Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário ao acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre Brasil e Estados Unidos, visando a exploração do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Posicionamento contrário ao acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado entre Brasil e Estados Unidos, visando a exploração do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2001 - Página 18267
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • CRITICA, DESVIO, FUNÇÃO, SETOR, FORÇAS ARMADAS, CONTINUAÇÃO, METODO, REGIME MILITAR, EXECUÇÃO, REPRESSÃO, TORTURA, ESPIONAGEM, LIDER, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • APOIO, POSIÇÃO, WALDIR PIRES, DEPUTADO FEDERAL, REJEIÇÃO, ACORDO, SALVAGUARDA, TECNOLOGIA, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UTILIZAÇÃO, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), ATENTADO, SOBERANIA NACIONAL, INEXISTENCIA, POSSIBILIDADE, TRANSFERENCIA, BENEFICIO, BRASIL.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, DOCUMENTO, AUTORIA, RONALDO MOTA SARDENBERG, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), ADVERTENCIA, POSSIBILIDADE, PERDA, INVESTIMENTO, AUSENCIA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, ACORDO, UTILIZAÇÃO, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), PREJUIZO, PAIS, DESENVOLVIMENTO, ESTADO DO MARANHÃO (MA).

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há alguns dias, o jornal Folha de S. Paulo publicava a notícia de que militares do Exército continuam fazendo um trabalho de espionagem, que eles chamam de Serviço de Inteligência do Exército. O jornal citava um documento encontrado no Estado do Pará, na cidade de Marabá, que relacionava algumas entidades, como a Central Única dos Trabalhadores, o Movimento dos Sem-Terra e outras mais, como inimigos internos, como forças adversas que precisavam ser destruídas.

A ditadura militar acabou neste País em 1985. No entanto, alguns setores militares continuam ainda com a mesma posição reacionária, intransigente, repressora, e não se cansam de espionar os líderes da Oposição, os movimentos sociais, passando por cima até da Agência Brasileira de Inteligência - Abin.

Nesta tribuna, na semana passada, abordei esse tema, denunciando que, até hoje, continua a prática de tortura dentro dos quartéis das Forças Armadas, da qual participam elementos da própria corporação do Exército e da Aeronáutica - citei nominalmente as pessoas torturadas, algumas até à morte, informando a idade e outros dados. Isso demonstra que o aparelho de repressão continua funcionando, que setores das Forças Armadas ainda adotam as mesmas práticas utilizadas durante o regime militar.

É de se estranhar que os militares, sempre tão zelosos pela nossa segurança, queiram acabar com os chamados inimigos internos - o MST, a CUT e outros órgãos - e não cuidem, por exemplo, da defesa do nosso Território, da nossa soberania.

Sr. Presidente, quero hoje tratar sobre o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, firmado entre o Governo brasileiro o e Governo norte-americano, para utilização do Centro de Lançamento de Alcântara, no Estado do Maranhão, firmado em 18 de abril de 2000, em tramitação no Congresso Nacional, com parecer, pela rejeição, do Deputado Waldir Pires, do PT da Bahia.

Inicialmente, quero louvar a atitude do Deputado Waldir Pires, porque o acordo que o Governo pretende ratificar, tendo como principal argumento a inviabilidade econômica do Centro, é um flagrante atentado à soberania nacional, e a permissividade nele embutida é, de muitas maneiras, inaceitável.

