Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-DEPUTADO FEDERAL E EX-VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, JOSE MARIA ALCKMIN.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-DEPUTADO FEDERAL E EX-VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, JOSE MARIA ALCKMIN.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2001 - Página 12981
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, JOSE MARIA ALKMIN, EX-DEPUTADO, EX VICE PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente Antonio Carlos Valadares, representante de Sergipe; Senador Romeu Tuma, ilustre representante de São Paulo, que enobrece a Mesa; Senador Mozarildo Cavalcanti, que representa a Região Norte; Srªs e Srs. Senadores; Srªs e Sr. Deputados.

Antes de iniciar o meu discurso de homenagem à figura exemplar de José Maria Alkmim, cumprimento o compadre José Alencar pela iniciativa de promover esta homenagem. Tão logo S. Exª requereu a realização desta sessão solene, associei-me à iniciativa, assim como o Senador Arlindo Porto, como sempre fazemos os Senadores mineiros, dando nosso apoio e nossa solidariedade.

Também envio o meu abraço cordial e amigo à família de José Maria Alkmim. Em primeiro lugar, ao Dr. José Maria Alkmim Filho, que se parece com o pai tanto no talento, na juventude, quanto na comunhão do sentimento de Minas Gerais pelo Brasil. Desde logo, o meu abraço à Luiza Alkmim - nora; ao Alberto Alkmim - neto - e à Adriana Alkmim - neta e esposa de Alberto.

Meu caro e estimadíssimo amigo, representante do Mundo do Manhuaçu, Mário Pacini; meu caro José Carlos Brandt Aleixo - padre, filho de Pedro Aleixo, que, não obstante os caminhos diferentes que percorreram, respeitavam-se, estimavam-se e foram amigos a vida inteira; Srªs e Srs. Senadores.

Na sociedade apressada de hoje e na velocidade e na multiplicidade da agenda do Senado - confesso - não houve como escrever algumas palavras que tocassem o coração da família Alkmim; palavras que atingissem as montanhas de Minas; palavras que envolvessem o sentimento da terra mineira; palavras que fossem buscá-lo lá na pequenina e bela e encantadora Bocaiúva; palavras que fossem vê-lo em Diamantina; palavras que fossem vê-lo em Porto Alegre, Rio Grande do Sul; palavras que fossem vê-lo na Penitenciária Agrícola de Neves; palavras que fossem abraçá-lo na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.

Ontem, estando eu na ponte aérea Belo Horizonte/Rio/Belo Horizonte pude correr os olhos no Livro do ex-Senador e ex-Deputado Murilo Badaró - todos ao meu lado falando em Guga, a quem também parabenizo - encontrava-me preocupado com esta solenidade de homenagem a quem efetivamente sempre admirei, embora dele discordasse no que diz respeito às posições políticas no exercício da vida pública deste País.

O Livro de Murilo Badaró é primoroso - e esse documento aumenta ainda mais a minha conciliação com Murilo Badaró, apesar de pertencermos a posições contrárias. Mas, pelo que dele eu pude ler, constatei que o livro é um testemunho minucioso, detalhado e altaneiro no que respeita à vida de um homem público da dimensão de José Maria Alkmim.

O que fiz em Belo Horizonte nessas últimas 48 horas? Primeiro, pensei que devia falar de improviso, para dar um testemunho daqueles acontecimentos, fatos e idéias de que participamos e, ao mesmo tempo, cingir-me mais à história oral do que à história escrita de José Maria de Alkmim, em toda essa vida republicana e, às vezes, não-republicana do Brasil.

Decidi focalizar apenas alguns aspectos da vida política e administrativa do homem público José Maria de Alkmim.

