Discurso durante a 51ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

JUSTIFICATIVAS A REQUERIMENTO DE CONVOCAÇÃO DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS LIGADAS AO SETOR ENERGETICO, PERANTE A COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA, PARA ESCLARECIMENTOS SOBRE AS CAUSAS DA CRISE NO SETOR.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • JUSTIFICATIVAS A REQUERIMENTO DE CONVOCAÇÃO DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS LIGADAS AO SETOR ENERGETICO, PERANTE A COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA, PARA ESCLARECIMENTOS SOBRE AS CAUSAS DA CRISE NO SETOR.
Aparteantes
Geraldo Melo, Lauro Campos, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2001 - Página 9210
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ILEGALIDADE, DECISÃO, GOVERNO, PUNIÇÃO, CONSUMIDOR, ENERGIA ELETRICA, OBJETIVO, REDUÇÃO, CONSUMO, DEFESA, ORADOR, POPULAÇÃO, AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, CRISE, FALTA, PLANEJAMENTO, POLITICA ENERGETICA.
  • QUESTIONAMENTO, EFEITO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA ELETRICO, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, ENERGIA.
  • COMENTARIO, SUGESTÃO, COMBATE, CRISE, ENERGIA ELETRICA, DEFESA, BONUS, RECOMPENSA, REDUÇÃO, CONSUMO.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, CONVOCAÇÃO, AUTORIDADE, DEBATE, SENADO, CRISE, SISTEMA ELETRICO.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última segunda-feira, abstive-me de fazer um pronunciamento em virtude de informação, que tive, da decisão pública do Senhor Presidente da República de afastar a hipótese de punir com multas o consumidor na crise energética que se prenuncia.

Diante das repetidas insinuações dos técnicos - se é que podemos assim chamá-los, diante do quadro que estamos vivendo - para retomar a discussão da punição para o usuário, não posso, Sr. Presidente, deixar de me manifestar sinceramente sobre o assunto.

O tema é extremamente delicado. A população está apreensiva e, particularmente, aflige-me essa insistência em punir o consumidor, que não tem nenhuma responsabilidade sobre a situação atual. Então, Sr. Presidente, por que seria ele, o consumidor, punido? Creio que o cenário iminente, em pleno século XXI, de voltar às trevas, é motivo de estupefação, para usar, Sr. Presidente, um termo generoso. Temos um dado natural, intransponível, indiscutível mesmo, que é o baixo nível dos reservatórios, em virtude da escassez de chuvas nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Mas, Sr. Presidente, inegavelmente, também temos um fator determinante para a crise, que foi derivado da ausência de planejamento e da falta de investimentos para a expansão na geração e na transmissão de energia elétrica no País.

É claro que a inclusão de empresas de energia elétrica no Programa de Desestatização engessou esses órgãos. Alguns superavitários poderiam ter reinvestidos recursos próprios para que hoje não estivéssemos na iminência da escuridão programada.

Igualmente, Sr. Presidente, deveríamos ter exigido nas privatizações investimentos privados no setor, seja na construção de termelétricas ou na ampliação de linhas de transmissão. Da mesma forma, deveria ter saído do papel a promessa de construção de 49 termelétricas. Os erros pretéritos foram abundantes.

O próprio Governo se orgulhava em demonstrar o nível de crescimento de consumo de energia na indústria para amparar os argumentos do crescimento econômico. Claro que era um fato, mas, se havia esse fato, Sr. Presidente, havia também a necessidade de investir para evitar um colapso, uma vez que a demanda se ampliava e a oferta, não.

Mas esta é uma situação que só pode ser reparada no futuro se imediatamente iniciarmos os investimentos e retirarmos as empresas geradoras do Programa de Privatização.

Sr. Presidente, convém examinarmos o quadro de hoje. Claro que temos a obrigação de localizar a origem ou as origens do problema, não só para identificar possíveis culpados, mas principalmente a fim de encontrar onde houve o erro e impedir sua reprodução no futuro.

Tenho lido várias sugestões de especialistas, muitas delas apropriadas. O próprio Governo mencionou a hipótese de eliminar impostos de lâmpadas fluorescentes - poderia desde logo materializar a idéia. Muitos são os que sugerem uma campanha pesada incentivando a redução do consumo - e não tenho dúvidas, Sr. Presidente, de que a população responderia satisfatoriamente -, assim como criar estímulos para co-geração, independentemente da matriz energética; o financiamento para aquisição de geradores para prédios, polícias, penitenciárias, hospitais, estádios de futebol, indústrias grandes, médias e pequenas; e outras providências, Sr. Presidente, que sem dúvida atenuariam o problema, mas seriam paliativos.

Segundo os especialistas, teremos mesmo de enfrentar a crise com redução no fornecimento e suas trágicas conseqüências para o Produto Interno Bruto, para o mercado de trabalho, para os investimentos externos e transtornos de toda a ordem para o cidadão brasileiro. Sem dúvida, alguém tem de responder por isso sem delongas, Sr. Presidente.

