Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE CAMPANHA A SER LANÇADA PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE - OMS, CONTRA O CONSUMO DE ALCOOL PELOS JOVENS.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE CAMPANHA A SER LANÇADA PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE - OMS, CONTRA O CONSUMO DE ALCOOL PELOS JOVENS.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2001 - Página 17167
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • ANUNCIO, CAMPANHA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), COMBATE, ABUSO, ALCOOL, JUVENTUDE, EXCESSO, INCENTIVO, PROPAGANDA.
  • REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, BRASIL, MUNDO, MORTE, PREJUIZO, SAUDE, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, GASTOS PUBLICOS, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, VENDA, MENOR, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, FAMILIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SETOR PUBLICO, OBJETIVO, PREVENÇÃO, VICIO.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Organização Mundial da Saúde - OMS, depois de lançar ao mundo um alerta sobre os malefícios do consumo de cigarro, prepara agora uma campanha contra o consumo de álcool, principalmente pelos jovens. Fundamentada em estudo que patrocinou, nos últimos quinze anos, os jovens se tornaram um alvo privilegiado da propaganda das indústrias de bebidas alcoólicas. O estudo chama a atenção, inclusive, para a possibilidade de manipulação. “Ao misturar álcool - afirma - a suco de frutas e a bebidas energéticas, centrar a publicidade em modos de vida jovem, na sexualidade, no esporte e no lazer, os grandes produtores de bebidas alcoólicas tentam estimular o consumo desde uma idade muito precoce”.

A iniciativa da OMS liga-se à realidade dos graves problemas ocasionados pelo álcool nos jovens: no mundo todo, cinco por cento das mortes de jovens entre 15 e 29 anos ocorrem por causa de ingestão de bebidas e mais de 140 milhões de pessoas são alcoólatras. Na Europa, uma de cada quatro mortes de pessoas de 15 a 29 anos de idade está ligada ao álcool. É certo que o consumo de álcool está relacionado a todos os tipos de morte violenta em qualquer parte do mundo.

            No Brasil, o álcool é responsável por 20% das internações nos hospitais gerais. Nos hospitais psiquiátricos, o percentual chega a 35%. Nos Estados Unidos, o álcool é a primeira causa de morte de jovens de quinze a vinte anos de idade. Na Europa, em 1999, de acordo com o estudo, 55 mil jovens morreram por causa do álcool. Isso significa que 25% das mortes de jovens entre 15 e 29 anos estão relacionados à bebida. Nos países do leste europeu, mais pobres, o percentual chega a 30%.

No Brasil, segundo levantamento efetuado pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, 15 % da população é alcoólatra. Em outros países, os percentuais giram em torno de 12 a 13 %. Em 1999, o Brasil o Sistema Único de Saúde - SUS gastou 57,1 milhões de reais em internações decorrentes de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso abusivo de álcool. O País gasta 7,3% do Produto Interno Bruto para tratar de problemas relacionados ao álcool, enquanto a indústria movimenta 3,5% do PIB. Gasta o dobro do custo da produção de bebidas para tratar problemas provocados pelas mesmas.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, todos sabemos que a bebida não provoca danos quando consumida de forma moderada. Todos sabemos também, no entanto, quanto tênue e frágil é o limite entre a moderação e o excesso. Numerosos fatores colaboram para que seja mais freqüente o excesso do que a parcimônia. Deficiências biológicas, fragilidade emocional ou emoções não trabalhadas, distúrbios psicológicos, ou até tendências hereditárias, tudo se junta para a ultrapassagem da moderação. Quando se trata de jovens, então, a questão assume proporções graves, pelas conseqüências do álcool no cérebro de constituições físicas ainda em formação.

De acordo com informações disponíveis em instituições que se interessam pelo assunto, “a idade em que o adolescente começa a tomar álcool está cada vez menor”. O adolescente está bebendo dentro e fora de casa. Geralmente, começa dentro de casa, sem dificuldade nenhuma, ou até incentivado pelos pais, parentes e amigos nos dias de festa. Estudo feito pela Universidade de Brasília detectou que entre os estudantes que declararam já ter consumido bebidas alcoólicas, 99,3% nunca tiveram dificuldade para conseguir o produto, dentro ou fora de casa. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente, é crime vender ou oferecer a pessoas dessa faixa etária qualquer produto que possa causar dependência física ou psíquica. No entanto, não há fiscalização, nem da família, nem dos órgãos responsáveis pela aplicação da lei. No Brasil, álcool, cerveja, cachaça, uísque, com todas as misturas que a fantasia popular criou, encontram-se em todo lugar. O álcool é uma substância entorpecente como qualquer outra.

A Organização Mundial da Saúde considera o alcoolismo uma doença desde 1967. No entanto, muita gente ainda desconhece essa verdade e considera a dificuldade de deixar de beber apenas falta de vontade. Hoje, graças à tomografia e à ressonância magnética, sabe-se que o excesso de bebida alcoólica “reelabora” as conexões do cérebro, eliminando a produção natural de dopamina - neurotransmissor responsável pela sensação do prazer - e destruindo a capacidade de a pessoa sentir prazer e agir conscientemente, sem beber. Ao entrar na corrente sangüínea, o álcool flui para a região do cérebro conhecida como núcleo accumbens - área ligada às emoções, especialmente à satisfação - provocando aumento da concentração de dopamina. O consumo abundante e repetido de bebida sedimenta a associação entre álcool e prazer, registrando esse processo no córtex frontal - área ligada ao aprendizado, à memória e à capacidade de controlar impulsos. Registrada na memória a associação álcool - prazer, está aberto o caminho para o beber descontrolado, para o beber social tornar-se compulsão e doença. O cérebro reprogramado pelo álcool passa a demandar quantidades sempre maiores desse produto.

