Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de políticas públicas voltadas aos anseios do País.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Necessidade de políticas públicas voltadas aos anseios do País.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2001 - Página 19038
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CORRELAÇÃO, PLANEJAMENTO, CRISE, DESENVOLVIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, BRASIL, REDUÇÃO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG), CORTE, ORÇAMENTO, NEGOCIAÇÃO, RECURSOS.
  • ANALISE, PERDA, PLANEJAMENTO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL, DEFESA, RETOMADA, FUNÇÃO, ESTADO, SUPRIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, PRIORIDADE, ATUAÇÃO, MUNICIPIOS, INTEGRAÇÃO, COMUNIDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a tese mais comum é a de que crise e planejamento mantêm alta correlação. Quanto maior a falta de recursos ou, visto de outro ângulo, quanto maior a relação entre necessidade e recurso, maior também a exigência de planejar, de melhor utilizar a escassez.

            É por isso que a atividade de planejamento, por muito tempo, foi atribuída, como que por definição, aos economistas. Não é à toa que eles criaram uma linguagem quase que exclusiva, com terminologias como “custo de oportunidade”, “trade-off”, “custo-benefício”, entre outras, que se convencionou chamar de “economês”.

            É evidente que, o mais importante no “economês” não são os termos, mas os conceitos. E, talvez, a mais o mais importante deles, nos últimos tempos, tenha sido o de desenvolvimento. O modelo “economicista” de desenvolvimento é centrado no crescimento da produção, da riqueza e na exploração dos recursos naturais. Desenvolvimento e crescimento, portanto, passaram a ser sinônimos. Veio daí, por exemplo, a idéia do “crescer o bolo”, entre outras que marcaram a época dos “milagres” e dos “pós milagres”.

            A era dos economistas, contraditoriamente, foi marcada pelos períodos de maior crise da economia brasileira, alguns, inclusive, considerados como “anos perdidos”, e pelo desmonte do planejamento. As crises foram tratadas com miopia e, quando se esperava uma maior criatividade, inerente à atividade de planejar, a escassez foi tratada com visões de curtíssimo alcance. Foi aí que se escreveu, portanto, a sentença de morte do planejamento, no País.

            As instituições diretamente ligadas ao planejamento foram quase que completamente esvaziadas, o pensamento de longo prazo foi taxado, pejorativamente, de exercício de futurologia e as grandes questões nacionais passaram a receber tratamentos segmentados, numa verdadeira luta por sobrevivências institucionais, instituições estas que, ao invés de se complementarem e se integrarem, como no melhor conceito de planejamento, passaram a se degladiar por espaços e recursos.

            Mas, não foram somente as grandes questões nacionais que passaram por esse verdadeiro processo de “esquartejamento”. As pessoas também receberam tratamentos institucionais segmentados, desintegrados e, muitas vezes, superpostos. Elas se tornaram, por exemplo, carentes de educação para o Ministério da Educação, de saúde para o Ministério da Saúde, de emprego para o Ministério do Trabalho, e assim por diante. Ao Ministério do Planejamento, a juzante e não a montante, como seria de se esperar, restou o orçamento, mais como atividade de corte de recursos do que de alocação. Não se considera mais, também como exemplo, a fome de milhões, mas como cada instituição pode ocupar melhor o seu espaço político e, com isso, maiores fatias de recursos, para tratar da questão dos famintos. Igualmente, não se considera a correlação entre educação, saúde e emprego na vida da pessoa. Ela se tornou um objeto, e não um sujeito. Assim, ela deixou de ser um verdadeiro cidadão.

            O planejamento abandonou o objetivo de melhor alocar os recursos do País, para atender a todos os cidadãos. A atividade de planejar passou a ser, meramente, a de captar recursos. Veio, daí, o conceito de “planejamento para negociação”. O importante deixou de ser o conhecimento integral da realidade dos cidadãos, mas a melhor estratégia de se buscar recursos para o financiamento, mesmo que não fossem para as atividades mais prioritárias.

            A decisão de alocar recursos deixou de ser baseada no diagnóstico para se adaptar ao interesse do financiador. Para efeito de ilustração, uma linguagem médica. O planejador seria algo assim como o “clínico geral” que, sabidamente, perdeu espaço para os “especialistas”. O especialista, para sobreviver, obviamente, terá que receber pacientes necessitados de sua especialidade médica. O clínico geral vai depender de pacientes que, não necessariamente, tenham especificados os seus males. O que os une, clínico geral e especialista, na analogia com o planejamento, é que, ambos, estarão reféns do remédio existente na farmácia e do quanto o paciente poderá pagar por ele. De nada adiantará o diagnóstico, muito menos a receita, se não houver o tal remédio e, mesmo que tivesse, o paciente não pudesse comprá-lo.

            É o que aconteceu com o Brasil, nos últimos anos. O problema é que, ainda analogamente, o País tem bons médicos, excelentes matérias primas e recursos para produzir os seus próprios remédios. Mas, decidiu importar receitas e drogas. O Brasil perdeu a capacidade de planejar com seus próprios recursos, segundo as suas próprias necessidades e potencialidades. É um paciente endividado que deixou de acreditar em receitas caseiras e que já não consegue mais livrar-se do vício de drogas importadas.

            Portanto, o desmonte do planejamento no Brasil não é um fato isolado. Ele se insere num contexto maior de dominação e de imposição de interesses exógenos destruidores de autodeteminação. O País é, hoje, refém dos credores. São eles que determinam as receitas, renomeadas como Acordos, com as respectivas dosagens e os modos de usar. Mesmo nos orçamentos, feitos sem o devido planejamento, o pagamento dos encargos da dívida é remédio de utilização contínua e em doses crescentes.

