Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RESPOSTA AS CRITICAS VEICULADAS NA IMPRENSA SOBRE A ATUAÇÃO PARLAMENTAR DE S.EXA. ANUNCIO DO SEU DESLIGAMENTO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA PARTIDARIA.:
  • RESPOSTA AS CRITICAS VEICULADAS NA IMPRENSA SOBRE A ATUAÇÃO PARLAMENTAR DE S.EXA. ANUNCIO DO SEU DESLIGAMENTO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Heloísa Helena, José Eduardo Dutra, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2001 - Página 6528
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • RESPOSTA, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, OMISSÃO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR.
  • INFORMAÇÃO, EXPULSÃO, ORADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOTIVO, DIVERGENCIA, PENSAMENTO.
  • AGRADECIMENTO, SOLIDARIEDADE, SENADOR, PARTIDO POLITICO, CONVITE, FILIAÇÃO PARTIDARIA.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, inicialmente, peço desculpas por ocupar hoje esta tribuna para tratar de assunto pessoal, particular.

As 1.643 páginas impressas que receberam os meus pronunciamentos nesta Casa seriam, por si, uma parte da resposta que dou a essa imprensa mal-informada, venal e corrupta que, desde o início da minha carreira política, há 20 anos, tem movido contumaz campanha contra a minha pessoa. Entre outras coisas, dizem que sou ausente. No entanto, 90% das votações que houve nesta Casa, no ano passado, registraram a minha presença e o meu voto.

Na CAE, apesar de todo cerceamento que senti - a Presidência não me ofereceu nenhum projeto para que eu desse parecer -, tenho cinco cassetes com registro da minha atuação na Comissão de Assuntos Econômicos.

Por duas vezes, a Diretora do Sindisep me disse que sou eu quem tem o maior número de páginas na Interlegis entre todos os Senadores; apresentei cerca de cinqüenta projetos de lei. Mas há os mentirosos, aqueles que gostam de caluniar, aqueles que têm inveja de um Senador, professor pobre, que não gastou praticamente nada em suas três campanhas, das quais duas foram vitoriosas. É óbvio que eles devem ter mesmo muita inveja.

Dirijo-me não aos grandes jornalistas que temos no Brasil, mas à ralé de jornalistas oportunistas, bajuladores e governistas. Digo a eles, como disse ontem, que é preciso aprender muito para fazer um vestibular para ser meu aluno, e eles sabem disso. De modo que não é que eles não entendam o que eu digo, porque não uso uma linguagem esotérica, mas, sim, exotérica, que estaria ao alcance de todas as burrices.

Então, consigno aqui que um certo jornal desta Capital, que se diz movido e removido, refeito e reestruturado em bases éticas, andou distorcendo fundamentalmente declarações minhas e realizando uma tarefa de auxiliar - não sei se gratuito ou remunerado - daquelas pessoas que têm interesse na interrupção do meu mandato ou na minha expulsão do Partido dos Trabalhadores.

Leio a carta que encaminhei ao Deputado José Dirceu, Presidente do Partido dos Trabalhadores.

Com sofrimentos e decepções crescentes, padecidos por mais de 20 anos de militância no Partido dos Trabalhadores, venho, pela presente, declarar que aceito a expulsão que V. Sª e o presidente “de honra” (sic) do PT fizeram recair sobre minha modesta pessoa.

Esquadrinhando a memória, concluí que a intervenção executada pela segunda vez no PT - DF, pela cúpula nacional, por meio das declarações de Luís Inácio em matéria do dia 12 do Correio Braziliense - e que teve por objetivo coarctar o processo de livre escolha dos candidatos aos cargos majoritários [desculpem-me o coarctar; vou mandar um dicionário para eles juntamente com esta carta] - evidencia que a ditadura pelega e intelectualóide que se instaurou no PT venceu arrasadoramente. “Aos vencedores as batatas”, repito, machadianamente.