Não poderia deixar de ler um trecho do trabalho biográfico de Murilo Badaró. Gustavo Capanema - meu amigo - sempre me recebia na Câmara dos Deputados ou como Presidente Nacional do Partido que oferecia sustentação parlamentar e política ao Governo do Presidente Geisel. Quando o nosso nome surgiu para governar Minas, ele, abraçando-me, disse: “Olha, num século, apenas 25 mineiros ocuparam o Palácio da Liberdade. Você, mineiro que é, vai honrá-lo mais ainda”. Sei que honrei o Palácio da Liberdade! Sei que tenho o dom de Minas. Posso dizê-lo pelos 54 anos em que vivo na terra mineira, com ela me confundo e nela me exalto para revelar o maior prêmio da minha vida que é o de ser mineiro, literalmente.

Alkmim sempre desejou ser um dos 25 mineiros que, durante um século, ocupam aquela Casa de linhas sinuosas e aparentemente femininas do Palácio da Liberdade, onde penetram apenas os homens que enobrecem o destino e a honradez do povo de Minas Gerais.

Alkmim desejava que Juscelino o apoiasse ao Governo do Estado. Amigo de JK, empenhou-se no sentido de que o Presidente Juscelino o apoiasse.

            O melhor é ler logo o trecho do trabalho primoroso de Murilo Badaró:

A atração da política era insuperável. Alkmim começou a se preocupar com a montagem do esquema do Palácio da Liberdade para fazer Tancredo Neves Governador do Estado. Resolveu atender a um convite de Juscelino para jantar nas Laranjeiras. Estamos no final de 1959. Queria conversar francamente com o Presidente sobre o problema mineiro. Terminado o repasto governamental, afastaram-se para uma sala. [lá no Rio, em Laranjeiras] Alkmim cobrou dele o compromisso de apoiá-lo, mesmo sabendo estar colocando Juscelino em dificuldades para cumpri-lo. Conhecia bem o amigo, àquela altura já com os dados da sucessão de 65 perturbando o seu raciocínio. Deseja voltar à Presidência e todo o sinergismo de seu governo está voltado para esse projeto.

Em palavras francas e diretas, advertiu Juscelino: “Ninguém me leva para a candidatura de Tancredo. Quero dar ênfase a esta expressão ‘ninguém’ para que você saiba que nesse “ninguém” você está incluído”. “Não tenho como fugir da candidatura Tancredo”, disse-lhe JK, e “sei bem o quanto isso representa para você”, arrematou, apertando a mão de José Maria Alkmim.

Alkmim respondeu, profeticamente: “Não fique confiante na eleição de Tancredo. Não estou certo dela assim”. Despediram-se, deixando a sombra da desconfiança e da frustração toldando uma amizade de quase 40 anos.

A tudo assistimos de longe e, ao mesmo tempo, pela intuição, pelos olhos e pelo conhecimento que temos de Minas e dos mineiros, começamos a perceber que surgia uma outra candidatura, à qual nos incorporamos de corpo e alma. Visitamos Minas inteira. Abraçamos os mineiros de todas as condições sociais e levantamos a bandeira de José de Magalhães Pinto, que, com o símbolo de um pintinho, banqueiro, precisava revelar a Minas que havia sido apenas um contínuo de um banco, o antigo Banco da Lavoura, e que, não obstante ser banqueiro, queria e desejava chegar ao Palácio da Liberdade.

Realizou-se a campanha e, de certa forma, surpreendentemente, não tanto pela divisão das lideranças políticas mineiras, mas pelo sentimento do povo mineiro que, às vezes, se revela nos momentos de harmonia e nos momentos históricos, Magalhães Pinto se elegeu.

Fui seu auxiliar. Na área de administração no Palácio da Liberdade, sempre convivi com Alkmim, até que nos encontramos aqui, no Congresso Nacional, em 1962, ele, mais uma vez, Deputado Federal e este Senador, representante de Minas na Câmara dos Deputados.

Em outro momento, quando se divisava a candidatura de Sebastião Paes de Almeida ao Governo de Minas - o famoso Tião Medonho, rico e poderoso, mas amável e simpático -, houve uma rebelião de sentimentos contra a candidatura de Sebastião Paes de Almeida, e a esse sentimento me incorporei.

