Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS SOBRE O EPISODIO DA VIOLAÇÃO DO PAINEL ELETRONICO DO SENADO, POR OCASIÃO DA VOTAÇÃO DE CASSAÇÃO DO EX-SENADOR LUIZ ESTEVÃO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • ESCLARECIMENTOS SOBRE O EPISODIO DA VIOLAÇÃO DO PAINEL ELETRONICO DO SENADO, POR OCASIÃO DA VOTAÇÃO DE CASSAÇÃO DO EX-SENADOR LUIZ ESTEVÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2001 - Página 6931
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • DEPOIMENTO, CONFIRMAÇÃO, CONSULTA, ORADOR, REGINA BORGES, EX-DIRETOR, CENTRO DE INFORMATICA E PROCESSAMENTO DE DADOS DO SENADO FEDERAL (PRODASEN), POSSIBILIDADE, VIOLAÇÃO, APARELHO ELETRONICO, VOTAÇÃO, SENADO.
  • ESCLARECIMENTOS, INTERESSE, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, SENADOR, CONHECIMENTO, VOTAÇÃO, CASSAÇÃO, LUIZ ESTEVÃO, EX SENADOR.
  • ESCLARECIMENTOS, ORADOR, POSSIBILIDADE, OBTENÇÃO, RESULTADO, VOTAÇÃO, IMPRUDENCIA, REGINA BORGES, EX-DIRETOR, CENTRO DE INFORMATICA E PROCESSAMENTO DE DADOS DO SENADO FEDERAL (PRODASEN), VIOLAÇÃO, APARELHO ELETRONICO.
  • PEDIDO, PERDÃO, ORADOR, FILHO, POPULAÇÃO, BRASIL.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (Bloco/PSDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os que estão neste Plenário e aqueles que tentei avisar e que, eventualmente, não puderam estar aqui neste momento, mas certamente estarão nos assistindo pelo rádio ou pela televisão.

Depois de quatro dias de recolhimento, de reflexão, decidi voltar a esta tribuna para o que, estou certo, é o meu dever: cumprir o que impõe a minha consciência, o que é o desejo de meus familiares e amigos, estou certo, das Srªs e dos Srs. Senadores e de toda a sociedade brasileira. Eu vou pedir aos Srs. Senadores que não me façam apartes; eu tenho limites humanos; sem embargo de outros depoimentos que certamente darei.

Vou agora, Srs. Senadores, relatar os fatos que são do meu conhecimento, toda a verdade. De início, peço licença para indagar do que sou acusado. De roubar? De corrupção? De desviar dinheiro público? De me enriquecer ilicitamente? Não. Rigorosamente, não. A acusação é de ter consultado a então Diretora do Prodasen, Drª Regina Borges, a pedido do Senador Antonio Carlos Magalhães, sobre a possibilidade de se conhecer a lista de votação da sessão que cassou o Senador Luiz Estevão.

Vi o depoimento da Drª Regina Borges. Difícil negar-lhe veracidade. Talvez alguns enganos, ao certo mudanças de datas, esquecimento num ou noutro detalhe, que em nada comprometem o fato e a verdade que ela relatou. Vamos aos fatos.

Numa conversa com o Senador Antonio Carlos, no gabinete da Presidência, falando de tendências e possibilidades de votos em votações anteriores e na que se seguiria e já monopolizadas as atenções, surgiu a dúvida se esses votos no Senado quando secretos eram ou não conhecidos pelos técnicos do Prodasen. Saí do encontro com a incumbência de indagar sobre essa possibilidade à Drª Regina. Não o fiz de imediato. Não me recordo exatamente se ela me procurou por algum assunto, mas do que estou certo é que efetivamente disse-lhe que queria lhe fazer uma consulta pessoalmente, e ela de fato foi ao meu apartamento. Estou certo de que não foi no dia 27. Neste dia, o roteiro que descrevi foi aquele mesmo. O que importa é que, de fato, ela foi à minha Casa. O diálogo que descreveu foi aquele mesmo. Perguntei a Drª Regina se era possível conhecer os votos de uma votação secreta, pois o Presidente Antonio Carlos Magalhães desejava a informação. Ela respondeu que não e eu falei: Bom, mas o que se fala é que talvez isso aconteça. Ela, então, nervosa, disse que iria verificar.

