Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICA AO RECESSO PARLAMENTAR, COMENTANDO A PROPOSTA DO CHAMADO "PACOTE ETICO". ANALISE DA CRISE ARGENTINA E SUAS CONEXÕES COM A ECONOMIA BRASILEIRA.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. DIVIDA EXTERNA.:
  • CRITICA AO RECESSO PARLAMENTAR, COMENTANDO A PROPOSTA DO CHAMADO "PACOTE ETICO". ANALISE DA CRISE ARGENTINA E SUAS CONEXÕES COM A ECONOMIA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2001 - Página 15601
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, BRASIL, FALTA, ETICA, DISCORDANCIA, POSSIBILIDADE, REVERSÃO, SITUAÇÃO, VOTAÇÃO, MATERIA.
  • ANALISE, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CRITICA, ATUAÇÃO, DOMINGOS CAVALLO, MINISTRO DE ESTADO, ECONOMIA, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, URGENCIA, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA PUBLICA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, REAJUSTE, SALARIO, SERVIDOR, ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois de um longo e prolongado recesso - para mim altamente surpreendente, porque, estando aqui há seis anos e meio, não conhecia a prática desse dispositivo, já que, na nossa profissão, não tínhamos direito a férias -, o recesso parece surgir como solução para algumas pessoas que nele se refugiam.

Isso me faz pensar que precisamos mesmo de um pacote ético. Mas, para mim, a expressão é antiética, pois temos pacote de batata, pacote de coisa furtada, pacote de sem-vergonhice, não de ética. A ética é algo que se cultiva com muitos calos, muitas penas e muitas frustrações. Desse modo, pacote ético não pode ser ético. A ética não pode ser transportada e distribuída em pacotes. Há um engano nisso.

Contudo, como neste País não há solução para nada, mudam-se as palavras, os nomes. Houve um rombo na Sudam? Espere aí, vamos mudar o seu nome! Houve um outro na Sudene, antiga Sudeco? Já mudou de Sudeco para Sudene, e estamos agora com um neonome, neste neogoverno neonada. As soluções passaram a ser no sentido de mudar nomes, siglas.

Quero dar os parabéns a este bravo exército do Governo, do qual sempre tive um pouco de escrúpulo, inclusive ético, de me aproximar.

Meu avô teve dois sobrinhos que foram governadores de Minas Gerais. Sou primo do Francisco Campos, o Chico Ciência, que foi Ministro, foi tudo neste País; mas nunca subi os degraus do Palácio da Liberdade na minha vida. Não gosto de governo. O meu bisavô, Presidente do Conselho de Ministros de D. Pedro II, o Conselheiro Martinho Campos, ex-Ministro da Fazenda e ex-Presidente da Província do Rio de Janeiro, quando exercia o cargo de Presidente do Conselho de Ministros, tinha tamanho hábito de criticar o governo que, quando notou, estava criticando a si mesmo, ao governo do qual era o chefe, Presidente do Conselho.

Prefiro esta tribuna baixa e sofrida, perto das ruas e das estradas, a tribuna da oposição. Estou muito bem aqui na oposição. Não quero jamais chegar lá.

O assunto que nos abala a todos é a chamada crise da Argentina, como se ela não fora a pátria irmã do Brasil. A diferença é muito pequena. O senhor “Cavallo de Átila”, como há dez anos eu digo e repito, destruiu, esterilizou, desempregou, desestatizou, desmanchou a Argentina, que costumava ser considerada uma parte da Itália, a aplomb dos franceses na América Latina. Hoje, nem isso, os argentinos estão humilhados e desempregados. Esse governo neoliberal, que nunca pensou nos aposentados, a não ser para castigá-los, agora, volta exigindo dos aposentados, esmulambados, desrespeitados, mais um “sacrificiozinho”.

O Brasil, que é tão grande diante da Argentina, quer, e vai conseguir, US$15 bilhões. A Argentina, pobre coitada, está vendo se consegue US$1 bilhão do FMI. A que ponto chegaram os nossos orgulhosos irmãos argentinos! Mas caminhamos no mesmo sentido, com toda a irresponsabilidade neoliberal de um neófito que faz um governo neonada.

