Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogios ao Ministério da Educação pelas providências anunciadas no sentido de facilitar o acesso dos negros à universidade, defendendo a adoção de medidas que beneficiem também o homem do campo.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • Elogios ao Ministério da Educação pelas providências anunciadas no sentido de facilitar o acesso dos negros à universidade, defendendo a adoção de medidas que beneficiem também o homem do campo.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2001 - Página 18537
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANUNCIO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL.
  • REGISTRO, ANUNCIO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PROVIDENCIA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, AMBITO, ENSINO SUPERIOR, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO RURAL.
  • CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, POLITICA AGRICOLA, PROVOCAÇÃO, EXODO RURAL, FALENCIA, PRODUTOR, DIVIDA AGRARIA.
  • CRITICA, INVESTIMENTO, UNIVERSIDADE FEDERAL, AUSENCIA, CURSO NOTURNO, IMPOSSIBILIDADE, ACESSO, TRABALHADOR, DEFESA, BOLSA DE ESTUDO, ENSINO SUPERIOR, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, INCLUSÃO, NEGRO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realização de uma conferência das Nações Unidas, dia 31 de agosto próximo, na África do Sul, que tratará da discriminação do negro observada em muitos países, fez com que a questão passasse a ser preocupação de quase todos os segmentos organizados da sociedade, principalmente de antropólogos, cientistas políticos e políticos, assustados pela realidade vivida, mas nem sempre proclamada. Devido, talvez, à imensidão territorial do Brasil, à sua população de aproximadamente 160 milhões, muitas vezes, a discriminação some, se distancia e nem sempre é observada ou sentida, sobretudo pela elite brasileira.

            Hoje, Sr. Presidente, grande parte da imprensa trouxe, à apreciação dos seus leitores, matérias questionando a dimensão da desigualdade entre negros e os brancos no Brasil. O enfoque levou o Ministério da Educação a anunciar possíveis providências para conter essa desigualdade gritante que se observa entre negros e brancos.

            Louvo, aqui, a atitude do Ministro Paulo Renato ao demonstrar sua preocupação com essa desigualdade. No entanto, gostaria de ressaltar que essa não é uma questão simplesmente de um ministério governamental. Ela deve envolver o Governo em todas as suas áreas. E, ao envolver todas as áreas, o Governo deve entender que essa situação não alcança simplesmente o negro, mas, sobretudo, um segmento considerável da população brasileira oriundo da zona rural.

            Há mais ou menos quarenta anos, de 70% a 80% da população brasileira vivia na zona rural. Hoje, o quadro está totalmente invertido: mais de 80% vivem nas cidades, em torno de 17%, 18%, na roça.

            Isso trouxe uma série de conseqüências à vida dos brasileiros, porque o cidadão da zona rural é menos dispendioso à sociedade. O morador da zona rural ao se transferir para a cidade aumenta o custo social desta cidade, principalmente levando-se em conta que nenhuma cidade está preparada para absorver um contingente extraordinário da população em tão pouco tempo. Assim, cidades cresceram, do dia para a noite, desordenadamente, sem o mínimo planejamento. Isso ocorreu com os principais centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, e também com cidades, até mesmo as planejadas, como Belo Horizonte e Goiânia. Goiânia foi planejada para cinqüenta mil habitantes em cinqüenta anos. Hoje, ela está com 67 anos, contando-se do início da construção, uma vez que foi em 1933 que se procedeu ao lançamento da pedra fundamental, iniciando-se a limpeza do terreno para a sua construção, sob o Governo de Pedro Ludovico Teixeira. Essa cidade, atualmente, com pouco mais de cinqüenta anos de inauguração, possui mais de um milhão de habitantes. Isso ocorreu em quase todas as regiões do País.

            Hoje, a grande preocupação da sociedade, sobretudo das elites, é com o negro. A minha presença nesta tribuna é, primeiro, para aplaudir essa preocupação de todos em relação à desigualdade gritante e à discriminação descarada contra o negro. Mas essa situação não se refere simplesmente ao negro, refere-se a todos aqueles oriundos da roça, da zona rural, que, desde o descobrimento do Brasil, foram tratados sobretudo como objeto, como animais irracionais. É um mal de origem. Desde a colonização brasileira observamos dois níveis distintos de trabalho: o trabalho da roça e o daquele que vivia na cidade. Nesta última, estavam, sobretudo, os da classe mandante e, na zona rural, os produtores rurais, os garimpeiros. Assim essa cultura foi-se desenvolvendo e, lamentavelmente, reflete-se acentuadamente na vida desse segmento rural até hoje.