Esse processo, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, é tanto mais rápido e prejudicial quando mais jovem for a pessoa que se inicia na bebida. Especialistas em neurocirurgia afirmam que “a precocidade no consumo de álcool é o maior fator de risco de dano cerebral, à frente do tempo do vício e da quantidade de álcool ingerido por dia”. “A bebida está chegando cada vez mais cedo na vida do jovem. Isso é preocupante. Quanto mais cedo se inicia no álcool, maior é a possibilidade de ficar dependente” , assegura a psicóloga Maria de Fátima Olivier Sudbrack, coordenadora do Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas da Universidade de Brasília. 

Estudo realizado pelo Centro Médico da Universidade de Pittsburgh constatou que os jovens que bebem possuem hipocampos 10 % menores do que os hipocampos dos jovens que não bebem. O hipocampo localiza-se no núcleo accumbens e é responsável pelo armazenamento das informações, portanto, relaciona-se com a memória,

No Brasil, 80% dos jovens entre 10 e 19 anos já beberam álcool. Rapazes e moças bebem hoje. Aliás, as moças estão bebendo mais. De um total de 5.504 estudantes de escolas públicas e particulares do Distrito Federal ouvidos na pesquisa da Universidade de Brasília, 78,1 % disseram já ter consumido bebida alcoólica. Desse percentual, 37,76 % experimentaram álcool pela primeira vez em casa. A mesma pesquisa detectou que, entre as adolescentes das escolas públicas do Distrito Federal, 45,3% já haviam bebido alguma vez, contra 30,1% dos meninos. Segundo especialistas, esse é um fato preocupante, até porque a dependência no homem pode levar vinte anos para se instalar, na mulher pode chegar com apenas oito anos.

Sabe-se que as pessoas idosas dadas ao álcool bebem predominantemente por solidão e ociosidade. E por que os jovens bebem? Busca do prazer é o principal motivo. Os dependentes, porém, têm uma segunda razão, muito forte: 42 % bebem para enfrentar situações desagradáveis, o que demonstra despreparo para administrar emoções negativas. A bebida, em hipótese alguma, pode ter o papel de facilitar o trato de situações difíceis.

Na opinião de Eliana Mello Helsinger, presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, os jovens de hoje não suportam mais conviver com os questionamentos inerentes à idade. “Antigamente - atesta - a juventude cultivava suas dúvidas existenciais e usava a droga como símbolo de rebeldia. Hoje, ela não tem ideologia, o álcool não está a serviço de nada. Isso é grave porque só resta na sua atitude a autodestruição”.

Segundo a educadora Helena Maria Becker Albertani, da equipe de álcool e drogas do hospital Albert Einstein, uma educação permissiva é fator de risco para o consumo excessivo de álcool. “É errado - afirma - satisfazer todas as vontades do filho desde pequeno”.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, para ampliar o mercado consumidor, as campanhas publicitárias de bebidas alcoólicas escolheram como alvo principal os países em desenvolvimento e, nestes, os adolescentes e as mulheres.

Não resta dúvida, os principais responsáveis pelo monitoramento, pelo controle, pela orientação contra o consumo de álcool são a família e a escola. A prevenção é o melhor expediente, porém, não bastam algumas poucas palestras, algumas poucas conversas. O ensinamento deve ser diário, científico e fundado em condutas exemplares. Responsabilidade, no entanto, cabe também ao poder público. Países ricos que já proibiram campanhas publicitárias registraram uma queda de 16 % no consumo e tiveram 23% menos de acidentes de trânsito. Concordam os educadores que a propaganda de bebidas alcoólicas é realmente sedutora para os adolescentes. Limitá-la, portanto, ou simplesmente proibi-la, constitui-se sábia medida preventiva. Não tem sentido incentivar um comportamento de risco pelo qual o País já vem pagando altíssimo preço!

Há, hoje, uma imperiosa necessidade de encarar com seriedade os avassaladores efeitos do alcoolismo e o sofrimento do doente. Na vida de um alcoólatra, fica sempre um rastro de destruição: perda de oportunidades, palavra empenhada e não cumprida, perda do emprego, sofrimento atroz imposto à família, arrasamento da auto-estima, demolição da saúde, falta de confiança em si mesmo, envolvimento em desavenças e desastres, consciência de ser impotente perante o desejo compulsivo, desperdício financeiro, desesperança e certeza de ruína.

A preservação da saúde e da inteligência do cidadão brasileiro de amanhã é tarefa da família, da sociedade e do governo. A juventude de hoje não é uma massa amorfa que escolhe a noite para entregar-se à bebida, para dar vazão ao arbítrio e à insensatez. A juventude de hoje está demandando claramente a superação da vida coisificada pelo consumo, a superação do relacionamento descartável, da afetividade machucada pela frieza e pelo descompromisso. A juventude quer âncoras de valores, de normalidade afetiva, de fundamentos éticos e morais, quer a libertação de estereótipos vazios e de chamamentos sem consistência. Nesse horizonte, é dever inadiável livrá-la da doença do álcool, tarefa primordial para a saúde da Nação de amanhã.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2001 - Página 17167