Estamos constatando que o Ministro Pedro Malan tem toda a razão. Eu o conheci quando ele era uma pessoa saudável, no tempo em que seus olhos brilhavam, no tempo do destemor. Eu o conheci, e ele já foi assim um dia, coisa rara no mundo dos economistas, porque todos eles escrevem muito mal, pensam muito limitadamente. O velho Robert Malthus chamava a Economia de ciência lúgubre, cujo objeto é o capitalismo. Um objeto suspeito, desumano, que está sempre caminhando para crises e arrancadas de prosperidade suspeita. Robert Malthus já sabia disso e ficou a vida inteira discutindo com o David Ricardo a respeito de suas teorias, de suas idéias, equilibristas ou não. O Malthus era não-equilibrista, e o David Ricardo era equilibrista e monetarista em certo sentido.

Quero dar os parabéns ao Ministro Pedro Malan por ter dito, no tempo em que era realmente uma pessoa saudável, que, de início, o cachorro abana o rabo. O cachorro somos nós brasileiros, argentinos, colombianos etc. Quando chega um empréstimo externo, o cachorro abana o rabo! O rabo é a dívida externa, que é abanada alegremente pelo cachorrinho. Desde 1825, o Brasil vale-se da salvadora dívida externa. Está sendo salvo pela dívida externa desde 1825. E o Pedro Malan disse que, no princípio, o cachorro abana o rabo. Quando chega o empréstimo externo, é aquela alegria! Agora, sim, vamos fazer estradas, vamos fazer aeroportos, até mesmo, quem sabe, se sobrar algum, investir na saúde, inaugurar hospitais, fazer pedras fundamentais, uma indústria de pedras fundamentais para sair inaugurando obras.

Verificamos em uma Comissão do Senado Federal que contamos com 2.200 obras inacabadas. Perguntaram-me se eu gostaria de ir. Eu disse que não, que vejo isso há vinte anos. São obras keynesianas. John Maynard Keynes, o mestre de todos eles, disse que as obras do governo devem ser não apenas parcialmente wasteful, dissipadoras, mas whole wasteful, completamente dissipadoras. O modelo é o TRT de São Paulo. As 2.200 obras inconclusas são a impressão digital deste Governo que aí está e de outros que o antecederam. E, talvez, de outros que o seguirão.

Mas o Malan - como S. Exª me chama de Lauro, vou chamá-lo de Malan - disse há pouco tempo, naquela cadeira, que não foi ele quem pronunciou a frase. Fiquei satisfeito com a frase. Agora, finalmente, algum economista, além de Delfim Netto, usa o sarcasmo: no início é o cachorro que abana o rabo; depois, o rabo cresce tanto que passa a abanar o cachorro. Estamos - juntamente com a Argentina, o México e a América Latina - na segunda fase. É o rabo, é o apêndice que ficou tão grande, é o fetiche que cresceu tanto que agora nos comanda.

Quem será o próximo presidente do Banco Central? Será o próximo presidente da dívida externa e da dívida pública. Quem será o próximo Ministro da Fazenda? Será o Ministro que aprendeu ou pensou que aprendeu a abanar esse rabo que nos comanda, que nos suga, que nos escraviza, fetichistamente. Então, é natural que andemos na mesma andadura do Sr. Domingos Cavallo.

Parece que o Cavallo é mais esperto. Embora não tenha tido a escola do Sr. George Soros, ele é muito esperto. Ele vendeu, por US$500 mil, um plano para Bucaram, El Loco, Presidente do Equador. Bucaram, El Loco, Presidente do Equador, queria pagar US$500 mil por esse plano, que o Don Cavallo xerocou do FMI. O homem recebe um plano xerocado do FMI e o vende para o presidente de uma republiqueta latino-americana, completamente perdido, só pode, por US$500 mil. Então, esse Sr. Cavallo está lá muito confortável, cavalgando ainda, dando pinotes na Argentina.

Pois bem, a Argentina chegou a tal ponto de destruição, de neoliberalização, de desemprego, de desestruturação de tudo: da máquina, do Estado, da saúde, da educação, dos aposentados... Tudo desmanchado, desmoralizado! A Argentina inteira caiu do “cavallo”. E, agora, chamam de volta esse senhor que desconstruiu tudo, para ver se ele consegue reconstruir. Ele que desconstruiu deve saber como reconstruir. (Risos.) Ai, meu Deus do céu! Onde estamos? Então, quer dizer que é natural até que, diante dessas aberrações, um ex-colega - porque saí do PT -, um que ficou no PT, mas que nunca foi petista, diga que o Malan e o Gustavo Franco - diz esse gênio, essa expressão da intelectualidade petista - deverão continuar uns três ou quatro meses, caso o PT vença as eleições. E esse senhor afirma que tudo o que diz aprendeu com Lauro Campos. Pedi a ele, umas quinze vezes, que, por favor, não dissesse aquilo, porque não era verdade e me envergonhava.