            Os jornais, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, publicam matéria a respeito do que deve o Brasil dizer na África do Sul, nos próximos dias, em assembléia patrocinada pela ONU. Cada jornal expressa sua opinião a respeito da condição da população negra em nosso País. Quero que esta preocupação vá mais além, chegue àqueles que, ao lado dos negros, viveram esses séculos, lavrando a terra, extraindo as riquezas contidas, em grande quantidade, no nosso subsolo, extraindo madeira - ocupação daqueles que não sabiam e que ainda hoje não sabem ler. A desigualdade ocorreu não apenas em relação ao negro - reafirmo -, mas em relação ao homem da roça, às famílias oriundas da zona rural.

            A imprensa proclama que apenas 2% dos negros chegam às universidades. Mas é preciso considerar que, dos 40% da população que deixaram a roça e não encontraram ambiente na cidade, apenas 2% estão chegando às universidades. Isso é discriminação, Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores.

            Repito: as pessoas que trabalhavam, que buscavam sobreviver na zona rural, e chegaram à cidade nos últimos anos, não encontraram emprego, habitação, nem condições dignas de vida, buscaram áreas livres e formaram as favelas.

            No entanto, além dos favelados, encontramos aqueles que também foram expulsos da roça pelo sistema financeiro selvagem, vigente no Brasil há quantos anos? Milhões e milhões de brasileiros perderam suas pequenas propriedades rurais quando buscaram recursos e financiamentos dos bancos, para investimento na roça ou até para custeio agrícola. E isso ocorre até hoje. Por um lado, o Governo está gastando milhões com a desapropriação de terras, mas, por outro lado, está expulsando milhares de pessoas, por deverem ao Banco do Brasil e a outras instituições particulares de crédito, que são obrigadas, por lei, a emprestar parte dos depósitos, à vista, à zona rural.

            Sr. Presidente, não podemos, em hipótese alguma, esquecer o negro, tampouco esses pobres oriundos do meio rural, que, até hoje, vivem por aí - e só eles sabem como. Portanto, não é justo que o Sr. Ministro da Educação se preocupe com um curso preparatório para os negros e esqueça os pobres brancos, que também não conseguem chegar à porta de uma fábrica para pedir emprego.

            Sr. Presidente, o Brasil é o país das contradições. Já fiz um alerta a esse respeito. O Governo investiu e tem investido muito nas universidades públicas, mas 90% dos cursos nessas instituições funcionam durante o dia. O estudante pobre não consegue chegar à universidade pública porque necessita trabalhar durante o dia para a sua subsistência, a dos seus pais - muitas vezes doentes - e a dos seus irmãos; e à noite não há cursos nesses estabelecimentos de ensino. Essas pessoas não logram chegar à universidade ou a uma escola técnica porque precisam trabalhar, e os cursos públicos funcionam durante o dia. Sr. Presidente, as universidades públicas estão entupidas daqueles que não necessitam trabalhar e têm pais para mantê-los; assim, ficam lá os que poderiam pagar as mensalidades e, nas universidades particulares, estão os pobres.

            Em Goiânia, Sr. Presidente, temos a Universidade Federal, na qual estudam aproximadamente 12 mil universitários. Mas há a Universidade Católica e a Universidade Objetivo, com 14 cursos; a Faculdade Anhangüera, com quase 20 cursos. Goiânia é um centro universitário extraordinário, mas, lamentavelmente, 90% dos estudantes de curso superior daquela cidade são de instituições particulares. Noventa por cento desses são pobres e lutadores; são filhos de operários, muitos deles também são operários que levantam de madrugada para chegar ao trabalho. Saem correndo, muitas vezes sem jantar, com a finalidade de freqüentar um curso particular. Na maioria dos casos, eles não conseguem realizar um bom curso porque chegam à faculdade cansados, voltam para casa às onze horas da noite ou à meia-noite e não têm tempo para estudar.

            Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção do Sr. Ministro da Educação, Dr. Paulo Renato Souza, para essa realidade. Não sejamos injustos com ninguém neste País! Instituir cursos preparatórios e reservar, suponhamos, 10% ou 20% das vagas nas faculdades para negros é levar o problema social com a barriga! Temos que enfrentar com cara e coragem esta situação e cortar investimentos, quem sabe, em muitas outras áreas e não deixar faltar bolsa de estudos para todo estudante que for aprovado no vestibular para um curso superior e comprovadamente não tiver recursos para pagar as suas mensalidades. O Estado, o Governo Federal, deverá dar a esse estudante uma bolsa. É preciso. Aí sim, estaria o Governo dando igualdade de oportunidades aos negros, aos brancos pobres, a todos que se sentem marginalizados, que não vêem, que não vislumbram uma oportunidade neste País. O que queremos? Igualdade de oportunidades.

            Sr. Presidente, estou absolutamente consciente de que o Parlamento brasileiro precisa assumir uma posição e estabelecer uma obrigatoriedade por parte do Poder Executivo de dar a todo jovem que concluir o curso primário a oportunidade de chegar ao ensino secundário. E, justiça seja feita, as prefeituras e os governos estaduais têm feito com que um percentual admirável de crianças freqüentem a escola. Diariamente, prefeitos buscam na zona rural crianças para as escolas urbanas; outros levam professores à zona rural a fim de ensinar os filhos dos lavradores. Mas podemos observar que o número de crianças que concluem o curso primário e não conseguem entrar no ensino secundário é muito grande. E do segundo grau para as universidades nem se fala; todos conhecem os altos percentuais. É claro, não queremos viver em um país de 100% doutores. Não. Mas queremos um país onde todo cidadão esforçado e inteligente que desejar subir na vida tenha a oportunidade de freqüentar um curso superior. Mas que estudante, que jovem pobre consegue um diploma de médico no Brasil? Ou de engenheiro? Ou de um curso que exija tempo integral? Pobre não chega lá.

            Tenho meditado a respeito do assunto. E pretendo trazer à apreciação da Casa, quem sabe, um projeto que dê oportunidade aos jovens para o acesso a um curso superior. Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu estou muito à vontade para falar a respeito porque, quando governador, nós procuramos solução para esse problema. Minha primeira preocupação, no segundo ano de governo, foi determinar que todos os estudantes do terceiro ano do segundo grau estudassem em um mesmo colégio, um colégio de ensino especial; ali eles terminavam o terceiro ano e já se preparavam para o ingresso na universidade. Anteriormente a esse curso, nenhum estudante de colégio estadual, em Goiânia, conseguiu aprovação no vestibular para curso superior. Nenhum! Sr. Presidente, no ano seguinte, 400 e tantos estudantes, filhos de pobres, conseguiram aprovação nas faculdades. Mas nós sentimos que seria injusto que os filhos de pobres das cidades do interior não tivessem essa oportunidade, então passamos a levar cursos superiores, sobretudo na área de Letras, para o interior. Criamos mais de 40 faculdades no interior. Hoje, grande parte dos professores do Ensino Fundamental no interior do Estado são oriundos desses cursos superiores estaduais, cujas faculdades acolhem no interior de Goiás mais de dez mil jovens pobres, cujos pais não tinham e não têm condições de mantê-los em Goiânia ou em Anápolis, onde existem inúmeros cursos superiores.

            Querendo, o Governo encontrará uma solução, pelo menos, para aproveitar a inteligência dos jovens pobres - a inteligência não é uma dádiva concedida apenas aos filhos de famílias afortunadas. Quantos jovens pobres e inteligentes conhecemos, cujas inteligências se perderam por este Brasil afora? Quantos gênios temos perdido?

            Sr. Presidente, eu quis aproveitar essa preocupação, tendo em vista os estudos que se fazem atualmente para que o Brasil se apresente naquela Assembléia-Geral da África do Sul, para alertar o Governo: aproveitemos essa preocupação com o negro e façamos com que os jovens pobres deste País tenham uma oportunidade na vida, que muitos dos adultos de hoje não tiveram.

            Estou certo de que se o Governo Federal juntar suas forças à dos governos estaduais e municipais poderá mudar a realidade brasileira. Hoje é irrisória a quantia destinada constitucionalmente À União, aos Estados e aos Municípios para investimento na área da educação. Daí por que atualmente a oportunidade de freqüentar um curso superior é restrita a um percentual tão pequeno da juventude. Todavia, trata-se apenas de administração.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/7/242:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2001 - Página 18537