Não participei de nenhum entendimento de outra natureza que não fosse a natureza civil. E logo após o Tribunal Regional Eleitoral de Belo Horizonte ter registrado a candidatura de Sebastião Paes de Almeida, mediante recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, fui ao TSE, aqui, na Esplanada dos Ministérios, para assistir ao julgamento da impugnação daquela candidatura.

Imaginei, talvez com ingenuidade, que se aquela candidatura fosse jogada na correnteza, nunca mais haveria na face da terra corrupção nas eleições e que Minas se redimiria para voltar aos tempos gloriosos e históricos daqueles que honraram Minas e cujo espírito me trouxe do Piauí distante para residir, estudando no segundo grau, na cidade bucólica, simpática e amiga de Belo Horizonte.

Afastada a candidatura de Sebastião Paes de Almeida, o que fazer? As eleições se aproximavam. José Maria Alkmim, mais uma vez, desejava ser Governador de Minas. Todo homem público, meu caro José Maria Alkmim Filho, deseja governar o seu Estado. Eu também o desejava. Naturalmente, Gustavo Capanema, José Maria Alkmim e todos os grandes mineiros desejavam governar a terra mineira, subir aquela escadaria, aquele velho elevador do Palácio da Liberdade e honrar o nome de Minas.

No entanto, naquele momento, o nome de Israel Pinheiro penetrou todo o sentimento da terra mineira. Construtor de Brasília, ao lado de JK, uma figura quase mítica que combatíamos como de outra origem partidária, o nome Israel Pinheiro foi apresentado, e, em poucos dias, S. Exª se elegeu Governador de Minas Gerais. Promoveu, por razões diversas, a harmonia da política mineira e realizou um governo de inexcedível comportamento no plano da honradez e do sentimento do Estado.

Essas, Sr. Presidente, são algumas lembranças da vida de José Maria Alkmim, que guardo na memória.

Já se disse que “as biografias são os únicos livros que merecem ser escritos” - a frase é de André Malraux -, e, nesses últimos tempos, as biografias e as memórias sempre foram divulgadas com grande repercussão, no Brasil e no mundo inteiro. As biografias e as memórias promoveram e divulgaram o nome de muitos santos, mas, aos poucos, foram saindo das preocupações, até que, de alguns anos para cá ou mais recentemente ainda, voltou o surto da memorialística entre os brasileiros e, mais particularmente, entre os mineiros.

            Como é bom irmos à Livraria Ouvidor, na Rua Fernando Tourinho, perto da Rua Pernambuco ou a outras livrarias de Belo Horizonte e vermos, continuamente, os novos livros, inclusive de mineiros, que reescrevem a história do Brasil, recolocando, nos devidos lugares, a trajetória de todos aqueles que deram uma contribuição para a projeção de Minas e o desenvolvimento da Pátria brasileira.

O livro de Murilo Badaró prima pela fidelidade, mas estou certo, meu caro José Maria Alkmim Filho, que aquela perfeição resulta do conhecimento, da identidade e da confraternização. Ambos, de formação pessedista, que é uma escola de vida política da maior importância na vida do nosso Estado.

Murilo Badaró produziu um documento que honra esta Casa - porque também foi Senador - e, hoje, ainda mais, a Academia Mineira de Letras, cuja Presidência é ocupada pelo filho de Murilo Badaró.

Este surto da memorialística vai continuar, porque, infelizmente, todos nós temos uma cota de responsabilidade. Nós, ex-Governadores de Minas, não tivemos nenhuma preocupação em preservar a documentação. As imagens sobre o desempenho da vida pública eram poucas. Hoje, confesso ser um tormento escrever sobre um homem público de Minas. Tormento tive, há pouco, ao escrever sobre Milton Campos, que é uma figura mítica de Minas. Há pouco, também tive dificuldade de escrever sobre Castelinho, o nosso Castello Branco, que viveu em Belo Horizonte timidamente, mas com dignidade, enriquecendo o Estado de Minas. Nenhum documento, nenhuma imagem, praticamente a ausência. Nos últimos anos é que se iniciou a preocupação dos homens públicos em deixar suas lembranças, memórias e documentações, que estão sendo resguardadas.