Reconheço que a crise completa do capitalismo desfoca, confunde e “coloca o mundo de cabeça para baixo”, na conhecida e feliz determinação de Karl Marx, aquele que foi expulso das estantes e da prática petistas. A crise do capital revela a natureza oculta, latente e real do sistema, como ocorre quando o chão lamacento e acomodado de um lago tranqüilo e límpido é revolvido pela agitação externa. A lama sobe.

Mário Covas disse que o “PSDB é, hoje, o antiPSDB”. O PT, desejando vencer ou vencer [a la Collor], sequioso por se tornar confiável às “elites bandidas” (Rubem Ricupero), confiável aos credores internacionais, aos latifundiários, aos militares e aos banqueiros caboclos sobreviventes, proerizados, adota novas e amareladas bandeiras, plagiadas do PSDB ou já impunhadas pelo PFL.

Apóia, por um lado, o salário mísero de R$180,00 por mês, acinte aos trabalhadores da base aos quais o PT cupulista e elitizado adere com paixão traiçoeira e acrítica. Por outro lado, recebe dinheiro das empreiteiras, vendendo o silêncio e a complacência para com os assaltantes do erário, comprometendo-se implicitamente com a não-apuração das maracutaias e tranquibérnias. O PT, infelizmente, levou a luta dos trabalhadores para os tapetes do Congresso, campo em que sempre vencem os ácaros e o mofo.

O PT é obrigado a adotar uma dupla e falsa ética ao desconhecer as diferenças entre a moral do capital e a ética dos trabalhadores. A dualidade que divide o Partido é a de uma moralidade esotérica, intramuros, de uso interno e limitado, e uma moral exotérica, com a qual se apresenta à imprensa e que o obriga a pedir CPIs e defender uma certa assepsia administrativa e política, cada vez mais rala na prática.

O Partido dos Trabalhadores, ao se neoliberalizar, adotou o enxugamento e a desestruturação: a partir de 1988 desmanchou sua estrutura democrática e arejada, baseada em núcleos, comitês e em ligação com os sindicatos - embrião dos sovietes democráticos e da socialização do exercício do poder político. A despetização do Partido e o medo da proximidade com a CUT e o MST enfraqueceram o movimento e a organização dos trabalhadores, no momento em que todas as forças da crise e da dita modernização se abatiam sobre a classe espoliada.

Várias versões mentirosas e que visam justificar a globalização da espoliação - como a que afirma a possibilidade de “globalização sem exclusão”, tão verdadeira quanto a existência de um fogo que não queima ou de uma chuva que não molha - são oficializadas pela cúpula. Entre as desculpas covardes, destaca-se a de que os trabalhadores brasileiros merecem o desemprego porque não conseguiram se modernizar, pôr-se à altura das novas tecnologias. Culminam com a necessidade de enxugar o custo Brasil em nome do aumento da competitividade e das exportações. Prefere-se ignorar que essas foram bloqueadas pela política cambial de FHC que sobrevalorizou o real, trancando as exportações e abrindo o mercado interno para a onda de mercadorias subsidiadas que arrasaram os empregos e sucatearam o parque industrial nacional.

Em vez de criticar a política do governo federal, o PT acrítico freqüentava o Alvorada na figura do dócil Cristovam Buarque, que, até a última hora, esperou o apoio de FHC à sua recandidatura a governador do DF. Quando o dito PT da bolsa-escola e dos vales compensatórios governava o DF, pela primeira vez na história política do Distrito Federal, Lula deixou de ser o mais votado na Capital, para amargar um último lugar, menos votado do que Ciro Gomes.

Minha expulsão do PT começou com as desgovernanças do neoliberal Cristovam Buarque, contra as quais protestei em desgraça. Sei que fui expulso pelo que fiz e defendi a favor dos trabalhadores, dos aposentados e dos marginalizados, contra os interesses eleitoreiros de um partido que desejava tornar-se confiável às classes e forças burguesas perdidas e ainda bem pagas.