Quanto à questão mais imediata, relativa ao consumidor, obrigo-me a fazer desta tribuna um alerta a esses “técnicos” para que não gerem uma nova balbúrdia jurídica e não recriem um novo compulsório ou coisa semelhante.

Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, não há amparo legal para nenhum tipo de punição ao consumidor, rotulando a multa como quotas de consumo ou outro eufemismo qualquer. Há, sim - e é preciso prestar atenção -, sanções previstas para os fornecedores que suspendem total ou parcialmente os seus serviços.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso V, já define, entre os direitos do consumidor, “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. Mais adiante, Sr. Presidente, acrescenta o referido Código que o consumidor tem direito “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.

            No art. 22, o Código estabelece punição para o fornecedor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quantos aos essenciais, contínuos”. E prossegue o parágrafo único: “Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados...”.

            Sr. Presidente, ainda no art. 39, inciso V, o Código veda ao fornecedor de produtos ou serviços “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. No art. 51, inciso IV, determina: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada...” Mais adiante, reza o inciso XIII desse mesmo artigo: são nulas as cláusulas que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração.”

Não pretendo estender-me no Código - que é bom que se repita que é o mais moderno do mundo; mas fica claro, absolutamente claro, e não é um trocadilho, que o consumidor não pode arcar com as obrigações pós-contratuais. Afinal, ele não contratou nenhum tipo de multa ou limite de consumo no fornecimento da sua energia.

Não desejo ser injusto, exatamente por reconhecer a gravidade da situação; mas muito mais prudente seria adotar o estímulo à economia. Em vez de punição, por meio de eufemismos semânticos ilegais, seria melhor a bonificação, como defendeu o próprio Senhor Presidente da República. Afinal, penso estarmos discutindo a falta de água e a economia de energia, que não serão repostas com sanções ou com multas. Além de um contencioso jurídico prolongado, a punição não se converte em energia instantaneamente. Não estamos diante de uma nova alquimia pela qual punições se convertem em fonte energética.

Cara ou barata, com multa ou sem, o produto em falta é energia, e devemos envolver todo o País para mitigar os efeitos dessa crise e definitivamente evitar sua repetição num País que se pretende moderno e próspero.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, estou enviando à Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado Federal requerimento convidando todas as autoridades desta crise para discuti-la exaustivamente, de modo a detalhar a origem do problema, analisar as medidas em exame e esclarecer o País sobre o que está sendo feito no setor energético.

O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Com muita honra, concedo o aparte ao Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Senador Renan Calheiros, quero ressaltar a importância do discurso de V. Exª e, mais do que isso, a necessidade que temos de debater, nesta Casa e com toda a sociedade brasileira, o assunto que traz à baila, a fim de traçarmos o caminho que o País deverá tomar para enfrentar esse grave problema do racionamento de energia elétrica. A vinda a esta Casa dos Ministros e de representantes de organismos que tratam especificamente da questão da energia no País é de fundamental importância para que possamos discutir os melhores e mais rápidos caminhos a tomar, a fim de enfrentar a questão e minimizar seus efeitos perante a sociedade, perante os setores produtivos, perante os serviços sociais, enfim, perante todas as categorias da sociedade que, sem dúvida alguma, sofrerão por conta do racionamento. O Governo está pronto a discutir a questão. Como Líder do Governo, assevero que o Governo está transparente, debatendo o assunto e em busca de caminhos que possam minimizar as repercussões do racionamento. Certamente, a vinda do Sr. Ministro e das entidades será extremamente importante. Portanto, o requerimento de V. Exª é pertinente para o momento pelo qual passa o País, e estaremos aqui para debater e, junto com a sociedade, esclarecer os fatos, buscando os caminhos necessários para enfrentar o problema.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço o aparte e a boa vontade do Senador Romero Jucá, que tem muita razão. Não há como deixar de envolver o Senado Federal nesta discussão urgente urgentíssima e crucial para o País.