Assim, estamos aí, todos perdidos, completamente perdidos. Mas, algumas vezes, ainda temos uma esperançazinha.

O Ministro-Presidente do Supremo Tribunal realmente é uma pessoa que merece encômios, elogios, principalmente quando S. Exa vem lembrar da dívida aos déspotas, aos autoritários que se implantaram neste País, em nome da democracia, a esse despotismo mal disfarçado presidido por sua majestade o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele, o Presidente do Supremo Tribunal, afirmou algo que não precisava ter afirmado se tivéssemos pessoas saudáveis, respeitosas, dignas dos cargos que ocupam: o Ministro Marco Aurélio teve que lembrar à sua majestade, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que Sua Excelência tem que pagar, deve pagar as suas dívidas, que o Executivo deve pagar as dívidas do Governo.

Para fora, não podemos dar o calote, temos que pagar a dívida externa aos agiotas internacionais em dia ou nas vésperas; mas, aqui dentro, o que diz este Governo com sua majestade o Presidente Fernando Henrique Cardoso à frente? Sete anos sem pagamento aos funcionários. É uma dívida incrível, acumulada, desrespeitada, não paga, apesar do mandamento constitucional e das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Seria preciso, num país onde houvesse democracia, que o Presidente do Supremo Tribunal Federal lembrasse ao Presidente da República que este tem de pagar as dívidas já vencidas há tanto tempo? Dívidas que empobreceram os funcionários, que deveriam ter sido pagas àqueles que não foram vítimas da demissão voluntária - demissão voluntária com o fuzil nas costas?

De modo que, de descalabro em absurdo, vamos tentando seguir o caminho “Avança, Brasil” em direção a Buenos Aires, não para uma guerra, mas para um abraço fraterno. Há até uma música que fala dessa patria ermana, pátria irmã. Este é o nosso caminho: o caminho daqueles que se desencaminharam e se perderam há muito tempo!

Quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso pensava - e ele já pensou -, escreveu que, “para a produção de uma maior massa de mais-valia” - que hoje ele poderia dizer: de um superávit primário maior -, “é preciso que o Governo seja despótico, autoritário, aumente a exploração dos trabalhadores, reduza salários. A única parte da população que realmente poupa é a que consome pouco ou a que não consome. São os pobres e os trabalhadores que fazem a poupança em que os ricos investem. Demorei muito tempo para entender algo tão simples. Quando o Governo começa a dever e tem que aumentar a poupança para pagar empreiteiros, banqueiros, para pagar o Proer, o FMI e os agiotas internacionais precisa ser despótico, autoritário, utilizar mais força para que o paciente Brasil, sedado, permita a sangria adicional. O Senhor Presidente, Fernando Henrique Cardoso, sabia de tudo. Também é preciso força, disse Sua Excelência, quando o resultado da exploração, da mais-valia extraída dos trabalhadores, muda de destino. Há tempos, os comerciantes levavam grande parte do nosso sacrifício. Depois passaram a ser os industriais e banqueiros. Em outra fase, na primeira década perdida, parecia que eram os banqueiros. Agora são os credores internacionais. Na hora em que eles rugem, nós brasileiros temos que escutar aquela velha conversa ética: se devemos, temos que pagar; todos que devem têm que pagar.

Acontece que para pagar a dívida social, para pagar os funcionários que estão com salários atrasados, para pagar aquilo que foi extraído dos trabalhadores brasileiros e deveria ter sido reposto pelo menos em parte por um salário mínimo mais digno - como umas oito ou dez vezes falei aqui e mostrei e comparei com outros países -, na hora de fazer isso, eles se esquecem de sua etiqueta, de sua falsa ética, se esquecem de que pregaram que é honesto pagar pontualmente as suas dívidas, e a dívida interna, a dívida com o social, a dívida conosco, funcionários, etc., eles não pagam, protelam sempre, e é preciso que o Ministro do Supremo Tribunal venha lembrar-lhes que pacta sunt servanda, os pactos devem ser obedecidos, e o principal pacto de um presidente da República deveria ser com a sua coletividade, com as partes menos protegidas dessa coletividade sobre a qual ele impera.

Agradeço à Presidência a permissão de ultrapassar em uns quatro minutos o meu tempo e espero poder retornar amanhã porque a tarefa e o lixo acumulado são enormes, e não consigo varrê-lo com a eficiência que o País merece e que o Governo desejaria.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2001 - Página 15601