Foi com orgulho de quem tem a consciência do dever cumprido que me apresentei como pré-candidato ao sacrifício de uma disputa desigual, pobre, sem acesso à mídia, luta que se travará no campo de batalha desacreditado pela derrota recente de Cristovam Buarque e pela benevolência de seu governo neoliberal, preocupado em tornar-se confiável e aliar-se a FHC, adversário de Lula. A esse partido menor devo minha expulsão, que recebo de pé.

Nesta oportunidade, desejo também agradecer a todos os senadores do Partido e a todas as pessoas que me vieram trazer a sua compreensão e a sua solidariedade. No final do processo de expulsão, recebemos ontem, na sede do Partido dos Trabalhadores, a visita do presidente José Dirceu. Ele oferecia um pedido público de desculpas por terem realizado a minha exclusão do partido. Eu lhe disse que agradecia muito a sua gentileza, que agradecia muito o seu gesto, mas que quem havia provocado a minha exclusão fora o presidente de honra Inácio Lula da Silva e não ele. De modo que, então, ele estaria pedindo desculpas por um terceiro, desculpas que, assim, seriam inaceitáveis.

Diante do que ocorreu, a única forma de manter a minha dignidade seria esta que adotei: aceitei a expulsão.

Agradeço também, do PPB ao PSTU, todas as portas que se abriram para mim, convidando-me para participar dessas agremiações. Eu, que esperava ser mais um dos sem-teto, encontrei tantos tetos e tantas portas abertas para me acomodar!

Agradeço especialmente aos meus amigos senadores do Partido dos Trabalhadores, que me trouxeram manifestações das mais comoventes, das mais sinceras, transparentes e calorosas para que eu revisse a minha atitude e permanecesse sofrendo no Partido dos Trabalhadores.

A minha cota de sofrimento se esgotou. Não tenho tempo para contar aqui como se iniciou e como cresceu o processo de minha expulsão. Não fui expulso por uma gota d’água. Fui expulso por um longo processo que culminou há pouco tempo com um convite para que eu fosse explicar à executiva do partido no Distrito Federal por que havia dito desta tribuna - e eu disse duas vezes, uma delas em resposta a aparte do Senador Pedro Simon - que não havia votado no Sr. Cristovam Buarque para governador na sua reeleição para o Distrito Federal.

Expliquei tranqüilamente o que penso. Não sou fiel a pessoas. Nunca fui getulista, nunca fui juscelinista, nunca fui stalinista - graças a Deus - na minha vida. Não tenho fidelidade a pessoas. Nunca fui lulista. A minha fidelidade, em primeiro lugar, é a mim mesmo, é à minha integridade. É à minha coerência que tenho que ser fiel e, obviamente, tenho que ser fiel aos princípios, à minha ideologia, aos meus valores e também às determinações, às normas partidárias.

Só um resquício, um ranço stalinista é que pode, com o culto da personalidade, exigir de alguém ser fiel a pessoas. Se eu tivesse votado em Cristovam Buarque estaria compartilhando com o neoliberalismo, com o FMI, com a abertura do Brasil à invasão do capital estrangeiro e das mercadorias, com a destruição e com o sucateamento das oportunidades de emprego e do parque industrial brasileiro, estaria, portanto, traindo todos os meus princípios, todas as minhas idéias.

Não foi à-toa que ele, desejando aproximar-se cada vez mais e aconchegar-se ao Governo FHC, fechou as portas para mim. Ele que ia a minha casa três vezes por semana. Eu que o acompanhei junto com quatro outros colegas desde o princípio sofrido de sua campanha. Quando ele tomou posse, a mim não foi oferecido nada, nem uma secretaria de governo, nem uma administração, nada, nada, nada. E durante quatro anos não consegui sequer emplacar um carrinho de pipoca.