            Se o planejamento foi desmontado no nível federal, como fruto da falta de recursos financeiros e, principalmente, da perda do poder de decisão, imagine-se o que ocorre com os estados e municípios. Os Administradores, nestes níveis, são, cada vez mais, negociadores de recursos. O Prefeito ou o Governador vivem mais próximos da realidade. Têm condições, portanto, de elaborar os melhores diagnósticos. Mas, dispõem, cada vez menos, de seus próprios remédios inibidores de problemas ou ativadores de potenciais. A capacidade de negociar tornou-se uma aptidão mais que necessária para o administrador, nestes dois níveis. O seu tempo se divide entre o local e o centro de decisão. Entre o seu gabinete e o do respectivo ministro, de acordo com o seu projeto específico.

            Houve, portanto, uma reprodução, no nível mais local, do que ocorreu com o planejamento federal. O planejamento compreensivo, horizontal, integrado e de acordo com diagnósticos mais próximos da realidade, deu lugar ao tratamento vertical, setorial e segundo a existência de fontes de financiamento para projetos específicos. Cresceu a importância da montagem de sistemas de informações para negociação de recursos. Também aí as instituições públicas reproduziram o mesmo esfacelamento. Cada uma passou a negociar espaços e recursos sem levar em conta a necessária integração institucional. Cada uma passou a desenvolver projetos como se constituísse, ela, o próprio governo estadual ou municipal como um todo. Isso acarretou disputas institucionais, diagnósticos direcionados unicamente para captação de financiamentos e desperdício de recursos. A população, que é a mesma, independendo dos níveis de atuação do planejamento, continua sendo tratada como um conjunto de carências específicas, quase nunca segundo o conceito mais integral de cidadania.

            O que se depreende de tudo isso é que não é propriamente o planejamento que foi desmontado, no Brasil. Ao contrário, como já se referiu, crise e planejamento são simétricos, quanto maior a primeira, mais necessário o segundo. O que se desmontou foi o Estado brasileiro como um todo. Ele perdeu o seu poder de decisão. Agora, é o mercado que decide. O governo federal passou a ser um mero gestor desse mercado. Os prefeitos e governadores, os gestores da crise.

            Mas, a tal simetria entre crise e planejamento pode possibilitar o primeiro passo para a remontagem do Estado brasileiro, agora em novas bases. É aí que reside a importância do desenvolvimento local. É por aí o caminho, de baixo para cima, que poderão ser revistos conceitos e práticas institucionais. E, é, finalmente e mais importante, a oportunidade de se “reinventar” o País e se definir uma nova prática para a Administração Pública.

            Em primeiro lugar, há que se mudar o conceito de desenvolvimento. Ampliar a visão unicamente “economicista” dos últimos tempos. Dar à realidade o que ela, teimosamente, insiste em ser: integrada e multidisciplinar. O desenvolvimento, neste sentido mais amplo, procura incluir todos os chamados “capitais” da sociedade, o empresarial, o natural, o cultural, o social, o político, o institucional, o humano. O cidadão deixa de ser o conjunto de carências, objeto de disputas institucionais, e passa a ser sujeito da história. O conceito de desenvolvimento passa a ser, também, mais integral, horizontal, multidisciplinar.

            Esse conceito de desenvolvimento só se viabiliza, hoje, a partir de uma perspectiva local, das comunidades, dos municípios. Ali, não se necessita qualquer alquimia para integrar a realidade. Ela já é integrada, em estado bruto. É ali que se dão as relações de vizinhança, de solidariedade, de complementaridade. E é assim que ela deve ser tratada. Os governos municipais e estaduais não podem perder essa compreensão, sob pena de se manterem, eternamente, como meros gestores de crises. Não há perspectiva de mudança do Estado brasileiro de cima para baixo. Ao contrário, de baixo para cima, há potenciais, e latentes.

            Os governos estaduais devem manter suas estratégias de negociação, até porque necessitam de sobrevivência no curto prazo. Mas, devem montar seus sistemas institucionais operacionais a partir desse resgate do conceito de desenvolvimento, junto às populações locais. Em suma, devem resgatar o planejamento do desenvolvimento estadual, a partir de uma visão multidisciplinar e interinstitucional e calcada nas relações que se dão a nível local, nos municípios. Ali, é possível, a partir ações políticas, integrar atividades que permitam o bem estar econômico, o equilíbrio ambiental, a eqüidade social, a identidade cultural, enfim, as necessidades humanas básicas, materiais e espirituais.

            Não se quer, com isso, reduzir os problemas nacionais, ou escamoteá-los. Ao contrário, com essa perspectiva legitimada é que se quer lançar as bases para a definição de uma plano de desenvolvimento verdadeiramente nacional. A prioridade ao mercado interno e a utilização das vantagens comparativas do país, por exemplo, são questões quase que automáticas numa concepção de desenvolvimento a partir do local, do município. Se há descaminhos, e eles levaram à crise, há que retomá-los, no sentido inverso. O “economicismo”, de cima para baixo, não aumentou o bolo o suficiente, nem o repartiu em fatias as necessárias. A receita caseira, no caso, não é uma volta ao passado. É o caminho do futuro, na mão correta. E nossa!

            Era o que eu tinha a dizer.


            Modelo14/24/247:53



Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2001 - Página 19038