Nesse ponto, saliento que o ex-Presidente da República José Sarney tem uma documentação escrita por ele mesmo, que poderá reverter-se em excelentes memórias sobre sua vida e o destino desta Nação. Disse ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, pessoalmente, a última vez, no avião e, também na rodovia Presidente Dutra, durante as inundações de Itajubá, que as obras de seu Governo, nesses oito anos, serão, inevitavelmente, as suas memórias. As de Sarney, talvez, um pouco, a literatura, porque S. Exª tem o gosto de garimpar as palavras. As de Fernando Henrique Cardoso, porque S. Exª escreve na linha da sociologia com extrema naturalidade.

As confissões, as memórias e as biografias constituem publicações primorosas do País. Daí porque quero saudar, desta tribuna, o meu colega, o meu amigo, o meu coestaduano Murilo Badaró.

Meus amigos, lembro-me bem da história oral que envolve a vida de José Maria Alkmim. José Maria Alkmim residia na Rua Alagoas; ao seu lado, as casas da família Longo e do Dr. Heraldo Campos Lima, pai de Eloi Heraldo Lima. As três casas, na Rua Alagoas, foram vendidas, e, naquele terreno amplo, foi construído o shopping Quinta Avenida. O lote de José Maria Alkmim - 60 metros de fundo e 10 metros de frente. Com o produto da venda desse lote e mais um empréstimo feito no Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários - IAPB, reuniu recursos e construiu a casa da Rua Pernambuco, esquina com a Avenida do Contorno.

Domingo, às nove horas da noite, só, parei o carro naquele aclive da Rua Pernambuco, desci na calçada. A mão não alcança a altura do muro pelo lado da Rua Pernambuco, mas, na Avenida do Contorno, nós a alcançamos, inclusive, aqueles pequenos ferrinhos que estão cravados no muro por questão de segurança. Uma lâmpada acesa na entrada e, lá no quarto, mais ao fundo da garagem, outra luz acesa. Nenhuma alma. Nenhuma palavra. Só o silêncio imenso e belo da figura de um homem que foi das mais altas figuras e foi aos píncaros na vida pública de Minas e do Brasil.

Meus amigos, do espaço humano das cidades, quando se escreve a história, é preciso conversar com seus poetas, seus cancioneiros, seus cronistas, jornalistas, para conhecer a alma da cidade e das pessoas. É por isso que conheço a alma e os sentimentos de José Maria Alkmim.

José Maria Alkmim é o nosso tema de hoje. Lembro que ele tinha orgulho da sua família, de quatro filhos: Luciano Fonseca Alkmim, residente em Belo Horizonte; Carlos Roberto Alkmim, que faleceu em 1979; Leonardo Fonseca Alkmim, que reside no Rio de Janeiro; e José Maria Alkmim Filho, que está aqui à nossa frente, residente em Belo Horizonte - às vezes, aos sábados e aos domingos, permanece no Morro do Chapéu, na área campestre de Belo Horizonte.

José Maria Alkmim, casado com Maria das Dores Fonseca Alkmim, por todos chamada de Dasdores, falecida aos 97 anos de idade, na casa da família, na Rua Pernambuco - nasceu Kubitschek, mas esse nobre nome se foi e ficou engrandecido com o de Alkmim.

