Pronunciamento de Moreira Mendes em 16/05/2001
Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
APLAUSOS AS INICIATIVAS DA "REDE DE SOLIDARIEDADE" POR TODO O BRASIL, LEVADA A CABO POR DIVERSAS ENTIDADES DA SOCIEDADE CIVIL.
- Autor
- Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
- Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIAL.:
- APLAUSOS AS INICIATIVAS DA "REDE DE SOLIDARIEDADE" POR TODO O BRASIL, LEVADA A CABO POR DIVERSAS ENTIDADES DA SOCIEDADE CIVIL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/05/2001 - Página 9589
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- ELOGIO, ATUAÇÃO, VOLUNTARIO, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO CARENTE, DOENTE, BENEFICIO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BRASIL.
O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, A passagem deste 15 de maio, Dia da Assistência Social, neste 2001 que a Organização das Nações Unidas definiu como o Ano Internacional do Voluntariado, é excelente oportunidade para se abordar um tema de extrema atualidade e de incontrastável relevância: a maneira pela qual, no Brasil e no mundo, as transformações sociais geraram não apenas problemas, mas a decisão de superá-los pela via da solidariedade. Em verdade, o que estamos assistindo é a substituição de velhas práticas assistencialistas - as quais, bem intencionadas, sempre esbarraram em obstáculos quase que intransponíveis - por ações sistemáticas, organizadas e bem planejadas de cidadãos em prol da coletividade, especialmente voltadas contra todas as formas de exclusão social.
Esse é o dado novo, em tudo e por tudo auspicioso. Voluntariamente, um número cada vez mais expressivo de pessoas vem assumindo seu papel de verdadeiro agente social. São pessoas que, na prática e com resultados concretos, estão construindo um novo conceito de cidadania. Nessa perspectiva, ser cidadão não implica tão-somente usufruir de direitos políticos convencionais, como o de votar e de ser votado; não significa, tampouco, apenas a possibilidade de ir e de vir sem ser molestado. Esse novo - e inovador - espírito de cidadania é tudo isso, sim, mas vai além, muito além: ele agrega ao tradicional conceito de cidadania a percepção, crescentemente disseminada, de que a experiência humana somente se realiza em plenitude se for vivida socialmente, isto é, coletivamente partilhada.
São pessoas que não se contentam em deplorar as mazelas presentes na sociedade, a exemplo da fome, da miséria, do desemprego e do analfabetismo, entre tantas outras igualmente aviltantes. A partir de sua indignação moral frente a esse quadro deplorável, arregaçam as mangas e agem. Ao agirem, em vez de simplesmente oferecerem o peixe, ensinam a pescar. Com isso, não apenas ajudam a salvar vidas em perigo, mas forjam o nascimento de autênticos cidadãos, quer pelo exemplo que dão, quer pelo resultado de seu trabalho, quer pelo nível de consciência que fazem brotar.
Em verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é de hoje que se conhece o trabalho voluntário. As Santas Casas de Misericórdia estão completando cinco séculos de atividade. A Cruz Vermelha, atuante em quase todo o mundo, é de meados do séc. XIX. Há três décadas, atuam vigorosamente instituições como o Greenpeace e a Anistia Internacional, sem falar do próprio Programa de Voluntários mantido pela ONU. No entanto, algo de novo e de diferente chama a atenção em nossos dias, quando se fala em voluntariado: a multiplicidade de grupos e a preocupação com a eficiência, à maneira de uma boa gestão empresarial.
Em recente entrevista concedida à Folha de S.Paulo, edição de 1º de abril do corrente ano, o pesquisador norte-americano Lester Salomon lembrou que a novidade do voluntariado atual reside “no surgimento de mecanismos organizados privados para reagir a problemas sociais, ambientais e de desenvolvimento”. Por sobre a preocupação de garantir eficiência ao trabalho em prol da comunidade está o que Henri Valot, coordenador da equipe das Nações Unidas para o Ano Internacional do Voluntariado, destacou: a “imagem caduca e caritativa do voluntário está sendo substituída por uma militância, realizada por convicções pessoais e éticas”.
No Brasil, são alentadores os números que mostram a adesão de voluntários aos múltiplos trabalhos efetuados pelo País afora. Tendo por fonte o estudo “Filantropia 400 - Guia da Filantropia de 2001 - As Maiores Entidades Beneficentes do Brasil”, de Kanitz & Associados, pode-se fazer ilustrativa comparação do setor, entre 1997 e 1999. Assim, teríamos: os cerca de cento e oitenta mil voluntários existentes em 1997 passaram, dois anos mais tarde, para algo em torno de duzentos e cinqüenta e oito mil; os nove milhões e cem mil beneficiados em 1997 saltaram para mais de doze milhões e duzentos mil, em 1999. O certo é que, em dois anos, o trabalho voluntário nas quatrocentas maiores entidades beneficentes brasileiras cresceu 42%!
Não precisamos nos ater apenas às grandes entidades beneficentes. São incontáveis - e belíssimos! - os exemplos de pessoas e de grupos que, muitas vezes não dispondo do mínimo para agir, não desistem. Numa favela da zona sul de São Paulo, o coveiro José Cruz Matos e o vigia Fernando José da Silva Filho tomaram a si a tarefa de oferecer teto e cuidado a dezoito pacientes soropositivos, até então largados à própria sorte.