De início, é o que se pode considerar uma ingerência do Governo norte-americano. Se não, vejamos: o Brasil “não poderá utilizar os recursos obtidos de Atividades de Lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, testes, liberação ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados (quer na República Federativa do Brasil quer em outros Países)”, é o que determina o § E do art. III. Ou seja, abrimos mão de desenvolver um programa espacial próprio. Além disso, os Estados Unidos determinam onde o Brasil poderá investir os recursos provenientes do “aluguel”: no desenvolvimento e manutenção de portos, aeroportos, linhas férreas, sistemas de comunicação etc, que beneficiem o Centro de Lançamento de Alcântara. Isso, é óbvio, para garantir investimento no aprimoramento da infra-estrutura da base para que eles irão utilizar. Cabe aqui um parêntese: mencionei a palavra aluguel, mas, segundo explicações do Ministro da Ciência e Tecnologia, “o Brasil não aluga, não arrenda, não empresta a nenhum outro país, em hipótese alguma, o Centro de Lançamentos de Alcântara. O Centro prestará serviços de lançamento de satélites, em bases comerciais”. No entanto, pelo teor dessa primeira exigência e das outras que veremos a seguir, está claro que o Brasil mais do que prestará serviços ao governo norte-americano, como veremos a seguir.

Sobre a transferência de tecnologia, que poderia ser uma contrapartida razoável num acordo dessa natureza, o Acordo não só não prevê essa hipótese como a proíbe. É o que se constata no § 1º do art. V, que diz o seguinte: “Este Acordo não permite, e o Governo dos Estados Unidos da América proibirá, que participantes norte-americanos prestem qualquer assistência aos Representantes Brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de veículos de lançamento, espaçonaves e/ou equipamentos afins...”

Mas não pára por aí, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, veremos agora um dos pontos mais graves do acordo, um atentado à soberania nacional: é o que estabelece a criação, no Centro de Lançamentos de Alcântara, de áreas restritas sob controle direto dos norte-americanos. Isso mesmo, o governo norte-americano terá controle direto de áreas da base. E mais, essas áreas serão inacessíveis aos técnicos brasileiros que lá trabalham. Isso significa que os Estados Unidos da América poderão manter uma base própria, de fato e de direito, em solo brasileiro. O § 2.º do art. VI estabelece claramente: “As Partes assegurarão que somente pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlarão, vinte e quatro horas por dia, o acesso a Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos e às áreas restritas referidas no art. IV, § 3º, bem como o transporte de equipamentos/componentes, construção/instalação, conexão/desconexão, teste e verificação, preparação para lançamento, lançamento de veículos e lançamento de espaçonaves, e o retorno dos equipamentos afins e dos dados técnicos aos Estados Unidos da América...” Além disso, pelo § 3.º do art. VI, fica determinado que representantes norte-americanos poderão realizar inspeções, sem aviso prévio ao governo brasileiro, tanto nas áreas restritas, quanto nas demais áreas reservadas para lançamento de espaçonaves.