A fortuna de Alkmim, quase nenhuma. Na verdade, o meu amigo Antônio Álvaro da Silva, meu irmão, mais do que irmão - ele está aqui presente ao lado de Milu, sua esposa, lá de Almenara - fez o arrolamento, não o inventário - inventário é para gente rica, arrolamento é para pobre. E do patrimônio de José Maria Alkmim constaram apenas: um apartamento, da Câmara, na 305 ou 105, aquele apartamento que compramos - o meu, tive que vender para pagar dívidas das campanhas eleitorais; uma casa na Rua Pernambuco, onde estive no domingo; um ou dois lotes na área campestre de Belo Horizonte. Em Bocaiúva, a casa pequenina, onde nasceu - uma janela, duas portas na frente e mais duas de lado. Mais nada.

Nasceu pobre. Morreu pobre. E digno.

Meus amigos, a família de José Maria Alkmim é privilegiada. O amor que ele tinha e o respeito que temos por todos, de forma especial por José Maria Alkmim Filho, que aqui está.

Formou-se na minha Faculdade de Direito de Belo Horizonte, na praça Afonso Arinos. Ganhou o prêmio Rio Branco. O pai, satisfeito pela vitória do filho, por ser excelente aluno, José - a quem estou olhando aqui. O pai, José Maria Alkmim, teve que vender um Aero Willys para pintar a casa da Rua Pernambuco, que pertence à família e já não sei se alguém está morando lá. A festa de formatura foi maravilhosa. A família, distinguida pela inteligência, o talento e a honradez.

José Maria Alkmim não foi Deputado Estadual. Foi Deputado Federal sete vezes. De 34 a 37, quando o Congresso foi fechado e começou a ditadura Vargas, que nós combatemos. De nossa parte, desde o Piauí distante, modestamente, até que chegamos em Belo Horizonte, em 44 - já cheguei atirando - enfrentamos a cavalaria, inclusive para evitar a posse de Noraldino Lima, nomeado também Interventor do Estado. O outro mandato, de 46 a 50. O terceiro, de 54 a 58. O outro, de 58 a 62, comigo ao lado. O outro, de 62 a 66, eu ao seu lado. De 1967 a 1970, eu ao seu lado. Foi Secretário das Finanças, Secretário do Interior e Justiça, Secretário da Educação, Diretor da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil e Ministro da Fazenda. Só não foi Governador de Minas. Infelizmente, pois reunia todas as condições para governar os mineiros.

Meus amigos, José Maria Alkmim empenhava-se para transformar a sociedade brasileira numa sociedade igualitária e justa, e não essa sociedade de distribuição de renda sinistra que aí está, na qual 50% vivem quase que na pobreza absoluta - e nos colocamos entre os países da África mais distantes, pequeninos, pobres e abandonados.

A primeira obra de José Maria Alkmim foi construir a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, que é modelo da vida assistencial no País. É um dos maiores hospitais do Brasil. Alkmim teve que lutar e "gastar muita saliva" - para usar a expressão de José Maria Alkmim Filho, que está aqui ao nosso lado. A Santa Casa de Misericórdia se transformou num centro de formação de médicos. E um detalhe nem sempre lembrado - está aí a necessidade das memórias: a Faculdade de Ciências Médicas, que funciona na Alameda Ezequiel Dias, 275, nasceu dentro da Santa Casa e mantém os cursos de Medicina, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Hoje, com 827 alunos, foi fundada em 1950. Mas onde funcionar? A idéia foi de Lucas Machado, e Alkmim cedeu o espaço para a faculdade até a sua transferência para a Alameda Ezequiel Dias, lá na Santa Casa. Olha, que mistério! Que visão fantástica! Que sentimento humano inexcedível! A Santa Casa se confunde com a história social, política e cultural de Belo Horizonte e está lá até hoje - bela, encantadora, venerada e respeitada pelos mineiros.

Celso Melo de Azevedo, meu amigo, meu irmão, ex-prefeito de Belo Horizonte, conduziu, de forma magnífica, a nossa Santa Casa. Com ele participei da assinatura de um convênio, tipo Proer, de empréstimo à Santa Casa de 82 milhões de reais, que está assegurando ao seu novo presidente, Deputado Saulo Levindo Coelho, a viabilidade daquela instituição, que é o maior monumento na vida pública de José Maria Alkmim.

