de frases poéticas. Era sobretudo um doutrinador na definição feliz de Ronaldo Cunha Lima.

Sobre a sua capacidade de dizer, assim falou Assis Chateaubriand o mais cosmopolita dos jornalistas brasileiros, derrotado por Argemiro em disputa de uma vaga senatorial, no pleito memorável de 1954:

  “Nunca vi na Inglaterra, na França, na Itália, quem tivesse maior dom de nos convencer com verbo límpido, claro, medido. Ele só diz o que é preciso dizer, exprimindo-se com facilidades excepcionais de argumentador. O seu período é curto, renaniano, imbuído de uma força de impor a qualidade dos raciocínios, como poucas vezes tenho visto.”

O escritor e historiador Joacil de Brito na introdução à coletânea “Discursos Parlamentares”, assinalou:

“O poder da palavra, nele, se reveste de magnificência e esplendor. Tudo sem exageros, com elegância e pureza de linguagem, propriedade de expressão, riqueza de imagem, habilidade de armar situações, poder de argumentar para chegar às conclusões com raro espírito de assomo. Estilo claro, apropriado e conciso, eis as qualidades que, às demais, nele, se somam, todas imprescindíveis ao orador moderno.”

Já Ernani Sátyro, sintetizando admiração e reconhecimento pelo orador convincente, o advogado competente e o homem público irrepreensível que foi Argemiro, revelou, em discurso, na Câmara dos Deputados:

“Fui seu companheiro de advocacia, e vi. Fui seu auxiliar, e testemunhei. Fui seu colega de Parlamento, e ouvi.”

Por que não mudou o destino do Nordeste?

Para firmar a opinião de que Argemiro de Figueiredo foi um estadista, faço referência, embora rapidamente, à sua luta no Congresso e na imprensa, quando da implantação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Para isso, peço vênia ao orador, que todos estamos ansiosos para ouvir, o senador Ronaldo Cunha Lima, pois dessa fase da vida de Argemiro, pós-redemocratização de 45, é ele quem falará.

Não vou alongar-me sobre o tema. A controvérsia perdura até hoje, embora a evidência dos fatos tenham levado os espíritos mais desarmados a lhe darem razão.

O que Argemiro queria naquele debate era simplesmente uma atenção maior para o problema da acumulação da água em nossa região e sua utilização adequada, especialmente em irrigação. Não foi compreendido e tudo se transformou numa luta monumental com outro grande paraibano, o economista Celso Furtado, superintendente da Sudene.

Suas alegações não eram as formulações de um teórico, constituíam opinião baseada no conhecimento. Não eram hipóteses, eram verificações provindas da experiência do ver e do fazer; como governador durante cinco anos, como fazendeiro e agricultor da vida inteira

Não quiseram ouvi-lo, preferiram chamá-lo de reacionário. Mas como poderia ser retrógrado quem atuou de forma tão modernizante no governo do seu estado? Quem assumiu posições de vanguarda na Constituinte, no Senado e na imprensa não poderia ser um adepto do atraso.

Como conservador, até que ele poderia ser identificado. Mas o conservadorismo de Argemiro era um posicionamento moral, não um comprometimento ideológico.

Defendia a democracia clássica; proclamava o intransigente respeito aos direitos dos outros; era disciplinado e exigia disciplina; praticava as regras da boa convivência; fazia questão da discrição, da elegância no trato, do cavalheirismo nas relações interpessoais.

Amava a sua terra natal com o derramamento dos apaixonados. Alguns dos seus melhores discursos foram declarações de amor a Campina Grande.”

Dando seqüência proferi o seguinte discurso:

            Permitam-me todos, de uma forma geral, e Josué Silvestre, esse grande historiador, em particular, uma observação pessoal, uma idiossincrasia: Argemiro de Figueiredo não fez história impôs ao tempo a eternidade da idéia.

É sobre esse homem de idéias, o senhor do tempo, a quem eu devo me referir. Daí minha preferência pelo parlamentar que Campina Grande, há cem anos, revelou ao Brasil. O Congresso Nacional e suas duas Casas conheceram o seu exemplo. Ventre prenhe de idéias. Vocacionado pela democracia do debate consolidou, na formação humanística, o respeito de seus pares.

Confesso-me um discípulo de suas prédicas e um soldado de sua guarnição. Até um afeto filial me autoriza este panegírico: em meus primeiros passos na política, encorajava-me o seu vaticínio: “meu jovem, você tem futuro”, num gesto quase paternal.

