Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a divulgação, pela Folha de S.Paulo, do "Mapa da Fome" do Centro de Políticas Socais da Fundação Getúlio Vargas, e de reportagens sobre os altos lucros das empresas privadas.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. BANCOS.:
  • Considerações sobre a divulgação, pela Folha de S.Paulo, do "Mapa da Fome" do Centro de Políticas Socais da Fundação Getúlio Vargas, e de reportagens sobre os altos lucros das empresas privadas.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2001 - Página 18344
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. BANCOS.
Indexação
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFINIÇÃO, REGIÃO, FOME, PAIS, ANALISE, PERIODO, CRISE, VALORIZAÇÃO, DOLAR, AUMENTO, TAXAS, JUROS, LUCRO, BANCOS.
  • CRITICA, BANCOS, APROVEITAMENTO, OPORTUNIDADE, CRISE, AUMENTO, LUCRO.
  • CRITICA, GLOBALIZAÇÃO, PROMOÇÃO, EXCLUSÃO, SOCIEDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUMENTO, POBREZA.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo registrar nesta Casa, Sr. Presidente, dois relatórios que, por sua importância e seu significado, devem servir para reflexão de todos nós, que nos preocupamos com a construção de uma sociedade justa e sustentável para o nosso País.

Refiro-me às manchetes dos jornais da semana passada que anunciaram, de um lado a conclusão dos estudos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, que acabou de divulgar o “Mapa de Fome”, segundo o qual 50 milhões de pessoas no Brasil, ou 29,3% da população, vive com renda inferior a R$80,00 per capita - o Brasil acaba de perdoar parcela da dívida da República da Zâmbia e uma das razões alegadas é que a renda per capita naquele país é de U$300,00. R$80,00, Sr. Presidente, não permite sequer comprar uma cesta básica e faz significativa parcela da população brasileira viver abaixo dos níveis de vida daquele país africano;. de outro lado, os mesmos jornais anunciam: Bancos lucram alto com a crise Jornal do Brasil 31/07/2001). A valorização do dólar, a elevação da taxa de juros, a cobrança de tarifas e a venda casada de produtos, fizeram com que só o Bradesco registrasse no primeiro semestre desse ano, um lucro de R$1,042 milhões de reais e um aumento de seus ativos da ordem de 29,26%.

Mas o caso do Bradesco não constitui um fato isolado.

Segundo as mesmas notícias, lucros superiores a 1 bilhão de reais tiveram no ano passado um seleto time de apenas 6 empresas, além do Bradesco: O Banco Itaú, a Petrobras, a Eletrobrás, a Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Telesp. Lucros semelhantes, segundo os analistas, deverão revelar os balanços do Itaú, do Unibanco e do ABNReal, entre outros, que serão brevemente divulgados.

Onde está a crise, Sr. Presidente? Será que a crise deve atingir apenas as finanças governamentais? Apenas os setores produtivos - a indústria, o comércio, a agricultura? Apenas as pessoas? A renda? Os salários? Por que não podem os bancos assumir também parte da crise em vez de apenas os lucros?

Devo dizer, Sr. Presidente, não sou contra o lucro. Mas essa dicotomia é grave demais para não merecer uma profunda reflexão, da parte desta Casa e da parte das autoridades responsáveis pela condução do processo brasileiro. Esta é uma situação insustentável, e deverá chegar o momento em que a crise social se vai transformar em crise econômica, e isto é inevitável.

Deve preocupar-nos, Sr. Presidente, não o lucro em si, mas essa dicotomia em que o capital ou o lucro se concentram enquanto crescem os setores periféricos ou excluídos da sociedade. No Rio de Janeiro, 14,38% da população encontra-se nesta situação. “Em 1993, este número era três vezes menor” - informa o Coordenador do Comitê Rio da Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria”.

Sei também, Sr. Presidente, que o que ocorre no Brasil é parte do que está ocorrendo no processo de globalização. O processo de globalização como vem ocorrendo, não como deveria ser, concentra a riqueza cumulativamente nas mãos de um número cada vez menor de pessoas, enquanto expande as condições de miséria para um número cada vez maior. Assim, segundo dados da ONU, no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, em torno de 2.000 bilhões de pessoas no mundo vivem abaixo do índice de miséria - menos de 2 dólares por dia, ou seja, nas mesmas condições dos 50 milhões de brasileiros identificados pela Fundação Getúlio Vargas.

O mais grave, nobres Senadores, é que também em nível global, como no Brasil, cresce esta dicotomia. Assim é que há trinta anos, a participação dos 20% mais ricos da população mundial na riqueza do mundo subiu de 62% para 82%, enquanto que a participação dos 20% mais pobres, que era de apenas 2,3% baixou para 1.4%.

O fato de o Brasil estar desta forma inserido num mesmo contexto global, de concentração e exclusão, no entanto, de maneira alguma serve como justificativa para esta realidade. Ao contrário. Torna a situação tanto mais grave, porque a ameaça da ruptura deste processo, além de sua insustentabilidade interna passa a ser condicionada por fatores externos, sobre os quais cada dia menos, o Brasil perde sua capacidade de influir.

Diria até mais, Sr. Presidente, diria que esta situação a que estamos sendo levados, já é, em grande parte, conseqüência da forma como estamos inseridos no contexto global, e dele nos tornaremos cada vez mais dependentes.

É necessário e urgente, Sr. Presidente, nobres Senadores, que a Nação se debruce sobre um projeto alternativo para o País, que considere a valorização das potencialidades nacionais, a integração do homem brasileiro no processo, adequado aproveitamento nossos imensos recursos naturais e, enfim, um relacionamento mais criativo com o mundo, que nos liberta do círculo vicioso da concentração, da perda da soberania sobre as decisões nacionais e da exclusão crescente que leva à miséria significativa parcela da população brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2001 - Página 18344