É preciso ficar claro, portanto, que não pedi, muito menos determinei, em meu nome ou em nome do Presidente Antonio Carlos Magalhães, que ela obtivesse a lista. Apenas consultei-a sobre se isso acontecia, se era possível.

O detalhe, repito, não visa a diminuir minha responsabilidade no episódio, e nem a diminui, mas é a pura expressão da verdade, que me propus a revelar e à qual a Drª Regina foi absolutamente fidedigna em seu depoimento. Estou certo também de que ela não me ligou para dizer se era ou não possível conhecer os votos, muito menos a forma como a informação seria obtida. Tal fato consta explicitamente do seu depoimento e também é verdade.

E mais, ela diz que só me ligou na tarde seguinte ou na tarde do dia 28 - estou certo de que nosso encontro não foi no dia 27 - apenas para dizer que tinha algo para me entregar. Disso eu me lembro claramente.

Acho que minha cabeça, naquele momento, estava arrumada para no caso de ela ter confirmado a possibilidade de obter a lista eu dizer: Tá bom, mas então consulte o Presidente, ou vamos consultar juntos.

Mas não o fizemos.

Não creio que ela tenha consultado e eu certamente não o fiz. Até porque, como já disse, não tive o retorno dela para responder o questionamento que lhe fiz.

Volto a insistir, vim aqui para relatar o que sei, mesmo ciente de que tudo que foi relatado pela Drª Regina pode ser de difícil comprovação, e talvez até nunca fosse efetivamente provado.

Mas e daí? Não muda a verdade.

Provavelmente, se eu continuasse com a versão de que não fiz nada do que me acusam, assim como o Senador Antonio Carlos, dificilmente se conseguiria provar cabalmente que as coisas aconteceram assim, mas aconteceram.

Srªs e Srs. Senadores, quero meu sono de volta, quero poder dormir tranqüilo, olhar as pessoas nos olhos, especialmente meus filhos. A verdade pode não ter 100% de lógica; não ser capaz de gerar provas cabais; de ter até inconsistências como resultado de lapsos de memória, mas desencadeia um mecanismo em quem a impunha que varre qualquer esperteza, qualquer argumento contrário.

Inútil resistir à verdade.

Estamos em desacordo, eu e a Drª Regina, em relação a alguns fatos e datas. Não fiz com ela, depois dos seus depoimentos, nenhum tipo de contato direto ou indireto. Estamos em desacordo, em relação a alguns fatos e datas.

Também não tenho como precisar todos os detalhes. É óbvio que para qualquer um de nós dois é difícil e penoso esse exercício de memória, mas isso não muda a essência da verdade.

Posso afirmar que quando busquei a agenda do dia 27, depois de conversar com o Senador Antonio Carlos sobre a necessidade de manter o sigilo em relação ao episódio, fui verdadeiro. No entanto, tenho que reconhecer que usei a verdade da agenda e suas evidências para ocultar o conhecimento que tinha da lista e para ocultar o próprio episódio.

Escravo da falha inicial, falhei novamente. Ela disse, em seu depoimento, que poderia ter havido, na tarde do dia 28, ligação minha ou de alguém ligado a mim, cobrando ou pelo menos procurando-a. Sinceramente, não me lembro de ter feito isso e, com certeza, não mandei ninguém fazê-lo. Mas a verdade é o que ela afirma depois.

Ela me ligou à tarde, dizendo que tinha algo para entregar-me. Eu pedi ao meu assessor, Dr. Domingos, pegar com ela o que ela queria me entregar. Naquele momento, lembro de ter, intimamente, lamentado profundamente a consulta que fizera. Lamentei o que considerei uma precipitação da Drª Regina. Talvez até em um impulso inconsciente de diminuir a minha responsabilidade no episódio e pensei claramente na inutilidade de se saber o que passou.

Quando o Dr. Domingos me entregou o envelope de papel pardo - também é verdade -, sem saber do que se tratava, eu o abri. Lá estava a lista de votação. Eu li. Era um papel comum, sem timbre oficial. Tinha a relação dos nomes dos Senadores com o voto ao lado. Não tirei cópia. Guardei a lista no envelope e, em seguida, fui ao gabinete do Presidente Antonio Carlos. Ele olhou com atenção; conferiu voto a voto, e juntos fizemos alguns comentários. Estávamos sozinhos na sala. Ainda na minha presença, ele pediu que ligassem para a Drª Regina e, de fato, agradeceu a ela o envio da lista.

