Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A VIOLENCIA PRATICADA PELA POLICIA E POR GRUPOS DE EXTERMINIOS COM A CONIVENCIA DO ESTADO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A VIOLENCIA PRATICADA PELA POLICIA E POR GRUPOS DE EXTERMINIOS COM A CONIVENCIA DO ESTADO.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2001 - Página 7122
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, VIOLENCIA, POLICIA, GRUPO, HOMICIDIO, OMISSÃO, ESTADO, REGISTRO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), LEVANTAMENTO, SITUAÇÃO, BRASIL, ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, SESSÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), NECESSIDADE, PROVIDENCIA, GOVERNO.
  • ANALISE, AMBITO, TEORIA, SOCIALISMO, CORRELAÇÃO, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MODELO, CAPITALISMO, INEFICACIA, AUMENTO, REPRESSÃO.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, POLICIA, JUDICIARIO, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, FAVELA, NEGRO.
  • DEFESA, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, VIOLENCIA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a violência praticada pela polícia e por grupos de extermínio, com a conivência do Estado, no Brasil, é bem mais que preocupante: é estarrecedora, chegando a responder por grande parte dos homicídios ocorridos em nosso território, notadamente nos grandes centros urbanos. O assunto não chega a ser novidade, pois a mídia relata com freqüência casos de execução sumária, que, aos poucos, desgraçadamente, vão se incorporando ao cotidiano da vida brasileira. Agora, Sr. Presidente, essa situação de anomalia, omissão e crueldade é denunciada, mais uma vez, em fundamentado documento produzido por entidades sérias de defesa dos direitos humanos, com o objetivo de forçar as nossas autoridades a tomar atitudes efetivas de defesa da sociedade. Esse documento é o relatório Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais - uma aproximação da realidade brasileira, o qual, após ser lançado simultaneamente em diversas capitais brasileiras, será apresentado na 57.ª sessão da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra. As entidades que elaboram esse levantamento reivindicam que um representante da ONU, a convite do Governo brasileiro, venha ao País com o fim de monitorar o cumprimento de compromissos assumidos em tratados e convênios internacionais. Não basta - alegam - que o Brasil seja signatário e ratifique sua posição nesses instrumentos de proteção dos direitos humanos: é essencial que o País adote medidas eficazes para a superação dessa situação de ignomínia.

De fato, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, a violência expressa em alguns números do citado documento - e relatada pela imprensa - provoca um sentimento misto de dor e de revolta que se exacerba com a consciência de que tamanha desgraça não resulta de uma fatalidade, mas, em grande parte, de um modelo de organização social equivocado e corrompido.

Os índices de violência no Brasil são expressivos até mesmo se comparados com os de países que convivem com maior pobreza, com recursos naturais escassos e com acentuados conflitos étnicos e religiosos. O diretor do Centro de Justiça Global, James Cavallaro, citado pelo jornal O Estado de S.Paulo em sua edição do último dia 18, destaca que o número de homicídios praticados no Brasil - mais de 23 mil somente no primeiro semestre de 1999 - é um dos mais altos entre todos os países das Américas.

O citado relatório denominado Execuções Sumárias observa que a cada ano, em nosso País, cerca de duas mil pessoas são executadas pela Polícia e outros agentes do Estado, além de grupos de extermínio, registrando-se também grande número de vítimas nos conflitos de terras e nos motivados por intolerância racial ou preferência sexual.

Os dados coletados pelas entidades signatárias do documento junto ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos demonstram, Sr. Presidente, que a violência policial e dos grupos de extermínio é significativamente maior nos grandes centros urbanos. Esse fato vem comprovar a nossa tese socialista de que o conflito social não é gerado pela pobreza apenas, mas pela exclusão social de largas parcelas da sociedade, em contraposição à concentração de renda de alguns segmentos.

No Estado do Rio de Janeiro, conforme dados do CDDH, ocorreram nada menos do que 259 execuções sumárias em 1999, o que representou 22,56% do número total de homicídios. Na Bahia foram 250 execuções no mesmo período, ou seja, 21,78% do total de assassinatos. O Estado de São Paulo apresentou a terceira maior taxa, 19,43%, com 223 execuções sumárias, seguindo-se dos Estados de Pernambuco, Espírito Santo e Paraná.

Esses altos percentuais não se repetiram em Estados mais pobres, o que evidencia o acerto de nossas convicções. Lamentavelmente, Srªs e Srs. Senadores, os conflitos que resultam nessas incontáveis chacinas são provocados, na maioria das vezes, por nosso modelo de economia capitalista, que acentua as desigualdades sociais e que impede o acesso de grandes contingentes da sociedade aos mínimos padrões de vida digna, advindo daí todas as seqüelas sociais e psicológicas de uma vida degradante.

O recrudescimento da violência no Brasil, não apenas no que respeita às corporações policiais, paramilitares e grupos de extermínio, mas à sociedade em seu conjunto, fez da segurança o primeiro item na pauta de reivindicações das comunidades. As notícias, exaustivamente repetidas e freqüentemente de forma sensacionalista, de atos violentos e de crimes bárbaros ou hediondos, têm provocado forte sentimento de insegurança e de indignação dos cidadãos. Atônita e descrente, a sociedade procura soluções radicais, como a redução da idade penal, a intensificação do policiamento e a repressão violenta, soluções essas, no entanto, que, por si sós, já se revelaram ineficazes.

Nós, socialistas, não somos ingênuos ao ponto de negar a necessidade de repressão ao crime. Porém, entendemos que não basta reprimir a violência, muitas vezes com ataques frontais aos direitos humanos, conforme apregoam alguns representantes da direita, mas é essencial combater as causas da violência, que freqüentemente se inserem nas contradições do sistema em que vivemos.