E para se aproximar tranqüilamente e se aconchegar ao Governo de FHC, obviamente ele tinha de fazer isso. Para perseguir os sindicatos e os professores, ele tinha de me afastar; tornei-me indesejável e incômodo. É natural, portanto, que esse momento viesse a ocorrer e eu me sentisse no dever moral de abandonar o Partido dos Trabalhadores, que suportei durante 20 anos, cada vez mais penosos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Lauro Campos, V. Exª me concede um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Lauro Campos, o respeito e a amizade que tenho tido por V. Exª vêm desde os tempos em que nos conhecemos como colegas professores de Economia e também quando imaginava que pudesse ter a vossa companhia aqui como Senador, já no meu primeiro mandato, em 1990. Por pouco V. Exª não esteve comigo como um dos primeiros Senadores, logo no primeiro mandato. Mas V. Exª teve a gentileza de certo dia, quando eu aqui expunha o projeto de lei do Programa de Garantia de Renda Mínima, dispor-se a escrever um artigo na Folha de S.Paulo favorável à idéia e de vir aqui inclusive assistir a meu pronunciamento. É um gesto de que nunca me esqueço. Mas fiquei muito feliz quando V. Exª tornou-se um dos Pares e membro dessa Bancada, que, V. Exª reconhece, tem tido um papel fundamental e sempre solidário a V. Exª que, no Senado Federal, nos brinda e ao povo brasileiro e aos telespectadores da TV Senado com pronunciamentos com os quais sempre estamos aprendendo sobre a história dos povos, das idéias e análises de quem realmente é um estudioso da economia e dos fenômenos políticos da história do mundo. V. Exª não analisa simplesmente o que está no nosso dia-a-dia. Graças ao fato de V. Exª ser um estudioso dos ciclos de expansão, de depressão da economia tanto no centro do capitalismo como nas áreas periféricas, como as do Brasil, sempre nos traz uma nova luz. V. Exª sabe porque formulei o pedido, a minha vontade de que V. Exª permaneça dentro do PT quando estávamos reunidos ontem. Fico pensando o que fazer, se é o caso de organizarmos uma manifestação para fazê-lo refletir melhor sobre essa decisão. Mas penso que não há como começar a fazer isso senão antes fazendo um apelo ao próprio Presidente de Honra, Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda não se comunicou - que eu saiba - com V. Exª. Faço, portanto, um apelo público ao Lula para que ele fale, sim, a V. Exª a importância de sua permanência no PT. Pode ser que Lula esteja preocupado em como fazer isso, já que V. Exª declarou ter votado no PSTU. Mas é preciso que o Lula compreenda as razões que o levaram a tomar essa atitude. Se V. Exª tem tido divergências com o ex-Governador Cristovam Buarque, sempre as expressa como um professor, um companheiro de Partido que coloca suas idéias de maneira diferente, nunca de maneira ofensiva. O debate de V. Exª com ele foi um aprendizado para todo o Partido. No que diz respeito às ações de V. Exª, quero agradecer a atitude que teve na semana passada, quando pedi aos companheiros Senadores para refletir sobre a decisão que estou por tomar: se permaneço pré-candidato à Presidência, no Partido dos Trabalhadores, se mantenho a candidatura para que possa haver debates e prévia caso haja também a inscrição de Lula ou outros. Inclusive, V. Exª trouxe à memória um argumento semelhante ao que Rose Marie Muraro expôs há poucos dias, no Rio de Janeiro, para me convencer a permanecer. Ela lembrou-se do livro de Rosa Luxemburgo: Partido de Massas ou Partido de Vanguarda. E graças à sugestão de V. Exª, fui buscar na biblioteca a polêmica entre Rosa Luxemburgo e Lenin. E se V. Exª me permite, vou procurar usar as próprias palavras que mencionou na reunião para defender a minha permanência.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Pois não.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - E V. Exª disso isso à Senadora Heloisa Helena, aos Senadores Tião Viana e José Eduardo Dutra, enfim, aos que estavam lá: “Eduardo, eu sempre votei no Lula e lhe digo que vou votar no Lula outra vez, que, em princípio, é o meu candidato à Presidência. Entretanto, acredito que deve haver o debate e deve haver a prévia e, portanto, quero recomendar que você permaneça pré-candidato.” E V. Exª lembrou também o que Rosa Luxemburgo transmitiu ao Lenin, ou seja, que a prática da democracia não deve apenas existir quando a direção do partido considere que o povo ou ela esteja preparado para praticá-la, mas tem que começar desde agora. E Rose Marie Muraro também me lembrou o que Rosa Luxemburgo disse, ou seja, que o verdadeiro socialismo só existirá se de fato houver o pluripartidarismo, se houver a participação do povo influenciando as decisões de quem estiver na direção. Quero, então, agradecer, porque essa lembrança de V. Exª foi para mim muito importante. Senador Lauro Campos, quem sabe V. Exª tenha elementos nos próximos dias ou semanas, terá todo o tempo para refletir para, quem sabe, voltar como filho pródigo a nossa Casa. Espero que o Lula possa falar com V. Exª, para que os elementos para essa decisão surjam para valer.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Nobre Senador Eduardo Suplicy, tenho para com V. Exª sentimentos muito especiais. Num partido que não é muito chegado à solidariedade interna, V. Exª me ajudou muito, foi bastante solidário, cercou-me de tanta amabilidade, quando fiz uma operação de ponte de safena em São Paulo. V. Exª procurou o Antônio Ermínio de Moraes e explicou-lhe que o meu estado de saúde não permitia que eu esperasse muito tempo. Costumo ter uma gratidão eterna para com as pessoas que têm gestos como esse em relação a mim, gestos que são tão raros e, portanto, inesquecíveis durante a minha já longa existência.