A lista ficou com ele. Lembro ainda que eu mesmo pedi que ele ligasse, para que ela tivesse certeza de que eu entreguei a lista a ele. O que se seguiu depois todos já sabem. Encontrei-me poucas vezes com Dr.ª Regina nesse período e também não falamos sobre isso até que houve a divulgação do teor da conversa entre o Senador Antonio Carlos Magalhães e os Procuradores.

Asseguro que, por meu intermédio, ninguém, nenhum Senador, nenhuma outra pessoa soube da lista ou do seu conteúdo. E mais: também nunca fiz qualquer alusão ao que vi com quem quer que seja.

Um parêntese: quando alguns comentários freqüentaram os corredores e chegaram aos jornais em forma de notas, posso ter contribuído com alguma ilação posterior e nunca afirmativa a respeito de dúvida levantada.

Lamento, peço desculpas, e quero dizer que ninguém jamais ouvirá de mim a revelação do que continha aquela lista. Seria insistir na falha. Ainda que fosse o preço para atenuar a culpa - e não pode ser -, não revelarei nunca. É uma decisão que tomei naquele dia, 28 de junho, que cumpri e que está reforçada agora por todos os acontecimentos.

Não falo sobre isso. É uma decisão tão forte, Srªs e Srs. Senadores, que, mesmo que eu quisesse dizê-lo, eu teria de lembrar a lista, do nome e do voto ao lado, e não consigo, sinceramente, recuperar essa imagem visual. Para ser absolutamente verdadeiro, é claro que retive algumas informações, mas não tenho a imagem que para mim mesmo comprovaria a informação que retive. Aliás, se não tive um comportamento correto ao me deixar levar por uma curiosidade talvez mórbida e sem dúvida estéril, porque sem finalidade prática, não serei indigno, entretanto, de revelar aquilo que tive conhecimento, até porque não é este o objeto das investigações do Conselho de Ética.

Os fatos relatados pela Drª Regina, depois do episódio dos Procuradores, também são verdadeiros, os encontros inclusive. Confirmo os que tive por iniciativa dela e os que o Dr. Domingos teve, a meu pedido - aí já sabendo do que tinha ocorrido.

Ali, diante das circunstâncias, traídos pelas nossas fraquezas de curiosidade, vaidade, orgulho ou tudo isso junto, estávamos unidos no mesmo equívoco e ninguém via outro caminho a não ser manter a negação.

Falta dizer também que o Senador José Eduardo Dutra fez uma declaração no Conselho de Ética. Ela também é verdadeira.

Esses são os fatos de que tenho conhecimento.

Lamento profundamente que tudo isso tenha ocorrido e assumo publicamente a minha parcela de responsabilidade.

Permitam-me, Srªs e Srs. Senadores, fazer algumas considerações.

Primeiro: a quem interessava, de fato, essa lista? Há outras cópias? E o tal disquete que permitiu extrair o resultado? A Drª Regina e o seu marido realmente não viram a lista? Nenhuma cópia foi dada a mais ninguém? Alguma outra pessoa já havia solicitado a mesma lista e ela já estaria sendo providenciada? Ou os procedimentos foram mesmo tão de última hora? Sinceramente, também não sei, mas quero ser verdadeiro até nas dúvidas que tenho.

Segundo: se outro Senador ou quem quer que seja viu ou ficou sabendo da tal lista, não foi por mim. Não tirei cópia. Não falei com ninguém. Entretanto, é inegável que muitas pessoas comentavam e que outras viram ou ficaram sabendo. As duas reportagens da revista IstoÉ, anteriores ao depoimento da Drª Regina Célia, comprovam esse fato.

Terceiro: convivi com o Senador Antonio Carlos Magalhães durante todos estes anos e posso dar - e darei - o meu depoimento de que nunca vi, assisti ou participei de nenhum outro episódio que possa colocar em dúvida a conduta de S. Exª. Todas as vezes em que assisti, de perto, à sua atuação, esta foi correta, e sempre existiu entre nós uma relação de respeito e de afeto.