E o que dizer, então, do Centro de Valorização da Vida, o conhecido CVV, programa de prevenção ao suicídio criado em 1962 e que, atualmente, se espalha por quarenta e quatro postos de atendimento em todo o Brasil? Só no ano passado, os cerca de dois mil voluntários do CVV atenderam a quase um milhão de ligações telefônicas - repito, quase um milhão de ligações telefônicas - oferecendo conforto, afeto e solidariedade a quem já havia perdido até mesmo o sentido da vida.
É assim, Sr. Presidente, que se vai construindo um Brasil novo e solidário. Nosso país, informa o jornal O Estado de S. Paulo, edição de 22 de janeiro deste ano, “já é o quinto do mundo em número de voluntários, com 22% dos adultos engajados em programas sociais”. Para efeito de comparação, o jornal lembra que “na França, esse percentual é de 23% e, nos Estados Unidos, há cerca de vinte e cinco milhões de pessoas que dedicam pelo menos cinco horas por semana a trabalhos voluntários”. Em decisão digna de aplauso, os meios de comunicação têm ampliado o espaço de informação e de análise em torno do trabalho voluntário, da mesma forma que a televisão começa a veicular programas nessa direção.
Tenho para mim que a trajetória da Pastoral da Criança - o fantástico trabalho iniciado pela Drª Zilda Arns, em 1983, que revolucionou o combate à mortalidade infantil em nosso País - diz bem do que a gente brasileira é capaz de fazer. Com a coragem e a simplicidade inerentes a quem gosta de fazer e não teme desafios, Drª Zilda confessa a maneira singela como foi concebido o trabalho: “Preparei um plano imaginando o trabalho voluntário, no qual vizinhas que quisessem trabalhar fossem treinadas nessas ações e ensinassem outras vizinhas. Metodologia inspirada na multiplicação dos pães e peixes do Evangelho de São João”. Vencendo a oposição, surgida dentro e fora da Igreja no início de suas atividades, Dra. Zilda Arns confessa onde foi buscar inspiração para avançar: “O próprio povo foi ensinando à Pastoral da Criança o caminho”.
Hoje, Sr. Presidente, ela atua em todo o País, particularmente nas áreas mais carentes, colocando em campo um verdadeiro exército de cento e quarenta e cinco mil - isto mesmo, cento e quarenta e cinco mil - voluntários. Desse total, cerca de cento e trinta mil moram em favelas. Ao cabo, são milhares de vidas de crianças preservadas. Não por acaso, em janeiro deste ano, o Governo brasileiro formalizou a indicação da Pastoral da Criança ao Prêmio Nobel da Paz, justo reconhecimento ao trabalho solidário de tantos em benefício de milhões de seres humanos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é muito bom poder dizer, em alto e bom som, que, no Brasil em que vivemos, dissemina-se rapidamente o que poderíamos definir como “cultura da solidariedade”. Como bem assinalou Padre Joacir Della Giustina, coordenador nacional da Pastoral do Menor, da CNBB, “ao mesmo tempo que a exclusão social se torna mais acentuada, as pessoas mostram maior consciência a respeito da solidariedade e da justiça”. Esse espírito se alastra: colégios freqüentados por alunos de classes sociais distintas - das mais humildes às mais elevadas - começam a multiplicar o número de seus alunos engajados em algum tipo de trabalho voluntário. Empresas movimentam-se na mesma direção. É o que também vem sendo feito pelo Comunidade Solidária, sob a lúcida direção da antropóloga Ruth Cardoso, tendo na erradicação do analfabetismo um dos seus principais alvos.
Entre muitas outras, uma lição vai ficando por demais evidente: a sociedade avança na medida em que se liberta da tutela opressiva do Estado. São homens e mulheres que, contando ou não com apoio oficial, sabem que não podem esperar mais e partem para a ação. Como escreveu o editorialista d’O Estado de S. Paulo, edição de 22 de janeiro de 2001, “a boa notícia não é apenas o excesso de voluntários, mas o fato de que um número crescente de brasileiros já sabe que o futuro do País e a melhora da situação social dependerão muito mais do crescimento maior desse auspicioso movimento [do voluntariado] do que das boas intenções dos próximos governos”.
Por tudo isso vim à tribuna, no dia de hoje. Sinto ser nosso dever registrar, aplaudir e estimular iniciativas como as que caracterizam o voluntariado. Os brasileiros estão compreendendo, a cada dia com redobrado vigor, determinadas verdades acerca do voluntariado, quais sejam: todos podem dele participar; é via de mão dupla, na qual quem doa, recebe; traduz uma rica e solidária relação humana; é escolha pessoal, ação duradoura e compromisso social, poderosa ferramenta de integração social.
Amplia-se, dia após dia, essa gigantesca rede de solidariedade por todo o Brasil. Isso nos dá a certeza de que o Brasil é infinitas vezes maior que os seus problemas.
Que nossa gente quer construir uma Nação mais próspera, justa e feliz. Que essa gente está disposta a estender seus braços ao próximo, na certeza de que assim fazendo estará praticando uma proposta - simples e não tão difícil - revitalizadora dos mais sagrados valores humanos.
Este é o Brasil ao qual não podemos faltar!
Muito obrigado.