Antes de eu ser Senador, nós nos encontramos em uns 40 debates, em várias cidades de Minas Gerais, Goiás e do Distrito Federal. E por meio desses debates, que visavam elevar o nível de consciência do Partido dos Trabalhadores, nós nos conhecemos. É óbvio que sinto muito ter que deixar o seu convívio mais íntimo, afastando-me do PT, mas V. Exª pode ficar certo de que cultivarei para sempre a admiração, o respeito e a amizade que se teceu ao longo de tantos anos.

De modo que esse é mais um gesto de amizade e de solidariedade que recebo e pelo qual estou muito agradecido.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senador Pedro Simon, a Mesa aceitará os apartes solicitados por V. Exª e pela Senadora Heloísa Helena, porém pede a ambos a gentileza de serem breves, porque o orador já excedeu o seu tempo em mais de 11 minutos, e necessitamos iniciar a Ordem do Dia.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sr. Presidente, o fato é sério.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Todos sabemos que é e, por isso, a Mesa será tolerante.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem partido - DF) - Senador Pedro Simon, com prazer, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Lauro Campos, sou um admirador de carteirinha de V. Exª. Muitas vezes, este Plenário não está à altura dos pronunciamentos de V. Exª que, como intelectual, faz discursos basicamente acadêmicos. V. Exª fala para universitários, fala na cátedra, e no plenário, às vezes, temos que mudar a entonação da voz, mas V. Exª não faz concessão alguma. Gosto de ouvi-lo em casa, à noite, porque ouço seu discurso desde o começo. E como o pronunciamento de V. Exª tem início, meio e fim, entendemos absolutamente todo o seu pensamento. V. Exª é um homem extraordinário, porque tem princípios, idéias e não cede. Acompanho-o desde o início de sua vida pública e tenho carinho e respeito por V. Exª. Podemos divergir em nossas idéias, mas reconheço que V. Exª é um homem que tem princípios e os defende. Sou um homem do povo, que tem os pés misturados no lodo do debate popular, mas, perdoe-me a sinceridade, vou me atrever a dizer que a pureza dos seus pensamentos e a beleza de seu sentimento estão fazendo V. Exª cometer um equívoco. V. Exª jamais poderia sair do PT. Divirja, debata, fale do Lula ou de quem quer que seja, mas permaneça no Partido, cobrando as idéias que acredita que o PT deve ter, pois gerará um enorme vácuo no Partido a sua ausência. Os outros membros partidários poderão discordar de V. Exª, mas terão que respeitá-lo, admirá-lo. V. Exª pode acreditar que não consegue mudar as coisas dentro do Partido, mas será que determinadas assembléias não seriam piores sem a sua participação? Será que as palavras de V. Exª não influenciam a média dos ouvintes, fazendo com que recuem um pouco em suas ações? Perdoe-me o que vou dizer, mas pelo carinho e pelo respeito