Quarto: alguns poderão pensar sobre os motivos que fariam o Senador José Roberto Arruda revelar esses fatos agora. Estaria fazendo isso para criar algum tipo de comoção ou atrair algum tipo de condescendência? Não, até porque, com relação a esse assunto, não será a minha vontade que prevalecerá. Porém, estou certo de que o julgamento desta Casa saberá distinguir esse episódio na sua dimensão regimental com a gravidade dos fatos, provas e atos que deram origem à cassação do ex-Senador.

Quinto: fui ingênuo sim. Minimizei as conseqüências do episódio - eu e o Senador Antonio Carlos Magalhães, Presidente desta Casa, na época.

Quando a Comissão de Sindicância ouvia as confissões, ainda pensava sobre isso e talvez, até aquele momento, não dando ao episódio a sua real dimensão, pensava sinceramente se o sigilo do voto secreto existia mesmo e se era respeitado efetivamente nesta Casa. Tive dúvidas.

Passava até pela minha cabeça a lembrança, Sr. Presidente, da votação secreta para a escolha do novo Presidente do Senado em fevereiro último. Alguns Senadores teriam combinado previamente com suas Lideranças de mostrar os seus votos abertos para o registro de um fotógrafo, estratégica e previamente colocado naquele ponto da galeria com uma teleobjetiva. Foi a forma encontrada pela Liderança de garantir que não haveria defecções e que todos votariam num dos candidatos, o que foi até admitido na imprensa.

Então, pensei: “Não é essa também uma forma de violar o sigilo do voto?” Alguns dirão: “Não, é diferente, porque foi consentida e, portanto, é menos grave.” Outros dirão: “É mais grave ainda, porque foi feita antes do voto e não depois e porque pode ter induzido o voto e tirar-lhe, além da espontaneidade, as duas características fundamentais do instituto do voto secreto: a individualidade e o próprio sigilo”. Nesse caso, os dois estariam comprometidos. “É menos grave”, dirão ainda outros, “porque foi uma combinação apenas entre alguns Senadores, e não entre todos”. Mas sigilo é total ou de sigilo não se trata, já que não existe sigilo parcial, ou sigilo maior e sigilo menor. Sigilo existe ou não existe.

Feitas essas considerações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses dias intermináveis de reclusão, recebi solidariedade, sugestões, provocações, críticas construtivas, outras mais duras, impiedosas talvez. Recebi orações, gestos comovidos, muita ajuda, muito apoio da minha família e dos meus amigos, generosos comigo. Os exageros negativos, faço questão de esquecê-los. Nada de mágoas. Pronto: já esqueci. Aos gestos solidários, minha gratidão. Mais do que nunca, agora posso dizer que sei do valor de um ombro amigo, de um telefonema, de uma mensagem, de uma oração.

Quero fazer um agradecimento especial aos Senadores Ramez Tebet, Eduardo Suplicy e Roberto Saturnino que, com suas declarações públicas, fortaleceram a minha convicção de que deveria refletir mais sobre o caminho que acabei tomando. Aos amigos próximos que foram na mesma direção, meus agradecimentos.

Aos amigos Senadores, todos que entenderam o momento difícil que vivo, agradeço por intermédio do Senador Ronaldo Cunha Lima, que foi ao meu gabinete de cadeira de rodas, não conseguiu falar uma palavra e chorou comigo. Agradeço a todos, sem citar seus nomes, até para preservá-los. Mas estejam certos de que lhes agradeço do fundo do meu coração.

E peço desculpas a todos os Senadores e Senadoras pela falha ou pela indução à falha. Peço desculpas ainda pelo meu açodamento, tolerado com paciência pelos Srs. Senadores.

Peço desculpas aos funcionários desta Casa.

Também peço desculpas aos Colegas do Governo ao qual sempre servi com lealdade, até em situações de natureza muito mais grave que esta e mesmo quando meus mais legítimos interesses políticos foram contrariados. Nunca prejulguei.

Nesses dias de reflexão, repassei cada um desses momentos.