O Sr. Lauro Campos (Sem Partido - DF) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Sem Partido - DF) - Eu gostaria de me solidarizar com V. Exª em relação à parte do seu discurso que trata de um assunto de importância indiscutível. Concordo com V. Exª justamente quando diz ser absurda a tentativa de aumentar para os consumidores o preço da energia elétrica e de criar uma espécie de sobretaxa para aqueles que ultrapassarem certos níveis de consumo. Aliás, o Governo desistiu em boa hora da sugestão de criar uma espécie de fato gerador para a cobrança de novos impostos, como os tecnocratas gostam. Então, a falta de geração de energia elétrica transformou-se em um fato gerador: geram-se tributos ao invés de se gerar energia elétrica. Esse fato é realmente insólito, e o Governo, há muito tempo, vem descuidando do problema. Como a prioridade no Brasil hoje é outra, principalmente o pagamento do serviço das dívidas externa e interna, esquecemos até os ensinamentos do ex-Governador e ex-Vice-Presidente da República Aureliano Chaves, que há tanto tempo alertou para o problema. Obviamente não puderam ouvi-lo, porque havia outras prioridades: pagar os US$36 bilhões ao FMI e aos credores internacionais e arcar com os juros e os serviços de uma dívida interna que já chega a R$580 bilhões. Infelizmente, estamos no escuro. Parabenizo V. Exª por ter abordado o assunto dentro de um prisma mais humano e compreensivo que esse dos tecnocratas do Governo, que querem sempre descobrir novas oportunidades de tributação, de aumentar a arrecadação, de criar fatos geradores de tributos, ao invés de criar geração de energia elétrica. Muito obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, honrado, o aparte de V. Exª e o incorporo com muita satisfação ao meu pronunciamento.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Concedo o aparte ao Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Senador Renan Calheiros, quero aplaudir a iniciativa e a sugestão V. Exª de trazer este assunto para debate no Senado Federal, com a participação das autoridades envolvidas na discussão e na formulação de soluções para esta matéria. Além da importância óbvia do tema para o País, é necessário que o Senado Federal, por exemplo, ofereça o respaldo político de que necessitarão as autoridades e os técnicos, para evitar que sucumbam às pressões descabidas que têm sido feitas desde que o problema da escassez de energia elétrica começou a ser discutido. Ouvi pessoas ligadas às empresas distribuidoras reclamando que a elas devia destinar-se a multa cogitada no início do problema, antes que o Presidente da República, em boa hora, tomasse uma posição firme contra a idéia. Entendem as distribuidoras, por exemplo, que, com a escassez de energia, elas terão um prejuízo decorrente da diminuição do seu faturamento. Na realidade, num País que tem a geração de energia baseada em hidrelétrica, o fato de termos tido uma redução na quantidade de chuva nas regiões críticas geradoras de energia elétrica responde por grande parte da crise que estamos enfrentando. Se faltou chuva e vai faltar energia, faltou chuva para os agricultores, e não vi ninguém pensar em indenizá-los porque não choveu nos seus roçados. A redução de energia é apenas o resultado da falta de chuva no “roçado” das distribuidoras. As empresas que dependem de energia elétrica para sua operação terão prejuízo também. Será que todo o esforço será feito no sentido de recolher, dentro da sociedade, recursos para evitar que as distribuidoras tenham redução no seu faturamento? De fato, o consumidor tem um contrato virtual com a distribuidora. Se ela não tem energia para entregar, problema dela! Não se pode agora jogar os interesses dessas empresas sobre os ombros do Governo e exigir que este, por sua vez, transfira o ônus para a população para que as distribuidoras não tenham prejuízo. Os produtores brasileiros poderão ter prejuízo, mas esses cidadãos, porque vieram de países diferentes, onde se falam línguas distintas, pensam que chegam no nosso País e que temos de fazer todo e qualquer sacrifício para que não tenham prejuízo. Por outro lado, é oportuno imaginar que há algumas sugestões concretas que precisam ser apreciadas. Conhecemos bem a capacidade da indústria açucareira de transformar as montanhas de excedente de bagaço em geração adicional de energia elétrica que poderia ser vendida às distribuidoras. E há necessidade de compreendermos o que se passou com o retardamento da implantação das termoelétricas a gás; eu não posso acreditar que se deixou de tomar uma decisão que resolveria um problema como este pelo simples fato de que não se conseguiu chegar a um bom acordo com relação ao preço do gás. Saúdo V. Exª pela iniciativa que tomou, porque o Brasil tem muito a ganhar com a participação do Senado neste debate.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço o competente aparte de V. Exª, que, sem dúvida nenhuma, reforça a necessidade de envolvermos o Senado definitivamente na discussão deste problema.

Sr. Presidente, esta audiência pública reveste-se de um caráter de extrema urgência. Solicito, assim, todos os esforços da Mesa e da Comissão de Infra-Estrutura no sentido de que, se possível, esta audiência ocorra ainda nesta semana. O Senado não pode estar ausente, definitivamente, desta discussão. É imperioso que nos envolvamos na busca de soluções. Não é só o apagão que espanta, Sr. Presidente; espanta também, sem dúvida, a escuridão em que estamos, diante de tantas informações contraditórias e imprecisas.

Diz o requerimento:

Com base no art. 58, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, e nos arts. 90, incisos III e IV, e 397 do Regimento Interno do Senado Federal, requeiro a realização de audiência pública na Comissão de Infra-Estrutura do Senado Federal, para discutir e examinar soluções para a crise no fornecimento de energia elétrica.

Requeiro que sejam devidamente convidados para a supracitada audiência - que será apenas a primeira de uma série de audiências públicas que pretendemos realizar para, exaustivamente, esgotarmos a discussão - as seguintes autoridades:

Ministro de Estado de Minas e Energia, Dr. José Jorge Vasconcelos Lima;

Diretor-Geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Dr. José Mário Abdo;

Presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Dr. Mário Santos e;

Presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia, Ministro-Chefe da Casa Civil, Dr. Pedro Parente.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2001 - Página 9210