enorme que tenho por V. Exª, eu faço um apelo dramático a V. Exª: não saia do PT. A coisa mais fácil que tem, meu irmão, meu mestre, é sair do partido. Montoro, Covas, Richa, Scalco saíram do MDB para criar o partido dos puros, o partido dos santos, o partido dos dignos, mas está aí um partido menos puro e menos santo do que era o MDB. Partidos e mais partidos, exagero de partidos não é o que resolve. Com coragem, temos de fazer uma reforma partidária nesse triste Brasil, que não tem história de vida partidária. Temos que ter coragem de extinguir partidos, pois para um partido ter representação parlamentar tem que ter um mínimo de representação de voto popular. E, dentro desse contexto, digo-lhe com toda a sinceridade: o PT merece respeito, porque veio de uma formação diferente, está num estágio diferente. Será muito difícil criar um partido igual ao PT em outro lugar. O José Dirceu vai procurar o Lula. Se eu fosse o Lula, diria a ele: Dirceu, vamos encontrar o nosso Senador” e levaria também o Senador Eduardo Suplicy, que hoje é unanimidade nacional, hoje, mais do que ontem, tem o carinho, o respeito e a admiração do Brasil inteiro. E faria um apelo: “Rasgue essa carta, vamos ficar juntos, vamos divergir juntos”. V. Exª é importante demais e representa uma estrela de primeira grandeza dentro do PT. V. Exª pode divergir e, às vezes, ser uma luz solitária, mas é um nome que merece respeito e admiração, porque tem idéia, conteúdo, história, filosofia. Cada palavra que diz tem uma origem que determinou o seu pronunciamento. Volto a repetir: sou um dos grandes admiradores de V. Exª, porque admiro as pessoas que são o que são, independente de posições, de ganhar ou perder uma convenção, de ser governador ou o que for. E V. Exª é assim. V. Exª está magoado pelas decisões que foram tomadas, mas deve ter a humildade e a modéstia de não ficar na tranqüilidade da sua cátedra, de voltar para casa e de não vir a esta tribuna fazer grandes pronunciamentos, ganhar os aplausos, estar em paz com a sua consciência e dizer que agora é coisa deles. Não! V. Exª tem que ficar aqui até o fim, tentando aquilo que pode ser quase impossível: aproximar o PT da grandeza do pensamento de V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Nobre Senador Pedro Simon, recebi dezenas de manifestações de apelo no sentido de eu revisse minha decisão; que dobrasse um pouco a espinha e permanecesse dentro do Partido dos Trabalhadores. Entretanto, o seu aparte tem um significado muito especial porque não parte de colegas que têm uma ligação emocional, de irmandade e ideológica muito grande comigo. V. Exª pertence a um outro Partido e, portanto, a sua manifestação nos dá a noção da dimensão de sua intelectualidade, da abrangência de seu espírito. É realmente difícil não ceder, não curvar-me diante dos argumentos levantados pela bondade, pela gentileza e pela amabilidade de V. Exª.