Peço desculpas também - e este é o momento mais difícil da minha fala - aos que me elegeram, a Brasília e ao Brasil, com a consciência de que, apesar desta falha, venho desempenhando este meu mandato com determinação, honestidade, trabalho e dedicação. Tenho procurado sempre defender Brasília acima de divergências, independentemente de quem seja o Governador.

Peço desculpas à imprensa, algumas vezes exagerada ou parcial, mas guardiã da liberdade e da verdade, que compreenderá o meu silêncio nesses últimos dias, necessário para uma reflexão.

Sras e Srs. Senadores, aprendi a lição. Aconteça o que acontecer, sei que terei forças para levantar a cabeça, recomeçar, reconstruir, lutar e voltar ao meu caminho natural e aos sonhos que me levaram à vida pública. Aconteça o que acontecer.

            Lembrei-me muito de mim mesmo aos 14 anos, em 1968, quando venci minha primeira eleição, para presidente de um inocente grêmio estudantil, e fui impedido de tomar posse, porque defendia a subversiva proposta do ensino gratuito e universal. Lembrei-me de que, naquele momento, decidi fazer vida pública - e com idealismo, retidão, sem desvios de conduta para ajudar a mudar o País. Foi esse caminho que me trouxe até aqui.

            Não nasci político. Não nasci Senador. Não nasci Líder do Governo. Fui levado à vida pública pela vontade de servir ao meu País. Nasci de uma família pobre e digna, nasci com dignidade. Posso não preservar nada mais, mas vou preservar a minha dignidade. Contudo, Srs. Senadores, a ambição, a vaidade, o orgulho, o gosto pelo poder conspurcam, ou conspurcaram esse impulso primário, infantil, como uma alquimia às avessas, que pode transformar o ouro em chumbo. As coisas confundem-se, misturam-se, mesclam-se, contaminam-se.

            Hoje, tragado pelo impacto dessa verdadeira tormenta que se abateu sobre a minha cabeça - parece uma contradição -, sinto-me não apenas aliviado, mas melhor como ser humano, como pai, até mesmo como político, porque aquele impulso inicial de servir ao meu País continua firme.

            Aquele menino de 14 anos não morreu! Eu me sinto renascendo e estou renascendo. Eu me reencontrei com aquele menino de 14 anos, idealista, sonhador. E, no meio de tantos problemas, tantos dissabores, quero dizer que valeu a pena esse reencontro.

            No I Ching, oráculo chinês milenar, crise associa-se a mudança, transformação. É assim que vivo este momento.

Meus amigos Senadores, nos momentos de desespero - eu os tive -, eu me indagava: por que isso tudo está acontecendo comigo, meu Deus? Será que esse castigo está proporcional à culpa? E entendi que o poder estava me levando, pela vaidade exagerada, pela ambição desmedida, a um atalho, a um desvio, que não é o caminho que tracei. É um aviso para mudar enquanto é tempo. Por isso também a verdade, a auto-humilhação até de reconhecer a falha, passo necessário e fundamental para retomar o caminho da minha referência, dos meus sonhos.

Eu disse ontem à noite aos meus filhos: vocês não têm que ficar com vergonha de mim! Não roubei! Não enriqueci! Moro no mesmo apartamento em que eu morava antes de ser Senador e não recebo nem auxílio-moradia! Não tenho fortuna! Falhei, é verdade, mas estou reconhecendo isso publicamente.

Estou no meu primeiro mandato. Tenho cumprido este mandato com esforço, dedicação, mas tenho que reconhecer, neste episódio e em eventuais outras tramas políticas, uma dose grande de ingenuidade. De fraqueza mesmo. E de açodamento.

Falhei, fui ingênuo, infantil, descuidado algumas vezes, mas pretendo, com este gesto que vem de dentro da alma, dar o exemplo de que sempre se pode retomar o verdadeiro caminho.

            Deus me dará forças! Não importa de que ponto recomeçarei minha trajetória de vida, mas recomeçarei. E o farei enriquecido pela lição e pela provação. Todo ser humano erra. E pode reparar. Corrigir o erro. O cidadão comum, quando erra, paga o preço apenas no seu ambiente restrito, muitas vezes restrito a ele próprio.

            Nós, que fazemos vida pública, não. O nosso erro é ampliado, publicado, comentado e evidenciado.

            Mas é bom que seja assim!

            Se fazemos vida pública, temos que ser e dar o exemplo. Ser modelo.