As estatísticas, Srªs e Srs. Senadores, demonstram que a ação repressiva, muitas vezes, contribui para a escalada da violência numa sociedade enferma e mergulhada numa situação de profunda barbárie. Na Zona Sul de São Paulo, onde os índices de criminalidade são elevados, verificou-se há alguns anos que 70% das vítimas não possuíam antecedentes criminais. No Rio de Janeiro, as experiências de ocupação dos morros com tropas do Exército, além de não darem resultados efetivos, resultaram unicamente em humilhação das populações faveladas.

A violência policial, volto a dizer, não reprime a criminalidade; antes, alimenta a violência e, o que é pior, faz suas vítimas quase sempre entre pessoas inocentes. Isso ficou sobejamente demonstrado, há alguns anos, no livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos: num universo de 3.545 pessoas mortas pela Polícia Militar de São Paulo, em 22 anos, 65% das vítimas jamais cometera crime naquela metrópole. A repressão policial, em vez de atuar em defesa do cidadão comum, age exatamente contra ele. Seletiva, a repressão policial ocorre principalmente contra vítimas com perfil semelhante: jovem, pobre, morador da periferia e negro.

            Cabe aqui perguntar se o Estado está consciente do seu papel, pois sabemos que a repressão aos indivíduos de baixa condição social não se limita à esfera policial, mas estende-se ao âmbito judiciário. É consabido que a Justiça brasileira funciona precariamente. Além de tardia, trata desigualmente os cidadãos que, por garantia constitucional, têm direitos iguais. É a voz corrente e, mais do que isso, verdade trivial, o fato de que “rico, no Brasil, não vai para a cadeia”. Quando vai, tem regalias e cumpre pena por pouco tempo, enquanto o cidadão pobre, de cor ou sem instrução, amarga condições desumanas que explicam as rebeliões quase cotidianas.

Nossas autoridades, há muito, perderam o conceito de recuperação dos indivíduos e de reintegração social. A noção de penitenciárias como estabelecimentos onde os detentos cumprem pena e são assistidos para, progressivamente, se reinserirem na sociedade, não passa, hoje, de mera definição do dicionário.

É doloroso ver, Srªs e Srs. Senadores, que jovens e até meninos, criados com a família ou abandonados nas ruas, delinqüentes reincidentes ou não, tendo praticado algum delito, qualquer que seja, são condenados ao caminho do crime. Recolhidos aos estabelecimentos de suposta reeducação, trilham um caminho sem volta, saindo de lá diplomados no crime.

O que dizer, além de tudo o que já foi dito, do massacre do Carandiru? A recente rebelião desencadeada simultaneamente em presídios de todo o País, sob a liderança do PCC - Primeiro Comando da Capital, demonstrou uma violência inaudita. Cento e onze detentos foram chacinados com quinhentos e quinze tiros disparados a sangue frio, mas não nos serviu de lição.

Qualquer cidadão comum brasileiro, uma vez vítima do arbítrio policial, está condenado a passar por uma experiência degradante, amontoado em celas minúsculas e imundas, em convívio com presos de diferentes graus de periculosidade. Negando-lhe o mínimo de dignidade, o Estado vai-lhe negar, também, por omissão e inércia, a proteção à integridade física e à vida.

Não estamos romanceando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Os jornais, as revistas, as emissoras de rádio e de televisão diariamente nos relatam casos que se enquadram nessa situação.

Há muito que nós, do Partido Socialista Brasileiro, nos batemos pela transformação de nossa sociedade, propondo a adoção de um modelo econômico e social que faça do homem um irmão do outro homem, e não seu algoz. O Brasil tem um dos maiores índices de desigualdade social de todo o mundo. O segmento de 1% da população mais rica do País detém uma riqueza equivalente à dos 50% mais pobres. No entanto, já vimos que os maiores índices de criminalidade e violência não se concentram nas regiões miseráveis, mas nas regiões metropolitanas ricas em que a opulência contrasta com a mera e sofrida subsistência.

Essa contradição, típica do nosso regime capitalista injusto, da nossa economia direcionada para o pagamento de dívida, tem sido exacerbada em todo o mundo pela política neoliberal - até há alguns anos, para embasbacados empresários e tecnocratas brasileiros, a panacéia de que precisávamos. O tempo mostrou o que todos sabiam e poucos queriam admitir: que a economia de mercado, por si, não oferece as soluções requeridas pela comunidade, porque produz riquezas mas não se propõe a reparti-las.

Hoje, o próprio Fundo Monetário Internacional faz um mea culpa - tardiamente. No Brasil, na Argentina, no México, em toda a América Latina como, de resto, em todos os países periféricos, a economia neoliberal conseguiu aprofundar a miséria do povo e roubar-lhe a chance de trabalhar para sobreviver com dignidade.

Nossa sociedade, Srªs e Srs. Senadores, está enferma, e não podemos fechar os olhos para isso. Para nós, socialistas, essa enfermidade não é uma fatalidade, mas provém das condições iníquas e das relações sociais degradantes do capitalismo, que gera e acentua desigualdades; que estabelece a rivalidade e a competição entre as pessoas; que provoca danos sociais, econômicos e psicológicos irreversíveis às camadas populacionais mais carentes.

Assim, não nos surpreendem as execuções sumárias, que refletem a brutalização do sistema repressivo, e a escalada da violência. No momento em que a sociedade brasileira, incluindo pobres, ricos e cidadãos de classe média, procura atônita e assustada uma forma de combater a criminalidade, nós queremos somar nossos esforços; e o fazemos, advertindo, como já o fizemos, que a eficácia das medidas a serem tomadas, visando a uma paz duradoura, não reside na mera repressão, mas na adoção de políticas públicas que promovam a fraternidade e a justiça social.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2001 - Página 7122