Infelizmente, a minha decisão foi resultado de um longo processo. Não fui arrancado como um dente, não fui expulso como um corpo estranho; houve um processo de eliminação, principalmente porque, entre as coisas que falo e incomoda o Partido, o PT passou a querer tornar-se confiável à posse na Presidência da República e nos outros governos. No Brasil, como V. Exª sabe, existe um processo de indicação que funciona quase como um plebiscito. Indicam um presidente da República, mas o processo da posse é determinado por outras variáveis, por outros interesses. Juscelino foi indicado, mas queriam barrar a posse dele. Aí aconteceu os episódios de Jacareacanga e Aragarças. Depois dele, veio o Jânio - ficou sete meses e foi desapossado -, e, em seguida, o Jango - também desapossado. Então, neste País, existe o desapossamento. É preciso cuidar desse assunto. Tancredo Neves, apesar de ter-se preocupado muito em garantir sua posse, depois de haver conquistado a eleição, morreu antes dela.

A preocupação com a conquista da posse tem feito com que o PT mude as suas bandeiras, tornando-se mais dócil, mais confiável, adamando-se e aburguesando-se. Essa mudança levou o Partido a três derrotas, porque trocaram, misturaram as estações. Estão usando uma linguagem confiável, uma linguagem apropriada para ganhar a posse dentro do processo eleitoral, no momento em que o País se torna radical na sua violência, radical no processo de marginalização, radical nas atividades, nas atitudes do Governo despótico, autoritário. Para mim, este Governo que aí está é uma ditadura. Nós ficamos aqui inibidos, sem poder fazer uma comissão parlamentar de inquérito, sem poder fazer nada, assistindo a um eterno lavar de roupa suja, neste plenário.

Entendo que o PT está totalmente equivocado e o Lula vai perder de novo, porque ele continua trocando as estações. Ele quer ser confiável e amansar o seu discurso, aproximando-se do Governo. Muitos já andaram lá, em relações que eu considero espúrias, com a Presidência da República.

Tudo isso faz com que eu me desiluda cada vez mais do Partido. Penso que ele não voltará a ser aquilo que foi a sua vocação inicial, que foi a sua força, que foi a força de suas bandeiras. Agora ele está adotando bandeiras amarelas, amarelecidas, bandeiras já despojadas pelo PFL, adotando o salário mínimo de míseros R$180 e coisas desse gênero. Está concordando com certas atitudes e certas políticas que são realmente nocivas aos trabalhadores, enquanto presencia os sindicatos se esboroarem sem que faça nada para evitar a catástrofe.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Pois não, com muito prazer.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Lauro Campos, embora todos os nossos outros companheiros Senadores não estejam usando da palavra, até para respeitar o pronunciamento de V. Exª, faço muita questão de que fique registrado em ata o desejo de cada um desses companheiros, do Senador Tião Viana, da Senadora Marina Silva, do Senador Geraldo Cândido e do nosso Líder, Senador José Eduardo Dutra, de usá-la para dizer da dor da perda que sentimos hoje, da tristeza que tem acompanhado todos nós da Bancada nesses últimos dias em função da decisão tomada por V. Exª, nosso querido companheiro e, sem dúvida, a mais bela alma libertária da nossa Bancada no Senado. Queremos que V. Exª tenha a certeza de que, com V. Exª, vai um pedaço de cada um de nós, um pedaço das nossas histórias, das nossas lutas, das nossas vidas. Tenho absoluta certeza de que, independente dos novos caminhos que V. Exª começa a desbravar a partir de hoje, vamos continuar nos encontrando, porque os corações vermelhos e as almas revolucionárias do Partido dos Trabalhadores e as pessoas que acreditam na construção de uma sociedade justa, igualitária, fraterna, socialista dentro do Partido dos Trabalhadores estarão se reencontrando a cada dia com V. Exª nos mais diversos caminhos que possamos traçar, seja neste plenário, nas ruas ou espalhados por este País. Mas é importante que V. Exª saiba que a dor que fica em cada um de nós é a dor daqueles que perdem uma parte de si, uma parte de sua alma, do seu coração, da sua história e da sua luta. Um abraço grande para V. Exª, de todos nós da Bancada, que tanto carinho e admiração temos pelo nosso professor e, sem dúvida, um dos mais belos quadros do PT e a mais bela alma libertária da nossa Bancada no Senado Federal.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Minha querida companheira, eu, que não me considero duro, indiferente aos ventos, ao sol e ao sofrimento humano, realmente começo a desconfiar que endureci demais a minha sensibilidade, pois como posso resistir a sua presença em minha casa depois da viagem de volta a São Paulo onde percebi que V. Exª, minha genial Senadora, escondia lágrimas. Fui atacado, cercado de todas as formas de carinho e de convencimento para que eu ficasse, o que me faz suspeitar de que endureci ao longo da vida.