Devo relembrar, neste momento, a afirmação do Ministro da Ciência e Tecnologia, para, em seguida, destacar uma salvaguarda de natureza política que nos tira a autonomia sobre a “prestação de serviços” do Centro. Diz o Ministro: “O Brasil não aluga, não arrenda, não empresta, a nenhum outro país, em hipótese alguma, o Centro de Lançamentos de Alcântara. O Centro prestará serviços de lançamento de satélites, em bases comerciais”. Só que o § A do art. III estabelece que o Brasil “...não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, de cargas úteis ou veículos de lançamento espacial de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das partes, tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional”. Devemos entender que, por essa cláusula, o Brasil se sujeita ao impedimento de utilizar sua base para lançar satélites de nações desafetas dos EUA? Está claro que sim! E, em contrapartida, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil não terá nenhum controle sobre os lançamentos feito pelos EUA na nossa base. Quanto a isso, o Deputado Waldir Pires, em recente declaração à imprensa, dá como exemplo a China, que não faz parte do Mecanismo de Controle de Tecnologia de Foguetes e Mísseis (MTCR), criado pelos Estados Unidos para impedir a transferência de tecnologia a países proscritos, como Iraque, Irã e Coréia do Norte. A China, Srªs e Srs. Senadores, é um país com o qual temos grande intercâmbio tecnológico. Mas, por esse Acordo, estaríamos impedidos de lançar foguetes chineses a partir do Centro de Lançamentos de Alcântara, que é nosso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recebi em meu gabinete uma publicação do Exmº Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardenberg, dedicada exclusivamente aos Parlamentares brasileiros, “didaticamente” bem pontuada, onde se constatam as “mil maravilhas” do Acordo que o Governo pretende ratificar. É desse documento a afirmação do Ministro que citei anteriormente. No documento, o Governo nos alerta (quase uma chantagem) para os problemas no caso de não aprovação. Transcrevo, aqui, uma pequena parte: Pergunta: “O que representará para o País a não aprovação do Acordo pelo Congresso Nacional? Resposta: Ao não utilizar Alcântara na sua potencialidade, o Brasil perde recursos financeiros e corre o risco de desperdiçar investimentos já feitos no Centro, da ordem de 300 milhões de dólares, com claros prejuízos para o País e para o desenvolvimento da região. A expansão da utilização do Centro de Lançamento de Alcântara pode colocar o Brasil no cenário mundial dos centros de lançamento de satélites que operam em regime comercial. Nos últimos anos, cresceu de forma expressiva a demanda desse mercado, que projeta para o período de 98 a 2007 cifras que alcançam vários bilhões de dólares”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sobre os problemas do Centro de Lançamentos de Alcântara, devemos debater e buscar soluções. Há mesmo muitos problemas, e os de ordem econômica têm um peso muito grande nessa discussão. Ali foi feito um grande investimento. Não podemos desconsiderar isso. Mas a solução não é colocá-lo à venda. O texto do Acordo é muito claro e em língua portuguesa, não dando margem a dúvidas: o Brasil não só abre mão de realizar, com autonomia, um programa espacial naquela área, sem exigir contrapartidas concernentes à transferência de tecnologia, como, pior que isso, abre mão de sua soberania.

Ainda de acordo com o Ministro da Ciência e Tecnologia, o acordo foi firmado com os Estado Unidos “por uma questão de funcionalidade”, uma vez que “os Estados Unidos detêm a liderança mundial do mercado de satélites. Sozinho, aquele país fabrica 80% dos satélites comercializados no planeta. Sendo assim, antes de firmar acordos de salvaguardas com outras nações para lançamentos de satélites (que, em geral, são norte-americanos), é producente já ter assinado o acordo com os Estados Unidos. Tê-lo feito proporciona maior rapidez ao processo de execução de acordos de salvaguardas e de acordos comerciais posteriores. Fosse outra nação a líder mundial do mercado na produção de satélites, pelo motivo mencionado acima, o acordo de salvaguardas seria assinado em primeiro lugar com esse país”. Ou seja, não estamos entregando uma base aérea brasileira, ou parte dela, com tal grau de permissividade, a qualquer nação. E esse é o problema grave que devemos debater.

Em entrevista ao Correio Braziliense, o Ministro Ronaldo Mota Sardenberg reconheceu que “o acordo não foi escrito com muito amor. Mas foi a única forma de negociar com eles”. A entrevista foi provocada pelo próprio Ministro da Ciência e Tecnologia, de acordo com matéria do Correio Braziliense, e a ela estavam presentes o Chanceler Celso Lafer e o Presidente da Agência Espacial Brasileira, Luiz Gylvan Meira Filho. S. Exª fez isso porque sabe que terá dificuldades de ratificar o acordo nessas bases.

A propósito da defesa da soberania nacional, acho oportuno lembrar o programa de espionagem, em curso no Exército Brasileiro, denunciado pela imprensa nas duas últimas semanas. Num discurso que fiz sobre o caso, fiz referência a um setor das Forças Armadas que procura desvirtuar seu papel constitucional. Para esse setor, segundo documentos divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo, são considerados “inimigos” da Nação organizações não governamentais, a CUT e o MST. Uma grande ironia! Seria cômico, não fosse trágico.

Quero, por último, destacar a correta posição do Deputado Waldir Pires e fazer um apelo aos membros da Casa para que se manifestem contra esse flagrante atentado à soberania nacional.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2001 - Página 18267