O advogado, constitucionalista por índole, colocava a obediência à Carta Magna, somente mutável por seus próprios cânones, como um paradigma insuperável; o político, limitado em sua ação à lei que ajudava a formar, colocava a nação antes dos partidos: “os homens e os partidos políticos são interesses e poderes secundários em face de um processo vigoroso e necessário de salvação nacional”, disse certa vez; o democrata erigia a liberdade ao grau superlativo, independente do momento vivido, do lugar em que estava ou da platéia a que se dirigia. Governo e oposição lhe pareciam rumos de se chegar ao bem estar que, indicando o mesmo alvo, eventualmente mostravam métodos diferentes para alcança-lo.

            Egresso da experiência executiva em um momento tormentoso da vida nacional, chegou ao parlamento para experimentar cenário semelhante. Não abdicou de seus princípios. A defesa intransigente da legalidade somente cedia espaço ao compromisso com a independência do legislativo e com a defesa do nordeste.

Aqui cabe uma ressalva, já feita por Josué Silvestre: houve mais incompreensão e vilania do que análise das propostas de Argemiro para a concepção de um plano de redenção do nordeste. Tal qual Thomas Jefferson, foi vítima da intriga. Ambos, cada um em sua época, um nos Estados Unidos e outro no Brasil, não protelaram o inevitável, óbvio e necessário impulso industrial de suas regiões.

A questão relativa a escassez da água, hoje debate de sabor moderno e da moda, que assombra a humanidade em tempos futuros próximos, mereceu de Argemiro uma significância maior. Não era uma pregação profética. Era a certeza do empirista.

A luta pelo projeto de transposição das águas do São Francisco, como uma única forma de garantir a sobrevivência do nordeste, é uma prova da retidão e da atualidade do pensamento argemirista. Em discurso no Senado federal em novembro de 1958, foi enfático e preciso: “A verdadeira solução, definitiva e audaz, que poderia dar ao Nordeste, pela mão do homem, aquilo que o sul tem pela graça de Deus, seria, Sr. Presidente, levar à região da fome as águas perenes do São Francisco. É a grande dádiva da Providência, o tesouro fecundo capaz de promover a redenção do nordeste. Não é sonho nem delírio. É solução exeqüível e técnica.”

Srªs. e Srs. Senadores, mas não devo olvidar o orador culto e de massas; empolgante e convincente, posto que sincero. Nos comícios da Praça da Bandeira ou no São José, em frente ao grupo escolar que leva o nome do professor de sua infância, Clementino Procópio, a inspiração era a mesma. O tom de voz inconfundível. Os gestos largos e precisos de um líder. O chamamento inicial insubstituível: “meus leais companheiros de luta”.

Na invocação do possessivo, uma preocupação com a aproximação muito mais do que uma demonstração de domínio.

Na adjetivação da lealdade o indicativo sintético de uma das condicionantes mais essenciais ao sucesso de um grupo em qualquer confronto.

No substantivo similar da fraternidade, a caracterização da união que faz a força, de coesão que impõe respeito, e da identificação que inquieta e amedronta os adversários.

Na denominação adequada do que representa uma pugna eleitoral, a distribuição de responsabilidades e a definição de compromissos.

Foi por isso; pelo sentimento de agregação que emanava e pela aura de confiança que espargia, que Argemiro de Figueiredo foi um dos mais duradouros chefes políticos da Paraíba; praticamente quatro décadas de comando em Campina Grande e quase o mesmo tempo no âmbito do Estado, respeitado e querido pela grande maioria dos seus correligionários em tempos de bonança ou de ostracismo.

Este é um dia de festa. Claro que maior alegria todos sentiam se o Dr. Argemiro estivesse aqui, escutando, merecidamente, hinos em sua homenagem; enlaçando todos em seus braços acolhedores e chamando carinhosamente de “meus leais companheiros de luta”.

A imprevisibilidade do destino interrompeu prematuramente a existência de seus três filhos homens, Petrônio, Argemiro Filho e Paulo; e também já não vive, D. Alzira, esposa e companheira por 54 anos de amor e dedicação. Mas, estão entre nós as filhas: Yara, Sara e Yone e o irmão, Dr. Manoel Figueiredo, para receberem ao lado dos netos, sobrinhos e outros parentes as homenagens da nossa terra, a cidade que ele amou sem medidas, com toda a força de sua alma.

A iniciativa de todos quantos se envolvem nas homenagens, no curso deste ano, é um gesto de reconhecimento pessoal, como uma lição à cidadania, e uma demonstração pedagógica de que o pensar e o viver bem conduzem à eternidade. As folhas do calendário não passam para quem o tempo é quando.

Comecei solicitando permissão e concluo com um pedido de desculpas à memória do Mestre: seus discípulos não sublimarão seu valor porque jamais conseguirão superá-lo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2001 - Página 3673