De qualquer forma, quero manifestar o meu agradecimento a todos da Bancada do Partido dos Trabalhadores, no sentido de que nunca me faltou apoio, consideração, respeito, admiração e tantas coisas de que não sou merecedor.

Mais uma vez, agradeço a V. Exª as palavras e o gesto. Mas, infelizmente, por uma questão de coerência e dignidade, tenho que continuar aceitando aquilo que julgo ter sido uma expulsão de minha pessoa do Partido a que pretendi servir durante 20 anos.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF) - Com um prazer muito grande.

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senador Lauro Campos, não tive a oportunidade de ouvir o pronunciamento de V. Exª, porque estava em uma reunião com Líderes da Oposição na Câmara dos Deputados, mas ouvi o trecho final do aparte da Senadora Heloisa Helena e quero dizer a V. Exª que subscrevo tudo que foi dito por S. Exª. Nesses seis anos de convivência na Bancada do PT, tivemos pontos de vista diferentes na questão política e na questão econômica. E como sou alguém que gosta muito do debate, vou sentir sua falta, não apenas no aspecto emocional e afetivo, realçado pela Senadora Heloisa Helena, como também nos debates no âmbito do PT. Tenho certeza de que esse debate, que sempre foi aberto e fraterno, continuará ocorrendo entre nós enquanto colegas, enquanto Senadores, até porque V. Exª está saindo do PT, mas não está mudando de lado. Portanto, continuamos do mesmo lado, continuamos como companheiros e, quem sabe, os nossos caminhos não possam vir a se cruzar novamente num tempo breve. Que Deus abençoe V. Exª e que o nosso trabalho conjunto continue, independentemente da saída de V. Exª do nosso Partido, o que representa um grande pesar para todos nós!

O SR. LAURO CAMPO (Sem Partido - DF) - Nobre Senador José Eduardo Dutra, entre as coisas que adquiri neste Senado e que serviram para melhorar a minha pessoa, para me engrandecer, está obviamente o conhecimento que pude travar com V. Exª. Tenho certeza de que esse debate, essa troca de idéias continuará, dentro do clima de respeito mútuo que sempre tivemos. Para mim é uma grande satisfação vê-lo crescer a cada dia.

Eu gostaria, neste momento, de apenas lembrar aquilo que o Senador Eduardo Suplicy relatou aqui desta tribuna há poucos dias. Eu poderia ter sido Líder do Partido já duas vezes. A liderança é muito boa no sentido de que são dois gabinetes, o dobro dos assessores, mais acesso e mais tempo no plenário. E abri mão duas vezes de ser Líder dentro do nosso critério de rodízio. E o fiz conscientemente, nunca fui Líder, nunca utilizei esse espaço e sempre o cedi. E creio que o fiz com proveito para nosso Partido e nosso Bloco. E, desta vez, tive a felicidade de abrir mão para que V. Exª, com tanta proficiência, com tanta competência, fosse o nosso Líder.

E, em certo sentido, pode estar V. Exª seguro de que eu continuarei a ser um liderado por V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2001 - Página 6528