E mais, José Maria Alkmim imaginou construir uma penitenciária. A idéia foi dele. A penitenciária de Neves, no município de Ribeirão das Neves, hoje uma cidade imensa, com uma linha de pobreza quase absoluta, na região metropolitana de Belo Horizonte. José Maria Alkmim residia na penitenciária, e os presidiários saíam com os seus filhos para percorrer os bairros, as vilas, hoje a cidade. Havia, pois, um sentimento de amor entre aquele que dirige e aquele que é dirigido. José Maria Alkmim cresceu e sua imagem multiplicou-se pelo Brasil inteiro como a de um homem preocupado com a reinserção dos detentos, dos presidiários, na sociedade brasileira.

Se José Maria Alkmim, pai, estivesse hoje vivo, mostraria a sua indignação com a miséria e a agressão que agora existem nos presídios do Brasil. Há um morticínio quase que diário nas penitenciárias, demonstrando que não se tem respeito àquele que praticou um crime ou um deslize, mas que pode muito bem retornar à sociedade e tornar-se um brasileiro útil.

Sr. Presidente, essas são as duas grandes lembranças de natureza social da figura e do desempenho de vida de José Maria Alkmim: devoção aos pobres, aos abandonados e aos oprimidos e, ao mesmo tempo, amor aos que praticam crimes, acreditando que são capazes de retornar ao seio da sociedade.

Na época, em 1944, estávamos chegando a Belo Horizonte, e Milton Campos comprava a manutenção de sua casa no Armazém Medeiros, na esquina da rua Rio de Janeiro com a rua Antônio Aleixo, nas proximidades da minha residência. O local é hoje a padaria Trigais, que lá está. Morávamos na rua Fernando Tourinho 27, quase esquina de Cristóvão Colombo. José Maria Alkmim residia com os filhos na rua Pernambuco, a um quarteirão e meio, mas as duas famílias compravam, no caderno, do Armazém Colombo, que pertencia a amigos portugueses. Alguns deles voltaram para Portugal, mas antes fizeram uma doação fantástica, admirável, para nunca mais ser esquecida, à Santa Casa de Misericórdia, graças ao amor e o respeito que tinham por José Maria Alkmim.

Meus amigos, essas são as imagens que fazemos de José Maria Alkmim. E mais, a nossa Bocaiúva e os seus distritos, formando efetivamente um ponto de partida na sua vida. Lá ele nasceu e viveu o drama da sociedade em face da doença de Chagas que avassalou a região, e ainda permanece um pouco, e que foi objeto da pesquisa de Carlos Chagas.

Perguntei, no domingo, a José Maria Alkmim Filho se ele tinha lido A Lista de Ailce, livro de Herbert de Souza, o nosso Betinho. Ele disse que não. O livro, uma atribulação em Bocaiúva. Embora pequenino, em linguagem de sociólogo, de homem de posições identificadas com a vida social do País, levou 61 anos para ser escrito, mas pode ser lido em uma hora. Assim fiz e anotei. Leitura: uma hora. Local: ponte aérea, trecho Brasília-Belo Horizonte. VASP. 18h45min/19h45min. Data: 27/12/1996. Esse livro, embora de linguagem coloquial, própria daqueles que se colocam em um plano de vida de vanguarda social, respeitado pelo Brasil inteiro, o nosso Betinho, é também uma referência da sociedade e do povo de Bocaiúva.

Concluo essas palavras, transmitindo à família de José Maria Alkmim o abraço de Minas inteira, que represento nesta Casa, de respeito ao seu pai, à sua família, lembrando a vizinhança que tivemos, na Savassi, transformando-a em um dos pontos mais atrativos de Belo Horizonte.

Sr. Presidente, perdoe-me o alongamento dessas palavras, mas quis me reportar à história oral, que fica, permanentemente, na memória.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2001 - Página 12981