            Que bom se este momento levar cada um a refletir sobre si mesmo, sem ter que passar pelo que estou passando.

            Espero também, e sinceramente, que esse episódio nos leve ao fim do voto secreto, essa excrescência, origem disso tudo.

            Será que não estamos discutindo o ritual em detrimento do conteúdo?

            Não estamos desviando o foco da verdadeira discussão? Pois mais importante do que levantar o conhecimento do que já devia, por origem, ser de conhecimento público, não seria acabar com essa distorção?

            Quem tem direito ao sigilo do voto é o eleitor que nos escolhe. Nós, os escolhidos, não; temos que votar aberto, sempre, sem medo, para que a sociedade que nos elege possa acompanhar o nosso desempenho, avaliar a nossa coerência e o nosso trabalho.

            No jornal O Globo de ontem, um leitor, numa carta, alertava que esse assunto está desviado da sua verdadeira causa: o voto secreto. O que precisa ser resolvido, diz ele, não é a segurança do computador para manter o sigilo, mas exatamente o contrário: a divulgação da opinião dos Parlamentares, sem restrições.

            Das coisas que consegui ler nesse período, duas me chamaram muito a atenção e creio mesmo que não caíram na minha mão por acaso.

            Primeiro, um texto que fala que esta virada de milênio é tempo de transmutação, de renascimento e de luz.

            Um segundo, assinado por Stephen Kanitz, numa revista velha que encontrei onde estava, chamado Ambição e Ética. Diz ele:

            “Não há nada de errado em ser ambicioso, mas o erro que muitos temos cometido” - e eu certamente o cometi - “é definir a ambição antes de definir a ética”.

            Porque se se define antes a ética, ou seja, o que não se quer fazer para alcançar os seus objetivos, como não roubar, não mentir, não pisar nos outros para atingir a sua ambição, aí o processo de ambição é sadio. Mas se se define a ambição antes, aí a tendência é reduzir o rigor ético e não reduzir a ambição.

Finalmente, Srªs e Srs. Senadores, nesse dias todos, pensei que talvez esse sofrimento, que é grande, pudesse ser útil, pelo menos para que o Senado, que tem feito tanto pelo País, pudesse retomar o seu caminho histórico de comportamento e de convivência harmoniosa, mesmo na discordância.

Por que tomei essa decisão? Porque é a correta, a que indica a minha consciência. Dela não podia falar com ninguém, era individual, por isso, por ironia, o texto está escrito a mão, não sei escrever em computador.

Pensei também no Dr. Domingos Lamoglia, um homem íntegro, comigo há muito tempo; pensei nos meus funcionários todos, e nos funcionários do Prodasen, que sequer conheço pessoalmente e que, todos, com esse meu gesto, talvez tenham que responder apenas à Comissão Interna do Senado, poupando todos de mais constrangimentos nesta Casa.

E que todos digam a verdade, somente a verdade, mas toda a verdade.

Srªs. e Srs. Senadores, eu estava numa encruzilhada: ou continuar errando para tentar justificar um deslize inicial, ou lembrar o ensinamento de São Pedro, que, depois de negar três vezes, se arrependeu, voltou ao caminho da verdade e dedicou todo seu resto de vida àquela verdade.

Não quero, não posso e não devo continuar escravo de uma falha inicial.

De coração, este o caminho que, conscientemente, escolhi.

Reitero o meu pedido de desculpas aos Senadores, aos funcionários, aos jornalistas, a Brasília, ao Brasil e a estas crianças que, talvez para aumentar o castigo, estão aqui me ouvindo.

Agradeço a compreensão e a contribuição de todos, e estou, a partir de agora, ainda que mais sofrido, menos vaidoso e mais convicto do rumo que sempre estabeleci como meta, à inteira disposição desta Casa.

Eu passo; os senhores passam; mas o Senado fica e tem de ser preservado. Por isso, encerro dizendo que este meu gesto tem o objetivo principal de satisfazer a minha consciência, cumprir um dever e, acima de tudo, preservar a dignidade do Senado Federal, Instituição essencial à democracia.

Uma última palavra aos meus filhos: desculpa; muito obrigado; e não precisam ter vergonha de mim. Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2001 - Página 6931